Manuel Vaz Pires

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Requiem por uma greve de contornos pouco claros

Greve cirúrgica, assim lhe chamaram. Foram buscar à terminologia castrense o classificativo. Todos nos lembramos dos “ataques cirúrgicos” no Iraque e nos Balcãs. E esta greve era duplamente cirúrgica: 1.º porque assentava sobretudo na greve dos enfermeiros do bloco operatório(das cirurgias); 2.º porque o alvo da greve tinha sido escolhido “cirurgicamente”, ou seja, onde “dói” mais. Por isso o pré-aviso de greve não abrangia o País mas tão só 5 dos seus maiores Centros Hospitalares. O modelo da greve foi assim pensado para “criar constrangimentos económicos ao Estado” e teve sucesso pois em 4 dos 5 Centros o impacto da greve foi de 12 milhões de euros. Só no S. João foi de 5 milhões. Para este sucesso muito contribuíram os fundos, recolhidos em plataforma digital, para ressarcir, SÓ, os enfermeiros do Bloco Operatório. Estes, sem qualquer prejuízo pelo facto de fazerem greve estariam assim, indefinidamente, enquanto o sindicato quisesse. Se até então o grau de justeza das greves se media pelo grau de adesão das respectivas classes, para esta greve o sucesso assentava no número de cirurgias adiadas, os tais “constrangimentos” conseguidos à custa do sofrimento de terceiros pondo-lhe em causa aquilo que eles têm de mais sagrado: a saúde. Por isso é que interessava que os enfermeiros do Bloco não tivessem prejuízos com a greve a ponto de lhe pagarem o dia da falta com o dinheiro do tal fundo. Lá que foi bem estudado, foi, na parte da estratégia mas já não direi outro tanto no que diz respeito à ética e à moral. Os enfermeiros fizeram o seu juramento de Hipócrates. Lamentavelmente.

Mas fica um ensinamento para memória futura. Que as greves deveriam ter um mínimo de adesão da classe para serem consideradas legítimas. Sem esse mínimo, as faltas não teriam a cobertura que a Lei actual lhes dá. A greve é demasiado importante e séria para poder ser manipulada por chicos-espertos. Imagine-se este cenário: os sindicatos dos trabalhadores tributários fazem um pré-aviso de greve sem termo, isto é, por tempo indeterminado. Entretanto fazem saber, nos bastidores, que é para fazerem greve, SÓ, os tesoureiros (greve cirúrgica) e que esses não terão qualquer prejuízo pois serão ressarcidos por um fundo criado pelos próprios colegas. Como os tesoureiros são uma pequena minoria no conjunto dos trabalhadores tributários isto é fácil de conseguir. Os “constrangimentos” que daí viriam são fáceis de imaginar. Ficaria, assim, o País dependurado nos tesoureiros da Fazenda Pública independentemente do grau de adesão à greve do grosso da classe pois esses nem fariam greve.

Do caderno reivindicativo dos enfermeiros algumas coisas foram conseguidas outras não mas duas houve que provocaram a intransigência do Governo: uma foi o aumento de 400 euros na remuneração no início da carreira (de 1200 para 1600); outra foi a diminuição da idade mínima para a reforma. 57 anos, defendem, contra os 66 e 5 meses actuais.

Em relação ao aumento de 400 euros só posso dizer que a pretensão deixa qualquer um boquiaberto. Um aumento de 33% quando ninguém é aumentado? Um aumento que deixaria para trás todos os técnicos superiores da Função Pública (licenciados), porquê? Um aumento que tornaria o vencimento do Enfermeiro superior ao do Médico? Não me parece razoável mas uma delegada sindical instada a justificar esta pretensão do estatuto de “primus inter pares” não descartou essa hipótese e argumentou que a importância do Enfermeiro em nada é inferior à do Médico. Bom, o figurino do Acto Médico não mudou assim tanto. E ainda nos lembramos do Hospital velho onde o acto médico era praticado por médico com a ajuda de uma “Irmã” da Misericórdia. Aí víamos o médico exibindo os conhecimentos na elaboração das hipóteses; víamos a sua aflição na escolha da opção; víamos a sua angústia perante a possibilidade de erro; por fim víamo-lo intervir, um acto exclusivo da sua classe. Isto tudo perante a “Irmã” atenta, prestável e ansiosa por ser solicitada. E víamos, também, entre estas duas prestações um abismo qualitativo diferenciador. À Senhora enfermeira, delegada sindical, o que lhe sobra em jactância falta-lhe em senso comum.

O outro desiderato, de baixar a idade da reforma para os 57 anos, prende-se com a alegação de ser a profissão de enfermeiro uma profissão de desgaste rápido. Não sei a que desgaste se referem: se físico, se psíquico. Atleta de alta competição, controlador aéreo, piloto, bailarino são profissões de desgaste rápido, por razões físicas, e a gente entende porquê. Já não consigo irmanar os enfermeiros com estes profissionais no merecimento da benesse social. Quanto ao desgaste psíquico é verdade que ele incide mais nas profissões onde os trabalhadores têm um contacto directo com o público. Mas o público dos enfermeiros, os doentes, são um público cordato, obediente que cumprem sem pestanejar tudo que lhes é solicitado mas o mesmo já se não verifica nos públicos imprevisíveis dos taxistas, dos tributários executores de penhoras, dos guardas prisionais e sobretudo, sobretudo dos professores. Que razões, então, para os enfermeiros terem tratamento de excepção?

Mas não se pode falar desta greve sem falar dessa figura seráfica e sinistra que é a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Ela, que em tom intimidatório, não descartou a hipótese de, nesta greve, poder haver “efeitos colaterais” assustadores. Mas ainda antes de falar da Bastonária quero contestar a existência da Ordem dos Enfermeiros. Assim: diz o Conselho Nacional das Ordens Profissionais que “ As ordens Profissionais são criadas com vista à defesa e à salvaguarda do interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos e por outro lado a autorregulação de profissões cujo exercício exige independência técnica”. Ora aos enfermeiros está vedado o acto médico, trabalham sempre sob tutela, fazem o que lhes mandam fazer. Não vejo, pois, onde possa estar a independência técnica. As Ordens foram criadas para regular a actividade dos profissionais liberais. (Pelas mesmas razões contesto também a existência da Ordem dos Professores). Não compreendo a existência da Ordem dos Enfermeiros, no entanto, uma vez que existe podiam ao menos respeitar os fundamentos da criação de qualquer Ordem que são, como se lê em cima, “…com vista à defesa e à salvaguarda do interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos…”. Foi, mesmo, o que se viu! Além disso vimos a Sr.ª Bastonária tomar a liderança do processo reivindicativo tutelando, até, reuniões de vários Sindicatos. Pois o Conselho das Ordens diz que (as Ordens) “Apenas podem ser constituídas para satisfação de necessidades específicas estando expressamente proibido o exercício de funções próprias das associações sindicais”. Daqui resulta que Ana Rita Cavaco não sabe o que é uma Ordem mas deslumbrada com o facto de ser Bastonária faz “tábua rasa” de uma série de valores, até do comedimento. “O que o berço não deu, Coimbra não dá”. Ela que é assessora do Dr. Rui Rio para a área da saúde, já disse que a liderança deste era um desastre, penso que por não apoiar inteiramente as reivindicações dos enfermeiros. Só lhe fica bem, não é? Espero que Rui Rio tenha presente a Lei de Gresham, aquela Lei que um dia Cavaco Silva enunciou e que diz, mais ou menos, que “a moeda má expulsa a moeda boa”. Rui Rio que se cuide.

O Estado falhou, ele disse

O Estado falhou! Esta declaração solene, feita pelo Presidente da República a propósito dos acontecimentos de Pedrógão, faz lembrar uma outra proferida por Karl Jaspers no fim da 2.ª Grande Guerra. Jaspers, filosofo, judeu, expulso do ensino pelos Nazis pelo facto de o ser, declarou com humildade que “a culpa do Nazismo é de todos nós”. Claro que ninguém lhe aceitou a tese. Para coisas concretas há culpados concretos e não abstracções como TODOS. “O Estado falhou” é culpar uma abstracção, isto é, não culpando ninguém foi a maneira encontrada de endossar as culpas a alguém. E esse alguém é o rosto visível do Estado, o Governo. A culpa caiu assim inteirinha no colo do Governo. Foi o que as oposições quiseram ouvir. Cavalgando esse mote conseguiram a demissão da Ministra e do Secretário de Estado. Depois calaram-se porque parece que os problemas que Portugal tinha com os incêndios eram dois: a Ministra e o Secretário de Estado. O resto estava tudo bem.

“O Estado falhou”. Dito por quem é, a primeira figura do Estado, quer dizer que o Presidente também falhou no sinistro de Pedrógão. Claro que, também aqui, ninguém aceita a tese. Ninguém acha que o Presidente tenha qualquer culpa nos acontecimentos de Pedrógão. Mas ele acha. Esta pretensa humildade, esta auto co-responsabilização faz lembrar aquele monge tibetano que, quando estalou a guerra, se inquiriu assim: “que falta de calma existiu em mim que tivesse contribuído para esta guerra”? Eu até entendo que o monge veja uma guerra como o somatório de faltas de calma mas que fale logo da sua, percebo mal. Também o Presidente fala da sua culpa que no limite é filosófica como a culpa de Jaspers. Mas fala. São dois exemplos de alter ego, pessoas que atribuem demasiada importância ao que são e ao que fazem. Shakespeare comparou-os àquelas ondas concêntricas que se formam quando uma pedra cai nas águas de um charco, vaticinando: “à custa de tanto crescerem, desaparecem”.

“O Estado falhou!” Foi este o resumo sintético que o Presidente da República fez dos acontecimentos de Pedrógão e de 15 de Outubro. E não fez grande serviço, o nosso Presidente. Por razões múltiplas, a primeira das quais é mesmo saber se é justa esta apreciação. Não obstante as conclusões da Comissão Técnica que aludem disfunções, desconexões, erro nas previsões e falta de planificações como falhas determinantes no combate ao fogo, temo que estas conclusões estejam inquinadas pela conclusão extemporânea do nosso Presidente. Isto porque “Roma locuta, causa finita” que é como quem diz depois de Roma ninguém mais pode falar. Só que “Roma” devia falar no fim e não fazer findar a conversa. Devia fazer a conclusão da conversa e nunca condicioná-la ou sugeri-la. Como podia a Comissão Técnica não falar no falhanço de toda a estrutura de combate aos incêndios se o Presidente já o tinha feito? Só assim se entende que a Comissão Técnica fale da falta de previsão e falta de planificação e ao mesmo tempo diz que a ocorrência foi “inédita”, “o maior fenómeno piro-convectivo registado na Europa”, “o 5.º maior incêndio em potência desenvolvida”, que “pertence a uma nova tipologia de incêndios de 6.ª geração cuja intensidade libertada permite dominar a meteorologia envolvente criando condições de tempestade de fogo e de propagação extrema”, que “durante 10 minutos se propagou a uma velocidade de 15,2Km/h, velocidade quase sem paralelo na literatura referente a fogos florestais”, que “a extrema raridade de incêndios com formação de pirocumulonimbos implica a inexistência em Portugal (e na Europa) de capacidade de leitura necessária para identificar uma situação potencialmente catastrófica deste tipo”, que o “incêndio de Pedrógão era motivado por downdraft(s) e que o de Góis, ali ao lado, não tinha qualquer semelhança”. Falou ainda, na ocorrência de “downburst(s)” que é, para leigos, um tornado invertido ou mais grosseiramente, só para fazer uma ideia e só para nós, imagine-se um fluxo de ar a uma velocidade incrível descendo pela chaminé fazendo maçarico no braseiro da lareira. Isto à escala real!!! (a única vez que tinha ouvido falar em downburst foi quando, já há anos, um avião que se fazia à pista no Aeroporto de Faro foi subitamente projectado contra o solo. Alguns peritos responsabilizaram este fenómeno atmosférico pelo acidente.)

Depois desta caracterização tão exaustiva e tão bem feita pela Comissão Técnica, só lamento que nas conclusões apareça a falta de previsão e falta de planificação porque não têm razão de ser. Não havia saber de experiência feito pelo simples facto de não haver experiência. Foi inédito e além disso o gigantismo do incêndio foi tal que nem as estruturas nem os bombeiros estavam preparados para isso. Temo que as conclusões intempestivas do Presidente tenham feito a Comissão Técnica tropeçar nos sinónimos.

Mas também a Procuradoria foi tocada por essa magistratura de influência. Assim, numa ânsia reparadora, constituiu mais de uma dúzia de arguidos. Autarcas, bombeiros, agentes da protecção civil, enfim, está lá de tudo. Só não vi lá nem os incendiários nem aqueles que à revelia da lei levaram a mata até à berma da estrada e não desmataram o logradouro das suas casas.

“O Estado falhou” é expressão que não me ocorreu quando vi os incêndios na Austrália ou aquele na Grécia em que tiveram de resgatar as pessoas por mar ou ainda os da Califórnia. Na Califórnia, o Estado mais rico do País mais rico do mundo, a mata ardeu como cá. O fogo teve tanto desprezo pelas mansões dos actores de cinema como pelos casebres abandoados de Pedrógão. E o que vimos naquela parafernália de meios técnicos, que faz as delícias de qualquer bombeiro, não foi um helicóptero com um lato da água pendurado mas sim um avião de carga, quadrimotor, largando calda retardante. Pois de pouco lhe valeu. Será que aqui o Estado também falhou? (que fique pelo menos uma conclusão: o incêndio na mata não se combate. Dar mais meios aos bombeiros para este fim é um luxo e um luxo caro.)

Quando se fala no combate aos incêndios, fala-se sempre no ordenamento florestal e na dificuldade em o concretizar porque 97% da mata é privada. Poderemos assim dizer que o Estado falhou nos seus 3% porque no resto estava tudo bem?

Não me parece que o Estado tenha falhado assim tanto neste caso em apreço. Já quando vejo (para dar só um exemplo) um licenciado trabalhar nas caixas do hipermercado, aí sim, acho que o Estado falhou.

 

Sindicalistas!? Sim, é o que há

O Sindicalismo escreveu páginas de ouro na História do Mundo. E não precisamos de recuar até aos tempos da escravatura para vermos quanto mudou o mundo do trabalho. Basta-nos recuar pouco mais de 100 anos e a acreditar no que diz Dickens de Londres ou Vítor Hugo de Paris para reconhecer, pese embora o muito que há por fazer, que as condições de trabalho de hoje não têm nada a ver com as de então. Trabalhar 8 horas diárias respeitando o descanso semanal, com um salário que, não sendo maravilha, não é uma indignidade, com férias pagas, com assistência na doença e com direito a reforma, sendo hoje adquiridos que ninguém questiona, eram, ainda há bem pouco tempo, uma utopia.

O Sindicalismo tem a sua génese temporal na Idade Média fruto do desagrado que os homens das artes e ofícios sentiam pelo trato e retribuição. Toda a gente se lembra da importância dos mesteirais na revolução de 1383 pelo apoio que prestaram ao Mestre de Avis na transformação de um golpe Palaciano numa revolução de facto (o 25 de Abril revisitou essa página da História). O Mestre retribuiu criando a Casa dos 24 que era um órgão representativo de 12 Ofícios com 2 elementos por Ofício e com assento na governação de Lisboa. Este órgão, pela composição e competências (governação de Lisboa excluída), era a Intersindical à época com o tanoeiro Afonso Anes Penedo a fazer de Arménio Carlos. Portugal guarda dessa revolução recordações que nos envaidecem porque fomos, no Mundo, um farol sociológico. A tal ponto esse evento histórico é avançado para a época que suscita curiosidades não só de historiadores mas também de estudiosos tão díspares como Álvaro Cunhal ou Marcelo Caetano (Freitas do Amaral prometeu um estudo sobre o tema mas penso que ainda o não deu à estampa).

Embora a génese do sindicalismo esteja na Idade Média, o sindicalismo tal qual o conhecemos hoje, pela composição, motivação e modo de actuação, tem a sua matriz no séc. XIX, na revolução industrial, nas grandes concentrações operárias e pelas formas desumanas de laboração. Desde então a gesta do sindicalismo tem sido mais ou menos épica como nos dão conta filmes como “A Greve” de Eisenstein, “Norma Rae” de Martin Ritt, “O Vale Era Verde” de John Ford, “Os Indomáveis” de Paul Newman, um apontamento precioso de Bertolluci no “1900” e muitos outros, nunca esquecendo o “Sal da Terra” de Biberman que é algo mais que a apologia sindicalista. Mas não há bela sem senão e, claro, nem tudo foram “flores” na actuação dos sindicatos. Os sindicatos dos estivadores americanos, muitas vezes controlados pelas mafias, não eram mais que braços armados de um armador contra outro armador. Elia Kasan mostra-nos isso bem no “Há Lodo no Cais”. Também os sindicatos dos pugilistas mais não eram que agências onde eram combinados os resultados dos combates à semelhança do que acontece hoje com o Placard.

Em Portugal depois da revolta da Marinha Grande e da Greve Geral dos anos 40 não houve mais sindicalismo até ao 25 de Abril. O Estado Novo, depois de mandar tudo para o Tarrafal, permitia sindicatos mas não permitia actividade sindical. Mas com o 25 de Abril não houve fome que não desse em fartura. Explicando melhor: dado o fervor revolucionário que na altura se vivia, todos os sindicatos eram dirigidos pelo Partido Comunista ou pela extrema esquerda. Então, o PS vendo que assim perdia a mão de um sector tão importante como é o do mundo laboral decidiu contestar o princípio da unicidade sindical e conseguiu, com a ajuda da direita, que ficasse consignado na Lei a unidade ou liberdade sindical. Isto permitia-lhe fazer uma jogada “tipo Santana Lopes”. Isto é: se não ganho as eleições no sindicato (que seria único se vigorasse o princípio da unicidade sindical) então crio um sindicato novo e assim já está ganho. (Santana Lopes perdeu as eleições no PSD. Criou um Partido novo e já é presidente. Um pouco, também, ao jeito das marcas de vinho ou de azeite que quando querem exibir medalhas ou prémios, promovem concursos eles próprios, para eles próprios ganharem.) O resultado está à vista: os professores têm hoje 23 sindicatos, os polícias 14 e assim por diante.

Ser sindicalista não é fácil nos tempos de hoje. Já vai longe o tempo em que a discussão do salário assentava na apropriação das mais-valias por parte do patronato. Mas hoje que a maior parte dos assalariados são-no de serviços que não produzem mais valias ou melhor que produzem mais valias não quantificáveis, as reivindicações, se forem exclusivamente salariais, tornaram-se uma discussão de regateiras. Ser sindicalista hoje (falando só do sindicalismo no ensino) não pode ser só regatear uns tostões todos os anos mas também criar condições de satisfação profissional ou seja o sucesso na docência o que implicaria outros sucessos. Propor novas formas de ensino, novos currículos, novos manuais, turmas piloto para monitorizar os novos métodos e avaliações, quer dos alunos como dos professores, que é uma forma de avaliar o sistema e tudo isto tendo sempre presente que a dignidade e respeitabilidade do professor são requisitos primeiros. É o mínimo que se pode pedir a quem se pretende ser farol de uma classe. E o que vejo?

Vejo a reivindicação de mordomias como a dispensa total da carga lectiva para alguns sindicalistas. Mário Nogueira, presidente do maior sindicato de professores, há mais de 20 anos que não dá uma aula mas a didática continua a ser coisa personalizada. E logo neste caso em que os indivíduos-alvo constituem o grupo sociológico em que as mutações motivacionais, comportamentais ou até sentimentais têm sempre caráter explosivo e de alta frequência! Como se pode saber não estando lá? Como se arroga no direito de falar de coisas que desconhece? Repare-se que os Reitores do Liceu, no Estado Novo, eram obrigados a lecionar pelo menos uma turma. Isto porque se entendia que existe uma componente invisível no relacionamento professor-aluno, um certo grau de cumplicidade que só existe no pulsar da aula. Mário Nogueira não conhece isto.(Também não sabe disto aquele que implementou as aulas com dupla pedagógica que são pura e simplesmente uma aberração pedagógica, a negação de uma aula.)

Se ser sindicalista se limita a actos administrativos então até nem precisam de ser professores.

Vejo a contemporização quando não cumplicidade nesta fuga à docência por parte de um grupo, cada vez maior, de professores. Uns por relatórios médicos, outros com declarações falsas e outros ainda com a cobertura sindical, a fuga à docência parece ser a pretensão de uma franja apreciável de professores com o conhecimento ou até encorajamento dos sindicatos. Todas as Escolas têm sido alvo desse expediente com a Emídio Garcia a deter esse triste record. E o que sobra disto para o cidadão comum? Sobra a ideia, que se tornou generalista, de os professores serem uns párias, uns absentistas quando não uns fraudulentos. E aqui há forte responsabilidade dos sindicatos ao permitirem que a honorabilidade e a respeitabilidade dos professores sejam, com alguma razão, maculadas.

Vejo a rejeição a qualquer proposta de alteração ao “status quo”, com especial notoriedade para a rejeição à proposta de avaliação dos professores. O Sindicato dizia concordar com a avaliação mas não com aquela avaliação. Tinha todo o direito de não concordar com aquela proposta, eu também não concordava, mas assim, o Sindicato, ficava com a obrigação estrita de apresentar ou uma contra- proposta ou alterações à então apresentada. Até hoje. O que sobra para a opinião pública? Que os professores são uns incumpridores, uns calaceiros e que têm pavor a ver escrutinado o seu desempenho profissional.

Vejo também uma certa deriva sindical que é notória na reivindicação da contagem de tempo de serviço para progressão da carreira, o tempo em que as carreiras estiveram congeladas, os tais nove anos, quatro meses e dois dias. Concordo com ela em abstrato mas tem pormenores que há que ter em conta. A saber: a reivindicação tem de estar em linha com as situações dos outros quadros da Função Pública; que as carreiras estiveram congeladas, numa primeira fase, de 31/08/2005 a 31/12/2007 (dois anos e cinco meses) e depois descongeladas durante os anos 2008, 2009 e 2010. Portanto estiveram descongeladas durante três anos e os Sindicatos não manifestaram qualquer vontade de reivindicar a contagem dos dois anos e cinco meses em que estiveram congeladas. Porquê? Só sentiram ímpetos reivindicativos quando, por um “lapsus linguae” do Primeiro-Ministro, lhes pareceu estar à mão essa conquista. Mas por uma questão de honestidade intelectual só devemos reivindicar aquilo que nos parece um direito e não apenas porque nos parece atingível. De qualquer forma os Sindicatos decretaram greve às avaliações como forma de luta pela contagem do tempo de serviço. Foi um autêntico tiro no pé. As reuniões lá se fizeram tarde e a más horas mas os únicos que estavam “dependurados” com o não fecho do ano escolar eram os professores. Professores com férias marcadas, com compromissos assumidos, outros com hotel já pago tiveram que abdicar de parte das férias e das contrapartidas aos gastos já feitos, pois as reuniões nunca mais se faziam. Convocar uma greve que só prejudica quem a faz é fazer “tábua rasa” dos interesses dos sindicalizados mas é projetar pessoalmente quem a convoca.

Sindicalistas!? É o que há.

Resumindo: onde outrora via abnegação, espírito de sacrifício, sentido de missão, solidariedade vejo hoje frieza, projetos pessoais, calculismo, espirito de desenrasca, burocracia. Razão tinha Bakunine e os seus anarco-sindicalistas quando diziam ter medo que os sindicalistas se transformassem em burocratas demasiado próximos do poder. Repare-se no caso do sindicalista mais importante dos últimos tempos, Manuel Carvalho da Silva. Sindicalista desde o 25 de Abril foi Secretário-Geral da Confederação Geral dos Trabalhadores de Portugal (CGTP) durante 25 anos. A CGTP é o órgão de coordenação dos sindicatos afetos ao PCP até dizem que é a correia de transmissão do Partido Comunista ao mundo do trabalho. Claro que o Secretário-Geral é “obrigatoriamente” um comunista. Manuel Carvalho da Silva era comunista. Quando abandonou a CGTP, por razões de idade, Manuel Carvalho da Silva entregou o cartão de militante como quem diz: “já não preciso de ser comunista, agora só estorva”. Este costume Ariano de morder a mão a quem deu de comer não pode ser bem aceite por quem tem o mínimo de verticalidade, independentemente das simpatias políticas. Carvalho da Silva renegou o Partido Comunista mas penso que a Sociedade também o renegou. “Roma (ainda) não paga a traidores”.

Tancos e o Baile dos Bombeiros

Foram roubadas armas de guerra dos paióis militares de Tancos. O caso foi entregue ao Ministério Público e foram para o terreno as duas polícias de investigação: a Polícia judiciária e a Polícia Judiciária Militar. O putativo gatuno surpreendido com a rapidez da descoberta, que não lhe deu tempo de colocar as armas no mercado, vendo-se com “o menino nas mãos” ensaiou um acordo com os militares sob o olhar atento da PJM. Assim: devolvia as armas e em troco não seria incomodado pelo furto. Os militares aceitaram e fez-se a devolução das armas de forma algo rocambolesca e logo com um azar. A quantidade de armas devolvidas era superior às do furto. (a lógica elementar diz-nos não ter sido este o único furto). A polémica estalou quando se soube do encobrimento que os militares tinham dado ao autor de um ilícito criminal, isto é, a Polícia Judiciária Militar investigava o furto ignorando por completo o autor do mesmo. Já foram constituídos arguidos vários militares e já foram demitidos de funções o Ministro da Defesa e o Chefe do Estado Maior do Exercito.

Estes acontecimentos de

Tancos fizeram-me lembrar

um filme que vi, penso que nos anos 70, do realizador Milos Forman, pela analogia entre ambos. Este realizador, conhecido sobretudo pelos filmes “Amadeus” ou “Voando sobre um ninho de cucos” fez, quando ainda vivia na Checoslováquia, um filme chamado “O baile dos bombeiros”. Este filme pretendia ser um retrato da sociedade checoslovaca daquela época e a amostra escolhida, para estudo/exposição, foi o conjunto dos participantes num baile de uma associação de bombeiros. O baile, em tudo semelhante aos bailes do Club ou da Associação, tinha como atracção suplementar uma quermesse em que o prémio maior era um leitão assado. No decorrer da festa, o comandante dos bombeiros, homem com todo o aspecto de ser um cidadão cumpridor, daqueles que fazem estes serviços cívicos com espirito de missão, é surpreendido pela falta do leitão. Ficou apoplético, insultou toda a gente, berrou, mas vendo que a estratégia era errada alterou o procedimento. Então falou baixinho e pediu por favor que entregassem o leitão e que não receassem fazê-lo que ele garantia absoluto sigilo. Para garantir esse sigilo desligariam as luzes de iluminação e assim ninguém saberia quem estava a restituir o leitão, logo quem o tinha roubado. Desligaram as luzes, uma vez, duas vezes mas o estratagema não surtiu efeito. Entretanto o chefe dos bombeiros que ia percorrendo a sala de cimo a baixo, da esquerda para a direita na esperança de descobrir o leitão apercebeu-se subitamente que quem tinha roubado o leitão tinha sido a sua mulher e a sua filha. O homem ficou para morrer e tentou, com a argumentação possível, demover as mulheres da sua atitude. Mas estas não estavam pelos ajustes e retorquiam “és um burro, só tu é que trabalhas, os outros estão de palanque e ainda hão-de ser eles a comer o leitão?! Era o que faltava!” No meio desta discussão, debaixo de uma mesa e numa altura em que as luzes estavam desligadas, o comandante agarrou no leitão de supetão e correu pela sala às escuras para colocar o leitão na travessa. Quando ia a meio da sala as luzes acenderam-se. O comandante parou surpreendido e viu todos os olhos postos no leitão que levava nas mãos. E aquela figura de leitão ao colo, autenticamente grotesca, caiu no chão, desmaiado, vítima do choque que o opróbrio e a ignomínia adivinhados logo provocaram.

O filme acaba aqui. Para saber mais temos que esperar pelos desenvolvimentos que o caso de Tancos terá. Porque Tancos é o baile dos bombeiros revisitado. Também em Tancos os militares foram apanhados com o “leitão” nas mãos e ao que parece até era maior que o roubado.

 

O meu nome é Vidal. Marques Vidal

A Dr.ª Joana Marques Vidal é a actual Procuradora Geral da República cujo mandato termina agora em breve. A sua recondução ou a sua substituição têm sido polemizadas na sequência de declarações, algo precipitadas, da Ministra Van Dunem nas quais defendia a sua substituição uma vez o mandato ser único. Era, também, a opinião da Dr.ª Marques Vidal manifestada por mais que uma vez, sendo uma Conferência em Cuba um exemplo. O que é um facto é que no estatuto do Procurador Geral nada diz que o mandato não possa ser renovado e até nem diz quantas vezes. Historiando um pouco para se perceber melhor: em 1997 o Dr. Cunha Rodrigues já era Procurador Geral da República há 13 anos. Na altura o mandato de Procurador Geral não tinha limite temporal. Estava lá enquanto quisesse ou então tinha de ser demitido. E os Políticos agastados com aquela presença tutelar, sempre permanente, quase olímpica e até porque temiam dele ambições políticas, não tinham, no entanto, coragem para o afastar pois o homem, além de ter sido um Procurador absolutamente irrepreensível, tinha imenso prestígio quer no meio judicial quer no académico quer na Sociedade em geral. Então o PS e o PSD (pelo menos estes dois e com Marcelo Rebelo de Sousa Presidente do PSD) negociaram o novo estatuto do Procurador Geral onde o mandato seria longo, 6 anos, e seria único que era uma forma airosa de o afastar. Por uma questão de cortesia o Dr. Cunha Rodrigues faria o 1º desses mandatos e no fim dele cessaria essas funções uma vez o mandato ser único (nem tinha lógica haver renovação do mandato pois assim correr-se-ia o risco de o Dr Cunha Rodrigues se perpetuar na Procuradoria tal como estava a acontecer com o anterior estatuto. Se era para ficar igual não teria, assim, sentido a alteração). No entanto, apesar de ser este o espirito do legislador, o que é verdade é que o redactor, por inépcia ou esquecimento (não quero acreditar na intencionalidade), não verteu isso para português de Lei e assim a Dr.ª Joana Marques Vidal pode cumprir tantos mandatos quantos os necessários até à jubilação, assim o queira o poder político. Rigorosamente o que o novo estatuto queria combater. Mas foi neste “lapso legislativo” que as oposições viram uma hipótese soberana de embaraçar o Governo, já que este pela voz da Ministra falara na substituição de Marques Vidal, obrigatória por pensar ser mandato único. Então começaram a fazer pressão no sentido da sua recondução alegando a excelência das suas prestações, a forma firme e corajosa como fez frente a ricos e poderosos, a dignidade e credibilidade que transmitiu à Procuradoria e isto somado ao péssimo sinal que seria dado aos procuradores e à sociedade em geral se acaso ela fosse substituída. São argumentos um pouco ad hoc que suponho não serem sentidos a não ser em política pura. Assim, no que diz respeito à postura da Procuradoria face aos poderosos, se olharmos para trás vemos que Leonor Beleza, Miranda Calha, Filipe Meneses, Carlos Melancia, Torres Couto, Duarte Lima, Vale e Azevedo, Arlindo de Carvalho, Abílio Curto, Carlos Cruz, Nuno Cardoso, Pinto da Costa foram confrontados com a Justiça sem ser precisa a ajuda, que alguns acham indispensável, de Marques Vidal. Claro que esta e os seus apoiantes exibem Sócrates como uma espécie de Ás de trunfo. Mas em vez de contabilizar as “marcas nas coronhas” mais valia atentar nas palavras de Cunha Rodrigues reagindo a um elogio. Assim:” o Procurador Geral não tem processos, estes são dos Sr.(s) Procuradores”. Ou no dizer de Pinto Monteiro “o Procurador Geral é a Rainha de Inglaterra”. E é verdade pois senão também podíamos imputar a Marques Vidal a investigação ao Ministro Mário Centeno por causa de um bilhete de futebol numa demonstração de “nonsense” e jactância que só uma deriva persecutória podem explicar. Mas se o “caso Sócrates” é no fundo a imagem de marca do mandato de Marques Vidal também há nesse caso muitos apontamentos que não são de aplaudir. Ao lembrarmo-nos da autêntica telenovela que foram as violações sistemáticas do segredo de justiça, às quais a Procuradora Geral não foi capaz de por cobro, vemos prestações que descredibilizam. Também a publicitação dos vídeos do interrogatório a Sócrates que segundo Marques Vidal a deixaram agastada mas num agastamento inconsequente, que não se materializou em nada. Ainda o protelamento sucessivo da data para dedução de acusação a Sócrates foi coisa que descredibilizou bastante o Ministério Publico. Já ninguém acreditava nas datas. Marques Vidal sentiu isso e ainda sugeriu a Amadeu Guerra, superior hierárquico de Rosário Teixeira, que avocasse a si o processo Sócrates. Amadeu Guerra rejeitou essa hipótese por lealdade ou talvez aconselhado pelo anexim: “o menino!?Quem o acordou que o adormeça.” Mas onde se fez sentir mais a mão de Marques Vidal, ou antes, onde se fez sentir mais a ausência da mão foi no caso Manuel Vicente. O caso conta-se em duas penadas: Manuel Vicente, Vice-Presidente de Angola, fez uma compra com dinheiros que a uma dupla de Procuradores pareceram pouco claros. Quiseram, então, ouvir Manuel Vicente mas este gozava de imunidades e não acedeu. A defesa de Manuel Vicente pedia para o processo transitar para Angola. Depois de muita insistência, que já começava a perturbar as diplomacias, num assomo neo-colonialista, perfeitamente deslocado e desbocado, os Procuradores em questão disseram não acreditar na Justiça Angolana. Foi o fim. Houve ameaças de corte de relações diplomáticas com fortes implicações nas relações comerciais. Por fim e contra a vontade dos Procuradores, o Tribunal da Relação aceitou que Manuel Vicente fosse ouvido pela Justiça Angolana. Conclusão: Querer saber da proveniência dos dinheiros de Manuel Vicente quando aceitamos de bom grado os dos Chineses dos “Vistos Gold” parece-me pesca à linha, isto é, parece ter caracter discricionário e/ou persecutório; dizer não acreditar na justiça de um País soberano além da deselegância é uma provocação a que o visado retaliará naturalmente. É mesmo aquilo que não se pode dizer alto; querer aplicar a Justiça a um indivíduo, que além de gozar de imunidades é cidadão de um País que não tem com Portugal acordo de extradição, é uma atitude Quixotesca de uns Procuradores em bicos de pés pois não havia quaisquer condições para a sua aplicação. Manuel Vicente, para a justiça Portuguesa, é como um homem morto, não se pode perseguir. Podiam ter-nos poupado a este chorrilho de disparates que tão graves danos teve para o Estado Português.

A isto tudo assistiu Marques Vidal como a lágrima de Guerra Junqueiro”… ouviu, sorriu, tremeu e quedou silenciosa.”

Um Procurador Geral que tenha da Lei e das atribuições do Ministério Público uma visão maximalista a ponto de não se preocupar com o facto da sua obstinação poder acarretar a ruptura das relações diplomáticas entre Países é tudo quanto não nos faz falta nenhuma.

 

P.S. Se dúvidas houvesse quanto à excelência da ideia do mandato único, o processo que agora se desenrola desfê-las por completo. Porque no caso de poder haver recondução há sempre um nome, o do Procurador que finda mandato, que está em jogo e em relação ao qual os Partidos e consequentemente a Sociedade em geral se posicionam a favor ou contra. Ora, a pretensão dos Partidos em terem voz activa na escolha do Procurador Geral é prerrogativa que não lhes assiste e, aliás, só se pronunciaram por conhecerem um hipotético candidato ao lugar. Se o mandato fosse único nem se pronunciavam porque nem os nomes em questão conheceriam. Por outro lado a fulanização da discussão e a tentativa de apropriação de um órgão de Estado pelos Partidos não têm qualquer sentido de Estado e além disso ensombra a dignidade e a solenidade da entronização do novo Procurador.

 

O crime Robles

Ricardo Robles, dirigente do Bloco de Esquerda e candidato à Câmara de Lisboa por esse partido, comprou uma casa por 300 mil euros, fez obras no valor de 700 mil e agora pedia por ela 5,1 milhões de euros. Esta sequência de procedimentos, que parece configurar um caso vulgar de especulação imobiliária, levantou uma onda de protestos contra a atitude de Robles. Políticos do PSD pediram a demissão de Robles, outros agitaram a bandeira da “falta de ética” e Assunção Cristas cavalgou este mote dando-lhe verdadeira amplificação. Mesmo o Dr. António Costa não se coibiu de dar a sua alfinetada chamando-lhe “pecadilhos”. Ora, como entendo que o mundo não é só preto e branco vou tentar desmontar as acusações que tornaram um vulgar negócio no caso que tanto agitou o mundo político.

O PSD pediu a demissão de Robles dos cargos públicos que ocupava. Pedir a demissão de cargos públicos como sanção por actos privados praticados e que, além disso, estavam perfeitamente cobertos pela lei é coisa que nunca tinha visto. Ressalva-se, aqui, a atitude de Rui Rio que nas suas enigmáticas palavras, possivelmente contra a devassa da vida privada dos políticos, disse “quem não deve também tem que temer”.

Assunção Cristas acusa Robles de “falta de ética”. Ora, se o comportamento de Robles respeita escrupulosamente a lei, então a acusação não se pode virar para Robles mas sim para a lei. E, de facto, a lei da autoria da Dr.ª Cristas, que contempla a completa liberalização do alojamento local e a facilidade obscena no despejo dos inquilinos, essa sim, tem um défice de ética que não devia ser aceite, até constitucionalmente. Robles nem é um especulador porque não tem isso por actividade. Fez, tão só, preço a uma coisa dele o que me parece perfeitamente legítimo. Mas as centenas, senão milhares, de especuladores, para quem, aliás, a lei foi feita, nunca ouviram uma palavra de recriminação da Dr.ª Cristas porque esta entende o seu comportamento como eticamente adequado. Como pode um líder partidário ter dois graus de exigência ética? Uma para os da sua família política e outra para a esquerda. Será que acredita na “superioridade moral dos comunistas” e daí, portanto, para esses maior exigência?

Mas voltando ao caso em si. A compra do imóvel e a sua requalificação são actos que não oferecerão, eticamente, quaisquer objecções, seja qual for o quadrante político em que se insira o agente das operações. O valor do montante porque seria vendido o imóvel é que levanta questões a alguns, só, porque o vendedor é de esquerda. Até um jornalista de um jornal diário tentou compor o valor real(?) do imóvel e somou o valor da compra com o custo das obras mais o juro do dinheiro mais a valorização do imóvel e deu-lhe 2,5 milhões. Haveria um remanescente de 2,6 milhões por explicar. Para ele um verdadeiro homem de esquerda podia vender o imóvel por 5,1 milhões mas teria de dar à APADI ou à Cruz Vermelha 2,6 milhões. Isto é absolutamente grotesco. Até porque, como estes números não são absolutos, muitos achariam que mesmo 2,5 milhões seria o valor de uma especulação sem limites. Aí entrava a história do “velho, o garoto e o burro” que só acabava quando o verdadeiro homem de esquerda perdesse dinheiro no negócio. Como poderá, doravante, um homem de esquerda fazer um negócio? Será que tem de perguntar a um painel de peritos o real valor da coisa para, no caso de o negócio se fazer por montante superior a esse valor, dar a uma ONG ou a uma instituição de solidariedade o respectivo diferencial? Talvez assim, a direita entendesse que estavam salvaguardados os valores de esquerda, na esquerda. Curiosa esta preocupação com os valores éticos, dos outros.

Não foi a esquerda que inventou o capitalismo, os mercados e a especulação. Mas vivemos num mundo em que não podemos fugir deles. Além disso também não podemos ser homens de mercado na compra para ser samaritanos na venda. “Já que estamos no inferno queremos ver o Diabo”. Mas a direita sempre teve uma prática continuada de tentar embaraçar as pessoas de esquerda que têm desafogo económico. Tratam-nos como se fossem traidores porque se tem dinheiro deveriam ser de direita. “Dai o dinheiro aos pobres” é uma das invectivas recorrentes. O que é um facto é que as pessoas de esquerda que não têm constrangimentos financeiros têm uma espécie de complexo de culpa que a direita sabe explorar, como se viu na reacção, perfeitamente confrangedora, do Bloco de Esquerda a este caso. Aqui, honra e louvor ao desassombro e frontalidade do jornalista César Príncipe que ia às manifestações do Partido Comunista de Rolls Royce. Um dia confrontado com a eventual incompatibilidade de ter um Rolls Royce e ser comunista, respondeu: “eu tenho muito dinheiro cuja proveniência é absolutamente inquestionável e além disso gosto muito deste carro”.

A esquerda não fez voto de pobreza nem nunca renunciou aos bens terrenos. O único compromisso que tem é com ela própria e com o Mundo e é de tentar pelos meios possíveis que a riqueza seja distribuída de forma cada vez mais justa, mais equitativa até que possamos um dia declarar como Moustaki, “… l’état du bonheur permanent et le droit de chaque un à tout les previlèges.”

 

 

P.S. – Afinal o negócio não se fez, mas o assassinato de carácter, esse sim, concluiu-se com sucesso. Mas se o comportamento de Ricardo Robles foi tão eticamente desviante face ao que é socialmente aceite, então seria de esperar que os partidos, que tão veementemente o atacaram, quisessem plasmar na lei normas-travão ou cláusulas de salvaguarda que impedissem que procedimentos como os de Robles fossem replicados. Mas nem uma palavra mais. Houve uma vítima mas nada foi alterado. Apesar da algazarra o País ficou na mesma, só ficámos a conhecer melhor os intervenientes porque “quando Pedro me fala de Paulo fico a saber mais de Pedro que de Paulo”. (S. Freud)

 

… e os crisântemos pendiam já murchos

No meu 4º Ano de Liceu, hoje oitavo, houve um incidente académico que nunca mais esqueci. À disciplina de Português tínhamos de Professora uma rapariga nova, acabadinha de sair da Faculdade. Isso não obstava a que as aulas decorressem segundo a ortodoxia então exigida. Eis então que chega o 1º exercício (hoje teste). O exercício constava de um texto, perguntas de interpretação sobre o texto, perguntas gramaticais e acabava com a inevitável redacção (hoje composição). Até aqui, tudo bem, o exercício tinha um figurino já conhecido, aliás igual a outros já realizados. Só que o tema da redacção era, nem mais nem menos,  “…e os crisântemos pendiam já murchos.” Foi um soco no estômago. Ficámos a olhar uns para os outros sem saber se aquilo era a sério ou a brincar pois ninguém fazia a mínima ideia do significado daquela expressão. À saída frenéticos falámos mais (mal) da professora que do tema pois deste não sabíamos dizer nada excepto talvez retorquir “ e que tenho eu a ver com isso”. Aos mais velhos, aos pais, aos outros professores e a “tutti quanti” queixámo-nos da complexidade do tema e o seu desajustamento face à idade dos alunos (aquilo que em pedagogia se chama hipertrófico) mas sempre perguntando o seu significado. Lá nos foram dizendo que, antigamente, quando tudo tinha uma época, as únicas flores disponíveis para embelezar as campas do cemitério pelo dia dos Fieis Defuntos eram os crisântemos. E se estavam murchos era porque tinham envelhecido. Bom. Ao longo de todos estes anos mantive sempre uma dúvida: ou a professora cometeu um erro crasso de avaliação da nossa literacia, que seria bastante inferior aquela que ela supunha, ou então a professora acabadinha de formar, cheia de gás e de Piaget aplicou a velha máxima dos Construtivistas “o aluno cria o seu próprio conhecimento”. A ser verdade a segunda suposição, ao fim de todos estes anos humildemente tiro o chapéu a essa professora pois deu um verdadeiro “tiro na mouche”. Ninguém faz ideia do entusiasmo que o tema suscitou e nem da paixão com que o discutimos. Se na semana seguinte tivéssemos de fazer uma redacção sobre o mesmo tema, claro que umas redacções seriam boas, outras más e outras assim assim mas todas abordariam o tema no seu essencial. Os alunos tinham criado mesmo o seu próprio conhecimento.(se fosse hoje as reclamações deviam ser mais que muitas pois não estava definido nos objectivos)
Hoje, apesar da oferta floral, os crisântemos continuam ligados ao dia dos Fieis portanto aos mortos. Não à morte. Celebramos os mortos, vivendo. Se os crisântemos murcharam é porque envelheceram, não foram substituídos porque houve esquecimento, desinteresse ou acabou a paixão. O tempo tinha acabado de trazer a dor para o campo do suportável. No fundo deixou de ser uma preocupação.
Vem isto a propósito da deslocalização do placar obituário que se encontrava na parede poente da Igreja da Sé e passou para o telheiro que abriga a porta de acesso à sacristia. Em teoria nem estaria mal pois está abrigado da chuva, do vento do sol mas os dois degraus de acesso são fatais. A maior parte dos utentes dessa informação são pessoas velhas e para muitas dessas os degraus são uma contrariedade a evitar( e logo agora que tanto se fala em mobilidade). Ainda outro dia estava a ver os óbitos quando uma mulher já velha, com um pé no primeiro degrau e agarrada à coluna, se me dirigiu assim:” Oh senhor! Diga-me lá quem é que morreu hoje que a mim custa-me muito ir aí.” Disse-lhe um nome que li em voz alta. Ela continuou. “Em que Igreja está?” Disse-lhe que era em Carragosa. “Não! Esse não! Dos de cá” explodiu a mulher. Esta mulher enquadra-se no perfil-tipo da grande maioria dos utentes daquele painel informativo. Querem saber dos seus mortos para os chorar, para os venerar, para rezar por eles. E fazem-no de forma quase compulsiva, com espirito de missão como se fosse, e é, uma prova de vida. A essas “curadoras” do nosso cemitério, elas mesmas uns autênticos crisântemos sociais, não lhe dificultemos esses derradeiros actos cívicos. 
Eu sei que esta questão parece insignificante. Mas a vida é feita de pequenos nadas.

Sócrates e eu

José Sócrates, Eng.º Civil, Deputado, Secretário de Estado, Ministro e por último Primeiro Minis-

tro. Firme, determina­do, de uma assertividade que, por vezes, raiava a agressividade, não deixou, por isso, ninguém indiferente à sua governação. Está, hoje em dia, a braços com a acusação de ilícitos criminais que vão desde o tráfico de influências ao alcance de dinheiros públicos passando pelo branqueamento de capitais.

E eu. Eu não conheço José Sócrates. Não tenho para com ele qualquer dívida de gratidão nem tão pouco de lealdade pois nunca fui seu subalterno nem fui, alguma vez, filiado no Partido Socialista. Por outro lado, também é verdade que não me move qualquer animosidade contra o ex-Governante. Este relacionamento, feito de parcelas zero, confere-me isenção bastante para poder apreciar o “caso Sócrates” sem suspeitas de ser tendencioso. E mais insuspeito me torno por não ter intenção nenhuma de o fazer porque apesar dos diferentes níveis de leitura que o caso pode suscitar, como sejam a leitura política, a judicial ou a ética, todos me parecem ou redundantes ou extemporâneos ou descabidos.

Politicamente, o “caso Sócrates”, é um caso encerrado sendo, pois, redundante qualquer análise. O homem foi julgado na Praça Pública, condenadíssimo, a ponto de nem os seus “compagnons de route” se quererem ver ao lado de ele. Sócrates está, politicamente, morto. A tal ponto que chega a gerar algumas empatias (empatias, aqui, no sentido de simpatias suscitadas não pela pessoa mas pela sua situação. Não a empatia na acepção de Prado Coelho). Nem o Partido Socialista está em condições de o propor para qualquer cargo político nem ele está em condições de fazer disputas eleitorais. Mas se politicamente este caso está morto, o seu aproveitamento politico, não.

Judicialmente não se me oferece dizer nada por duas razões: se por um lado não tenho as competências exigidas para fazer qualquer apreciação, por outro não tenho a informação necessária. Tudo quanto sei é das fugas de informação publicadas nos jornais (quem faz fugas de informação, um ilícito criminal, também pode fazer outros ilícitos como difamação) e do “diz que” dos tabloides. Seria extemporâneo e arriscado fazer qualquer conjectura.

Eticamente não tem grande interesse analisar este caso ou outro qualquer pois se o caso estiver de mal com a justiça está automaticamente de mal com a ética. Mas pode estar mal para a ética e não estar mal para a lei. E se a Lei não acompanha a ética, esta não passa de uma mera opinião. Veja-se o caso da pensão de Jardim Gonçalves: 167 mil euros por mês mais uma quantidade infindável de mordomias. E tudo certo, tudo legal, foi o Tribunal que decidiu. Mas eticamente estará certo? Ou o caso dos deputados que davam moradas falsas para terem direito a um subsídio qualquer. Parece que sempre se fez assim, que era a prática corrente e que era aceite logo tudo mais ou menos legal. E a ética? É nesta óptica que aqui dou a minha opinião sobre ética. Não a ética nos comportamentos dos arguidos do “caso Sócrates” , mas a ética em comportamentos que têm o “caso Sócrates” como pano de fundo como sejam os comportamentos do PS, de Fernanda Câncio e de Maria Luís Albuquerque.

O PS, até agora remetido à defesa, escudando-se, e bem, no argumento que só depois de a sentença transitar em julgado é que saberemos a verdade, refugiava-se no silêncio. Mas o surgimento do “caso Manuel Pinho” precipitou as coisas. Os partidos, que querem “sangue” e a humilhação pública dos adversários, chegaram ao ponto de questionarem Ministros actuais por terem pertencido ao Governo de Sócrates como se, por esse facto, inquinados estivessem. O PS não aguentou e então vimos vários dirigentes multiplicarem-se em declarações de tal forma que pareceu um processo de catarse, de esconjuro ou de exorcismo como se o PS tivesse estado possuído no tempo de governação Sócrates. Não ficou bem. Um partido político é como uma família, política, mas ainda assim uma família. E quando um membro de uma família prevarica, a família repreende-o, violentamente até, mas no seu seio que isso não é assunto de rua. Não gostamos que falem dos nossos na praça pública e muito menos dar “achas para essa fogueira”. Bem basta quando tem que ser.

Fernanda Câncio, antiga namorada de Sócrates, que até agora sempre tinha o defendido, de repente mudou a agulha e renegou-o sem se entender bem a oportunidade pois o galo há muito que tinha cantado três vezes. E num jeito muito caro a Filomena Mónica, de levar para a Lota o que se passou debaixo dos lençóis, toca a revelar pormenores íntimos que nós não temos de saber nem queremos saber. Só caracteriza quem o faz.

Maria Luís Albuquerque, armada em estratega eleitoral, declarou que o PSD não pode, de forma alguma, largar o “caso Sócrates” antes das eleições. O PSD não tem culpa do que diz Maria Luís Albuquerque. Aliás, que partido seria aquele que eleitoralmente se afirmasse pelas misérias humanas dos seus adversários? Maria Luís Albuquerque já foi Ministro (às vezes vão buscar cada um…) e no entanto não tem qualquer pejo em brandir dramas humanos como arma de arremesso político. Não olhar a meios para atingir fins é pouco menos que nojento. Resumindo: Maria Luís Albuquerque é aquilo que, a mim, me dá orgulho não ser.

Fake news

Fake news é um neologismo recente que significa “notícia fabricada”, “notícia forjada” em suma, notícia falsa. E se notícias falsas já não faziam falta também não se precisava de uma nova forma de as designar pois não faltavam maneiras. Desinformação, inverdades, pós-verdades, factos alternativos, contra-informação, facto político, erro técnico e agora fake news. Qualquer uma destas designações serve para etiquetar uma boa mentira. Como Kellyanne Conway, assessora de Trump, que, quando confrontada com a falsidade das suas declarações, retorquiu dizendo que estava a apresentar factos alternativos. Ou Nuno Rocha, director do jornal “O Tempo”, que um dia fez um artigo sobre uma reunião do Conselho da Revolução, que mais parecia uma acta, com registo de tudo desde as presenças até às intervenções dos conselheiros mais polémicos. Ora essa reunião nunca se realizou. Quando Nuno Rocha foi colocado perante esta realidade, justificou-se alegando ter sido um erro técnico. Também por esse tempo, tempo do Marquês de Solares e do General Janes, Marcial Rebelo de Souselas (criações de Artur Portela Filho) criava os seus “factos políticos” que não eram mais que jogadas de desinformação e de contra informação de forma a perturbar os adversários políticos e feitos com a irreverência de quem é capaz de chamar “lélé da cuca” ao patrão ou de quem consegue responder a um adversário político perguntando “estás pires, oh Lucas?” Aliás, quando tomou posse de Secretário de Estado, toda a capa do Expresso era a sua fisionomia com uma só legenda: O Facto Político. 

Estas são “fake news” individuais, fruto da vontade de protagonismo, da vaidade ou da obstinação política. Há, ainda, fake news inócuas que são aceites e a História está cheia delas. Como no caso do Rei Eduardo VIII, do Reino Unido, que abdicou, segundo a versão oficial, por amor de Wallis Simpson, uma americana divorciada que os ingleses, dizia-se, não aceitariam como futura Raínha Consorte. Mas a verdade é que o Rei foi forçado a abdicar por manifestas simpatias nazis. O parlamento e sobretudo Wilson Churchill não lhe perdoaram.

Também o relato que nos fizeram da Batalha de Aljubarrota, em que os Portugueses estavam numa desproporção de 5 para 1 em homens, é manifestamente uma fake new.  Mas eu gosto de pensar que foi verdade. (também, caramba, foi a única vez que lhe ganhámos.) Tal como o jornalista de “O Homem que matou Liberty  Wallace” que quando soube a verdade desabafou: “ entre a legenda e a realidade preferimos a legenda.”

Mas há fake news que são criadas de forma perversa e com dolo intencional. Foi o caso das notícias sobre as armas de destruição maciça no Iraque. Com uma campanha de intoxicação da opinião pública altamente pressionante, toda a gente acreditou que o Iraque tinha, de facto, essas armas. Nem tínhamos razões para pensar que nos estavam a enganar. Foi preciso que se destruísse um país com muitas centenas de milhares de mortos para, já com o Iraque completamente esventrado, darmos conta do monumental embuste que nos montaram e do não menos monumental logro em que caímos. Tivemos culpa de não ter escrutinado mais a informação que nos deram mas, de facto, não era imaginável que houvesse no mundo um “bando dos quatro”, homens cuja ambição e perversidade estivessem no ponto de um completo desprezo por vidas humanas ou países soberanos. Como poderão eles dormir?

A fake new do momento é a referente à tentativa de assassinato de um antigo espião russo pelo KGB. A história conta-se em duas linhas. Assim: Skipral era um espião Russo que a páginas tantas começou a vender informação ao Reino Unido. Desmascarado, foi julgado e condenado a 16 anos. Cumpriu 4 em presídio e depois entrou num programa de troca de espiões. Saiu, pois, da Rússia, refez vida em Inglaterra e 6 anos passados aparece inanimado, vítima de uma tentativa de envenenamento levada a cabo pelo KGB, que, para o efeito, utilizou um poderoso neurotóxico de fabrico russo. Esta é a notícia na versão oficial. Mas escrutinando um pouco a notícia, usando a lógica elementar e o nexo de causalidade, constatamos que não passa de uma FAKE NEW. Vejamos:

1 – Porque quereriam, agora, os russos eliminar Skipral, actualmente um homem sem qualquer relevância no mundo da espionagem? Como se entenderia quando tiveram tantas oportunidades de o fazer? Desde o dia em que o prenderam, e até antes, passando pelo tempo que esteve em prisão preventiva e depois quando esteve em prisão efectiva, tempo não lhe faltou para o fazerem. A seguir, se era assim tão perigoso, não deveria ter sido incluído no programa de trocas de espiões e seria obrigado a cumprir a pena na íntegra (16 anos e só cumpriu 4. Ainda hoje lá estava).

2 – A seguir, temos uma força de elite, com um grau de eficiência temível, encarregada de eliminar dois civis indefesos. Mas em vez de usarem métodos simples, e eles conhecem tantos, optaram por ensaiar um potente neurotóxico de fabrico russo. Quer dizer que quiseram assinar o crime pois o veneno é exclusivo russo. Deixar rastos que os incriminem não é imaginável vindo duns serviços secretos.

3 – Por fim, o potente neurotóxico, tão temível, tão proibido por todas as convenções, revelou-se um fiasco. Não matou ninguém. (Pode ser russo mas de certeza foi comprado na loja dos 300.)

Que história é esta!? É evidente que estamos na presença de uma manifesta fake new. Mas o facto de não ter nexo, de ser incongruente e de estar, até, mal imaginada não deixa de ser, no entanto, a versão oficial. E enquanto tal, teve a força necessária para provocar uma das maiores crises diplomáticas desde a invasão do Iraque, que por sua vez também teve origem numa fake new.

Fake news sempre as ouve e sempre as haverá. O único antídoto que nos resta é o nosso espírito crítico, o escrutínio permanente a toda a informação e não nos deixarmos seduzir acriticamente pelo politicamente correto sob pena de deixarmos criar um pensamento único. Curiosamente, nos tempos da ditadura, em que tudo eram limitações, restrições, proibições, em que tínhamos de coexistir com a censura, o exame prévio, o índex e em que qualquer atitude ou pensamento que fugisse à ortodoxia institucional era considerado comportamento desviante, nesse tempo, dizia, nunca nos furtámos ao escrutínio, ao debate quer interior quer em núcleos restritos. Não podia ser público, era privado. Mas havia. A ditadura não conseguiu “cortar a raiz ao pensamento” pelas razões que o poeta sabia. Paradoxalmente é em democracia, que em teoria tudo devia escrutinar e debater, que não vemos isso acontecer. Há uma certa anestesia social que provoca alheamento. Recebemos acriticamente a informação que nos dão. Isso faz-nos temer pela veracidade da revelação de um artigo da “Time”, tão interessante como arrepiante, que a “Visão” transcreveu. Dizia assim: “os homens de Silicon Valley sabem programar o comportamento humano, para o melhor e para o pior”.  Isto faz-nos lembrar a pergunta mordaz de Bokowski: ”Consegues lembrar-te do que eras quando o Mundo te disse o que devias ser?”

 

P.S. (1) – Bukowski também ele criador de uma fake new quando fez constar que Sartre teria dito que ele, Bukowski, era o “maior poeta americano vivo”. Apesar de falsa, a notícia não deixou de ter os efeitos publicitários pretendidos. São assim as fake news. Feitas para cumprir uma função que não a da informação e muito menos a do esclarecimento.

 

P.S. (2) – Adriano Moreira tem um receio que enunciou mais ou menos desta forma: “nas manifestações desenquadradas o imprevisto espreita a sua oportunidade”. Para quem tinha dúvidas quanto à razoabilidade deste temor veja-se o caso do “Brexit” ou a eleição de Trump em que o desfecho é atribuído à influência das redes sociais. E as redes sociais são do mais desenquadrado que pode haver: não tem causa, não tem chefe e não tem bandeira.

Será que o Mundo vai ser assim?

O AUTO PROCLAMADO ESTADO do INTERIOR 2 (continuação)

Penso que os Transmontanos não se revêem na recomendação Salazarista de que “os pobres devem saber ser pobres” mas também não os vejo, de forma alguma, na postura de “chulecos” valendo-se de expedientes tácticos para ir buscar mais “algum”. Também não os vejo como os “moderados” do Maio de 68 que aconselhavam “Sede realistas! Pedi o impossível!” Mas ainda os vejo menos como uns parolos reconhecidos com o estatuto de burro ou de vaca Mirandesa com que o “Movimento pelo Interior” os quer brindar quando vaticina que “sem subsídio não ides lá”. Os Transmontanos são orgulhosos demais para aceitarem esmolas mas também são suficientemente humildes para aceitarem, como bem vinda, qualquer ajuda quando sozinhos não logram alcançar. Não aceitamos qualquer estatuto de excepção ou de privilégio  pois seria o reconhecimento da nossa incapacidade, da nossa incompetência. ( “Não queremos o peixe mas queremos que nos ensinem a pescar”). Somos como somos, temos o que temos mas temos, sobretudo, a obrigação de o saber rentabilizar. E para rentabilizar as nossas potencialidades não nos envergonhamos de pedir às “cabeças iluminadas” (espero que por Deus que não, só, pela luz elétrica - O. Salazar) ajuda para remover dificuldades. Darei alguns exemplos de empreendimentos que teimam em não se realizar pela falta de conjugação de esforços e que poderá ser um teste às capacidades dessas figuras públicas. Assim queiram elas.
1- Não temos uma estrutura agro-industrial desde que o Cachão fechou. Como se sabe a falta de estruturas de recolha da produção agrícola leva ao abandono da produção. Claro que a transformação deve ser o passo a seguir à produção. Só que, se além falhámos, aqui falhamos mais. Este falhanço ganha especial relevância quando falamos na castanha. Vêmo-la ir sem lhe tirar o sumo. Não resisto a relatar o que vi e ouvi numa feira de produtos da terra que a televisão transmitiu. Foi assim: dois empresários italianos do ramo da castanha, com fortes negócios aqui no Nordeste, exibiam um pacote de “bombons” de castanha, o mais recente produto das suas indústrias transformadoras. Quando o entrevistador televisivo lhes perguntou onde poderia comprar um pacote desses “bombons”, responderam “ não, para já é só para Itália”. Fiquei indignado mas também envergonhado. Indignado por ver a arrogância daqueles italianos que levam daqui a matéria prima e sem o mínimo de elegância dizem-nos, na cara, que o produto acabado não é para indígenas. Mas também fiquei envergonhado porque quem tinha obrigação de fazer aqueles bombons eramos nós. Eu sei que os não sabemos fazer mas podemos ir buscar quem saiba. O Eng. Camilo de Mendonça para fazer as compotas no Cachão também foi buscar Mestres ao estrangeiro.
2- A falta de dimensão das explorações agrícolas não permite uma mecanização eficiente o que aliada à falta de escala trás produtividades abaixo do sofrível. Sem competitividade logo com baixos salários, o abandono da actividade é a saída. O emparcelamento, não sendo panaceia, daria outro fôlego ao sector. Mas o emparcelamento não é coisa que nós possamos fazer, isso é coisa da política. Ora, é mesmo à política que nós devemos este atraso ancestral, esta política de minifúndio, esta agricultura de canteiro. A falta do emparcelamento, logo a falta de dimensão, acarretou a falta de investimento na agricultura, a manutenção do paradigma agrícola, em suma o atavismo. Mas os políticos sempre  tiveram medo ao emparcelamento. Acho que já é altura de sacudir esses receios e para isso contamos com a prestimosa colaboração dos nossos “chefes de turma”.
Por outro lado, os nossos baldios, excluindo a parte alocada às Matas Nacionais, não produzem rigorosamente nada. E não se pense que é despiciendo pois Bragança mais Vila Real têm aproximadamente 120.000 hectares de baldios. Ponham esses hectares nas mãos de quem sabe e os quer trabalhar. Mas isso também não é tarefa nossa, é da Política. Aceitamos ajuda.
3- Trás-os-Montes recebeu uma prenda de luxo e não sabe o que há-de fazer com ela. Trata-se de 100 km de zona ribeirinha na albufeira do baixo Sabor. A albufeira, com 50 km de comprido, é um espelho de água imenso onde se pode fazer pesca, caça, mergulho, sky aquático, náutica de recreio, motonáutica de competição isto tudo contando com o apoio logístico dos bares, das praias, dos restaurantes, dos parques de campismo, etc. É estranho que, sendo mais ou menos consensual a ideia que o turismo é uma das poucas hipóteses de desenvolvimento sustentado que temos, ninguém mexa uma palha.
4- Moncorvo tem sido muito falado pela hipótese de reabertura das minas de ferro. Os jornais trouxeram escalpelizado o assunto do escoamento do minério para a siderurgia do Seixal. Vantagens e inconvenientes do escoamento por rodovia, pela via fluvial ou pela ferrovia. Por fim assentaram que o escoamento se fará por rodovia até Vila Franca das Naves e daí seguirá por ferrovia até ao Seixal. Ora, o que me faz confusão é terem estudado até à exaustão o escoamento do minério para a siderurgia do Seixal e nem uma linha, nem um pensamento sequer, sobre a possibilidade de trazer a siderurgia para Moncorvo apesar das imensas vantagens que isso traria para a região. Nem aos autarcas, sempre tão zelosos dos interesses dos seus municípios, lhes ouvi aflorar essa hipótese. E não é novidade nem deve ser difícil. Não é novidade pois em tempos houve os altos fornos da Campeã-Vila Real que era onde descarregava o minério de ferro de Guadramil. Além disso se se pensa que a deslocalização da siderurgia é “um bicho de sete cabeças” eu lembro que o dono da siderurgia, há um ano ou dois, ameaçou mudá-la para Vigo se lhe não fizessem um determinado preço na electricidade. É porque não deve ser muito difícil.                                                                                                                        
5- A mobilidade em automóvel com propulsão eléctrica será, dizem, a 4ª revolução industrial. A peça fundamental desse veículo é a bateria de lítio. Ora, segundo a empresa mineira Dakota Minerals, Portugal possui em Montalegre, na Serra de Arga e Barca de Alba as maiores reservas de Lítio da Europa. Isto devia ser motivo bastante para que as Câmaras, os Politécnicos, as Universidades instituíssem prémios, criassem bolsas de estudo, contratassem Professores e peritos estrangeiros, enfim, que de uma forma ou outra fomentassem a investigação na aplicação do Lítio às baterias. É absolutamente fundamental que quando o Lítio sair da mina haja pessoal especializado de maneira a prosseguir os procedimentos que constituiriam a fileira do Lítio. Em suma: da mina à bateria seria tudo trabalho nosso com a arrecadação das respectivas mais valias para não falar na colocação de mão de obra especializada no interior. Que não aconteça ao Lítio o que aconteceu à castanha. Seria demasiado mau.
Pelos vistos, algumas nozes, ainda, há. Temos de compor os dentes.