Manuel Vaz Pires

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O acordo ortográfico

Bem suplicou Baptista Bastos “não me tirem o p ao Baptista” mas em vão. As consoantes mudas caíram. Se bem que a mais muda de todas, o h, não. Continua a escrever-se com h no início das palavras excepto talvez em húmido que os brasileiros escrevem sem h (nós também já temos erva apesar de herbário). Talvez que o p de Baptista só fizesse falta ao Baptista Bastos mas o p de óptico ou o c de espectador fazem falta a toda a gente. Óptico sem p pode referir-se aos olhos ou aos ouvidos e espectador e espetador não são a mesma coisa. Neste último caso fica à vontade do freguês escrever com ou sem c, o que só mostra que não houve acordo. No caso de ótico cria-se mais uma homografia que neste caso até se trata de homónimas. Nada que a gente não conheça já, a começar pelo canto dos Lusíadas, o canto de cantar e o canto da sala. Para quê criar mais uma? Só dá para a confusão. Mas com o argumento de aproximar a grafia da fonética também o p de Egipto caiu. Agora escreve-se Egito mas os seus habitantes são egípcios porque o p aqui é pronunciado. Como é que ninguém se preocupou com aquilo que os linguistas chamam congruência gráfica, isto é, palavras da mesma família terem a mesma matriz? Mas isso é coisa pouca e além do mais também já tinha caído o p ao prompto. (Bem pior estão os espanhóis que já escrevem sicológico e neumático). E também já tinha “andado” o s à sciência, o g ao Ignácio e à Magdalena (e vem aí a amígdala), o m ao alumno, o c ao Victor. E o c de Victor cai mal porque Vítor é uma palavra grave terminada em r logo tem de ser acentuada. Trocou-se o c pelo acento. Lá se foi o ganho.

As consoantes mudas tinham função. Eram mudas mas faziam falar. Faziam aquilo que em gíria futebolística se diz “jogar sem bola”. Nada na grafia do Português de Lei era supletivo. As consoantes mudas e os sinais gráficos ou tinham função ou tinham história. Assim não nos surpreendamos por ver os políticos dizer acordos com o o aberto ou os masters chefs dizerem molhos com o o também aberto. É um erro mas nada na actual grafia indica se o o é aberto ou fechado. Também nada me diz como devo pronunciar a palavra quando mas toda a gente, ainda, sabe que o “qu” de quando não tem nada a ver com o “qu” de quisto. E até na mais portuguesa das palavras portuguesas, saudade, não há nenhum sinal gráfico que ensine a pronunciá-la bem. Mas dantes havia. O que vale é que ainda nos lembramos que o “au” de saudade nem parecido é com o “au” de pau, de vau e muito menos de lafrau. Mas qualquer dia a tradição oral dá volta a isto.

No uso do hífen gerou-se alguma confusão. É mandachuva mas também é guarda-chuva. É paraquedas mas

também é para-brisas. É abre-latas mas também é pé de cabra e é cor-de-rosa mas também é cor de laranja. Uns com hífen outros sem ele. A justificação para a grafia de cor-de-rosa é o facto de ser uma cor que nada tem a ver com a rosa uma vez que esta pode ter várias cores. Já cor de laranja é a cor da laranja. Sendo assim penso que cor-de-burro-a-fugir estará assim bem grafado pois não se sabe quem é o burro.

Também a ligação por hífen, das formas verbais monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver à preposição de, é suprimida. Por ex: antes escrevia-se hei-de e agora é hei de. Estranho particularmente esta alteração na ortografia porque o Acordo de 45 era categórico quanto à obrigatoriedade do uso do hífen neste caso. Este caso não é de omissão ou negligência. É mesmo um caso de opiniões contraditórias com exibição dos suportes teóricos. (Os linguistas de hoje sustentam que o de em causa é proclítico, isto é, que o de está associado à acentuação da palavra seguinte não precisando pois do traço de união com a palavra precedente. Por outro lado, a ligação do de ao verbo haver é tão forte que até inconscientemente conjugamos o verbo com o de às costas. Ou não é verdade que dizemos, eu hei-de, tu hás-de… etc? Quando devia ser eu hei, tu hás, etc. Associamos o de embora não pertença à conjugação). O que é que os linguístas de 45 viram que estes não viram ou vice-versa? Ou então, que é que de substantivo mudou de então para cá que justifique a alteração? Nas alterações à grafia estão presentes, na quase totalidade dos casos, dois contributos: a etimologia e a fonética. Etimologicamente, as palavras portuguesas vêm do Latim ou do Grego, línguas mortas portanto há muito imutáveis. Logo, qualquer alteração na grafia das palavras deriva de uma aproximação maior à fonética das mesmas. Ora, o suprimir o hífen em hei-de sugere-me uma pergunta, por brincadeira: quando é que deixámos de pronunciar o hífen?

Não sou um entusiasta deste Acordo. Nas alterações propostas só o argumento economicista me poderá convencer. De resto traz mais transtornos que simplificações. Foi o Acordo que ninguém pediu a não ser, talvez, os editores e livreiros. O número exagerado de homografias só pode criar confusão. Além disso as duplas grafias mostram que não se chegou a acordo em muitos casos. (Não tem nada a ver com a dupla grafia em repertório/reportório onde embora sendo certa a primeira grafia o povo impôs a segunda. Ou dos dois plurais de corrimão). Acresce ainda o facto de não terem sido consideradas as palavras de origem bantu e as de origem malaio-polinésias o que deixou os angolanos e moçambicanos à beira de um ataque de nervos, a ponto de Angola ainda não ter ratificado o acordo. Ressalva-se aqui a modestíssima contribuição de Malaca Casteleiro que introduziu BUÉ no seu dicionário. (Quem pensa fazer acordos não pode ter tiques neocolonialistas. Ou será que a única coisa que interessava era o mercado brasileiro?)

Não sou, pois, entusiasta deste Acordo. E não me venham com o argumento balofo que as línguas faladas são entidades com vida própria, não são estáticas antes têm dinâmicas que há que ter em conta. Mas aqui não se trata da língua mas sim do código que preside à forma de a grafar. E não encontro alterações substantivas que justifiquem alterações na ortografia. Antes pelo contrário defendo um regresso às origens, criar uma espécie de referencial, para memória futura, do qual se partiu para o que é hoje. E isto porque a nossa língua corre o risco de desaparecer, tal como a conhecemos, mais cedo do que parece. Passo a explicar mas para isso tenho de fazer um enquadramento.

Há 50 anos Marshall McLuan, uma espécie de Júlio Verne da comunicação, anteviu a “internet” e a sociedade da comunicação que hoje temos. Comunicações fáceis, rápidas, baratas, em tempo real e para todo o mundo. O mundo pareceria mais pequeno, tudo ao alcance da mão, o que o levou a chamar-lhe a “Aldeia Global”. Como não imaginava quais eram as ferramentas dessa comunicação mas sabendo que não era pela escrita chamou a essa sociedade, para ele do futuro, sociedade “post-Gutenberguiana”. O que é um facto é que ele acertou na “mouche”. É o que temos hoje e não pára aqui. A forma como os mais jovens se ligam nas redes sociais, enviam SMS(s), comunicam por Skype mostram que a “Aldeia Global” já está instalada. E o ritmo de comunicação é de tal forma frenético que levou os jovens a simplificar palavras, criar outras e aplicar muitas terminologias sobretudo em inglês. (Já vi uma mensagem assim datada: 2KY. y de year, ano em inglês; k múltiplo 1000 em sistemas métricos decimais como em kg ou km. Era portanto o ano 2000. (Faz lembrar, nas devidas proporções, os discursos de Lucas Pires que os seus detractores rotulavam de conjunto de helenismos, latinismos, galicismos e algumas palavras em português mas que eram tão cheios de sentido e plenos de humor. Ia buscar a palavra certa não importava a que cultura.)

Se McLuan visse a Internet com o seu potencial de comunicação ficaria feliz por ver que estavam certas as suas teorias sobre a “Aldeia Global”. Mas não ficaria menos feliz e orgulhoso Jean Piaget por ver aqui um caso prático da sua teoria construtivista. “O Homem constrói o seu próprio conhecimento” assim enunciava ele a síntese da sua teoria. E os jovens de hoje com o seu vocabulário próprio, com a utilização de símbolos das mais diversas áreas de conhecimento e a forma telegráfica que dão à comunicação, criaram o seu próprio conhecimento. Afinal a “geração rasca” era bem mais que aquilo que alguns vaticinavam.

Em face disto penso que em pouco tempo a (orto)grafia dominante será a dos SMS porque além de ser muito mais simples, serem muitos mais os utilizadores e muitíssimo mais dinâmicos. A ortografia actual passará a ser, só, objeto de investigadores linguísticos. Por isso, este deve ter sido o último Acordo Ortográfico. O próximo deve ser um Acordo Fonético. Até aqui houve a preocupação de acertar a escrita pela fonética. No futuro terá de se arranjar uma fonética para a escrita agora emergente.

Políticos (Modo de usar)

Homens de verve fácil, de argumento pronto, de cultura focalizada em temas actuais, sem grandes reservas em socorrer-se da demagogia ou da confusão (“se não podes convencê-los, confunde-os” dizia Truman) são estes os Homens que governam o Mundo. O facto de serem os Eleitos faz com que se sintam catapultados para patamares subidos de literacia que Clemenceau desmistificou quando se referia a Poincaré: “ele sabe tudo. Mas a partir daí não sabe mais nada.” Essa postura de quem pretensamente domina todos os “dossiers” empresta-lhes uma arrogância que não é compatível com qualquer limitação à acção governativa. É aqui que entra o legislador, conhecedor do “factor humano”, impondo limites, balizando assim o âmbito de acção dos políticos quer por meio das auto-regulações quer pela criação de mecanismos-travão.
Os políticos suportam mal isto. Todos nos lembramos das manifestações de rejeição com que os autarcas receberam a lei que impunha a obrigatoriedade dos Planos Directores Municipais porque estes balizavam a discricionariedade do autarca. Assim como o Visto do Tribunal de Contas faz confusão aos autarcas e também ao Governo Central. Mas o Tribunal Constitucional é o órgão que mais vezes pôs a pensar os Governos que legislaram em roda livre. Todos estamos recordados que foi o Tribunal Constitucional que impediu o esbulho com que Passos Coelho queria brindar a Função Pública. “Deixem-nos Trabalhar”, “forças de bloqueio” foram gritos contra o Tribunal num misto de insulto e de vitimização. Não tinham razão. O tempo provou que podiam governar com aquela “força de bloqueio”.
Mas quem leva a palma em insultos é o antecessor do Tribunal Constitucional,o Conselho da Revolução. Insultado por vários sectores, acusado de comunista, o Conselho da Revolução fez um belíssimo papel. Deixou que o país acertasse o azimute com a vontade do povo, mas com regras, paulatinamente. O país não pode andar de cá para lá, feito barata tonta, ao sabor de maiorias escassas e conjunturais. Mas os políticos tinham mais pressa. Por isso é que acontecem Brexits.(Vale a pena fazer um parêntesis para falar de Brexit como aquilo que não pode acontecer a um país. E estou à vontade para falar porque, para mim, eles(ingleses) estão bem onde estão e nunca deviam ter entrado na Comunidade. Aqui faço um aplauso a De Gaulle. A Comunidade Europeia, como qualquer comunidade, é para quem se sente lá bem, para quem entende que o conjunto pode trazer sinergias e não para quem esteve permanentemente com um pé dentro e outro fora sempre minando a coesão do conjunto.
Atente-se neste exemplo que caricatura a postura de Inglaterra face à Europa Continental. Quando foi inaugurado o túnel sob a Mancha as manchetes dos jornais londrinos diziam: “até que enfim a Europa deixa de estar isolada”. Bonito! Com gente desta temos de nos sentir desconfortáveis. Mas seja como for eles votaram em referendo e a saída venceu. Por muito que eu tivesse gostado deste abandono não posso concordar com a forma como foi feito. Tinha que haver um mecanismo-travão ou a exigência de uma maioria qualificada. A saída da Comunidade traz implicações marcantes na orgânica inglesa e até na comunitária. Implicações demasiado importantes para estarem dependentes de uma maioria escassa e conseguida num fim de semana em que se votou mais com o coração que com a razão).

Vemos assim o caracter absolutamente indispensável de mecanismos de regulação de poderes, de regulação da própria democracia sob pena de vermos esta transformar-se em ditadura da maioria. E àqueles que já alguma vez discordaram em absoluto das posições desses órgãos de contra poder e acham que a sua existência é perfeitamente dispensável eu convido a um exercício de análise quase abstrato. Abstrato porque não se passando cá conseguimos analisar desapaixonadamente. Vejamos: desde que Trump chegou à Casa Branca tem legislado a torto e a direito, imprimindo em tudo um cunho de retrocesso civilizacional. A nossa reacção é de ansiedade, e não é diretamente connosco, esperando que o Senado, o Congresso, uma providência cautelar ou um qualquer juiz trave esta fúria legislativa. É ao ver a falta que fazem, nos outros, esses mecanismos de contra poder que nos devemos congratular por sempre os termos tido e funcionais.

“Por vezes o barco toma porto à porta do seu dono”.

Professores, esses desconhecidos (Notas)

Em tempos escrevi um texto sobre os professores onde fazia uma analogia entre as imagens refletidas dos professores e as de Dorian Grey( do “Retrato de Dorian Grey” de Oscar Wilde). Grey tem no reflexo do espelho a imagem dele sempre novo, imutável no tempo e os professores vêem na turma uma imagem que, também, não envelhece . Seria (será?) o seu reflexo. Esse texto tinha umas notas que por razões editoriais não foram publicadas com o artigo. As notas eram sobre a criação de personagens pelos autores de ficção (nota 1) e sobre o fenómeno do “apoderamento”(nota 2). As notas tinham sido introduzidas na altura em que o retrato de Grey passa a envelhecer em tempo real, logo passa a ter dinâmica própria e ao mesmo tempo que se apodera do espírito do retratado pois condiciona-lhe toda a ação. Dizia assim:
(Nota 1) É Barthes e a sua “morte do autor”. Segundo Barthes tem que morrer o autor para nascer o leitor. E este só nasce se as personagens tiverem vida própria, autonomia, liberdade, em suma, tiverem poder de decisão. Tem que morrer Wilde para nascer Grey. Em linha com esta ideia está este apontamento de Jorge Amado, que quando questionado sobre as razões dum casamento contra natura de dois seus personagens – ela bonita, doce, enfim, prendadíssima e ele um bardino, um mau “caratista militante” – disse ter feito tudo para evitar esse casamento mas em vão, não lograra vencer a vontade dos personagens. Ou ainda aquela história curiosa de Saramago com seu último livro “Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas” que não chegou a acabar. A ficção prendia-se com um caso de corrupção numa fábrica de armamento e quem conhecia toda essa maquinação era o Eng. da fábrica. Saramago, que registava em diário os avanços e recuos da sua obra, escreveu então que se o Eng. começasse a escrever um diário com os segredos que conhecia, seria o melhor que lhe podia acontecer, mas que isso não era garantido. Resumindo: tanto Saramago como Jorge Amado não conseguem controlar as suas próprias criações porque elas já tinham ganho “carta de alforria”. Criar é mesmo isso. É dar o sopro da vida. É o personagem criado libertar-se da tutela. Como em todas as religiões Teiístas em que o Homem é entendido como uma criação Divina que ganha autonomia, vida própria, responsabilização. Mas este conceito entra em confronto com o pensamento fatalista criando assim esta dualidade. Tenho liberdade de desenhar o meu futuro ou ele está determinado desde que nasci? Não é pois de estranhar que Cunhal experimentasse algum gozo quando criticava Victor Hugo, e para isso socorria-se de Goethe, acusando os seus “Miseráveis“ de não terem vida própria, de serem “ pau mandado”, de parecerem marionetas, de serem objecto de uma determinação. Assim, o fatalismo, determinismo, é desculpabilizante não exige responsabilização. “É o destino”, “tinha que ser”, “estava escrito”, “não havia nada a fazer” são alguns chavões fatalistas reveladores duma certa cobardia existencial. O fatalismo entende as criações como actores de uma peça teatral cujo guião tem um desfecho conhecido à partida. Criações permanentemente tuteladas pelo criador logo sem autonomia, sem responsabiliza­ção portanto inimputáveis. As­sim entende-se que Giovanni Papinni no seu “Juízo Final” ponha o Diabo a acusar Deus de todos as suas próprias malfeitorias argumentando que a matriz comportamental com que o tinha dotado não daria para fazer melhor. “Não tenho culpa. Sou assim porque fui feito assim” disse o Diabo.

(Nota 2) Seja este romance ( refiro-me ao “Retrato de Dorian Grey”) uma ficção que está para lá do místico ou tão só um expediente tático para suportar uma efabulação é um facto a preocupação do autor com o tema do apoderamento, da apropriação da personalidade, da cativação das vontades. Clarisse Lispector preocupou-se com o tema e falou dos nomes que se apropriam das coisas, coisas que se apropriam de coisas, pessoas que se apoderam de outras. (casos do dia a dia que tratamos de forma mecânica, de certa forma, confirmam isso: dizemos Katerpillar quando devíamos dizer tractor de rastos da marca Katerpillar porque Katerpillar é só uma marca; também Black&Deker refere um berbequim que pode ser de variadíssimas marcas; dizemos Jeep quando nos referimos a veículos todo o terreno quando afinal Jeep é só uma marca desse tipo de veículos. A marca, nome, apoderou-se de todos os objetos com a mesma função. No Brasil, fotocopiar diz-se Xerocar pois a fotocopiadora mais conhecida é da marca Rank Xerox. E o que é o “cimbalino”? É um café “tirado” de uma máquina cuja marca pode ser ou não “La Cimbali”. E porquê dizer que o pavimento de uma rua é em paralelo (de paralelepípedo) quando é quase sempre em cubos? E as “boutades”, que não deixando de o ser, são elucidativas como “uma lata de sardinhas de atum”, o” aviário de coelhos” não esquecendo a “alheira de bacalhau”). Virginia Woof também conjecturou nesse mesmo tema com a sua teoria dos espelhos côncavos. A própria Igreja preocupa-se com esse fenómeno tendo até um organismo, a Congregação para a Doutrina da Fé, para resolver questões de cativação da vontade por outrem ou por outra coisa, sei lá. E a nós ficamos com o silêncio das não respostas. O que são os possessos? Quem é Dr. Jekyll e Mr. Hyde? Quem é Drácula? E o Lobisomen? O que é estar com os espíritos? O que é o mau olhado? Para que servem os amuletos? Quem são os “tifosi “, esses adeptos de uma equipa de futebol, que a propósito de um (simples?) jogo tem posturas das quais, no dia seguinte, eles próprios se envergonham? Ficam, embora temporariamente, cativos de quê? E que dizer dos fãs de um qualquer cantor Rock que nos concertos, choram, gritam, entram em transe, transfiguram-se, parecendo autenticamente possessos? E que pensar daquele actor que depois de ter interpretado a figura da Abraham Lincoln numa peça teatral, (como se sabe Abraham Lincoln foi morto a tiro num camarote quando assistia a uma peça de teatro) passou o resto dos seus dias em camarotes assistindo a peças teatrais à espera de uma bala que fosse o desfecho” óptimo” de toda a sua encenação? Valerá a pena lembrar o requiem que foi encomendado a Mozart e que se apoderou de tal forma do espirito do autor destroçando-o, física e psiquicamente, atirando-o para uma morte que ele próprio achava um corolário lógico dessa sua última criação? O que é um “fetiche”? E o que é o “Santo Graal? E a espada do Rei Artur? E a premonição? E a ferradura na porta? E a superstição? E quem, num dia em que suspensos e tementes de uma revelação importante, não escolheu uma camisa, uns sapatos, um trajeto ou qualquer outra coisa onde nos pareceu ver inscrito aquilo que Afonso Henriques viu nos céus de Ourique? E o que é um exorcista? E quem é o exorcizado? E exorcizam o quê? E já agora um exemplo grosseiro mas com alguma graça: quando o Bibi, o da casa Pia, saiu da cadeia, vinha de fato escuro, óculos escuros e uma imagem em nada parecida com aquela dos tempos em que rebentou o escândalo, que era a de um homem acossado e sempre vestido de casaca vermelha. Isto levou a que alguém tivesse dito, que aquele não era o Bibi, porque o Bibi era o “gajo” da casaca vermelha. A coisa a apoderar-se do homem? Não sei.
E qual é a função da cabeleira dos juízes? E do vestido de noiva, do fraque ou da capa e batina? Será que o criador desses adereços e destas vestes talares quis tão só fazer um elemento distintivo e puramente estético ou por outro lado pensava que assim haveria uma certa cativação do espirito daqueles que os usassem? Em “morena de Angola “ Chico Buarque é assaltado pela dúvida – “será que ela mexe no chocalho ou o chocalho é que mexe com ela?”
Jude Law actor cinematográfico interpretou num filme a figura de um Papa. Numa entrevista sobre esse filme fez esta revelação: “Vesti a roupa de Papa e senti-me um super-herói. Aquelas vestes são como uma declaração de princípios.”
O hábito não faz o monge? Será que ajuda?