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Ao Deus desconhecido

A seca extrema faz estremecer todos quantos pensam no global, não dessedentados nas esplanadas onde debitam sabenças abstrusas revelando indubitavelmente desconhecer em profundidade, largura e altura as consequências da tragédia caso a secura persista.
O panorama actual trouxe-me à memória filmes e livros nos quais o tema é tratado de modo pungente, dois livros recordo, A Estrada do Tabaco, sensual e violento, de Erskine Caldwell, e, sobretudo, Ao Deus Desconhecido, de John Steinbeck, nessa obra o autor de A Leste do Paraíso, rastreia o desespero de um homem vítima da seca devastadora da plantas e animais, deixando a terra gretada, sedenta, dilacerada, sem préstimo.
Porque vem ao talhe de foice trago à colação o rio Fervença no pináculo do verão, reduzido a um fio de água, pestilento assim escreveu o antropólogo e sociólogo Alfredo Margarido, nascido na Moimenta da Raia (Vinhais) e episódico estudante na cidade do Braganção. Certamente, alguns leitores recordam-se do Fervença estival crivado de pústulas e pequenos charcos de água pestilente povoados de rãs a coaxar, e girinos saltitantes.
As rãs não eram as de Aristófanes, prosaicamente, coaxavam acentuando a estação dos três meses de Inferno, aqui a semelhança relativamente à obra do comediógrafo grego, pois Dionísio desce ao Inferno na intenção de trazer Eurípedes de volta, já que na perspectiva do autor a sociedade apresentava sinais de putrefação.
O Fervença renovou-se através do programa Polis, a seca só pode ser extirpada caindo chuva, não diluviana, bem caída, de modo a revigorar os campos, dar vivacidade aos nascentes, encher as barragens, dar oxigénio aos peixes, conceder alívio às mulheres e homens agarrados à agricultura, a nós próprios refrescando-nos os corpos e os espíritos.
Não quero escrever uma crónica lamechas ao estilo de redacções da época escolar, gostava de prender a atenção dos leitores tanto pelo conteúdo, como pela forma, só que passar em várias regiões do País é registar visões de vales e montanhas de cor negra e cinzenta dada a virulência dos incêndios, é vislumbrar charcas sem pinga de água, verificar a indigência de água nas barragens, obrigando-nos a levantar os olhares e perguntar, interrogar, sobre quantas pragas ainda temos de suportar. 
O homem ao inventar a maneira de conseguir e domesticar o fogo, pura e simplesmente, praticou a maior invenção da história da Humanidade, só que, inúmeras vezes, o criador torna-se vítima da criatura, seja porque brotou espontaneamente, seja por descuido ou insensatez, as chamas quais sarças ardentes repetem-se, gerando prejuízos monstruosos no património das gentes e trágicas perdas de vida. Não sendo especialista em fogos (era-o o malogrado engenheiro silvicultor e bragançano de gema José Matos), muito menos adivinho, porém causa-me a maior das apreensões o cadenciado dos fogos num farfar ritmado e progressivo fazendo crer na existência de uma mão escondida a listar as localidades destinadas a serem palco de incêndios quanto mais devastadores melhor. As labaredas rapam cocurutos e profundezas deixando tremenda e terrível herança e futura desertificação. Será plausível pensarmos um País seco em grandes extensões territoriais, revestido de raízes, espinheiro, e silvas?
Escrevo-o novamente, nós detemos grossas culpas no cartório, reparem nas valetas, nelas vislumbram-se lixos de múltipla espécie, reparem nos detritos deixados no chão após festas e feiras, reparem no despropósito de os contentores babarem exalando aromas desagradáveis até a pituitárias entupidas e carecidas de água e sabonete. Temos o que merecemos? Talvez. 
Muitos podem ter tão mau merecimento, porém, pelo menos os eremitas não o merecem, pode-se clamar já não existirem eremitas, mas ainda existem pessoas dotadas de escrúpulos, praticantes de uma paideia abrangente onde o nosso semelhante é valorizado dentro do estatuído pelo mandamento: não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti.
Caro leitor: tentei não imitar as carpideiras, tentei fugir do discurso do John lamentos da banda desenhada de outros tempos, tentei afastar-me do estilo de Frei Tomás, da prática julgo-me de costas voltadas para semelhante e tão nefasta personagem do imaginário-real da sociedade portuguesa, não sei se consegui o intento, o desejo existiu e existe, a consumação só quem me lê o pode confirmar.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Gaspar Fernandes Pereira (n. Mogadouro, 1690)

Gaspar Fernandes Pereira nasceu em Mogadouro por 1690. A sua mãe, Maria Lopes, era irmã inteira de Gaspar Lopes da Costa. O pai chamou-se Manuel Lopes Dourado(1) e era natural de Freixo de Espada à Cinta. 
Manuel Lopes Dourado foi casado em primeiras núpcias com Ana Martins e o casal teve pelo menos 5 filhos, meios-irmãos de Gaspar. Um deles chamou-se António da Fonseca, o qual emigrou para o Brasil, onde se tornou lavrador de mandioca, na região do rio de S. Francisco. Irmãos inteiros, teve apenas um, que se chamou Francisco e faleceu ainda pequeno.
Nascido em Mogadouro, Gaspar cedo perderia a mãe. E, ficando órfão, dele tomou conta o tio e padrinho, Gaspar Lopes da Costa, atrás citado, que o levou para a cidade do Porto. Ali viveriam, mantendo estreitas relações com a família de Francisco Lopes Carrança, no seio da qual ambos haveriam de casar mais tarde.
Pelos 10 anos começou a trabalhar de “caixeiro” com o mesmo tio que, um ou dois anos depois, o mandaria para o Brasil, levando fazendas para vender. Foi dirigido e à responsabilidade de Clara Lopes, viúva de Domingos Pereira que se encontrava instalada, com seus filhos, em uma roça nos Campos da Cachoeira, recôndito da Baía. De seguida tornou-se “caixeiro” da mesma Clara Lopes e seus filhos. 
A chegada de Gaspar ao Brasil terá acontecido em 1702, a crer no testemunho de seu meio-irmão António da Fonseca que o foi visitar e com ele, terá passado 2 ou 3 meses.
Permaneceria Gaspar pelas bandas da Cachoeira uns 10 anos, regressando ao Porto e a Lisboa por 1712, para casar com Branca Teresa, filha de Francisco Lopes Carrança e Maria Gomes, que entretanto deixaram o Porto e foram para Lisboa. Ali encontrou também Gaspar Fernandes o tio, agora também seu cunhado, Gaspar Lopes Costa, e feito “passador” de judeus para Inglaterra. Vejam, a propósito, uma cena que o nosso biografado contaria, em 1726, para os inquisidores:(2)
— Há 13 anos em Lisboa, junto ao Cais da Pedra, em uma fragata, na qual foi a bordo de um navio, em companhia de seu sogro e cunhado Gaspar Lopes da Costa (…) e em uma quinta diante do convento de Nª Sª da Graça, indo para Penha de França, se achou com Brites da Costa, cunhada e sogra dele confidente, filha de Francisco Lopes Carrança.
Afinal quem era a sua mulher e quem eram os seus sogros? Expliquemos. Branca Teresa, filha de Francisco Lopes Carrança, terá falecido pouco depois e não consta que tenha deixado qualquer filho. E ficando viúvo, Gaspar Fernandes viria a casar mais tarde com uma sobrinha da falecida mulher,(3) filha de sua irmã Brites da Costa e de Gaspar Lopes da Costa, seu tio e cunhado e depois seu sogro. Caso exemplar de endogamia! Mas este casamento aconteceria apenas anos mais tarde.
No estado de viúvo e contando cerca de 24 anos, Gaspar Fernandes embarcaria novamente para o Brasil. No ano seguinte, encontrar-se-ia no sítio do Papagaio, “distrito das Minas Gerais de S. Paulo”. Sim, que a febre do ouro começava então a alastrar pelo Brasil. Mas ele não era mineiro, antes continuou na atividade de “caixeiro”, agora ao serviço de Francisco Ferreira Isidro,(4) nas minas do Ribeirão do Carmo, morando na freguesia de N.ª Sr.ª da Oliveira.
Ontem como hoje, sempre houve dívidas difíceis de cobrar. De uma dessas cobranças temos particular notícia, dada por seu irmão António Fonseca que o acompanhou pelo Rio de S. Francisco para o interior do Brasil.
Assim se explica que ele viajasse pelos sítios mais diversos da Baía a S. Francisco, das terras de S. Paulo às do Rio de Janeiro, das Minas Gerais às Minas de Ouro Preto ou do Serro Frio ou do Ribeirão do Carmo… entre 1715 e 1720, contactando a mais diversa gente, nomeadamente da etnia hebreia, como registou Anita Novinsky.(5) 
Regressaria a Portugal por 1720 e certamente trazia uma bolsa com grossos cabedais, o que lhe permitiu tomar de arrendamento o assento da província do Minho. Nesse mesmo ano terá casado com Josefa Teresa da Costa, atrás referenciada, a qual, no ano de 1723, lhe deu uma filha que batizaram com o nome de Beatriz. 
Para além do pagamento dos ordenados e fornecimento de géneros às tropas estacionadas na província do Minho, Gaspar Fernandes tomou também a cobrança das rendas da comenda de Algoso, o que lhe exigia dispor de 2 contos e 800 mil réis em dinheiro contado, que era o montante que tinha de pagar à cabeça e correspondia a um ano de renda.
Para além do assento do Minho e da comenda de Algoso, Gaspar era mercador e vendia coisas tão diversas como baetas, serafinas e outras fazendas, papel ou pimenta, não faltando “peças de Ruão”. Assim se explica a vida de andarilho entre Lisboa, Porto, terras do Minho, Vila Real e Mogadouro. Onde ele não faltava era na feira de S. Mateus, em Viseu. E não ia apenas à feira, antes alugava uma casa em que ficava instalado por uma boa semanada.
Contava 35 anos quando o meteram nas masmorras do santo ofício de Lisboa. Começou por confessar que foi iniciado no judaísmo por Gregório da Silva Henriques, na Cachoeira. Depois alterou o depoimento dizendo que foi instruído logo aos 7 anos por seu tio Gaspar Costa, continuando Clara Lopes o mesmo ensino. 
Por 15 meses ocupou as celas da inquisição, saindo penitenciado em cárcere e hábito perpétuo no auto de 13.10.1726, juntamente com sua mulher. Meio ano depois, ambos escreveram uma carta conjunta ao inquisidor geral pedindo licença para comungarem. O parecer dos inquisidores foi negativo e a razão principal foi esta: 
— Toda a sua família, assim que saíram no auto, se ausentaram para Inglaterra e se presumia que eles o não foram também por estar prenha a mulher. 
Posto em liberdade, ele não fugiu, antes se meteu no negócio do tabaco, com o estanco em Benavente. Ali o vamos encontrar em 21.12.1728, na igreja da Senhora da Graça, a ratificar o testemunho que em tempos dera sobre o seu irmão António da Fonseca, agora preso na inquisição de Lisboa.(6) Terminamos com uma das orações que Gregório da Silva Henriques lhe ensinou:
 
Poderoso grande Senhor
hacedor de cielo y terra
del mundo gobernador
buelve como buen pastor
las ovejas a la sierra
y las que hubieren comido
apártalas del rebaño
socórrelas gran Dios
donde no hagan daño.
Yo como oveja perdida
a tu ganado dexé
mas vuelve Señor a mi
de nuevo dama la vida
como al cordero humanado
Abraham por tu mandado 
a Isaac su hijo amado
el brazo teniendo levantado
la pancada dar quería
cuando su majestad
há visto su corazón limpio e
[sano
envio hun ángel cortesano
que descendesse 
e le tibiesse a la mano
si alguna nueva divina
[clemencia.
Dámela por perdonado 
líbrame de Satanás
e de su malas cuestiones
como libraste a Daniel
del lago de leones.
Líbrame de Satanás 
y del poder del demónio
como libraste a Susana
de aquel falso testimonio.
Líbrame de Satanás 
y de su poder fecundo
como libraste a Noé
en aquela arca del diluvio.
Señor, pequei
Y sempre estou pecando.
Havei misericórdia de mim, 
ajudaime, encaminhaime,
abençoaome y perdonaime.
 
 
Notas e Bibliografia:
1 - Domingos Lopes Dourado e Maria Fernandes Dourado, avós de Gaspar, foram moradores em Urros, concelho de Torre de Moncorvo. Para além de Manuel Lopes Dourado o casal teve uma filha chamada Maria Lopes que casou com António de Morais, ferrador de profissão. E tiveram outro filho, chamado Domingos Lopes Dourado, cirurgião como o pai, que foi casado com Maria de Andrade e morador em Escalhão. - ANTT, inq. Coimbra, pº 6181, de Maria Lopes; pº 4199, de Domingos Lopes Dourado.
2 - ANTT, inq. Lisboa, pº 8777, de Gaspar Fernandes Pereira.
3 - IDEM, pº 8783, de Josefa Teresa da Costa.
4 - ANDRADE e GUIMARÃES – Os Isidros, a saga de uma família de cristãos-novos de Torre de Moncorvo, ed. Lema d´Origem, Porto, 2012.
5 - NOVINSKY, Anita – Inquisição Rol dos Culpados Fontes para a História do Brasil sec XVIII, ed. Expansão e Cultura, Rio de Janeiro, 1993.
6 - ANTT, inq. Lisboa, pº 10484, de António da Fonseca.

 

Vendavais - Quando melhor, cada vez pior

Portugal tem andado numa roda-viva desde a política aos incêndios que têm assolado a zona centro do país. A própria política tem-se intrometido nos incêndios não se conseguindo separar o trigo do joio nem arranjar os verdadeiros culpados de tudo o que vai acontecendo. No meio de todo o turbilhão de informações, o primeiro-ministro vem a público apaziguar as hostes e realçar os progressos da economia portuguesa. Não basta. Só os incêndios já causaram e vão causar milhões e milhões de prejuízo na economia nacional e vão levar à falência muitas empresas ligadas ao setor madeireiro e afins.
O Banco de Portugal divulgou recentemente os dados da balança de pagamentos, relativos ao final de junho, com o défice das balanças corrente e de capital a fixar-se nos 685 milhões de euros, quase o dobro dos 356 milhões registados no mesmo período de 2016. O que explica esta evolução, segundo os entendidos, é o facto de as importações aumentarem a um ritmo superior ao das exportações, apesar do ‘boom’ do turismo em Portugal, setor que registou um excedente de quase 4 mil milhões de euros.
Segundo o Banco de Portugal, até junho, a balança de bens e serviços registou um excedente de 713 milhões de euros, menos 412 milhões de euros do que no período homólogo. Mas o aumento do excedente da balança de serviços em 825 milhões de euros – devido ao bom momento do turismo – foi insuficiente para compensar o aumento do défice da balança de bens ou de mercadorias que regista as exportações e as importações de mercadorias. 
Pois é, quando nos parece que tudo está a correr bem, de repente tudo se transforma em dívidas. Por mais que o governo se esforce por nos dar uma visão optimista da nossa economia e de quanto ela flui positivamente, a realidade vem dizer outra coisa. Será que as exportações subiram para obviar a que aos turistas nada falte, mesmo que sejam os portugueses a pagar tudo isso? Ou será que a alegria do crescimento fez disparar o disparate das compras ao estrangeiro? A verdade é que nós somos um pouco assim. Se temos muito, temos de gastar e comprar do melhor. Não podemos ficar atrás dos outros! Enfim!
Quando o governo vem a público enumerar o que de bom se está a verificar na economia portuguesa e até pode ser verdade, o certo é que esconde ou omite o que está cada vez pior. Todos os partidos são de opinião que a economia está a crescer a bom ritmo, mas a economia é um bicho-de-sete-cabeças e nós nunca sabemos exatamente qual das cabeças está a falhar. A dívida pública sim, essa sabemos que é cada vez maior. Como diz o povo, alguém há de pagar! Claro, todos nós pagamos. E o principal problema é que pagamos sem ter culpa nenhuma, como sempre.
Este ano até pode ser considerado um ótimo ano no setor do turismo, mas foi péssimo no que concerne aos fogos e à destruição do património florestal e o governo limita-se a dizer que já foram apanhados 70 possíveis incendiários sem referir o que lhes vai acontecer, quando vão ser julgados e condenados por delapidarem a riqueza florestal e levar à miséria centenas de famílias que, além de ficarem sem lar, ficaram sem a possibilidade de se sustentarem porque perderam as suas hortas, as suas vinhas, familiares, referências, gado, enfim, o que lhes dava no seu dia-a-dia, a possibilidade de se manterem vivos para enfrentar o futuro, sempre incógnito e avassalador. E tudo está a demorar tempo demais para se solucionarem os casos mais prementes.
A verdade é que Portugal é um país pequeno, mas como diz o povo, com uma alma enorme, mas não chega. Efetivamente não chega tapar o sol com a peneira. É positivo informar que a nossa economia vai melhor, mas é imprescindível reafirmar que temos dívidas grandiosas e que têm estado a subir enormemente desde há dois anos para cá. Isso tem de se saber e tem de se realçar. É a outra parte da questão. Neste momento estamos a atravessar um caminho muito difícil, mesmo muito complicado, perante as desgraças que se têm verificado. A campanha eleitoral que se avizinha que sirva para abrir os olhos dos eleitores e que alerte para os perigos que têm de ser resolvidos pelos próximos autarcas. Deixem as promessas. Limitem-se à realidade para que se não pense que o presente é bom quando o futuro é péssimo. As coisas não podem continuar a ser boas para uns e más para outros. Vamos lá a nivelar!

Ler para viver

Estas três palavras são de um autor francês, Flaubert, que escreveu entre outros Madame Bovary – romance delicioso – e este título bem podia ser escolhido para um club de leitura onde cada um pudesse dizer o seu amor por esta atividade tão importante. Ou para, neste período de férias para muitos, responder à letra aqueles que dizem: Ah! Leria muito mais se tivesse tempo. 
Porquê que se coloca a questão: efetivamente, porquê que é preciso ler? Para nos divertirmos? Para nos distrairmos? Para nos formarmos? Sim, tudo isso ao mesmo tempo, além disso são essas mesmas as palavras de Flaubert: lede para viver, cito: “edificai à alma uma atmosfera intelectual que seja composta da emanação de todos os grandes espíritos. Estudai, a fundo, Shakespeare e Goethe. Lede traduções dos autores gregos e romanos, Homero, Petrónio, Plauto, Apuleio, etc… quado alguma algo vos aborrece, não desistais e insisti. Rapidamente compreendereis, e ganhareis uma grande satisfação. Trata-se de trabalho, faço-me entender?”
Esta carta encontra-se no segundo volume da sua correspondência, com a data de 6 de junho de 1857. Como toda a correspondência de Flaubert, é extraordinária do princípio ao fim. Além do mais, as cartas de Flaubert estão cheias de conselhos, não somente exortações à leitura, mas conselhos mesmo de leitura. Quer se dirija aos jovens escritores: “lede os clássicos. Vós lestes muitos livros modernos e vê-se o reflexo na vossa obra”, carta de 1879. Ou que isso se aplique a si-mesmo: “É preciso adquirir o hábito de ler todos os dias (como um breviário) algo de bom. Isso vai-se impregnando com o tempo. Eu atulhei-me excessivamente de La Bruyère, de Voltaire (os contos) e de Montaigne».  
O conselho de ler «para viver» dirige-se a uma mulher cujo nome sobreviveu graças à sua correspondência com Flaubert, e vai prolongar-se durante 19 anos, a Menina Leroyer de Chantepie. É uma senhora com cerca de cinquenta anos então, que vive em Angers. Não é casada, consagra a sua fortuna a ajudar os mais necessitados, como se dizia na época, é católica mas muitas vezes invadida pela dúvida. E frequenta em Angers os meios republicanos.
Sobretudo, sofre da estreiteza e privações da sua vida e da vida da província. Escreve nos jornais, publica um ou dois romances, vai ver o oceano e alguns espectáculos de ópera. Mas a sua vida surge cheia de tédio. “Se a menina fosse um homem, escreve-lhe Flaubert, dir-lhe-ia: embarque, dê a volta ao mundo!” Mas como não é possível, então “dê a volta ao mundo no seu quarto, leia!” mas leia calmamente, pausadamente, leia e releia, por exemplo Montaigne. “Ele acalmá-la-á”. “Leia-o de uma ponta à outra, e quando terminar, recomece a leitura”. Ler, na realidade é reler.
E então abrir-se-á para si aquilo que “a menina nem imagina: a Terra”. E Flaubert escreve Terra, com maiúscula.
Com efeito, nem podemos imaginar aquilo que se abre para nós quando abrimos um livro. Algo em nós, tão vasto como o universo.

Cebola: comer e chorar por mais!

Qua, 30/08/2017 - 20:09


Olá familiazinha!
Estamos quase a arrancar do calendário a folha do mês de Agosto, o mês dos emigrantes. A maior parte deles já partiu ao encontro do ganha-pão. Oxalá que São Cristóvão e a Senhora da Boa Viagem os tenham guiado no seu trajecto. Uma saudação amiga para todos os assinantes do nosso jornal que nos lêem no estrageiro.
Agora muitas casas voltaram a ficar vazias, por isso nós vamos continuar a enchê-las de amor e amizade da nossa família.