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A lenha das almas - Tradição ainda viva nas aldeias da Lombada

Ter, 07/11/2017 - 11:05


Olá familiazinha!
Já estamos no mês das almas, das castanhas e dos magustos. Novembro começa sempre com o Dia de Todos os Santos e há tradições que se mantêm, como é o caso da “lenha das almas”, ritual que se continua a realizar nas aldeias da Lombada, embora este ano, devido à proibição de fazer fogueiras, o lume se tenha feito dentro dos pavilhões, nas lareiras das casas do povo das aldeias. Também na localidade de Nuzedo de Baixo (Vinhais) se manteve a tradição de “entravar” as ruas da aldeia, embora com o devido cuidado para manter a segurança e a circulação rodoviária. Nesta localidade também é costume os rapazes “roubarem” os vasos pelas varandas e enfeitarem com eles o adro da igreja.
No dia de Fiéis Defuntos tivemos um programa especial porque, com a ajuda de vários participantes, falámos à alma de centenas de tios e tias que Deus já chamou.
Na semana passada quem se encheu de trabalhar foi o nosso ministro dos parabéns, o meu João André, pois foi no dia 1 de Novembro que houve mais aniversariantes, incluindo familiares dos nossos participantes. Durante toda a semana estiveram de aniversário o tio Zé Manuel da Concertina, de Canavezes (Valpaços), que chegou aos 63; a prima Jéssica, que nos liga de Londres, festejou 9 anos; o tio Orlando Benfiquista, de Macedo de Cavaleiros, fez 67; o primo Bruno Silva, de Samil (Bragança), chegou à maior idade; a tia Mercília, da Samardã (Vila Real), completou 60; a tia Paula Farruquinha, de Coelhoso (Bragança), apagou 47 velas e o tio Narciso Augusto, dos Alvaredos (Vinhais), perfez 74. Parabéns e muita saúde a todos.

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Afonso Cardoso (n. Porto, 1570)

Uma das primeiras famílias de judeus conversos vindos de Castela para o Porto foi a dos Baeça. Este nome seria exatamente tomado da sua terra de origem, Baeza, cidade espanhola da província de Jaen. Afonso Baeça foi um dos membros e terá vindo com os pais, bem criança ainda. Casou com Branca Cardoso, natural de Mesão Frio. (1)
O casal fixou-se na cidade do Porto, na Rua de Belmonte e vivia desafogadamente, do “trato e ofício das sedas”, com criados e criadas e numerosa prole. Isabel Cardoso, a filha mais nova e que viria a casar com Domingos Henriques, da Torre de Moncorvo, nasceu por 1557 e por essa altura faleceu Afonso Baeça.
Branca, a matriarca, viveria ainda por mais 37 anos e a sua casa ganhou “fama de rica”. Seria uma empresária de mão cheia, dirigindo uma unidade industrial de fiação de seda que “dava que fazer a 50 casas do Porto”. Em Julho de 1569 foi presa pela inquisição de Coimbra, onde purgou por 17 meses, dali saindo “sem poder mover os braços” por causa do tormento a que foi submetida.
Beatriz Cardosa era outra filha de Branca e era também casada com um homem de Torre de Moncorvo, chamado Manuel Fernandes Videira, rendeiro. Embora assistissem algumas temporadas no Porto, a residência do casal era dividida entre a Torre de Moncorvo e a aldeia de Fontelonga, em terras de Ansiães, em virtude do ofício de cobrador de rendas.
Na cidade do Porto, por 1570, nasceria um filho do casal a que deram o nome de Afonso Cardoso, o nosso biografado. E a entrada do jovem na vida ativa, seria a de ajudar o pai na cobrança das rendas. A grande maioria dessas rendas era paga em cereal que, a partir dos portos do Pocinho e de Foz Tua era conduzido para o Porto, conforme testemunho de dois almocreves que para eles trabalhavam na condução do mesmo cereal para os ditos portos.
Morando embora em Trás-os-Montes, Afonso Cardoso deslocar-se-ia com alguma frequência a Lisboa e Braga, para efeitos de arrematação das rendas e mais ainda ao Porto. E assim, alguns anos depois, o vemos feito já um “mercador de sobrado” e homem rico, arrematar a cobrança das “rendas das entradas do mar e correntes da terra” na cidade do Porto. Significa isto que a ele competia fiscalizar os produtos que entravam na cidade, vindos por mar ou por terra, e proceder à cobranças dos impostos, ou sisas, resultantes da comercialização de tais produtos.
Das estadias no Porto, resultou que Afonso Cardoso se meteu em relações amorosas com sua prima carnal Maria Cardosa, filha de sua tia materna, Catarina Lopes e seu marido João de Vilar, ourives de profissão. Maria ficou grávida e isso era uma questão extremamente humilhante para a família da moça e ofensiva dos costumes e da lei judaica. (2)
Afonso foi obrigado a casar e as relações com a família de sua mulher nunca seriam as melhores. Uma testemunha dirá que “depois de casado, não entrava em casa de Catarina Lopes e que só uma ou duas vezes, desde o tempo em que casara até ao tempo de sua prisão o vira entrar em casa da sogra, mas que saía sempre agastado”. Ele queixar-se-ia, inclusivamente, que a tia nunca lhe pagou o dote prometido pelo casamento, que foi celebrado em 10 de maio de 1593.
E se as relações com a tia e os cunhados eram tensas, muito mais ficariam depois da morte do sogro, João de Vilar, ocorrida uns dois anos mais tarde. As partilhas foram litigiosas e, a acrescentar os ódios, aconteceu um incidente envolvendo Afonso Cardoso e o seu cunhado Manuel de Vilar. Este negociara um pouco de seda. E aquele soube do negócio e foi sobre ele exigindo-lhe o pagamento da sisa. Aquele negou-se e… o resultado foi a instauração de um processo perante o juiz.
Casado à força, Afonso Cardoso não se daria muito bem com a mulher, a acreditar nas suas palavras: “tanto que ele réu não comia coisa que sua mulher fizesse, nem que viesse de casa de sua sogra”. Isso mesmo foi confirmado por várias testemunhas, uma das quais contou que “depois de casado o réu teve muitas diferenças com sua mulher e ele viu uma vez a dita mulher do réu sair ferrada na testa e o réu arranhado no rosto”. (3)
Possivelmente as desavenças foram por ele acentuadas perante os inquisidores, na tentativa de provar que as denúncias de seus cunhados eram ditadas pelo ódio. Sim que todos eles foram presos pela inquisição e todos eles confessaram que se tinham declarado com ele e com a mulher como seguidores da lei de Moisés.
Para além dos cunhados, outras pessoas o denunciaram. Foi o caso de um confeiteiro da cidade chamado Simão de Sousa que, estando no tormento, disse:
- Em outra ocasião estando ambos ao Cais da dita cidade, a propósito de ser siseiro e de virem certas naus de Flandres e dizerem um para o outro que aquelas naus vinham de boa terra onde todos viviam à sua vontade e na lei de Moisés se declararam…
A cena haveria de ser confirmada pelo próprio, nos seguintes termos:
- Estando com o sobredito e com Álvaro Gomes, cristão-novo, confeiteiro, cunhado de Simão de Sousa, entre práticas os sobreditos disseram que estavam determinados a irem para as partes da Flandres para lá viverem mais à vontade.
Mas esta confissão foi feita em novembro de 1599, quando lhe disseram que estava condenado à morte, 2 anos e 2 meses depois de ser preso, durante os quais se manteve negativo e apresentou muitas contraditas. Como esta, bem significativa do seu modo de vida:
- Nos anos de 89 e 90 andou ele réu em Trás-os-Montes, no concelho de Freixiel, arrecadando as rendas de Luís Álvares de Távora, bailio, de mandado de seu pai, no concelho de Vila Flor e Torre de Moncorvo, das muitas rendas que seu pai tinha, razão pela qual não veio ao Porto nos ditos tempos. E no ano de 90 esteve em Torre de Moncorvo doente de cama 4 meses e não veio ao Porto nesse ano. E no dia de Santiago esteve a meter a sua irmã freira no mosteiro de Monchique. (4)
A propósito da prisão de Afonso Cardoso e outros, veja-se o testemunho de Francisco Nunes Ximenes:
- Disse que foi preso na cidade do Porto a 16 de agosto de 1597 e no aljube desta cidade esteve alguns dias e ali esteve com 18 homens entre os quais nomeou os Vilares e seu cunhado Afonso Cardoso e Francisco Lourenço e estavam numa casa de baixo e em cima estavam as mulheres que também estiveram presas.
Resta dizer que Afonso Cardoso saiu no auto de 19.12.1599, condenado a “cárcere e hábito irremissível e leve no auto hábito com fogos, visto o tempo em que confessou depois do assento” onde estava para ser relaxado.
Com ele saiu também sua mulher e ambos puderam regressar ao Porto e cuidar de seus 3 filhos (o mais velho de 5 anos) em junho de 1600, depois que a pena lhe foi comutada por “uma esmola de 200 cruzados”. O hábito, porém, só lhe seria tirado em janeiro de 1603, em cerimónia realizada em Coimbra.

Notas e Bibliografia:
1-Mesão Frio foi das primeiras terras a sofrer a investida da inquisição, a partir de uma visitação feita em 1542 pelo bispo do Porto, o inquisidor D. Baltasar Limpo.
2-IDEM, pº 2736, de Afonso Cardoso: - Disse que Catarina Lopes era inimiga do réu porque ele tivera conversação carnal com sua filha e a desonrara e ela pariu dele antes de recebidos e por ver sua filha desonrada, Catarina os casou à força.
3-Maria Cardosa foi presa em Vila Flor, em Maio de 1599. Metida na cadeia de Coimbra, por 5 vezes foi a tormento. Um bilhete que lhe apanharam, enviado a outros prisioneiros, dizia o seguinte: - Vossas Mercês me farão mercê de saber de Fernão Lopes, do Porto como está de seus negócios porque o pergunta sua irmã, por ele. Nosso Senhor nos livre a todos, como pode. – ANTT, inq. Coimbra, pº2993, de Maria Cardosa.
4- A propósito do mosteiro de Monchique, veja-se esta informação bem interessante para o estudo do judaísmo na cidade do porto. Foi tirada do processo 2576-C, de Luís da Cunha: - Disse que haverá 4 ou 5 anos no pátio do mosteiro de Monchique, se encontrou com João de Leão, que vive à Fonte Ourina, e com ele estava Francisco Paulo, cristão-novo, o romano de alcunha, que agora vive em Ciudad Rodrigo,  e é destilador,  e por ocasião de ver um letreiro em língua hebraica  que está em uma parede  do dormitório  da banda de fora,  que se vê do dito pátio e o dito Francisco Paulo o ler e explicar por saber a língua hebraica,   e dizer que aquela pedra fora de uma sinagoga  segundo o letreiro mostrava.
 

ROMA NÃO PAGA A TRAIDORES - E Mirandela, paga?!

Não sei. A ver vamos, como diz o cego!
Para já, recuperemos a história que julgo todos bem conhecem e que se conta em breves palavras.
1ª Capítulo – Alguns séculos antes de Cristo vir ao mundo e nos ter legado a mais universal mensagem de fraternidade e recomendado a procura permanente da verdade e da coerência, no território a que hoje corresponde a península Ibérica, as legiões da todo-poderosa Roma, impunham pela força das armas aos povos locais, as suas regras, costumes e língua que como bem sabemos chegaram aos nossos dias. Todavia, à medida que avançavam para o interior montanhoso, as dificuldades aumentavam e a resistência local tornava-se mais violenta, destacando-se pela sua coragem e argúcia, Viriato o pastor dos montes Hermínios como nos ensinavam outrora na escola.
Goradas as muitas tentativas para submeter os aguerridos lusitanos, Roma ordenou aos seus governadores que procurassem negociar a paz, prometendo até a independência do território.
Para o efeito, Viriato nomeou três emissários da sua suposta confiança para assinar o acordo com o cônsul romano, mas estes rapidamente se deixaram subornar com ofertas tentadoras e a promessa de assassinar o seu líder.
E foi o que aconteceu!
Mais tarde, quando procuravam cobrar o prometido por Roma, os seus agentes não perdoaram ordenando a sua execução na praça pública acompanhada por cartazes onde se lia a mensagem que chegou aos nossos dias:
- Roma não paga a traidores!

2ª Capítulo - Mirandela,1 de Outubro de 2017, domingo de eleições autárquicas

No nosso concelho, o povo sábio e esclarecido soube dizer nas urnas o que queria e como queria ser representado no Município. Votou maciçamente para a Câmara Municipal e com surpreendente confiança para a Assembleia Municipal.
Não querendo “pôr os ovos todos no mesmo cesto” a fim de manter o equilíbrio político, deu maioria ao P.S. partido socialista na Câmara com quatro vereadores num total de sete, e deu maioria ao P.S.D. partido social democrata na Assembleia Municipal com 32 membros num total de 61, o que havendo coerência e continuidade lhe daria a mesa deste órgão autárquico.
Aguardamos tranquilos.

3ª Capítulo - Sendo do conhecimento público as tão insistentes quanto reprováveis tentativas de aliciamento junto dos candidatos do P-S.D., este reagiu reunindo para ouvir, mas não registar, os testemunhos de fidelidade aos mandatos que o povo eleitor tinha confiado aos seus eleitos, procurando desse modo assegurar a continuidade da presidência da mesa do órgão autárquico.
Foi gente, aparentemente dum “ só rosto e dum só querer”, como dizia o nosso Sá de Miranda, que gritou alto e emocionado a sua coerência e obediência ao voto que os Mirandelenses confiados, onde nós nos incluímos, lhe tinham depositado.
Despedimo-nos tranquilos!

4ª Capítulo - Mirandela, 21 de Outubro de 2017. Auditório Municipal,15 h.
Instalação dos novos órgãos autárquicos para o quadriénio 2017-2021
Como referi no início da sessão que me competia dirigir, o dia era festivo, de confluência, reconciliação e de união nas diferenças partidárias tendo no horizonte o superiores interesses da nossa cidade e concelho, deixando claro à nova presidente da Câmara a nossa colaboração leal, activa e atenta resguardada sempre pela nossa interpretação e consciência.
Demos um testemunho inequívoco de saber estar com elevação, seriedade e serenidade nos momentos solenes da nossa terra, recusando vindictas absurdas que não honram ninguém.
Realizada a votação por voto secreto para a mesa da assembleia, constatou-se que pelo menos cinco dos candidatos do P.S.D. a quem o povo tinha confiado a sua opção, transfugiram para o partido vencedor alterando assim o panorama que os eleitores tinham preferido. Ainda assim, fomos os primeiros a cumprimentar o novo presidente da mesa.
Descrevemos o episódio, mas por respeito dos conterrâneos e de nós próprios, não o comentaremos, reservando-nos o direito e o dever de o analisar tendo somente em vista a melhoria de funcionamento do Poder Local que com tais práticas fica perigosamente enevoado.
Estimamos sinceramente que cada um de nós durma sossegado no seu travesseiro e que o tempo, esse grande juiz como escrevia Marguerit Yourcenar, traga lucidez e ajude a branquear as decisões.
Continuamos tranquilos.

Vendavais - O medo saiu à rua

Depois de tantos acontecimentos horríveis que bafejaram este país de que muitos se orgulham, o melhor era vivermos uns tempos de paz e sossego sem preocupações de maior. O que se passou em Pedrogão e recentemente em Santa Comba Dão e Tondela, deveriam envergonhar-nos durante algum tempo e equacionar soluções para obviar idênticos sucedâneos. Contudo, parece que o governo, tão solícito a esse respeito, está um pouco confuso com as medidas que deve tomar futuramente. A verdade é que depois da reportagem de uma estação de televisão nacional desvendar a possibilidade de haver um Cartel do Fogo que esconde negócios de milhões e onde aparecem indícios de ligação do Estado a esse mesmo cartel, o assunto fica muito mais difícil de deslindar. Aliás não é nada que nós não soubéssemos ou pelo menos não desconfiássemos. Era impensável um fogo começar à meia-noite ou à uma da madrugada! Mas alguém viu caírem do céu, durante a noite, “pára-quedas” de fogo que, pendurados em ramos de árvores tratavam de atear mais um ou dois incêndios. E como as nuvens não trazem fogo desse género, também ouviram os motores dos aviões que passavam e atiravam esses presentes com objetivos bem específicos. A justiça anda de viagem. Possivelmente em algum cruzeiro lá para as bandas das Caraíbas! Deve ser difícil patrulhar os céus especialmente de noite! Francamente!
Infelizmente as coisas não pararam por aqui. As más notícias e o que nos chega a envergonhar tremendamente continuam. Mas não se trata somente de vergonha. O medo começa a espalhar-se por todo o lado e as pessoas receiam andar livremente por onde costumavam andar ou ir a locais que frequentemente serviam para espairecer, esquecendo os desgostos do dia-a-dia e os males do mundo. As recentes notícias divulgadas sobre agressões de jovens à saída de discotecas, sem motivos aparentes que as justificassem, levantaram uma onde de revolta nacional. Na verdade, os vídeos divulgados são de uma atrocidade tão grande que chega a parecer irreal que aconteça semelhante coisa. Mas aconteceu. Agora, a onda de revolta espera que os culpados sejam castigados. Severamente castigados. Mas, serão?
Tudo se complica quando se descobre que são os próprios seguranças que agridem quem lhes apetece, como se se tratasse de um qualquer jogo de vídeo game, onde o objetivo é descarregar toda a fúria no primeiro individuo que aparecer pela frente. Não há motivos. Há somente objetivos.
Perante tanta ineficácia da polícia, o governo viu-se na necessidade de intervir. Finalmente! Resta agora saber se a justiça consegue acompanhar esta vontade intrínseca do executivo e do Presidente da República. Aliás, parece que o motor da decisão saiu da boca de Marcelo que tem estado sempre na linha da frente nos assuntos mais prementes. A opinião do Presidente serve de mote às quadras do governo e a dança desenvolve-se de seguida.
O país viu completamente desagradado toda esta sucessão de notícias escabrosas. Está em pânico. Tem medo. Temos medo. Invisível, ou talvez não, ele está no meio da rua e pode atropelar qualquer um de nós que se cruze no seu caminho. Pior do que isso, é que ninguém está disposto a confessar o crime com medo das represálias veladas dos criminosos. Há vídeos dos crimes, mas ninguém se quer queixar. Há feridos, há quase assassinatos, internamentos em urgências, em cuidados intensivos, jovens em coma, mas não há que apresente depoimentos sérios que levem os criminosos à cadeia. Parece mesmo um jogo. Perde-se, volta-se a tentar desde o princípio até conseguir chegar ao fim. Ao objetivo. Já não bastam as ameaças.
Envolto em manta de medo e desassossego, o país vive sob a ameaça de represálias de indivíduos que, em vez de proteger os incautos, agridem os inocentes. Choram-se a cada esquina os mortos e os feridos. Não é para menos. A justiça não funciona. Se uns não têm medo, outros morrem de medo. Quando o país precisava de descansar do desgaste dos incêndios que assolaram o interior e destruíram vidas e bens, eis que surge, de modo diferente, outro tipo de ameaça, menos visível que o fogo, mas onde até se visionam os criminosos. E depois? Vale o que vale. Não serve de grande coisa. Prendem-se uns e deixam-se outros em liberdade. Os de Lisboa não tiveram tempo de fugir. Os de Coimbra foram de passeio, calmamente até Espanha ou França, visitar a família! São conhecidos, são reincidentes, mas a polícia não se quis meter com eles. Porquê? Por medo. Também eles! Claro. Não há dúvidas. A verdade é que o medo saiu à rua.

De Profundis

Repito-me sem tremor na altura do dia de finados. Agora, sem temor porque consegui saltar da barca de Caronte, a queda em consequência do aparatoso salto tem-me custado demorada convalescença e profunda reflexão acerca da finitude da vida.
Milhões de mulheres e homens desaparecem sem deixarem vestígio ao modo dos mortos desprovidos de moedas para pagarem a passagem na referida barca. A Mitologia é acervo de mitos, lendas, gestas e outras reminiscências dos nossos ancestrais, do seu estudo ganho saberes sobre o riso, a ironia, o sarcasmo, a comédia, o drama, a farsa e a tragédia. Todas estas versões teatrais estão impregnadas de dor, de sofrimento, de morte.
Na espuma dos dias de agora esconde-se a morte, o De Profundis é considerado tremenda maçada se dure mais de trinta minutos, a manifestação ou sinal de luto, disso retirei a prova-provada ao colocar em volta do pescoço uma gravata preta durante dois anos e meio após a morte do meu filho mais velho.
Fala-se na construção de um memorial a recordar as vítimas dos incêndios, ainda bem, no Largo do Principal em Bragança ergueu-se um obelisco a salientar os combatentes mortos no decurso da 1ª Guerra Mundial. Poucos caminhantes reparam no dito memorial, menos os que sabem qual a causa da nossa interesseira participação no cruento conflito.
Por obrigação do cumprimento do dever para com a Pátria, ao exemplo de tantos outros integrei um Batalhão de Artilharia no período da guerra colonial. Tive a sorte de regressar, milhares de camaras lá perderam a vida. As esporádicas manifestações de apreço pelo seu sacrifício sepultam na obscuridade o sentido patriótico, enquanto pululam os patrioteiros especialistas na obtenção de mordomias acrescidas de medalhas deixando os mortos ao cuidado das ténues labaredas no Mosteiro da Batalha. Discutir-se seriamente a Guerra Colonial só em Congressos também palco de vanidades, os morto em combate fazem parte da estatística explicada pelo sinistro José Estaline, Zé dos Bigodes da literatura neo-realista.
Em Bragança, em Trás-os-Montes, não faltam elementos iconográficos relativos à morte e a mortos que conseguiram salvar-se do anonimato, as suas representações deviam ajudar os professores a melhor explicarem os programas. Sim, eu sei, consagrar atenção à morte fora do âmbito individual pode merecer críticas, dizer-se ser ideia abstrusa, interessar em primeiro lugar a criatividade óbvia da vida, colocar nos braços dos poetas, dos dramaturgos, dos romancistas, dos escultores, pintores, e tutti-quanti das artes, da sétima, o tema da morte.
Discordo. Já escrevi, gosto de perceber as localidades visitando os cemitérios, uns simples, outros repletos de ostentação e bazófias. E, no entanto, todos nos ensinam.
Também a Antígona nos ensina a honrar os mortos ao tratar do corpo do seu irmão morto pelo irmão, numa luta feroz entre irmãos, cujo móbil era o trono de Tebas (julgo na errar ao escrever que o bragançano Paulo Quintela encenou a peça de Sófocles, e a vinhaense de Sobreiró de Cima, Elza Fernandes (Chambel, apelido do marido) interpretou brilhantemente a heroína capaz de enfrentar a lei dos cúpidos humanos, defendo o direito de enterrar condignamente o irmão que integrava o núcleo dos vencidos.
A História explica as causas de não haver piedade para os vencidos, no cromático México o dia da exaltação dos mortos é estridente, festivo, de «comunhão» com os vivos, para lá do espectáculo os vínculos com os desaparecidos são fortes, daí as garridas convivialidades.
No Ocidente a cultura do efémero não favorece a comemoração de efemeridades dolorosas, os ocupantes voláteis, inevitavelmente, o choque é inevitável, já nem aludo ao das civilizações, refiro-me à consequente perda de identidades levando à natural «desconfiança» entre os de ontem e os de agora. Ora, se as representações simbólicas da tristeza, do luto, da dor, da morte, são postergadas, cria-se uma animosidade muda a favorecer o corte epistémico favorecido pela dicotomia urbano/rural, idoso/jovem, mãos calejadas/mãos níveas, reserva/farândola.
O meu De Profundis principiou antes da evocação dos Finados, deixo neste artigo inquietações geradas pelas tribulações sofridas nos últimos tempos, não são desabafos, são as ditas inquietações a que procuro responder procurando consolo na leitura de meditações e aforismos de múltiplas latitudes e atitudes.
O dia está a esvaziar-se, a televisão transmite imagens de feroz violência numa rua de Coimbra, junto a uma discoteca lisboeta, o meu íntimo constitui o palco onde sou actor impotente contra as selvajarias e espectador de que gostava de tomar a seu cargo a aplicação da justiça e consolar os ofendidos. Debalde, fica a indignação a não turvar a imagem no espelho da consciência. De Profundis.