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A talhe de foice

Ora muito bons dias. Bons olhos vos vejam. Por aqui tudo a andar, felizmente. Então as foices já chisparam muito por essas searas adentro? Parece que este ano o tempo andou mais marçagão do que granaio. De qualquer modo já ninguém anda de foice em punho nem de fardo ao ombro, quanto muito de volante de ceifeira debulhadora nas mãos. E andar à torna jeira e começar a segar ainda antes do sol nascer, e as cantigas e as comidas da segada e aquelas primeiras ceifeiras debulhadoras de madeira que vieram e que pareciam umas máquinas do futuro e de um passado longínquo ao mesmo tempo. As poucas que vi, ao vivo, em ruínas envergonhadas, ou em fotos antigas cheias de vida e de gente em cima delas… Sempre me custou perceber como é que uma máquina daquelas, aparentemente tão complexa e rudimentar, pode ter vindo para facilitar. Ainda por cima precisava de tantos homens com funções tão definidas que mais parecia toda ela uma daquelas máquinas ou fábricas onde o Charlot trabalhava e mostrava os novos paradigmas e problemas com que os homens do seu tempo se deparavam. Na foto que vi estavam uns em cima, outros em baixo, alguns pareciam enfiados lá dentro, uma autêntica e bizarra - a palavra é precisamente esta - geringonça. E o moleiro, já me esquecia do moleiro, marcar um dia, ir de burra até ao moinho, levar-lhe o cereal e em troca dar-lhe de almoçar e uma parte da farinha. Não passei por isso, mas não invento nada, sabem que eu tenho as minhas fontes… Mas este talhe de foice não vem do cereal, mas de tudo um pouco, desde o que por aí tem acontecido ao que tenho andado para aqui a falar e que vós tendes a bondade de ouvir. De ler, digo. Na verdade o título destas palavras de hoje era para ser gaspacho. Um gaspacho de considerações muito pouco saborosas. Começando, os recentes incêndios do centro do país. [Pausa]. Os meus sentimentos a todos o atingidos. [Pausa]. Por acaso há uns anos andei aí a lutar com um fogo, embora com proporções bem menores, é uma aflição muito grande. E uma aflição que sarcasticamente sabemos que vai voltar Verão após Verão. O que é particularmente triste. E até revoltante. Evitar estes incidentes e apostar na prevenção para proteger meia dúzia de casas pingadas não dá dinheiro nem votos, de modos que não quero lançar mais achas para a fogueira. A questão é que este tema chegou aqui à China em força. Nos noticiários, nas redes socias, três palavras repetidas: Portugal, fogo, floresta. Durante essa semana toda a gente me perguntava o que se andava a passar, mas eu próprio (e não fui o único ao que parece) ainda não percebi bem o que se passou. Vinham os chineses perguntavam-me, e os ingleses, e os americanos, e os espanhóis e todos. Tirando quando a selecção de futebol se destaca, não é normal a actualidade trazer assim o nome de Portugal de modo tão expressivo. Para quem não conhece o país fica uma ideia um bocado negativa (um bocado bastante grande). Incêndios há muitos, da Austrália ao Canadá ou à Califórnia, agora… A pergunta que se impõe é: "o que é que andaram a armar?”. Averigúem isso, bem averiguado, se faz favor. E quando se estava na ressaca ou no rescaldo de tudo isto, vem a bomba (a falta delas) de Tancos [Oh que…]. No princípio parecia uma coisa de somenos, mas logo se viu que era algo lastimosamente sério. E igualmente difícil de compreender. Que eu saiba não chegou aqui, excepto aos espanhóis que cá estão. Os seus meios de comunicação deram realce. É verdade que nos pusemos a jeito, mas não perderam tempo a fazer pouco. É incrível, estando nós colados, ver o desconhecimento que de modo geral têm de nós. Excluindo talvez a Galiza e localidades mais fronteiriças. Nuestros hermanos vivem virados para as Alemanhas, Franças e Inglaterras e vêm-nos como aquele primo campónio que parou no tempo, feliz com o seu bacalhau e sempre pronto a vender atoalhados. Estão ao nosso lado mas, de modo geral, passam-nos tanto cartucho como se estivessem a milhares de quilómetros.
E isto não são considerações minhas, não é assim tão difícil de constatar, já muitos mo admitiram, e ainda há um par de dias um vizinho espanhol reconheceu ele próprio tudo o que eu acabei de escrever em cima. Estereótipos, preconceitos. Concluindo: Para eles, que vão comer uma bela pratada de gaspacho, do nosso, para que se dêem ao trabalho de perceber quão pouco distamos, de saber como somos e de compreender que estereótipos e preconceitos brotam sempre da mesma fonte: desconhecimento e ignorância. Para nós, a mensagem é para não descansarmos à sombra de nenhuma bananeira, nunca dá bom resultado. Afinal somos muito melhores do que isto, tolerância zero para mais tristes figuras. Vejam lá isso. Força, um abraço!

A campanha

Será fácil adivinhar que nas próximas semanas vamos assistir ao recrudescer das promessas de boas intenções e melhor governação por parte dos candidatos, envergando as camisolas das várias cores partidárias.

Há largos meses de modo empacotado e encapotado, os candidatos desdobram-se em promessas destinadas a embalar os votantes, isto por um lado, por outro entretêm-se no envio de dichotes destinados a todos quantos são considerados adversários, especialmente àqueles que se posicionam a par e par, e a todo o custo tentam desalojar os já suficientemente conhecidos do eleitorado.

Nesta altura nas sedes dos partidos reina ambiente pesado, cerzir as listas implica paciência de Job ante os desejos e pretensões dos militantes, firmeza no dizer não às pressões e cartas verbais vindas do interior do partido, autoridade para suster as forças de bloqueio dos dispensados, dos desejosos, dos esperançados no chamamento e que não o foram.

Se lermos atentamente os jornais nacionais e regionais, lemos incrédulos soletres manifestações de escárnio maldizer destinadas a produzir efeito nos militantes e companheiros de jornada de cada partido. Façam favor de ler acusações de traição, de duplicidade, de hipocrisia, vindas a lume nos órgãos de comunicação social, sem esquecer as redes sociais onde prevalece o vale tudo no tocante a desqualificações dos opositores.

Naturalmente há sempre pessoas cujo ego supera os Himalaias, tais criaturas julgam conhecerem-se bem e por isso mesmo pensam deter saberes e competências só por si suficientes para merecerem escolha debaixo de uma chuva de palmas e aplausos. E, no entanto, tal como os ídolos de pés de barro caso consigam alcandorar-se ao poder não tarda a enfileirarem ao lado do rei vai nu exibindo confrangedora vacuidade e incompetência.

Poderia dar-lhes de boa vontade, nomes e mais nomes, se o fizesse o leitor de imediato criticaria a lista, não por erro meu, sim porque tinha esquecido fulano, beltrano e sicrano tal é a fartura de exemplos, alguns deles autores de decisões cujo custo ao erário público é de muitos milhões, também peritos no fazer feio o bonito, destros no copianço do estilo bimbo tão do agrado de patos-bravos e seus mentores donos de canudos coloridos e cinzentos.

A escolha de quem nos vai governar a nível das autarquias não copiar a compra de melões, depois de abertos logo se vê a virtude, temos de aquilatar sobre as suas supostas intenções, não as vertidas nos manifestos eleitorais nos quais cabe tudo, sim ouvindo-o, sim obrigando-o a explicar tim-tim por tim-tim o seu conceito de cidade ou vila, a sua visão de futuro, realista, a exequibilidade das ideias por ele defendidas, a atitude em caso de desaire, fica na oposição ou desaparece, o seu futuro para lá do efémero por mais duradouro que seja.

Ao fim de quarenta anos de poder local não é lícito apregoar desdém relativamente a estas eleições de proximidade, podemos abster-nos, no entanto, a recusa de votar em coerência implica a renúncia todo e qualquer criticismo do governo municipal, a entrarmos na toca do silêncio imitando os eremitas no seio do deserto.

Eu não quero ser eremita, muito menos silencioso, eu quero usufruir dos deveres e direitos de cidadania, plenos, por tão claras e videntes razões seria estultícia deixar de escrutinar os interessados na assumpção de responsabilidades municipais, mais a mais num tempo de gritante incerteza a todos os níveis E o leitor? Vai manter-se na ociosidade política? Vai deixar ao cuidado dos outros o seu estatuto de cidadão. Vai demitir-se de si próprio? Deixo as interrogações no desejo de alertar quem lê para a responsabilidade que pesa nos seus ombros. Se um leitor reflectir sobre elas já fico satisfeito!

Vendavais - Ai, ai, ai Venezuela

Podia ser o mote para uma canção, mas não é. Infelizmente não. Lá vai o tempo em que Maduro dizia, num assomo de inteligência obscura, que um passarinho lhe veio trazer recados do falecido Chavez, para que governasse a Venezuela e desse continuidade ao seu projeto político. Hoje, posta de parte essa vontade, surge uma vontade titânica de assegurar o poder a qualquer preço e mostrar ao mundo que ali quem governa não é Maduro mas a democracia para bem de todos os venezuelanos. Democracia! À sua volta ardem os fantasmas do medo, as sombras do desespero, desfazem-se os panos da esperança que cobre a vontade tétrica de uma ditadura que tenta afirmar-se contra a vontade da maioria ameaçada que não se resigna no meio deste duelo de morte. Continua a falar de democracia para impor uma constitucionalidade que lhe transmitiria todo o poder para vergar os democratas que se erguem contra ele, mesmo sem que nos estômagos haja o pão necessário para lhes dar as forças mínimas para aguentar a refrega. Este governante não frequentou a escola da democracia e por isso troca os termos como se fossem peças de um tabuleiro de xadrez, onde os peões são efetivamente os primeiros a serem derrubados. Aqui tudo é permitido antes de haver xeque ao rei. Será que vai haver?

As eleições decorreram no meio de uma sublevação nacional e onde meia dúzia de pessoas aparece nas televisões, com ar de contentamento, dizendo que votaram para bem da Venezuela e onde milhões, proibidos de se manifestarem e sob uma capa de intolerância que os levará à prisão em nome da democracia, pasme-se, se ergueram como bandeiras desfraldadas, contra ventos e marés. Mortos, presos e feridos são a base de uma construção anómala de um país forjado num poder que é cada vez mais ditatorial, ainda que a realidade que o envolve seja bem diferente. Para onde vai esta Venezuela? O que acontece à esperança de milhares de portugueses que a ajudaram a crescer e que lá enterraram anos de vida para desenterrar à pazada o futuro e o sonho de gerações e que agora regressam ao seu país sem nada, trazendo apenas o sotaque de uma língua que aprenderam e que lhes fez esquecer a sua própria língua? Por lá ficou a esperança e o sonho enterrados no enorme buraco que abriram durante tantos anos e que agora Maduro quer tapar antes que seja ele próprio a cair lá dentro. Não duvido que o medo é enorme e que um dia será ele a ser corrido por todos os que tenta enganar com palavras de uma mentalização fanática e sem sentido. É o que acontece a todos os ditadores!

São muitos os que já regressaram a Portugal, especialmente à Madeira de onde partiram há muitos anos. O governo da Região, concertado com o Nacional, irá minimizar este enorme percalço na vida destas pessoas, mas não lhes pode dar o que já perderam, porque o sonho e a esperança que levaram não têm preço. E para os mais jovens, os que nasceram lá e lá aprenderam a língua de Bolívar, há todo uma caminho a percorrer de novo, toda uma aprendizagem e uma adaptação a cumprir, mas com a enorme vantagem de possuírem a força da juventude que os levará muito mais longe, atrás de um sonho novo e de um futuro risonho. As raízes ficaram por lá e por lá vão permanecer muitos anos, a não ser que Nicolás não caia de Maduro e lhes seja permitido regressar em segurança para apanhar novamente os despojos que por lá ficaram caídos. Oxalá seja possível, para bem de todos.

E o que trouxeram estas eleições? Alguma coisa vai mudar? Quem acredita que a mudança está ao virar da esquina? Não serão estas eleições que conseguem mudar a Venezuela e o seu governo. A oposição pode ter força, mas não tem o poder. Pode ter mais gente do seu lado, mas falta-lhe a força para se afirmar perante o exército e a polícia. Não vai ser fácil a mudança. Ganhar ou perder, é quase o mesmo neste momento. Só a demissão de Maduro será solução e nunca um ditador se deu por vencido. Nunca um ditador entregou o poder nas mãos da oposição de livre vontade. A Constituição não se torce, fabrica-se, forja-se na vontade popular e não pode ser torneada pelo medo. A suposta democracia apregoada por Maduro vai ser o início do seu fim, estou certo, mas não tão cedo. Como dizia um venezuelano seu adepto, “este senhor irá cumprir o mandato até ao fim ou seja até ao próximo ano”! Será? Ai, ai Venezuela, para onde estás a ir!