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Vila Flor, Rebordelo e Estudantes em vantagem para o segundo jogo da Taça da A.F.B

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Ter, 14/11/2017 - 15:50


O Vila Flor SC venceu, no domingo, o Grupo Desportivo Mirandês por 1-0. Um triunfo pela margem mínima mas que dá alguma vantagem para o segundo jogo, em Miranda do Douro.

Curso é obrigatório para quem quer exercer o cargo de treinador de futebol e futsal

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Ter, 14/11/2017 - 15:47


Só quem tiver devidamente certificado vai poder exercer o cargo de treinador de futebol e de futsal. A A.F. Bragança quer, nos próximos dois anos, colocar em prática a medida.

Vinhais Extreme um exemplo na formação de jovens ciclistas

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Ter, 14/11/2017 - 15:34


Fundada em 2011 a Vinhais Extreme (VE) tem-se afirmado no panorama regional do ciclismo e não só. Este ano a associação da capital do fumeiro estreou-se no duatlo e no triatlo. Uma aposta ganha em termos de resultados já que arrecadou o título por equipas do Circuito Regional Norte Jovem.

O flagelo indefensável dos refugiados, no romance Uma Bondade Perfeita, de Ernesto Rodrigues (com a qual o escritor vence o Prémio Pen Clube da Narrativa 2017)

O amor é forte. / Que coisa forte que é a loucura. / Porque a
loucura canta minada de portas. / Nós saímos pelas portas,
nós / entramos para o interior da loucura.

Herberto Helder (Cruz, 2004: 349)

 

O mundo dobra-se ao peso da injustiça.

(Rodrigues, 2016: 170)

 

O ato de ler a prosa de Ernesto Rodrigues implica, por parte do leitor, ter tempo, para ler devagar, demoradamente, pois, só assim, como lembra Herberto Helder, no poema “Para o leitor ler de/vagar”, o leitor apreenderá os temas, os motivos e as ideias que enformam as obras literárias.
Sem dúvida que Ernesto Rodrigues, quando escreve, tem em mente, não o protótipo do leitor atual, mas, pelo contrário, um lente que “descanse” na lentidão da leitura, como única via de fruir e de apr(e)ender a palavra do escritor.
Nos tempos hodiernos marcados pela vertigem alucinante da (des)informação e da “inexistência de tempo”, este autor exige-nos a tranquilidade de espírito, a leitura atenta e demorada, como um meio libertador da angústia presente. Por conseguinte, o romancista, numa atitude de pertinácia perseverante, consciente e intrépida, convoca o leitor para uma leitura reflexiva, num ambiente de silêncio difícil de encontrar na atualidade, como assevera George Steiner: “o silêncio tornou-se um enorme luxo. Os jovens têm medo do silêncio”. E acrescenta: “o que vai acontecer às leituras sérias e difíceis?” (Steiner, 2011).
Ernesto Rodrigues tem, pois, plena consciência do “sacrifício” que pede ao leitor, intuindo, ainda, as mesmas dificuldades elencadas por Steiner, ao afirmar: “quanto à literatura pesada, deixá-la ficar. Dá dores de cabeça e cansa os músculos”. Pois “as linhas prenhes de prosa derreiam boas intenções” (p. 67).
Para o intelectual francês, “a literatura escolheu o domínio das pequenas realizações pessoais”. Ora, pelo que já se afirmou acima, a postura do autor de Uma Bondade Perfeita não corrobora essa prática, mas, pelo contrário, numa atitude completamente antagónica, não desiste de interrogar a sociedade, questionando-a, com o fito de levar o leitor à autognose.
Uma Bondade Perfeita é, à semelhança da anterior produção romanesca do autor, uma obra fortemente estruturada, onde a trama é pensada de forma holística, para que o mais ínfimo pormenor ocupe e sustente de forma harmoniosa a estrutura global do romance.
O livro encontra-se dividido em duas partes: I – “A NOITE DO CONVENTO”; II – “A VIRGEM E O MENINO”. A primeira subdivide-se em três capítulos, obedecendo rigorosamente à mesma estrutura interna. O número que abre cada capítulo apresenta uma breve contextualização do mesmo, a que se seguem quatro entradas devidamente intituladas. A segunda parte apresenta mais um capítulo, funcionando o quarto como desenlace.
O título da primeira parte remete o leitor para a grande analepse, narrada pelo frade ex-jornalista Filodemo, que concilia, de forma inteligível, os segmentos narrativos. O da segunda remete o leitor, auxiliado pelas imagens da capa, para a problemática central do romance, o drama dos refugiados. Assim, só próximo do final da obra se dá o (re)encontro entre mãe e filha separadas à nascença. Este enleio, segundo pensamos, poderá corroborar a opção do autor pelo Amor/Bondade que, como lembra a epígrafe de Herberto Helder, luta perenemente contra o Mal/Loucura.
A escrita do autor é pautada por um despojamento assinalável, muito próxima da poesia, musa que o autor também venera, cingida ao essencial, reduzida apenas ao osso. Aliás, esta ars narrativa é defendida e cultivada por outro grande vulto da literatura, também transmontano, José Rentes de Carvalho.
Salientamos, ainda, a recuperação da técnica queirosiana de utilizar os verbos com um significado diferente, alargando, assim, o campo semântico dos mesmos. Este recurso permite, também, realçar a cáustica ironia, marca indelével do autor, que valora esteticamente o texto. Vejamos alguns exemplos: “um silêncio roçou” (p. 33); “mas algumas províncias ainda rezingavam” (p. 114). E, por fim: “hienou ela” (p. 186).
O processo narrativo assenta na analepse (cf. Reis e Lopes, 1996: 29), como se deduz das palavras iniciais do romance, pronunciadas por Clemente: “— quero contar como fui convidado a matar minha mãe” (p. 9). Este repto é aceite pelo frade/Filodemo também ele narrador, “peguei na história, cujo fim estava por horas” (p. 10). E “agora, conto eu” (p. 134).
Deste facto resulta que, em termos diegéticos, no romance são audíveis duas vozes. Quem comparece no convento é Clemente (p. 20), com o propósito de salvar a mãe, Alcina, acusada e presa injustamente. Com esse desiderato, expõe o que viu ao frade/Filodemo. Este, por sua vez, passa a narrador apoiado nas revelações de Clemente, na primeira parte da obra, e no caderno de Ágata, na segunda, “a letra irregular do diário conta a sua via dolorosa” (p. 87).
O tempo cumpre no romance uma função axial. O cronológico abrange 38 anos de 1972 a 2010, como lemos na epígrafe, qual epitáfio tumular, inicial da obra.
O psicológico, associado, em particular, à grande violência, tanto física como mental, a que as personagens são expostas, facilita ao leitor a compreensão das forças, que se digladiam continuamente no romance: o amor/bondade e o ódio/maldade.
O tempo da intriga é condensado, à semelhança do que acontece na tragédia grega e no drama romântico, em apenas 8 dias, ou seja, de 22 de fevereiro a 1 de março de 2010. O argumento começa às “sete horas de uma noite fria, sexta-feira, 5 de Março de 2010” (p. 9). Ato contínuo, Clemente e Filodemo desenrolam, em flashback, a trama narrativa até ao epílogo: “na missa de sétimo dia por alma de Ágata, em 8 de Março de 2010, Indira e Clemente misturavam lágrimas” (p. 194).
A frieza das relações humanas, minadas pela desconfiança, indiferença e intolerância pessoal e coletiva, atravessa a narrativa, onde o silêncio propicia a introspeção. Pois, como menciona Steiner, “apenas o silêncio nos ajuda a encontrar o essencial em nós”.
O silêncio, por vezes, é maculado pela presença dos outros, “dirigindo-se ao bar, onde lhe punham à frente, em silêncio sujo, sanduíche de presunto e um copo de leite” (p. 16). O silêncio, alimento do espírito, é associado ao nutriente corporal (sanduíche), “após o que, transportava a sua dose de silêncio para a banca de jornais e lia os títulos” (p. 16).
A crítica à justiça e à forma de a exercer serve de pano fundo ao romance, “os poderes da capital, que se esgadanhavam na reforma de uma justiça que ninguém via: justiça e reforma” (p. 27).
O jornalismo é-nos apresentado como presa dos grupos económicos, destituído da sua nobre missão de informar. “O jornalismo inventa quanto pode. Distraído, não explica. Ou deixa-se levar com duas cantigas pelo grupo económico” (p. 27).
Por fim, registamos a hipocrisia humana face às guerras intestinas que, tanto em 2010 como no presente, devastam as nações e mergulham milhares de refugiados no abismo:
“tanto sacrifício para um fim trágico, no fim de uma guerra esquecida, perdida para a humanidade em cada Afeganistão, que se esvaía, éden para os encenadores do mal, como inevitáveis eram seus «danos colaterais»: aviões aliados massacravam civis. Vigorava o «fogo amigo», demasiado «amigo», ali. As autoridades arribavam desde a véspera, segundo hierarquias e horas de maior audiência; a oposição ao governo vociferava, à distância, para repórteres sedentos, enquanto o olhar sobrevoava poças vermelhas; operadores de câmara eram apanhados em serviço, alguns interpelavam um céu fechado…” (p. 73).
Perante este retrato, que mais palavras se poderão usar para descrever os horrores da guerra, a dissimulação dos governantes, a parcialidade e a teatralidade dos meios de comunicação, a não ser, uma vez mais, as do próprio autor: “«Ele não tinha princípios; tinha fins.» Não: antes de mais, a maldade era um meio. O mal pelo mal deliciava o seu homem” (p. 76).
Uma breve palavra sobre os dois textos citados no romance. O de Séneca (p. 57) justifica o título do livro, corroborado pelos ícones da capa, que recorre às palavras do filósofo latino, e remete o leitor para o amor, a bondade e a perfeição, na aceção de Eça. Refira-se, ainda, que estes matizes já estavam plasmados na carta 34, do livro IV (cf. Séneca, 1991: 125, 126).
O outro intertexto presente na obra é retirado do texto bíblico, Génesis, 6: 5-6 (p. 63), onde se lê que Deus se arrependeu de criar o homem. Se o texto de Séneca justifica e legitima a bondade de várias personagens da obra, a citação bíblica remete o leitor para a maldade, o ódio e o desrespeito pelas normas sociais, personificados na personagem Menigno.
Sendo um truísmo afirmar que se compreendem melhor os tempos modernos lendo os clássicos, onde a magnificência e a crueldade humana se cristalizaram, não é menos verdade que em Uma Bondade Perfeita o ser humano tem uma oportunidade singular para se confrontar com os dois paradigmas (bem/mal) que regem a humanidade e, deste modo, fazer uma opção consciente.
Enfim, tudo depende do arbítrio do ser humano, porque, como escreveu outro clássico, Sófocles, no primeiro estásimo da tragédia Antígona, “Muitos prodígios há; porém nenhum maior do que o homem” (1987: 52).
Este prodígio da natureza vive, ab initio, como joguete, nas mãos destas duas forças primordiais, sendo que esta dicotomia abala, ininterruptamente, a natureza humana. Cabe, pois, a cada pessoa saber agrilhoar uma e alforriar outra. São vários os exemplos literários onde a bondade prevalece. O mesmo acontece em Uma Bondade Perfeita, onde o bem triunfa, lembrando-nos a sentença de Virgílio “Amor omnia vincit” (Bucólicas, 10, 69).
Terminamos com a derradeira proposição da mencionada carta de Séneca: “Não segue o caminho da verdade aquele cujos atos discordam do que afirma”. Ora, a postura de Ernesto Rodrigues tem mostrado que o termo coerência não é, para ele, uma palavra vã, tanto cívica como literariamente.
 

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS António Fernandes Videira (V. Flor, 1566 – 1624 Relaxado)

Em dois processos que lhe instauraram se diz que ele era natural de Vila Flor, mas ele próprio dizia ter nascido no Porto, pelo ano de 1566. Batizado com o nome de António Fernandes Videira, era filho de Manuel Fernandes Videira, de Torre de Moncorvo e de Beatriz Cardoso (Baeça), do Porto. (1) Nesta cidade passou uns 6 ou 7 anos de sua juventude, porventura iniciando-se na vida de tratante. Casou com Filipa Rodrigues, filha de Lançarote Rodrigues.
Em outubro de 1602, foi preso pela inquisição de Coimbra, em cujas celas passou 29 meses. Saiu depois de abjurar de seus erros, beneficiando do perdão geral de 1605. (2) Por Vila Flor terá continuado até ao fim da década, fazendo viagens de negócios por Espanha, nomeadamente por Madrid, Granada, Pego e Baeza. Daquelas partes trazia sedas, sobretudo, as quais vendia no reino. Veja-se um pequeno exemplo:
- Morando em Vila Flor, no ano de 1606, veio a Aveiro com uma carga de tafetás, veludos e outras sedas, as quais havia despachado na alfândega de Bragança e a meteu na dita alfândega da vila de Aveiro…
Mas a terra trasmontana seria já demasiado estreita para as ambições comerciais de António Videira e, por 1611, o casal estabeleceu morada na cidade do Porto, ao Padrão de Belmonte. O tratante de Vila Flor afirmava-se já como um grande mercador e logo tomaria também o título de rendeiro. E não eram umas quaisquer rendas que ele arrematava, mas de grossos cabedais, daquelas que exigiam mais de 4 contos de réis à cabeça, como eram as rendas da Chancelaria e as do peixe.
Também os horizontes, os parceiros e os produtos comerciais mudaram, acrescentando rotas marítimas com ligação ao Brasil, de onde recebia caixas de açúcares que depois vendia para Castela e países do Norte da Europa. Resumindo a sua atividade, uma testemunha diria que António Videira “cobrava o dinheiro das sisas e despachava barcos”.
No seio da endinheirada burguesia Portuense, Videira afirmava-se como empresário de sucesso, a avaliar pelas relações mantidas com membros das famílias Pina, Tovar, Cunha, Isidro, Preto, Vila Real, Espinosa… (3)
No ano de 1618 a cidade foi varrida por um furioso vendaval lançado pela inquisição. Mais de 100 grandes mercadores, ourives, banqueiros, rendeiros… a elite da burguesia portuense foi arrastada para as celas de Coimbra. A ponto de, contra as normas, António Videira ter ficado no mesmo cárcere de seu tio Domingos Henriques e de outro mercador do Porto, explicando os inquisidores:
-Por serem mais os presos daquela cidade que os aposentos dos cárceres, era forçoso que alguns estivessem juntos. (4)
E tão atulhados de papéis estavam os notários que, estando um ano e meio preso em Coimbra o nosso biografado, nenhum auto foi acrescentado ao seu processo. Apenas o inquisidor Barreto de Meneses escreveu umas notas no seu caderno, as quais foram depois transcritas para o processo organizado em Lisboa, explicando-se ali:
- Por serem muitos os presos e os notários mui ocupados…
Sim, que em Março de 1620, António Videira foi transferido para os Estaus onde todo o processo se desenrolou. A começar pelo inventário de seus bens, o qual tem um extraordinário interesse para o estudo do desenvolvimento urbanístico de Vila Flor onde ele tinha duas casas de dois sobrados, com quintal e um pedaço de tapado e mais uma casa térrea com um lagar na Rua que vai para a Fonte; outras casas sobradadas na Rua Nova, “com portas para ambas as ruas e saída sobre o muro do concelho”; tinha mais umas casas térreas na Rua da Portela e ao S. Martinho. Fora de Vila Flor, tinha uma casa servindo de tulha ou armazém em Foz Tua e uma casa sobradada em Braga, cidade onde tinha também o contrato da Chancelaria.
De propriedades agrícolas citamos a Quinta da Barquinha, com uns 7 hectares, um souto ao Arco, um olival e um tapado ao Vale de Maria Farinha e outro ao Grilo, que levava 50 alqueires de semeadura. Tinha mais umas herdades em Samões e umas oliveiras em Vilarelhos.
Obviamente que o grosso de seus dinheiros andava investido contratos, letras e demandas por dívidas, sendo o fidalgo Manuel de Sampaio um dos grandes devedores. Investimento maior no comércio, tendo em trânsito para o Brasil quantidade de fazendas, pregaria e ferragem, contra encomendas de açúcares em vários barcos, com os cabedais necessários entregues a vários mestres de navios, que nunca se devem meter os ovos todos no mesmo cesto.
Escusado será dizer que as denúncias de judaísmo choveram sobre ele. (5) De contrário, durante os quase 6 anos que esteve preso, Videira não denunciou ninguém, antes apresentou contraditas bem credíveis, como alguns juízes reconheceram na sentença. E quando constatou que não adiantava provar que era bom cristão nem as contraditas relevavam, ensaiou uma defesa eminentemente jurídica e teológica. Vejamos as suas próprias palavras:
- Sendo presas as ditas pessoas que ele réu aqui pôs expressas e declaradas (…) por culpas que delas havia, a justiça as obrigou a jurar (…) e lhes foi dado juramento se eram cristãs, disseram que sim, sendo falso (…) e cada uma delas, depois de terem jurado e ratificado nos ditos juramentos, confessou andar apartado da nossa santa fé católica e serem judeus havia anos, por onde ficaram perjuros, de modo que a seu testemunho se não deve dar fé.
Assim tratadas de perjuras todas as testemunhas, Videira, pôs em causa a seriedade de dois inquisidores de Coimbra. Um deles, chamado Gaspar Borges de Azevedo, tio afim do meirinho Diogo Monteiro, de Torre de Moncorvo a quem o seu irmão Diogo Fernandes dera bofetadas e espancara. O outro era Simão Barreto de Meneses, que o Videira acusava nos termos seguintes:
- Nas audiências e admoestações que fazia aos presos (…) lhes fazia tanto medo e ameaças e os tratava com tanto rigor nas palavras, que andavam assombrados (…) e o dito senhor Simão Barreto de Meneses ia todos os dias aos cárceres duas e três vezes, a qualquer hora do dia, e mandava açoitar na sua presença assim homens como mulheres (…) dizendo a cada uma delas primeiramente se queria confessar que os não açoitaria; e por dizerem que não tinham que confessar, os mandava açoitar até lhes correr sangue, dizendo em altas vozes que se ouviam pelo cárcere “dai, dai nesse cão, matai-o” (…) e tantos e tão cruéis castigos eram os que no dito cárcere se faziam por modo contínuo em homens e mulheres, que dizia publicamente o alcaide Simão Fernandes “eu não sei que vos faça, não vos posso valer, sou mandado, não tendes outro remédio senão confessar e sair daqui, que isso é o que quer o inquisidor” (…) e muitas pessoas, com muitas opressões e rigores e grandes crueldades que no dito cárcere se faziam de contínuo, diziam publicamente que por se livrarem de tal aperto, diziam tudo o que quisessem…
Onde se viu tão clara denúncia dos métodos da inquisição? Invocar o testemunho do alcaide dos cárceres contra o inquisidor?!
Finalmente, quando lhe leram a sentença tomada em Lisboa, na “junta dos senhores inquisidores e prelados”, António Fernandes Videira apresentou “embargos de nulidade e suspeição de retaliação” baseados no facto de um dos membros da “junta” ser o inquisidor Pero da Silva Sampaio, apresentando provas de que o pai e um irmão do dito inquisidor eram inimigos do réu e de sua família, havendo-se registado grandes brigas entre eles e muito especialmente com o seu sogro Lançarote Rodrigues.
Claro que nenhuma destas contraditas e suspeições foi aceite e António Fernandes Videira acabou queimado na fogueira do auto público da fé celebrado em Lisboa no dia 5 de maio de 1624. Para este horroroso final muito terá contribuído o testemunho de um padre seu companheiro de cárcere que dele disse:
- Todas as vezes que há ocasião de lhe falar em auto de fé, diz aos companheiros que não confessem porque mais vale morrer que confessar e que ele assim o há-de fazer (…) que não há-de confessar o que não fez, antes quer morrer mil mortes.

Notas e Bibliografia:
1-Manuel F. Videira e Beatriz Cardosa (1534-1600) terão residido no Porto, com morada estabelecida na Ferraria Nova, mudando-se para Fontelonga (Ansiães) fugindo à “peste grande” que grassou no Porto. Ali terão vivido por 15/16 anos, mudando-se depois para Torre de Moncorvo onde faleceram por volta de 1600.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 909, de António Fernandes Videira.
3-Branca Cardosa, irmã de António Videira, era casada com o médico António Rodrigues Espinosa, natural de Vila Real e morador no Porto.
4-ANTT, inq. Lisboa, pº 11260, de António Fernandes Videira.
5-O conjunto das denúncias contra Videira e as contraditas por este apresentadas permitem fazer um fantástico retrato da sociedade mercantil portuense da época, coisa que não caberá no âmbito deste trabalho.