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“Judeus” em Bragança: anos de 1700: Quadros Sociais Os comissários e o rol dos livros

Os comissários eram recrutados entre os membros do clero e, geralmente, licenciados em Teologia e Cânones pela universidade de Coimbra. Deviam cumprir com todo o rigor e cuidado as ordens recebidas dos inquisidores e a estes deviam comunicar todas as informações referentes aos casos da fé. Os comissários constituíam o braço da inquisição nas terras onde não havia tribunal. Aos comissários eram dirigidos os mandatos de prisão, ficando eles responsáveis pela execução das mesmas, se bem que delegando em familiares e na autoridade civil essas tarefas. A eles deviam também apresentar-se os condenados que nas terras iam cumprir as suas penitências, depois de sair dos cárceres. Eram-lhe igualmente cometidas as devassas e inquirições sobre limpeza de sangue. E este era um poder de dimensão extraordinária, que, por vezes, imprimia verdadeiro terror aos que precisavam de semelhante atestado. Por todas estas razões, constituía coroa de glória para qualquer família ter um membro comissário, já que, assim, toda ela ganhava estatuto de nobreza e qualidade de sangue, automática e publicamente comprovado. Tudo isto consta dos regimentos da inquisição, nomeadamente no regimento de D. Francisco de Castro, em vigor na época que estamos tratando e que, no título XI, nº 7, explicitava: - Falecendo, nas terras em que vivem, alguma pessoa que tenha livraria, mandarão fazer rol dos livros e papéis de mão que nela houver e notificar aos herdeiros do defunto que não disponham deles sem aviso seu e avisarão à Mesa do Santo Ofício com toda a brevidade, enviando o rol dos livros e papéis e seguirão a ordem que dela lhes for dada. (1) Imagine-se! Borges Coelho comenta que os inquisidores tinham medo ao livro. Nós diremos que, para além disso, era uma arma de terrível poder, colocada nas mãos dos comissários, que sempre poderiam argumentar que o falecido teria uns livros ou “papéis de mão” para revistar a casa de qualquer cidadão mais evoluído, em termos de literacia. Vamos então para a cidade de Bragança, a casa do prior da colegiada da igreja de Santa Maria e beneficiado na igreja de S. Nicolau, de Lisboa, natural da vila de Caminha, Bartolomeu Gomes da Cruz, comissário do santo ofício, por carta de Agosto de 1689. Terá sido no dia 5 de Novembro de 1714 que o comissário Cruz recebeu de Coimbra um correio contendo um maço de mandatos para prender cidadãos de Bragança, acusados de judaísmo, cujos nomes constavam dos respetivos mandatos. Também aqui o regimento é claro: no caso de algum ser morto, ou fugido… o mandato devia ser devolvido com informação do sucedido. Não temos, por isso, informação precisa de quantos mandatos seriam. Na verdade, no dia seguinte, procedeu-se à execução das ordens vindas da inquisição de Coimbra, sendo presos 8 “judeus” da cidade. As prisões deviam realizar- -se com o maior segredo e cautela e, cada preso ser de imediato conduzido para casa de um cristão-velho, de reconhecida influência e cabedais, homem da nobreza ou do clero, geralmente, não deixando o preso contactar com familiares e amigos. À prisão seguia-se o arresto dos seus bens, fazendo-se o respetivo inventário e, no próprio mandato vinha anotado o montante de dinheiro (geralmente andava nos 40 mil réis) que o prisioneiro devia proporcionar para pagar os grilhões com que o prendiam, a alimentação e as despesas de transporte para a cadeia, nomeadamente as jornas de quem os levava presos e o aluguer de bestas para o transportar a ele com sua roupa, cama, e cozinha. Se o réu ou a Família não apresentavam dinheiro líquido, vendiam-se os bens necessários, começando, naturalmente, pelos bens móveis e perecíveis. Feito o inventário e leiloados os bens, fechava-se a casa e entregava-se a chave a algum cristão-velho de confiança e cabedais que garantisse o depósito dos bens móveis e imóveis inventariados. Os filhos e o cônjuge que procurassem onde ficar. Em simultâneo, metiam-se grilhões nos pés dos prisioneiros. Nisto se gastaram 2 dias. Ao terceiro, cada preso foi levado pelo seu depositário até fora da cidade, ao campo de Santa Apolónia, hoje integrado na Escola Superior Agrária, onde foram confiados ao familiar do santo ofício Domingos Pires Malheiro, destacado para conduzir a leva dos 8 prisioneiros para Coimbra. Obviamente, era acompanhado por vários homens, criados seus ou por si recrutados, conduzindo uns quantos animais onde iam montados os presos e a sua “tralha”. Deixemos a comitiva de prisioneiros seguir até Coimbra, para apresentarmos o responsável pela leva, o familiar Domingos Malheiro. Estranhamente, sabemos as datas de nascimento e casamento de seus pais, mulher e sogros, mas não foi encontrado o registo do seu nascimento nos livros da paroquial igreja de Ervedosa, onde as testemunhas afiançaram que ele terá nascido por volta de 1654. António Pires, seu pai, era lavrador, um dos principais da terra, nascido na quinta de Sendim. Sua mãe, Margarida Malheiro transportava uma história de vida, então muito frequente, de nobreza e servidão, misturadas. Vamos contar. António Malheiro da Cunha era um homem da nobreza de Bragança, fidalgo-cavaleiro por alvará de 18.4.1694. De uma rapariga solteira, criada da casa, Ana Vaz de seu nome, natural da vila de Ervedosa, teve uma filha que nasceu em 1634 e foi batizada na igreja de S. Martinho “e se lhe deu por pai António Malheiro, de Bragança”, conforme reza a certidão de batismo. O pai não estaria presente ao batizado mas nunca desprezou a filha. Antes a confiou a seu irmão, padre Bento da Cunha, então cura de Penhas Juntas e mais tarde abade de Rebordãos, “que a amasse por sua filha”, o qual “fez sempre caso dela, como sua irmã e por tal a estimou e lhe dava os passais de sua igreja para neles se sustentar ela e o marido”. Temos então os pais de Domingos Pires Malheiro (António Pires e Margarida Malheiro) a casar em Ervedosa, por 1650 e a ser apoiados pelo padre Bento da Cunha, seu tio- -avô materno. E certamente foi com o apoio da família materna que Domingos ganhou os empregos de corretor da alfândega de Bragança e tabelião da vila de Ervedosa. Era ainda capitão de ordenanças de Moimenta mas “isto não lhe rende coisa alguma”. Domingos casou em Bragança, em 1.12.1706, com Maria do Espírito Santo, nascida na mesma cidade em 1680, filha de Martinho Diegues (2) e Catarina Fernandes. Martinho era natural de Seixas/Vinhais e “foi para Bragança para o estudo e, sendo soldado, casou e de presente é ajudante de auxiliares”. Catarina nasceu em Casares/Bragança, filha de lavradores, “os principais da terra”, e depois que os pais morreram, foi para Bragança, servir em casa de D. Violante Ferreira. Conforme vimos, dada a falta de familiares que se verificava na região de Bragança para executar as prisões do santo ofício e levar os presos a Coimbra, “os inquisidores mandaram ao comissário que nomeie aqueles que parecerem mais suficientes para familiares (…) e o dito comissário nomeou alguns, entre os quais foi o pretendente Domingos Pires Malheiro”. (3) Apresentado o requerimento, foi entregue ao comissário António Gomes do Vale, (4) abade de Mofreita, Vinhais, o encargo de proceder às investigações sobre a limpeza de sangue do candidato e seus ascendentes, assim como de sua mulher, o que atrás ficou já especificado. A concluir, o comissário Vale deu a sua informação dizendo que o pretendente era cristão-velho dos 4 costados e tinha poucos bens. Muito embora a sua mãe tivesse entrada em casa de seu pai natural, dele não herdara título de nobreza, nem propriedades. Vejam: - É bem procedido e capaz de se lhe fiarem negócios de importância e segredo, como são os do santo ofício, porque a todos os que lhe forem encarregados dará inteira satisfação, e vive limpamente, sem embargo de não ser muito rico. (5) Resta dizer que Domingos Pires Malheiro recebeu carta de familiar da inquisição em15 de Maio de 1714 e que faleceu por 1719, ano em que o seu irmão inteiro, António Malheiro da Cunha, se candidatou também ao cargo de familiar do santo ofício, vindo a obter carta em 28.7.1721. Na sua petição, entre outros argumentos, António Malheiro dizia que “foi ocupado em outras vezes para fazer prisões de cristãos-novos e muitas vezes teve presos em casa, antes de irem para o santo ofício de Coimbra.” Ou seja: mesmo não o sendo já fazia serviço de familiar. Se as origens de António Malheiro eram humildes, deve dizer-que que, em 1719, quando se candidatou ao cargo de familiar do santo ofício, era já um senhor de muito respeito em Bragança onde tinha casa montada, se bem que ele se encontrasse destacado na vila de Chaves, na ocupação de sargento-mor da praça, um posto militar bem elevado. Em outra ocasião haveremos de falar dos seus casamentos e da sua ascensão social.

Falando de... Torquato da Luz

Nunca pensámos que isto acontecesse. São muitos os que estas palavras pronunciam. São os nossos que a um ritmo vertiginoso nos vão deixando sem que possamos pronunciar um adeus. E os que cá ficam vão lamentando a ausência, lembrando tempos passados em que a felicidade ia prosperando. Recordamos os que partiram, como se eles fossem a razão do nosso existir. Capitulamos perante esta hecatombe cujo fim não mais chega e vivemos nesta incredulidade, aguardando dias melhores. É isto a vida… Espreita-nos a efemeridade da existência. O princípio esperança fará parte de todos nós. Tentemos ser fortes, estoicos, embora não nos esqueçamos nunca os que foram grandes entre nós e nos alegraram os dias. Em dia de aniversário serás lembrado, parafraseando o poeta. Nascera a 26 de novembro de 1943, no Algarve, em Alcantarilha, terra sua, que lembrou em poema com o mesmo título.

 
Aqui é que sou eu,
Aqui é que estou certo.
Regaço a que regresso,
Natural e liberto,
Neste chão que é o meu
Me recomeço.
 
Segundo consta da sua certidão de nascimento, nasceu Torquato dos Santos da Luz, às 19H00 do dia 26 de novembro de Cultura 1943, sendo filho de Domingos da Luz e de Maria dos Santos. Depois, de estudos primários na sua terra natural, rumou a Faro onde concluiu os estudos secundários. Seguiu-se a Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, onde se licenciou em Ciências da Informação, defendendo a tese sobre “Direito à Informação e Direito à Intimidade”, tendo sido professor de Deontologia da Comunicação no Ensino Superior particular. Sempre ligado ao jornalismo, além de redator do Diário de Lisboa, foi redator no Diário de Notícias (1968 a 1975), redator e diretor no Jornal Novo (1975 a 1979), diretor de A Tarde (1979 a 1981), diretor do segundo canal da RTP, tendo dirigido o Gabinete de Estudos de Audiência, assessor do Conselho de Gerência da RTP (1981 a 1989) e membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (1990 a 1999), eleito perla Assembleia da República. Foi, ainda, membro do Conselho de Imprensa, em representação dos diretores dos jornais diários, membro do Conselho Geral da ANOP, em representação da RTP, administrador ds Federação Portuguesa Século XXI, membro das Comissão Organizadora da 1ª Feira das Indústrias da Cultura, em representação da RTP e membro da Comissão Consultiva para a Rádio Difusão. De estro precoce, publicou o primeiro livro em 1963, dedicado à mãe, em edição do Jornal do Algarve, Poemas da Verdade, dividido em cinco partes, com 46 poemas. Não parou a sua atividade, tendo publicado os seguintes livros:
O homem na cidade, 1968
Voz suspensa, 1968
Lucro Lírico, 1973
Choque de Alegria, 1975
A Porta da Europa, 1978
Destino do Mar, 1991
Deserto Próprio, 1994
Ofício Diário, 2007
Por Amor e outros poemas, 2008
Espelho Íntimo, 2010
 
O homem na cidade constitui um conjunto de crónicas, publicado pela Prelo Editora, onde, além de Torquato da Luz, colaboram vários escritores, entre os quais Joaquim Letria, Fernando Assis Pacheco e José Carlos Vasconcelos. Choque de Alegria é um livro em prosa, com 26 textos, que a contracapas acrescenta que “ilustra(…) a tese segundo a qual o homem é produto, ou suporte da estrutura económica e social. Destino do Mar, publicado pelas Edições Margem, em 1991, apresenta um prefácio “Sobre a poética de Torquato da Luz”, de autoria de Carlos Lemonde de Macedo. Além das obras publicadas em seu nome, tem, ainda, obra dispersa em Antologias, como Poesia 70 e Poesia 71, da Editorial Inova, Vietnam, da Editora Nova Realidade, e 800 Anos de Poesia Portuguesa, do Círculo dos Leitores, Caliban ¾, Algarve “todo o mar”, “De Luz e de Sombra”, antologia poética, Papiro Editora, 2008, “Os Dias do Amor”, edição Ministério dos Livros, 2009 e “Divina Música- Antologia de Poesia sobre Música”, organização de Amadeu Baptista, Viseu, 2009. Hoje, pode-se afirmar que toda a obra de Torquato da Luz se encontra esgotada, sendo de difícil aquisição, mesmo, em alfarrabistas mais bem cotados. Ler Torquato da Luz em livros pequenos, facilmente manuseáveis, é uma manifestação de deleite, para quem à poesia dedica um pouco do seu tempo. São marcas de um lirismo que se engasta e não se esquece. Poemas facilmente memorizáveis, são uma manifestação de amor, escrita numa linguagem muito acessível, aliada a uma paixão, onde o erotismo parece perpassar a cada momento e a mulher é a manifestação de um desejo que se quer objetivar. Ela é a alma-mater que inspira o poeta apaixonado que parece biografar-se em cada texto, e onde não falta a imagem do mar que não se esquece. Um apontamento:
 
 Para Ti
Para ti quero a flora da madrugada, /a luz que chega dos lados do mar, /o cântico das ondas sobre a praia/e o voo sereno das mais raras aves. Para ti quero a estrela da manhã/a brisa que refresca o fim da tarde, /o sabor perfumado das romãs/ e a placidez do tempo das searas. Para ti quero isto, aquilo e tudo/o que cabe e não cabe neste mundo.
 
Revelação
Descobri que te amava/quando vi/ que ao pé de ti/o tempo se esfumava. 
 
Entretanto
Sei a linguagem dos teus olhos,/ aves de poiso vacilantes,/ sem gavinhas galgando/o muro dos dias Tudo é incerto e veloz/nada garante nada,/mas entretanto esses olhos/iluminam-me a casa. 
 
Contigo
Tudo é mais fácil quando estou contigo:/os medos interiores desaparecem/e em seu lugar de súbito florescem/ mil e uma formas de enfrentar o perigo/ que os momentos sem ti depois me oferecem.
 
Um poeta no mundo do inteligível, à maneira platónica, pedindo que o leiam. Partiu, deixando um legado no prazer da sua palavra para deleite dos que apreciam a bela língua portuguesa. Foi em 24 de março de 2013, aos 69 anos, na cidade de Lisboa, deixando um rasto de saudade nos que o amavam e o liam. Vimo-lo muitas vezes em Armação de Pêra. Sem saber que aquele chão era pisado por um poeta daquela estirpe. Lembramo-lo agora em tempos de aniversário…

Me, myself and I

Quanto mais tempo passamos sozinhos, mais tempo achamos que conseguimos passar sozinhos. É uma espécie de ciclo vicioso. Ou viciado. E não parece que faça mal. Estar sozinho, tendo como definição estar, de facto, sem companhia, a não ser nós mesmos. E não outra definição qualquer de “estar sozinho”, como que se de um eufemismo se tratasse para outros assuntos, nomeadamente do coração. Quando estamos sozinhos, temos que arranjar com que nos entreter, se não tivermos o que fazer. Mas, há sempre o que fazer, se pensarmos bem. Ou trabalho, ou lides domésticas, ler livros, ouvir música, ver televisão. Televisão, genericamente, não. Conteúdos em plataformas para o efeito, não é? Já ninguém vê outra coisa. Já ninguém liga à hora das notícias nem espera para ver determinado programa. É a era moderna. Mas pode, simplesmente, não apetecer fazer nada, a não ser procrastinar. E não faz mal, porque estamos sozinhos e ninguém vê a nossa preguiça. Estar sozinho implica que a pessoa que conhecemos melhor somos nós próprios. Mesmo que passemos grande parte do tempo acompanhados, não há como negar que é connosco que passamos a maior parte da nossa vida. Porque nós nunca vamos a lado nenhum, estamos sempre na nossa própria companhia. Há quem diga que não saiba estar sozinho. Isto já deve entrar nas definições dos eufemismos que falámos há bocado. Claro que sabemos estar sozinhos. E, às vezes, até queremos. E já pedimos, em algum momento, para que nos deixassem sozinhos (nem que fosse para mudar de roupa ou ir à casa de banho em paz). É quando estamos sozinhos que podemos ser nós mesmos, sem receio. Podemos tirar macacos do nariz, espremer borbulhas com caras estranhíssimas em frente ao espelho, esperar que o creme depilatório faça efeito, enquanto andamos pela casa a fazer outras coisas, sem que tenhamos de nos preocupar se parecemos saídos de um filme de terror. Podemos chorar a ver filmes com cãezinhos que falam, cantar alto (e mal) ou andar todos nus, só de meias. E reparem que, invariavelmente, acabo por referir “a casa”. Uma casa, a nossa casa. Como se fosse um escudo protector. Há quem, por exemplo, tire macacos do nariz no carro, como se fosse invisível aos olhos alheios, mas não é. Ainda assim, pode ser considerada outra bolha. A verdadeira intimidade é quando podemos fazer tudo o que queiramos, ou que necessitarmos, em frente a outra pessoa, sem que nos preocupe se nos vai passar a odiar a partir daquele momento, ou a sentir asco de nós. Como que se estivéssemos a partilhar, naquele exacto instante, que somos meros humanos, esquisitos como todos os outros. Que fazem coisas estranhíssimas dentro da sua bolha, da redoma de segurança, onde os olhos alheios não chegam. A não ser se lhes dermos acesso. O acesso privilegiado ao nosso íntimo, como um reality show, mas a sério. É nesse momento que deixamos de ser sozinhos, mas que podemos continuar a ser nós próprios, como se estivéssemos sozinhos. Ou talvez não, e continuaremos a precisar de passar o nosso tempo completamente sozinhos. Porque o tempo gasto com o nosso eu nunca será mal empregue.

Famílias desfeitas

Nunca se imaginou tal coisa. Durante séculos, arreigou- -se no mundo inteiro, o hábito de juntar a família para celebrar o nascimento do Menino. Em época em que a taxa de natalidade era muito problemática e fazia pender negativamente o crescimento demográfico, fazer inverter tal tendência era um objectivo primordial para todos e nem se questionava se seria possível criar os filhos perante as adversidades económicas que se viviam em toda a Europa e mesmo no resto do mundo. Épocas houve em que juntar a família era quase impossível, porque as epidemias e as guerras contribuíam para a separação ainda que forçada. Mas não era proibitivo. Tempos difíceis esses, em que as famílias se viam constrangidas a uma observância mais ou menos rigorosa, para evitar o contágio de epidemias como a peste que grassou na Europa no século XIV. E somente as famílias que ficaram desfeitas devido à peste e tiveram de fugir para outras paragens, perderam o lugar e o sentido de celebrar o Natal. Foi triste esse tempo de privações e de mortandade. Mas se não esquecemos esse tempo, porque a História e as gerações se encarregaram de o transmitir, como se de uma aprendizagem se tratasse, a verdade é que não conseguimos debelar tal fenómeno, idêntico como tantos outros, e precaver a necessidade de uma celebração conjunta da família do nascimento de Jesus. Não porque a culpa seja de alguém em especial, mas porque todos em conjunto, nos esquecemos de que para podermos estar juntos, deveríamos estar separados durante algum tempo. Sem atropelos, sem desrespeito pelo próximo, sem falsas sabedorias e sem ultrapassar os limites da própria lei. Se todos querem festa, então saibamos esperar pelo tempo certo. Se todos querem Natal, saibamos preparar o tempo de Natal. E não adianta dizer que o Natal é quando um homem quiser, pois com estes atropelos todos que se têm verificado, não há tempo nem haverá Natal para muitos elementos das famílias que esperavam juntar-se neste Natal. Completamente desfeitas, as famílias já não têm vontade de celebrar seja o que for, muito menos o nascimento, perante a morte que estão a sentir. A verdade é que estamos todos fartos de ouvir os mesmos noticiários e as mesmas notícias todos os dias sempre acompanhadas de mais mortes e de uma expansão da pandemia, que nos assusta cada vez mais. Desconfiamos de todos, mesmo dos amigos. Desconfiamos dos que se atravessam à nossa frente e fugimos dos que, em multidão, enchem os lugares públicos sem respeito pelos que querem usufruir do tal distanciamento social e fazer a sua vida diária, numa simples fugida a supermercado, porque o pão é necessário à mesa de todos nós. Mas não vivemos todos assim tão assustados e com medo de encontrar o vírus ao virar da esquina. Se assim fosse, talvez este não ganhasse o transporte grátis para o próximo porto de abrigo onde é fácil apanhar mais um táxi para a rua do lado. Parece um jogo. Mas não é. Perante os números que nos apresentam e que assolam todos os países, alguns são verdadeiramente arrepiantes, quase inverosímeis. Em vinte e quatro horas, os contágios são aos milhares e os óbitos de igual dimensão. Rezamos todos pela chegada de uma vacina milagrosa que impeça a proliferação contínua deste vírus assassino. Mas e até lá? A esperança é a última a morrer, como se costuma dizer. E ela reside no facto de antes do final do ano chegar também ao nosso país e começar a ser administrada em grupos seleccionados e de risco maior. É bom que assim seja, mas certamente não virá a tempo de celebrar connosco este Natal, onde muitas famílias, já destruídas, embora ansiando pela vacina, já nada mais querem do que ver-se livres de uma mortandade que lhes levou os entes mais queridos com quem esperavam celebrar o nascimento de Jesus. Mas haverá mais Natais, claro, mas os que partiram e já não celebraram este Natal, também não vão celebrar mais nenhum. Deixam, contudo, a falta, o sentimento, o lugar vazio na mesa da família, que não esteve reunida e que chorou, não o nascimento, mas a partida de mais um elemento que não voltarão a ver nos próximos Natais. Que venha rápido a vacina e que nos deixe viver outros natais, já que este o vírus conseguiu desfazê-lo completamente.

Maria Castanha

O investigador Jorge Lage tem consagrado anos de estudo e enaltecimento do fruto/pão das gentes transmontanas que outrora tinham na castanha elemento primacial para o fabrico do pão ganho com o suor do rosto e o sangue das mãos escalavradas no espinhoso amanho dos campos. Se a castanha era o elemento principal das parcas, apagadas e persistentes refeições no denominado reino maravilhoso, maravilhoso apenas para alguns, os povos de onde predominava o montado, azinheiras e sobreiros, tal como os castanheiros, ajudavam a manter as crianças, mulheres e homens tinham na bolota – crua, assada, cozida, frita e estufada – a matéria-prima que lhes saciava a fome de remota ancestralidade. Ora, a Antologia de Jorge Lage pode ser entendida na consumação do desejo de alargar o universo dos amantes e amigos da milenar árvore através do ponto de vista de outros autores, vivos, acerca da árvore que enquadro no universo das hierofanias vegetais que o Homem criou ao longo dos séculos e séculos de existência a lutar contra toda a sorte de medo, terrores e catástrofes que não conseguia decifrar ou entender. O fecundo sábio Mircea Eliade legou-nos profundas reflexões sobre o Sagrado e Profano que obrigam ao cogito e a dizer-nos que existimos. Este propósito agregador de Lage desequilibra/desequilibrou a Antologia porque vários autores não concederam grande atenção ao espírito do Coordenador escrevendo conforme lhe deu na real gana, desde o furoco temático às notas biográficas prenhas de presunção e água benta, porque nestas matérias cada qual expande o que quiser – vanidades, auto-elogios e minúcias de prosápias – cujo ridículo é patente e notório. Obviamente, o antologiador nada podia atalhar, na justa medida de respeitar as regras de boa educação a impedi-lo de sugerir ou proceder a rejeições dado ter solicitado empenhadamente a colaboração aos autores que deram corpo à obra. Como todos sabemos existem Antologias de múltiplos matizes e fórmulas, lembro as famosas Antologias da extinta Portugália, concebidas ao gosto e conhecimento dos organizadores, José Régio, Jorge de Sena, Cabral do Nascimento entre outros escolheram e trouxeram à tona da água do reconhecimento autores que sem integrarem as referidas Antologias ainda agora estariam a jazer no alçapão do esquecimento. Obviamente, as Antologias também são fautoras de invejas e até raivosas ciumeiras de quem não as integra, uma delas, a do também itinerante cultural Herberto Helder (foi responsável pela Biblioteca Itinerante de Santarém, episodicamente de outras quando Serviço de Bibliotecas estava a ser lançado) intitulada Edoi Lella Doura produziu ruído e acrimónias perduráveis no tempo e modo ou não fosse o universo das letras um mundillo no qual até os peões de brega querem ser diestros do talante de Manolete. Estas considerações, talvez impertinentes, escrevo-as correndo o perigo de ser apodado de invejoso ou mal agradecido visto ser um dos antologiados. Sopesei os prós e contras, decidi o acima escrito, procurei contribuir para a qualidade e formosura da Maria Castanha dentro do possível, a mais não fui obrigado em virtude da lhaneza de Jorge Lage a quem testemunho o meu apreço. A obra justifica, ampla, e atenta leitura, morigerada ao gosto de cada um, neste tempo os castanheiros largam a folhagem caduca à espera de nova floração. Reviver superando a maligna peste. PS. Ao contrário do inserido na Antologia acerca da minha pessoa não nasci em Vinhais, sim em Bragança e vim ao Mundo no ano de 1945, ao contrário do indicado ano de 1965. Menos vinte anos agora seriam como princípio do elixir da longa vida!

Artur Santos defende a baliza do clube mais português da Alemanha

Qua, 25/11/2020 - 21:34


Há três anos a jogar fora de Portugal, Artur Santos quer chegar ao futebol profissional. O guarda-redes, de 20 anos, natural de Bragança representa o FC Kaiserslautern Portugiesen da Alemanha, desde Janeiro deste ano. Este é o clube mais português em território alemão, é uma das três equipas do histórico Kaiserslautern, compete na 9ª Divisão (Kreisliga-Do Sud) e oferece condições invejáveis para a prática de futebol.

 

-Artur integras uma equipa praticamente formada só por jogadores portugueses …