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Vendavais- A irreverência do perdedor

Proscritos sem culpa formada, somos prisioneiros em cela própria e apenas temos por companhia a família mais próxima, fruto das contingentações que a todos abalam. Enfim. Seja como for, a situação permite-nos ter mais tempo para olharmos o mundo com outros olhos e informarmo-nos sobre o que nos parece mais premente. A verdade é que nem sempre isto acontece pois o que vem sempre em primeiro lugar, em todas as equações, é a pandemia e as eleições americanas. Penso que qualquer um destes assuntos nos assusta sobremaneira, até porque estão ligados e dependentes. Depois das mais renhidas eleições jamais vividas nos Estados Unidos da América, eis que Trump não admitiu a derrota e até ameaçou recorrer às mais altas instâncias dos tribunais americanos para julgar as supostas fraudes que ele nunca viu, mas imaginou e até acreditou, quiçá, terem existido. Dias e dias passaram sem que se dignasse sequer a aparecer em público. A sua irreverência faz lembrar a dos meninos que ao perderem um jogo, não admitem e querem jogar novamente para ver se conseguem ganhar, vingando assim a derrota anterior. Pois é, mas isto não é um jogo e foi preciso alguns resultados mais convincentes entrarem na cabeça de Trump para que, à sua maneira, aparecesse em público para falar do … Covid 19. E para quê? Para lembrar que foi a sua administração que fez a vacina e vai distribui-la. No meio do discurso, lá foi referindo que na sua administração ou outra qualquer a vacina chegará a toda a gente para acabar de vez com a pandemia. Era uma espécie de admissão de derrota bem camuflada. Já é qualquer coisa. Contra factos não há argumentos. Mas enfim! Num país onde o número de óbitos ultrapassa os 200 mil, não há lugar para brincar aos políticos e muito menos às eleições, já que a vida humana está acima de tudo isso. Ora se bem nos lembramos, Trump andou a brincar com o vírus mesmo depois de ser apanhado por ele, se é que foi, pois nestas coisas, há que duvidar vindo de quem vem. Neste momento em que o mundo vive aterrorizado pelo aumento do número de infetados e de óbitos, desespera- -se por uma vacina milagrosa que traga esperança e sossego à população mundial. Trump e a Pfizer acenam com uma que terá, garantem, 90% de eficácia. É o modo mais airoso que o presidente americano tem de sair da sua administração, se for o caso. Mas, como sabemos não foi a Pfizer que descobriu a vacina, mas sim um casal turco sediado na Alemanha e que mantém interesses com a Pfizer que é a grande distribuidora mundial de produtos farmacêuticos. São negócios, claro. Para não ficar para trás nesta corrida, o presidente Putin vem informar que também tem uma vacina e que o seu grau de eficácia é de 92%. E agora? Pode ser que esta concorrência seja saudável, mas como envolve dinheiro, muito dinheiro, a saúde fica sempre para segundo lugar e todos desconfiamos. Entretanto, o vírus vai matando cada vez mais e pouco há a fazer para evitar que isso aconteça, a não ser… ficar em casa. Mas a economia não se compadece com estas soluções caseiras e a crise espalha-se quase tão depressa como o próprio vírus. De estranhar é a atuação de alguns grupos completamente irreverentes e contrário ao que seria normal nestas situações, virem a terreiro manifestar-se contra o uso de máscaras e contra o confinamento. Em Portugal, a exemplo do que se passa no Reino Unido e na Espanha, por exemplo, lá apareceram, de igual modo, já que gostamos de imitar os outros, umas dezenas de iluminados a reclamarem contra o uso das defesas mais normais que são divulgadas para evitar o espalhar do vírus. É estranho, muito estranho, tão mais estranho quando vemos nesse grupo, médicos e enfermeiros a defenderem o contrasenso. Será que alguém lhes pagou para se manifestarem? Não se concebe de outra forma. Conseguem ser mais irreverentes que o próprio Trump e que os meninos que perderam o jogo do “quantos são?”. Ainda que só para Março ou Abril, que venha depressa a vacina antes que não restem irreverentes para lutar contra os irreverentes de agora.

Pão e água

Duas palavras de ampla projecção simbólica, religiosa, civilizacional, cultural e, na minha meninice e adolescência, significantes de criminosos que além de na condição de presos a fim de pagarem as suas dívidas à sociedade, não eram pagos por trabalharem nas obras de cunho estatal (p.e. o conjunto de edifícios da Praça Cavaleiro de Ferreira em Bragança) e, não raras vezes a sofrerem a punição de ficarem a pão e água. Ainda nos dias que correm restringir-se uma pessoa a pão e água carrega sobre os visados um saco de suspeições, para lá da caridade expressa nas obras de misericórdia: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede. Ora, o movimento Pão e água que na passada sexta-feira 13 (há coincidências…) surgiu na laboriosa cidade do Porto, provindo dos profissionais da restauração em protesto conta a avareza governamental na concessão de mais e melhores ajudas no fito de amenizarem as tremendas perdas que o importante sector dos restaurantes, casas de comeres, hotéis e expressões de negócio correlativas estão a padecer em consequência da misteriosa pandemia. A magia e elasticidade das palavras na apreciação de problemas desta envergadura leva- -nos a entrarmos não na caverna de Platão porque o filósofo na sua notável obra A República deixa antever simpatias pelo trabalho obrigatório que os «justiceiros» de agora classificam de escravatura, sim noutras cavernas que ao longo dos séculos homens empenhados na dignificação homem/Homem a todos os títulos e em todas as circunstâncias porque o governo das Nações deve ser para nos amaciar as asperezas do dia-a-dia e, por isso mesmo, trazer-nos felicidade e alegria no viver. Utopia? Sim, q.b., para lá disso quem nos governa tem de se empenhar na harmonização dos contrários e, neste ponto, foca – saúde pública, interesses, educação e conhecimento –, levando em linha de conta a real/realidade sugiro aos próceres do mando/poder consultarem S. Silvestre e o seu burro Mestre ou Doutor, pela simples razão de não ser possível satisfazer os agricultores proporcionando-lhe sol na eira e chuva no nabal ao mesmo tempo, na mesma hora. Se procedermos a uma pesquisa (termo em ascensão) por quem sabe penetrar nas referidas cavernas do conhecimento encontrará doutas palavras meditadas, sopesadas e ao nosso dispor da autoria de asnos do calibre do Burro de Ouro, que Apuleio deu a conhecer. O grande drama da classe política é a de na sua esmagadora maioria não ler para enriquecer a sua cultura, preferindo os tais livros de utilidade ao virar da esquina, daí os decisores entaramelarem o decidido no sentido das folhas das árvores dos interesses tácticos do momento. Os oráculos discretos, como devem ser, têm o cuidado, de nos advertirem para os perigos escondidos na roupagem económica e financeira, como um qualquer cidadão amigo e praticante de contas certas, não de facturas sebosas, receio o futuro, receio a factura a pagarmos derivada da peste em progressão e conflitualidades à la carte empreendidas no dia 14, estou quase a recear a própria a relembrar o Lucky Luke de pirisca no canto dos lábios antes do fascismo higiénico do PAN dos lulus fraldiqueiros. O movimento Pão e Água poderá ou não evoluir de forma a reeditar fenómeno semelhante à revolução das Maçarocas fórmula actual, no entanto, não antevejo casulo de possibilidades de uma Patuleia, porém ingredientes não faltam, o aparato será outro, os genes mamam da mesma teta. Até agora António Costa tem surfado a onda, porém caso o drama dos profissionais da restauração aglutinem mais e mais episódios dramáticos de infectados, famílias e pungentes odres de desgosto em virtude dos óbitos é possível adicionarem-se uns aos outros e daí formar-se um cacharolete de desespero a derrubar muros e barreiras a enlamear o inefável ministro Cabrita, a encharcar a ministra Temido e, por arrasto, todo o gabinete ministerial. O grande simulador Costa tem colocados os tenores socialistas a apagarem a maioria dos ecos da angústia, agora chegam a «roupa ao pêlo a Rui Rio porque os laranjinhas açorianos aceitaram gulosamente o aconchego de Ventura, passado o bruá-bruá da nuvem espumosa, resta a vacuidade do discurso do «tudo controlado», aumentará o fel desesperante. Deixo a interrogação: e depois?

“Judeus” em Bragança: anos de 1700: Quadros Sociais Os familiares devem “viver à lei da nobreza”.

Minguando em Bragança familiares do santo ofício para executar as prisões, os inquisidores escreveram ao comissário Bartolomeu Gomes da Cruz que indicasse possíveis candidatos. Em resposta, o comissário fez um retrato bem estranho da situação: por um lado, os familiares que há, escusam-se a fazer prisões e a conduzir levas a Coimbra. Por outro, face à penúria de familiares, olhando para a sua lista de potenciais candidatos, verificamos que nenhum deles parece “viver à lei da nobreza”. Vejamos então a resposta do comissário: - Nomeei sujeitos assim nesta cidade como nos arredores capazes de serem familiares. E que não ocupe nelas ao familiar Francisco Perestrelo de Morais, já eu tinha essa intenção (…) porque, além de não querer ir nestas últimas prisões, me tirou a fala e começou a publicar que era seu inimigo, por o mandar com a leva, sendo que não tinha causa alguma de não ir, sem embargo de se querer valer de uns acidentes que há anos lhe davam; e não faltou quem lhe passasse certidão; e assim este, como os demais da cidade, estão aliviados das levas, por causa de seus achaques e ocupações… Vai o rol dos que me parecem capazes de serem familiares e de segunda condição; não meto Chacim, aonde se necessita muito haver um ou dois familiares, por V. Senhorias me ordenarem, haverá 6 anos, nomeasse dois e eu o fiz em Domingos Gonçalves Peredo e António da Fonseca Padamarro e antes que os nomeasse, tinha informado em uma petição de Miguel Luís da Corredoura e até aqui não sei que tenha saído nenhum dos sobreditos. Também em Vinhais se necessitava haver um familiar, por só haver um e o que há é governador da dita praça e já velho. Um Francisco Rodrigues Pereira queria ser, e tinha já mandado depositar há 2 anos e não sei se está já corrente ou não. Queixam-se os que vão com as levas que as estalagens estão muito caras e lhe não chega o ordenado que se lhe dá para a sua passagem, e por isso muitos recusam a jornada. Em Rebordelo, tenho mandado pôr uma ou duas pessoas capazes de serem familiares. (1) Recebida a carta, os inquisidores escreveram de novo ao comissário, dizendo que ele devia nomear os mais capazes e dizer- -lhe que requeressem a nomeação para familiares. Vejamos a resposta do comissário e as pinceladas que acrescentou ao quadro negro da falta de familiares na região: - Na forma da carta acima de Vs Ss, avisei aquelas pessoas que me pareciam capazes de serem familiares, que, se fizessem petições, poderiam ser admitidos, os quais mas trouxeram e são as que remeto. Vai a petição de António de Salselas, que teve um cunhado familiar e fica distante uma légua de Chacim, para poder fazer as diligências que houver na dita vila, visto nela não haver familiar algum e duas pessoas que há lá capazes de serem, terem há já tempos feito petições. Vai também outra de Mirandela, que também não há por aquelas partes, familiares… (2) Atente-se no desabafo do comissário: - Assim este (Francisco Perestrelo) como os demais da cidade, estão aliviados das levas… Queria ele dizer que não contava com os familiares existentes (os tais que “viviam à lei da nobreza”) para as levas dos presos. Compreende-se, assim, que, no rol de possíveis familiares que enviou, não conste nenhum homem da nobreza, sendo todos de “segunda condição”. Vejamos o caso de Chacim, onde não existia qualquer familiar e onde a inquisição estava então particularmente ativa, lançando vagas sucessivas de prisões. Uma dessas vagas foi em 3.4.1697, com a prisão de “22 judeus”. Esta operação foi planeada e conduzida de modo muito estranho. (3) O normal seria que os inquisidores enviassem os mandatos de prisão ao comissário de Chacim, Manuel Gouveia de Vasconcelos, que chamaria os familiares do santo ofício e as autoridades civis e militares que entendesse necessárias para o bom desempenho da ação. A tarefa, porém, foi entregue ao comissário Bartolomeu Gomes da Cruz, abade de S. Maria, em Bragança, sem qualquer informação a Manuel Gouveia. De Bragança, o comissário fez-se acompanhar de uma força militar, chefiada pelo comandante das tropas de Trás-os- -Montes, general Sebastião da Veiga Cabral. E veio também de Bragança o familiar da inquisição Manuel Cardoso de Matos, com um grupo de quadrilheiros assalariados para a leva dos presos a Coimbra. De entre os “caçadores de judeus” que participaram nesta operação, o mais ativo era o boticário, grande proprietário rural e homem da nobreza Pedro Ferreira de Sá Sarmento, então morador em Chacim e que depois encontraremos a viver em Bragança, na vida militar. Tão ativo que mereceu dos inquisidores de Coimbra o seguinte louvor, transmitido por carta enviada ao comissário Manuel Gouveia: - O comissário Bartolomeu Gomes da Cruz e o general Sebastião da Veiga Cabral (…) nos deram notícia do cuidado com que Pedro Ferreira de Sá, morador nessa vila, obrou nas mesmas com muito zelo. Vossa Mercê, da nossa parte, lhe fará presente o nosso agradecimento. (4) Embora os documentos o não citem, certamente que nestas prisões também andou metido Domingos Gonçalves Peredo, natural de Bragança, morador em Chacim, casado com Ana Lopes, o qual, em Março de 1706 escrevia para Conselho Geral da Inquisição dizendo: - Ele fez petição para ser familiar do santo ofício, haverá 4 para 5 anos (…) servindo ao santo ofício com toda a satisfação há 10 para 12 anos, como constará no tribunal de Coimbra, onde tem levado 4 levas de presos… (5) Na verdade ele terá comandado 4 levas de prisioneiros de Chacim, a primeira pelo ano de 1697, assim desempenhando tarefas próprias dos familiares do santo ofício. Aliás, na informação que o comissário Manuel Matos Botelho deu sobre a sua pretensão, depois de informar que era cristão-velho, de sangue limpo e puro, conclui, dizendo: - O dito Domingos Gonçalves Peredo é tido por familiar do santo ofício, em razão de o haver visto muitas vezes trazer presos dos lugares de fora desta cidade. (6) Como se vê, já era “tido por familiar da inquisição” e fazia serviço próprio dos familiares. Para além disso e das boas informações dadas pelos comissários Bartolomeu Gomes e Manuel Botelho, deve dizer-se que Domingos Gonçalves tinha um filho padre, habilitado pelo bispo de Miranda por limpo e puro de sangue, sem qualquer gota da infeta nação. Apesar disso, os inquisidores recusaram provê-lo no lugar de familiar da inquisição. António Fernandes da Fonseca se chamava outro dos homens apontados pelo comissário de Bragança para ser nomeado familiar do santo ofício, como atrás se viu. Apontado por duas vezes pelo comissário, apresentou o seu requerimento, com a seguinte justificação: - O suplicante deseja servir o santo ofício na ocupação de familiar, pelo não haver na dita vila, aonde o tem sempre ocupado nas prisões que se têm feito. (7) Tal como Domingos Peredo, António Fonseca desde há muitos anos que desempenhava as funções de familiar, executando prisões e conduzindo levas para Coimbra. Só não gozava das regalias inerentes ao cargo. Não apresentando título de nobreza e fidalguia, tinha, no entanto, bons pergaminhos familiares. Seu avô paterno era licenciado, “o mais rico da terra, assim de fazenda como de dinheiro” e Capitão da companhia de ordenanças do concelho. Também ele se empenhou na execução de tarefas próprias dos familiares da inquisição, quando a vila de Chacim foi tomada pela primeira vaga de prisões, em 1641. E também ele, apresentou a sua candidatura ao mesmo cargo, argumentando: - Na vila de Chacim vive muita gente da nação e no lugar de Sambade, dali a 2 léguas e em Quintela de Lampaças, que são outras 2, e em Izeda, que são 3, e na vila de Mirandela, que são 4 e em Vila Flor, que são 5; em todas estas partes, nem junto a elas há familiar e ele suplicante, de 9 prisões que se têm feito na vila de Chacim de há um ano a esta parte, fez 6 e nas demais deu ao vigário-geral da Torre toda a força, favor e ajuda que para elas foi necessário. (8) O licenciado Arruda Pacheco veria chumbada a sua pretensão, pelo facto de ser casado com Joana Teixeira, filha de Francisco do Sil (9) e Catarina Cardosa, e “havia um rumorinho” de que tinha algum sangue judeu. Até o comissário que tratou das diligências de habilitação, o Dr. Paulo Castelino de Freitas, vigário-geral da comarca de Torre de Moncorvo, ficou desolado com este “rumorinho”, escrevendo no relatório: - É pena sentir o que se descobriu da geração da mulher, porque no lugar onde ele vive só a ele, seguramente, se podia encomendar qualquer diligência do santo ofício. Este problema, porém, não afetava a candidatura de António Fernandes Fonseca, dado que a sua mãe nascera fora do casamento. Clara da Fonseca, sua mãe, era filha do licenciado Arruda e de uma moça solteira, cristã-velha, chamada Catarina Pires. Tudo parecia correr bem na diligência de habilitação de António Fonseca quando rebentou a bomba do “diz que disse” que a sua mãe, Clara Fonseca, não era filha do licenciado Arruda Pacheco mas de um cristão-novo, o Redondo, (10) de alcunha! Esta infâmia, porém, verdadeira ou falsa, foi lavada anos depois, quando um sobrinho de António Fernandes Fonseca, seu homónimo, obteve carta de familiar do santo ofício, em 6.11.1753.