Ter, 20/03/2007 - 10:28
Jornal NORDESTE (JN) – Tem, ou já teve, alguma relação com o Nordeste Transmontano?
Margarida Rebelo Pinto (MRP) – Infelizmente é a zona de Portugal que conheço pior. A minha família é oriunda do Alentejo e do Ribatejo, por isso não conheço o Norte nem o Nordeste tão bem como o Ribatejo ou o Alentejo. Mas tenho belíssi-mas imagens na minha imaginação, dadas pela prosa do Miguel Torga. Foi um dos escritores portugueses que mais marcou a minha adolescência.
JN – Qual a sua opinião sobre o povo Transmontano?
MRP – Conheço-o mal, mas as poucas pessoas que conheço são generosas, since-ras, simples e muito verdadeiras. Gostam de receber e de ajudar sempre os outros. São reservados, mas possuem um coração de ouro.
JN – Aceita o rótulo de rainha da literatura light ou uma escritora Pop, bem ao estilo de uma Madonna?
MRP – Não aceito, nem deixo de aceitar. Gosto mais do conceito Pop, que tem mais a ver comigo. É verdade que a Madonna é uma referência, e das boas.
JN – Como reage às críticas de João Pedro George, na sequência do livro Couves & Alforrecas, Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto?
MRP – Não reajo, pois não o considero um crítico literário. Nem sequer é formado
em Letras.
“Sempre fui um radar, uma esponja, traduzo para fora tudo o que observo e interiorizo. Mas também partilho ideias e dúvidas só minhas, que nascem de dentro para fora”
JN – Concorda que o grande sonho de um escritor será o de nunca encon-trar o leitor ideal, pois, segundo Vergílio Ferreira, “a sua obra morreria aí”?
MRP – Pelo contrário! Saber que os meus leitores me entendem e me aceitam como sou é a maior dádiva que posso ter enquanto escritora. Todos os leitores são ideais. E os leitores mais críticos são muito importantes. Correspondo-me com vá-rios leitores e as opiniões que me têm passado ao longo dos anos têm sido funda-mentais para a evolução da minha obra. Confio no bom senso dos meus leitores e gosto de saber que eles confiam em mim.
JN – A sua escrita é o resultado de uma análise social? Ou as questões vêm de dentro para fora?
MRP – As duas coisas. Sempre fui um radar, uma esponja, traduzo para fora tudo o que observo e interiorizo. Mas também partilho ideias e dúvidas só minhas, que nascem de dentro para fora. Combino os dois processos de uma forma tão natural que nem distingo.
JN – Sofre quando escreve ou escreve porque sofre?
MRP – Escrevo porque sofro. Nunca sofri a escrever, é sempre um prazer. Quando sofro mais é quando não escrevo. O pior mesmo é não escrever.
JN – O amor é uma realidade incontornável?
MRP – É. E é ainda o princípio de tudo. Não há nada mais importante. O dinheiro, e o sucesso são confortáveis, mas não chegam para aquecer o coração. O amor tem uma magia muito própria e nada me faz mais feliz do que dar amor às pessoas que me são mais queridas. Tenho muita sorte; possuo amigos excepcionais, uma famí-lia fabulosa, um filho adorável… não me falta nada.
JN – É escritora que mais vende em Portugal – sei que é a resposta está nos leitores –, mas porque será que agarra os leitores com tanta facilida-de?
MRP – Porque há empatia e identificação. É como se eu estivesse a falar da vida das próprias pessoas que lêem, do que elas sentem, dos problemas delas. As pes-soas sentem os livros, é um processo emocional.
JN – Em muitos dos seus livros, o grande fio condutor é o erotismo nu e cru, do quotidiano português? Como descreve o erotismo nos seus livros?
MRP – Não vejo o erotismo como um fio condutor, nem pensar. A análise da reali-dade de forma crua é que representa esse fio. Olho para a vida de uma forma cada vez mais desassombrada e penso que isso se reflecte na minha escrita.
JN – O que quis dizer quando afirmou que na vida doméstica é uma guei-xa?
MRP – Gosto de tratar bem as pessoas de quem gosto. Gosto de receber bem em casa, de cozinhar, de dar presentes e de mimar as pessoas. É a minha natureza. Claro que essa não é a minha imagem pública, mas o público é público e o privado é privado, e é assim que deve ser.
JN – Porque diz que é “muito mais a Margarida do que a Margarida Rebelo Pinto”?
MRP – O que eu disse foi que gosto mais da Margarida do que da Margarida Rebelo Pinto. É que antes da figura pública, eu já cá andava...
JN – O que é “consumir os homens dentro do prazo de validade”?
MRP – É uma brincadeira, uma provocação, não tem nenhuma ideia por trás. É daqueles disparates que gosto de dizer de vez em quando para agitar as águas.
JN – Fale-nos um pouco do seu trajecto enquanto escritora.
MRP – Agora estou numa fase árida... Ando a pensar mais e a escrever menos... Tive muitos anos em erupção: escrevi seis romances, quatro livros de crónicas e mini-ficções, e ainda uma biografia, isto em apenas nove anos. Foi uma loucura. Sempre quis ser escritora, isso era ponto assente ainda antes da adolescência. Mas agora apetece-me, por vezes, ser outras coisas.
“Os homens são muitas vezes surdos do coração”
JN – Diz que gostaria de ser homem por um dia, para perceber o seu prag-matismo emocional…
MRP – Claro que sim.
JN – O que gostava que as pessoas aprendessem com os seus livros?
MRP – A ouvir o seu próprio coração. Sobretudo os homens. Os homens são muitas vezes surdos do coração.
JN – Como se define como pessoa?
MRP – Exigente com os outros e comigo; boa amiga, boa filha, boa tia, boa irmã e boa mãe. Alegre, mas com variações de humor. Sarcástica, sempre em avaliação de tudo o que me rodeia. Uma eterna sonhadora e uma eterna insatisfeita.
JN – Qual o título que melhor lhe assenta: jornalista, escritora…?
MRP – Escritora, sem qualquer dúvida, embora o de cronista também tenha a ver comigo. Afinal, estou na imprensa há 20 anos...
JN – As personagens são um mero fruto ficcional ou baseadas em pessoas que conhece?
MRP – Há de tudo, gosto de misturar, de brincar ao gato e ao rato com a realidade.
JN – Para escrever é preciso ter um dom ou trabalha-se?
MRP – As duas coisas; é uma facilidade nata e uma dificuldade adquirida. Dá muito trabalho para sair tudo limpo, fluído, escorreito.
JN – Podia falar um pouco sobre o seu último livro, “Vou Contar-te Um Segredo"?
MRP – São histórias, todas muito diferentes, que tocam muitos sentimentos e uni-versos. Algumas são muito pessoais, outras fruto da mais pura imaginação. É uma boa amostra da evolução da minha escrita pelo menos é assim que o vejo. Há uma história especial “We Connect”, que significa muito para mim. É perfeita e eterna.
JN – Planos para 2007?
MRP – Ainda durante este mês vou lançar um audiolivro do “Diário da Tua Ausên-cia”, que foi gravado com a minha própria voz por tratar-se daquele que penso ser o livro mais intimista que alguma vez escrevi. De resto, tenho como plano para 2007 o de ser feliz. E só esse já me vai dar imenso trabalho porque a felicidade é algo que se constrói.