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Quando a Justiça não chega atrás dos montes: a indemnização miserabilista pelos ataques do lobo-Ibérico

Há temas que exigem serenidade, rigor e, sobretudo, verdade! E a verdade é que os pastores e produtores pecuários transmontanos vivem hoje num estado de vulnerabilidade que o legislador, acomodado à beira do Tejo, insiste em não ver, não ouvir e não resolver!
 
O lobo-ibérico, espécie protegida desde 1988, merece – sem dúvida – tutela firme e política de conservação responsável. Mas é igualmente verdade que a proteção de uma espécie não pode significar a desproteção de um povo. E esse povo — o resiliente povo serrano do Nordeste Transmontano, herdeiro de séculos de pastorícia — está a pagar um preço demasiado alto por uma política que, tal como está desenhada, é humanamente insuportável e juridicamente injusta!
 
I — O regime legal: um labirinto que promete muito e devolve pouco
Foi recentemente publicado o Decreto-Lei n.º 122/2025, de 19 de Novembro que veio introduzir algumas alterações ao regime jurídico da conservação do lobo-Ibérico, o qual havia sido criado pela Lei n.º 90/88, de 13 de Agosto.
 
Esta Lei da Assembleia da República, veio introduzir no ordenamento jurídico português as regras básicas para a protecção, conservação e fomento do lobo ibérico – canis lupus signatus – definindo regras relativas à protecção, detenção, transporte, comercialização e exposição. Este diploma de 1988 foi alterado apenas em 2016 pelo Decreto-Lei n.º 54/2016 que abriu caminho a um modelo de indemnização por ataques do lobo-ibérico. Se a intenção foi louvável; o resultado, porém, não tem sido digno nem sequer satisfatório para a realidade rural.
 
Os diplomas posteriores — o Decreto-Lei n.º 64/2025, de 10 de abril e o Decreto-Lei n.º 122/2025, de 19 de novembro — introduziram alguns ajustes, clarificações e até tabelas de conversão de “cabeças normais”. Contudo, nenhum deles resolveu o essencial: os valores continuam profundamente desajustados do prejuízo que realmente causam, e os pagamentos continuam a chegar tarde, muito tarde, frequentemente tarde demais…
 
A lei prevê prazos céleres de vistoria (3 dias) e de pagamento (30 dias). Mas acrescenta a perigosa e vaga cláusula indeterminada de que o pagamento depende de “cabimento e disponibilidade orçamental”. Esta é a brecha legal que transforma uma promessa de indemnização numa lotaria orçamental…  Promittitis caelum, sed traditis ventum — promete-se o céu, entrega-se vento…
 
II — O valor da perda: quando a compensação é simbólica e o prejuízo é real
Os montantes indemnizatórios são calculados com base em valores fixos, aprovados por despacho governamental. Ora, quem conhece o terreno sabe que:
• uma vaca parida vale muito mais do que o valor previsto no despacho;
• uma cabra reprodutora representa anos de seleção genética e investimento do pastor;
• um cão de proteção de gado não é um “bem substituível”, mas um elemento essencial ao equilíbrio do rebanho.
 
E o que faz o Estado? Não só indemniza tarde, como indemnizada por baixo, como também reduz automaticamente o valor a partir do 4.º ataque no mesmo ano, como se fosse do pastor a culpa de haver várias alcateias no local onde vive… O produtor que é atacado múltiplas vezes não é negligente; é vítima! No entanto, para o legislador, quanto mais vezes o pastor sofre, menos merece receber. É o mundo ao contrário...
 
 
III — A crónica demora: do pasto ao pagamento, um calvário administrativo
 
Apesar dos prazos estabelecidos na lei, os pagamentos podem levar meses ou anos, ficando os produtores entregues ao desespero e à boa vontade burocrática. O que vale uma indemnização que chega depois do produtor ter sido forçado a desfazer-se de animais, a reduzir o rebanho ou – como acontece às vezes – a encerrar a exploração?
A Justiça que demora, nunca é justa e a indemnização que demora não é indemnização que indemnize!
 
IV — A retórica da conservação e o silêncio sobre quem conserva o território
É do mais elementar bom senso — e é também uma velha máxima do Direito Administrativo — que não pode o Estado exigir sem compensar. Nemo potest esse obligatus ad impossibile. O Estado quer proteger o lobo — e bem! Mas obriga o pastor a suportar sozinho o preço dessa proteção, como se o lobo atacasse não por instinto, mas por desmazelo do pastor...
 
Não é aceitável, nem justa, uma política que coloca o produtor entre dois lobos:
— o lobo que ataca o rebanho,
— e o lobo legislativo que o penaliza quando perde o rebanho.
 
Enquanto se multiplicam – e bem – campanhas para sensibilizar à importância do lobo, reduz-se ao silêncio quem mantém vivo o território onde o lobo ainda subsiste. Esses são os pastores que viram cinco ovelhas mortas em Izeda, ou cabras degoladas em Rio-de-Onor a cem metros da aldeia, ou o vitelo morto em Sendim, ou o cão devorado por três lobos em Vilar Seco da Lomba, para mencionar apenas alguns dos casos mais recentes…
 
V — Conclusão: por uma política de verdade, justiça e de equilíbrio
O Nordeste Transmontano não pede privilégios, pede justiça! Pede que o legislador saia da comodidade do gabinete, venha ao terreno, veja o que vale uma cabra prenhe, sinta o que representa perder um vitelo, compreenda o que significa acordar de madrugada e encontrar o rebanho dizimado ou o cão-leal mastim morto por tentar proteger o rebanho que lhe estava confiado...
 
Pede-se que o Estado cumpra o princípio que deveria ser basilar: quem impõe o ónus da proteção de uma espécie, deve compensar integralmente os prejuízos decorrentes dessa mesma proteção! E o que se diz para o lobo, poder-se-ia aventar para o veado ou para o javali...
 
Enquanto tal não acontecer, o regime continuará a ser aquilo que hoje é: uma política de conservação feita à custa dos esforços, do suor e do pão daqueles que ainda não desistiram das suas terras, das suas raízes e das suas gentes! Continuará a ser um modelo que protege o lobo, mas esquece o pastor.
 
O lobo é património natural e deve ser protegido e respeitado. Mas o pastor também o é! É o mais resiliente guardião do território!
 
E sem pastor não há rebanho. 
Sem rebanho não há manutenção do território, o monte fecha e o mato alastra e aí fogo nasce e vai-se a paisagem! 
E sem paisagem, deixará de haver lobo também!
 
Ricardo Vara Cavaleiro