O Caso Luisão

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Ter, 13/02/2007 - 16:03


O cidadão brasileiro, de nome Luisão, futebolista que representa o Sport Lisboa e Benfica, foi recentemente apanhado, no exercício da condução, numa rua da capital, com uma taxa de álcool no sangue de 1,33 gramas por litro.

Ou seja, um tipo de conduta para a qual o Código da Estrada em vigor, que a entende como sendo uma contra – ordenação muito grave, prevê, além da correspondente multa pecuniária, a inibição de conduzir, por um período de tempo que pode variar, julgo, entre um e seis meses.
Mas porque este rectângulo, a que, por razões históricas, se convencionou chamar Portugal, tem mais semelhanças, na forma como as instituições se organizam e se apresentam aos cidadãos, com um país da América Latina, do que com um europeu, o infractor em causa, que aufere, segundo consta, um vencimento mensal de mais de 25 mil contos, e que, para exercer a sua actividade profissional, não precisa de automóvel, foi condenado, ao arrepio das disposições legais, apenas a prestar 40 horas de serviço à comunidade – provavelmente uma pena a ser expiada no Centro Comercial Colombo, a dar autógrafos -, cuja deliberação colheu como argumento o facto do réu ser uma figura pública e não reincidente.
Nunca como hoje o povo foi tantas vezes instado a pronunciar-se sobre a credibilidade da Justiça; talvez, porque o nosso sistema judicial tem sido, nos últimos tempos, posto à prova, devido ao mediatismo de certos casos que têm abalado a sociedade portuguesa. Perante episódios tão bizarros e rocambolesco, a questão que se põe é se a pergunta que visa obter dos cidadãos a opinião acerca da verdadeira imagem do dito sistema, a partir da interrogativa directa “Acredita na Justiça em Portugal?”, não deveria ser formulada através da pergunta de retórica “Temos razões para acreditar na Justiça em Portugal?”.
Sem ousar fazer qualquer juízo de valor em relação a esta matéria, o que se pode dar como mais ou menos garantido, atestado pelo sentir quotidiano do povo, é que na Justiça, figura abstracta e entidade sem rosto, as coincidências e as incongruências na aplicação das leis são muitas; o que deixa transparecer que elas não serão iguais para todos.
Ora, a leitura que faço de casos que envolvem figuras públicas é diversa da que esteve na base da medida aplicada ao futebolista citado. Porque a sociedade lhes confere um estatuto de divindades, elas, ainda que se lhes reconheça, como simples mortais, de quando em vez, o direito de subverter as regras e a claudicar, as suas responsabilidades são acrescidas, na medida em que provocam paixões exacerbadas e se constituem como verdadeiros modelos para as gerações mais novas.
É óbvio que este caso, pelo desfecho tão cor – de – rosa para o directamente implicado, não pode deixar indiferente quem sente que a realidade a nível nacional, em matéria de cumprimento da legalidade rodoviária, quando o objecto das acções fiscalizadoras se centra na condução sob o efeito do álcool, não se compadece com o recomendável espírito de tolerância, nem com o apregoada atitude pedagógica, mas, sim, com uma desaforada política de “dinheiro em caixa”, da “facturação”. Pelo que o zeloso cumprimento do dever seja um obstáculo à sensibilidade para se tentar compreender as circunstâncias em que, muitas vezes, os “excessos” acontecem.
Conheço, por exemplo, algumas pessoas, cidadãos anónimos, mas modelares, que ficaram sem a carta de condução, durante algum tempo – com os eventuais transtornos que tal situação acarreta, principalmente quando o veículo é a única ferramenta de trabalho – porque foram apanhados (ninguém, a não ser os abstémios e os enófobos, está livre de ser surpreendido) a conduzir, após circunstanciais contextos de puro convívio gastronómico, ainda que a escassos metros de casa, e a circular a velocidade reduzida, com uma taxa de alcoolemia para além do permitido por lei.
Para estes, por não pertencem ao círculo restrito das figuras públicas, não houve contemplações. Ainda que, por um lado, a quantidade de álcool não tenha sido suficiente para pôr em causa as suas faculdades de discernimento, e, por outro, porque este comportamento automobilístico, de todo desaconselhável, confesso, não tem, dentro das pequenas localidades, qualquer expressão no drama da sinistralidade rodoviária.
Para estes nunca se pôs a hipótese da pesadíssima multa ser substituída pela razoável e humana modalidade do Serviço Comunitário; porque é inegável que o valor da pena pecuniária é desajustado, face aos magros vencimentos da maioria dos prevaricadores. O que os leva, quando confrontados com esta realidade, a recorrer à família ou aos amigos para liquidar a dívida.
São, porventura, os casos dos luisões, quando comparados com outros cujos envolvidos não têm direito à condescendência, nem a uma segunda oportunidade, que me levam a acreditar no Milagre Fayre Anti – Gorduras.