Os artifícios do fogo

PUB.

Ora boa tarde, estimados amigos. Antes de mais, feliz ano novo! Muita saúde e boa disposição para este novo ano. Espero que estas palavras vos encontrem de bem com a vida. É que o pessoal que bota crónicas nos jornais é todo meio mal-educado. Falam connosco todas as semanas ou todos os dias, mas nunca deixam os bons dias nem nunca perguntam pela saúde ou pela família. Entram sem pedir licença e começam logo a atirar frases como se alguém lhes tivesse perguntado alguma coisa. Alguns de tão açodados começam logo de rompante com os maus fígados em riste a disparar contra uns e outros, a maldizer fulanos e beltranos, a queixar-se e a maltratar tudo e mais alguma coisa. “Ora, antes de mais, bom dia, se faz favor. Educação é bonita e nós leitores também gostamos. E depois, sim, podem então começar a dizer de vossa tão urgente justiça”. Ano novo, modos novos, mas este ano comecei-o com velhos hábitos, dos iguais por todo o lado. Um par de famílias reunidas à mesa, comida, bebida, criançada bem-disposta, uns brindes para findiniciar o ano e haja saúde! Mas esta passagem de ano trouxe outro brinde, sendo que não foi o do bolo-rei. Nisto das Uniões Europeias não percebo porque é que os espanhóis continuam alegremente a colocar a fava e o brinde nos roscones de Reyes e nós não. Nem de propósito, reparei que escrevo isto no dia seis, dia de Reis, feriado em Espanha, dia de roscones com fartura. Fim das festas natalícias. Em Portugal também já foi feriado, aliás as aulas recomeçavam apenas após os Reis, segundo me contou minha mãe. Antigamente o dia de Reis era para alguns o dia mais alegre da quadra natalícia. Mal chegava a noite, após a ceia, era ouvir grupos de crianças e jovens pelas ruas fora, entre o frio e às vezes a chuva, mas nem isso os impedia de cantar as janeiras. Paravam às portas e cantavam as canções típicas dos Reis. Quando tinham sorte, entravam para comer qualquer coisa e se aquecerem. Quando tinham mais sorte ainda, podiam receber alguma peça do fumeiro. Tradições singulares que o tempo levou. Voltando à entrada neste ano, o brinde de que vos falo foi o do fogo de artifício. Numa era em que tudo se faz portátil, o fogo já se pode adquirir encaixotado e pronto a fazer-se estrondar. Não há dúvida de que dá um colorido único, a cor, a ascensão aos céus, as cabeças levantadas a especarem lá para cima. É daqueles pequenos prazeres que nos torna pequenos, crianças, seres simples. E que humanamente nos une porque não há quem não goste de ouvir o fogo a zumbir e o céu a abrir-se em multicores. O fogo no final de festa, o fogo que faz as festas. Todos nos recordamos das festas de Verão que tinham os fogos de artifício mais grandiosos e proeminentes. Não sei bem como agora andam aí as coisas a esse nível, muito mais tímidas do que noutros tempos, creio. Antes, dizia-se “vamos a tal sítio ver o fogo”. Às vezes nem se ligava ao resto, saía-se de casa já tarde expressamente para ir ver o fogo. E depois do fogo, ala, debandada para casa. No concelho de Vimioso, havia (ou continua a haver, não sei) duas aldeias particularmente fortes em matéria de botar fogo, Campo de Víboras e São Joanico. No Campo era o ponto alto que chegava por volta da meia-noite. Momento ansiosamente aguardado por mirones de nariz empinado para o céu, e por intrusos que volta e meia aproveitavam o baile de estouros para larapiar os recheios mais abonados das casas dos camponeses. São Joanico também tinha bom fogo, mas como o recinto da aldeia era mais exíguo era preciso dobrar ainda mais o pescoço, além de que aquela chuva de morteiradas no final até fazia saltar os paralelos e com eles um ou outro tímpano. Era sabido que os emigrantes brasileiros enviavam dinheiro especificamente para financiar o fogo da aldeia. A diáspora a enviar remessas para garantir que não falhava esta parte integrante das festas é mais um exemplo da importância deste artifício que abrilhanta qualquer celebração. Por isso, bem-haja a todos os pirotécnicos que trabalham com pinças, risco e minúcia, para nos proporcionar estes coloridos momentos. Antigamente apanhavam-se as canas e brincava-se com elas. Outros tempos. Hoje em dia nem canas nem artifícios por causa de outros fogos mais nefastos. Comparativamente, devem ter uma percentagem ínfima na origem dos fogos florestais, mas neste caso também pagam os justos, as festas, as empresas de pirotecnia, todos nós, privados que ficamos desse prazer cada vez mais raro que é apreciar regozijados um espetáculo de fogo de artifício. A magia do fogo tem um poder maior e singular sobre o humano, seja ver arder uma simples fogueira de Natal ou de Ano Novo, ver crepitar uma lareira a domar o Inverno ou às vezes até só a chama de uma vela a regambolear. Já repararam que agora até inventaram umas velas falsas cuja luz, refletida numa palhetazinha que se move, recria na perfeição os efeitos de uma vela natural. Os artifícios do fogo têm algo que mexe com o que de mais elementar possuem os homens. Talvez reverência, talvez admiração e respeito por aquilo que é simples e naturalmente tão maior e mais poderoso do que nós. Que a luz e a magia do fogo se mantenham presentes nas nossas vidas e que tragam bons augúrios para este novo ano. Um caloroso abraço!

Manuel João Pires