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José Mário Leite

A LIBERDADE À JANELA

Escrevo este texto sábado, dia 9 de março de 2024, vésperas de eleições legislativas e, portanto, ignorando qual será o resultado do escrutínio. Não tenho nenhuma bola de cristal nem a capacidade de análise e previsão dos variados e eloquentes comentadores políticos da nossa praça e, como tal, não faço ideia do quadro político que vai preencher a próxima legislatura. Sei, porém, que, parafraseando La Palisse, teremos, em 11 de março, o cenário determinado pela expressão livre de todos os elei- tores que, na véspera, decidiram dirigir-se às assembleias de voto. Os entendidos adivinham um período conturbado, de instabilidade política e governativa, fruto de uma votação mais focada no passado e no voto de protesto do que numa vontade de ter uma governação tranquila e virada para o futuro. Será o que os portugueses, no seu todo, quiserem que seja porque, contrariamente ao que acontecia há meio século atrás, todos os votos são bons, sejam quais forem as consequências. É essa a maior conquista da Liberdade que, precisamente, há cinquenta anos, espreitava já à janela. Em meados de março de 1974 chegavam a Bragança, ecos de uma revolta que, a partir das Caldas, vinha dar ânimo aos que, no Liceu, no Mensageiro e no Chave D’Ouro ansiavam e, a seu jeito, davam o seu contributo para que, um mês mais tarde, a Praça da Sé se enchesse de gente, sobretudo jovens, empunhando bandeiras e cartazes rudimentares, dessem as boas vindas à Liberdade e Democracia, em todo o seu esplendor e brilho. Apesar de falhado, o Levantamento das Caldas, sobretudo por ter nascido num dos pilares em que a ditadura se sustentava, comentado à boca pequena mas, profusa e entusiasticamente, sinalizou que a abertura por onde espreitávamos para vislumbrar o mundo novo por que ansiávamos, melhor, mais equitativo, solidário e, sobretudo, pacífico era mais do que uma janela… era, afi- nal, o postigo da porta que estava já a ser des- trancada. Valia a pena continuar a insistir nas metáforas políticas do Mensageiro, procurar livros “de culinária” na Mário Péricles, pintar de tinta vermelha as escadas do Liceu, conspirar no Chave D’Ouro para fazer eleger a última Academia, de forma tão democrática quanto possível, mesmo que a Censura continuasse a truncar os textos e a cercear as ideias, os livros dos autores proibidos escasseassem, as mensagens espichadas no granito da entrada liceal e nos vidros da porta de entrada, não vissem a luz do dia tendo sido diligentemente apagadas durante a noite… afinal, contra tudo e contra todos, superando todos os obstáculos e pressões do poder estabelecido a última Academia do Liceu, absolutamente representativa e totalmente paritária foi eleita legitimamente por todos os alunos. De outra janela se fala agora: a que medeia entre setembro de 2024 e setembro de 2025 onde o Presidente da República pode dissolver a Assembleia da República. Que ela não seja usada para esconder a Liberdade. Que ninguém ouse fechar as janelas que abril abriu!

NÃO, PEDRO, NÃO É!

“Palavra fora da boca é pedra fora da mão”, diz-nos a sabedoria popular para nos lembrar que uma vez proferida, uma vez atirada, já não é possível reverter totalmente o seu efeito. Pedro Nuno Santos, no debate a oito, desta sexta-feira, veio emendar a mão dizendo de forma clara (ao contrário do seu principal opositor) quais as condições em que viabilizaria ou não um governo, outro que não o do PS. Mas vem tarde. Porque um remendo, por melhor que seja, é sempre um remendo! O líder do PS tinha iniciado uma caminhada no bom sentido, que apesar de ter começado num rotundo NÃO a qualquer governo à direita, compreensível como fator distintivo do seu opositor interno e para marcar uma posição de ancoragem para uma possível (se favorável) dramatização, mais à frente, na campanha, foi evoluindo para uma clarificação no debate com Montenegro onde, perante a insistente indefinição do seu oponente, ganhou mais pontos do que persistindo na irredutibilidade inicial. E foi precisamente quando tinha ganho avanço sobre a concorrência que se desorientou e resolveu olhar para trás e apesar de a caminhada o colocar em posição vantajosa para se lançar na campanha propriamente dita resolveu dar um passo atrás e tentar corrigir a rota e redesenhar as próprias pegadas. Provavelmente pressionado pela entourage interna descontente com um desfecho que, sendo apenas um cenário, não satisfazia, na totalidade, a enormidade dos grandes umbigos demasiado habituados à gamela governamental. Tentando agradar a gregos e troianos (ação de altíssimo risco em política, apesar de, obviamente, muito tentadora) Pedro Nuno quis abrir uma brecha no muro que tão eficazmente tinha construído na véspera: foi buscar para ferramenta de corte um pretenso valor: a reciprocidade! A reciprocidade é um valor no amor, na amizade, na interajuda e em várias outras atividades humanas mas não em política nem em justiça. A não reciprocidade é, precisamente, um elemento distintivo da democracia: a liberdade e tolerância dos democratas, para ser efetiva e consequente tem de se estender a todos, incluindo os que a não defendem nem praticam. A Lei de Talião, registada há quatro mil anos por Hamurabi, deixou de ser, felizmente, um marco referenciador da nossa civilização. Não, Pedro Nuno Santos, em democracia a reciprocidade (ou retaliação, para ser mais simples e direto) não é um princípio valorizável por quem defenda uma sociedade moderna, justa, evoluída e contemporânea. Por si só, mas muito menos, quando, para satisfazer as ambições partidárias, compromete a governabilidade de um país (isso sim, mais valioso) indo contra a vontade popular em urna, por muito “injusta” que possa parecer a qualquer um! Mesmo que o fosse, não devia. Não só por questões de conveniência do bem co- mum, mas também por oportunidade política do próprio partido socialista. Vendo bem, que vantagem pode ter o líder do PS ao exigir que o seu opositor tenha o mesmo comportamento que ele? Como quer convencer os eleitores a votarem em si, exigindo que escolham entre a sua pessoa e outra, que lhes apresenta como sendo igual em decisões primordiais do futuro pós-eleitoral, imediato… quando o que, historicamente os distingue é a herança de um desastrosa ingovernabilidade… mesmo depois de ter sido brindado com uma maioria absoluta?

TIRO-LHE O MEU CHAPÉU

Não conheço pessoalmente o Presidente da União de Freguesias de Felgar e Souto da Velha, Vítor Manuel Amaro Vieira, mas tiro-lhe o meu chapéu. A questão da propriedade e da legitimidade de exploração da água naquelas duas freguesias de Torre de Moncorvo é antiga e complicada. A sua resolução, podendo ser simples, não é pacífica exigindo coragem, determinação e competência, não à Junta e ao seu Executivo mas à Câmara Municipal. Os dirigentes políticos são eleitos precisamente para decidirem adequadamente em todas as circunstâncias nomeadamente nas mais difíceis porque nas outras é fácil dirigir! Numa reportagem recente, o autarca foi interpelado por uma jornalista, de forma demasiado insistente e acusadora, para o meu gosto, mas legítima na medida em que pretendia confrontar os decisores locais com notícias vindas a público sobre situações graves e do maior interesse para a população servida pela rede de distribuição de água ao domicílio. Vítor Vieira podia ter-se recusado a falar com a repórter ou informá-la que só conversaria com ela se desligasse o gravador de vídeo. Porém, entendeu, e bem, que sendo essa uma prerrogativa sua, não a deveria invocar porque em causa não estava só uma questão pessoal mas um assunto de interesse geral cujo esclarecimento total é uma obrigação de quem dirige os destinos comuns para com todos os que são afetados pela sua atuação enquanto seu representante eleito. Podia ter empurrado um outro membro da Junta, escondendo-se atrás dele não deixando de vir depois acusar quem pretende esmiuçar “demasiado” o assunto de estar ao serviço de forças ocultas para os denegrir a ambos, solidarizando-se com o “atingido”. Podia ter-se furtado ao enfrentamento alegando serem bem conhecidas as forças que estavam a financiar a “caluniosa” investigação e, inclusive, nem sequer se sentir na obrigação de nomear tais agentes por, precisamen- te, serem identificáveis por todos. Podia ter-se acobarda- do e a cada pergunta da repórter responder com banalidades, sofismas e lugares mais do que comuns, passíveis de terem, posteriormente, as inter- pretações que mais conviessem e vir, depois, acusar a jornalista de ter sido paga para fazer aquela reportagem (não é isso que acontece, normalmente? Não é normal os trabalhadores, sejam de que área forem, serem pagos para executarem a sua função?) alegando ser, só por isso, ilegítima e afrontosa. Podia até aproveitar o percalço para elaborar e difundir um manifesto eleitoral com objetivo de promover a sua candida- tura a um outro qualquer lugar. Mas, não só Vítor Vieira não é, que se saiba, candi- dato a mais nada, não está desesperado em deixar o lugar para o qual ganhou a confiança dos seus conterrâneos, mas também não acusa de cobardia, quem dá a cara, escondendo-se ele, nem foge a assumir a responsabilidade pelos seus atos nem impede com demagógicas declarações o seu necessário e justificado escrutínio. Não concordo, obviamente, com a inadequada e deficiente solução encontrada e colocada em prática pela Junta, com o beneplácito, inadequado e inadmissível da Câmara mas isso não me impede de reconhecer a verticalidade, coragem, frontalidade e transparência com que Vítor Manuel Amara Vieira enfrentou o assun- to, assumiu a sua atuação e prestou todos os escla- recimentos que lhe fo- ram pedidos sobre tudo quanto fizera e omitira. Por isso, por essa atitude, repito, tiro-lhe o meu cha- péu!

DO DILEMA DO PS AOS DRAMAS DA AD

Quando iniciei a série de textos sobre a Inteligência Artificial admiti a possibilidade de a interromper se a atualidade política, regional e/ou nacional, as- sim o determinasse. Foi o que aconteceu. O PS aprovou as listas de deputados. A de Bragança, será encabeçada por Isabel Ferreira. Uma escolha pacífica entre os socialistas e reconhecidamente adequada. Mas igualmente seria certeira a manutenção de Sobri- nho Teixeira. Ao contrário da AD onde o nome de Hernâni Dias não tinha qualquer concorrência de igual qualidade, o PS para além destes dois nomes poderia, igualmente, incluir no leque de escolhas, Benjamim Rodrigues sem excluir, liminarmente, a autarca de Mirandela. Entretanto, precisamente na semana da bem preparada e controlada convenção do Estoril, quando a AD se preparava para lançar a ambicionada e esperada “descolagem”, vê abaterem-se sobre si os ventos do quotidiano. Depois de ver sair, juntamente com outros, o deputado Maló de Abreu, para integrar as listas do Chega, “alguém”, conhecendo bem os hábitos do político (quem, na política, melhor o conheceria que os seus colegas de bancada?) denunciou o esquema de uma alegada falsa morada. Se a inten- ção era atingir o partido da extrema direita, o tiro saiu, claramente, pela culatra. Ao Chega, mais do que os votos que o coim- brão pudessem trazer-lhe, interessa causar dano ao PSD e, normalizar-se. Ora o prejuízo para o concor- rente já aconteceu e este episódio deu a André Ventura a possibilidade de aparecer, como campeão da ética, garantindo a não inclusão, nas listas do Chega de tal criatura, livrando-se, depois de o usar, de um “ativo” pouco fiável (quem se vende, facilmente, por um prato de lentilhas, nada garante que, futuramente, não possa repetir a façanha, por prato e meio). O alargamento da acusação de José Sócrates e a ida a tribunal dos arguidos das golas antifogo em nada belisca o Partido Socialista, bem pelo contrário. O agravamento destas situações apenas lhe dá argumentos para evidenciar a independência do poder judicial e a não interferência gover- namental nesse poder autónomo. Com a recente renovação no Largo do Rato, o socratismo é já residual. É chão que já não dá uvas. Da Madeira, chegaram más notícias. A indiciação de Miguel Albuquerque por corrupção, abuso de poder, tráfico de influências e, sobretudo, atentado ao Estado de direito, somada à sua recusa, inicial, em demitir-se, inutilizou o arsenal armazenado na sede da AD e que incluía um cartaz alusivo aos casos que motivaram a demissão de António Costa. Para completar o embaraço, Luís Montenegro reagiu às notícias com tibieza, sem qualquer declaração clara (como fizera a propósito do Primeiro Ministro) refugiando-se em generalidades e declarações laterais. Mais uma vez se menorizou, deixando que um outro competidor, quiçá o que mais dano lhe poderá causar, André Ventura, aparecesse, de novo, como campeão da luta contra a corrupção e paladino da ética política e democrática. O líder do PSD quis evitar o embaraço de ver uma declaração sua esbarrar na recusa da demissão, entretanto assumida. Em política, mesmo que com percalços ime- diatos, quando norteado por princípios morais, o risco costuma compensar. Assim o demonstrou Sá Carneiro, ultimamente citado por tantos e em tantas circunstâncias que, para não ceder aos seus princípios afrontou a sua bancada parlamentar, sem receio de ser afastado da liderança do partido de que foi fundador nem de perder metade do grupo recheado de ilustres per- sonalidades e apoiantes da primeira hora.

O NOVO MUNDO, INTELIGENTE E ARTIFICIAL 2 - PARADOXOS

Enquanto escrevo estas linhas vejo na televisão o auto-anúncio da RTP do programa “É OU NÃO É” dedicado à crise na comunicação social provocada pela situação critica do Global Media Group. No “trailer” de promoção aparecem vários jornalistas do Jornal de Notícia, Diário de Notícias e Jogo em manifestação, gritando palavras de ordem e empunhando cartazes. Entre as várias dezenas chamou-me a atenção de um em especial onde aparecia “O CHATGPT NÃO FAZ CONTRADITÓRIO” chamando a atenção para a “culpa” da Inteligência Artificial na precaridade dos postos de trabalho jornalístico, agora em risco. O exercício do contraditório, mas não só, são características humanas dos jornalistas que a AI não consegue (ainda) executar com a eficácia pretendida e necessária aos regimes democráticos. Porém o sucesso da Open AI e do seu produto de interface humanizado o célebre CHATGTP, é devido, precisamente ao destaque que os jornalistas, de todas as origens, deram ao “admirável mundo novo” aberto pela recente e extraordinária tecnologia. Jornalistas há que a usam em benefício próprio e, inclusivamente, fazem dela o objeto do seu trabalho atribuindo à entidade vir- tual um estatuto idêntico ao seu, como é o caso da jornalista Joana Beleza do Expresso que criou um BOT específico (“Um “bot” (abreviação de “robot”) refere-se a um programa de computador que realiza tarefas automatizadas, muitas vezes imitando comportamentos humanos.” Segundo o próprio CHATGPT, ele próprio um BOT genérico) chamado Wolf com quem interage terçando opiniões e conceitos de que dá notícia nas páginas do jornal, mimetizando uma outra coluna do mesmo periódico “DUELO”. Mais evidente e dramática pode ser a dos profissionais que estão na génese desta tecnologia. A Inteligência Artificial (AI) deve a sua existência, desenvolvimento e importância aos investigadores em neuro- ciências, especialmente em redes neuronais, aos engenheiros de hardware e, muito especialmente, aos de software. São estes últimos os responsáveis máximos dos algoritmos de base da AI e podem ser estes os responsáveis pela sua dispensa na elaboração da próxima geração de programas informáticos de decisão que deixam de usar os programas fonte desenvolvidos pela mão humana mas elaboradas pela máquina com base no desenvolvimento crescente da disciplina “Machine Learning” cujo grau de complexidade e eficiência são já notáveis tendo atingido um elevado grau de autonomia e obtendo resultados extraordinários. Não está longe o dia em que a escrita de código máquina será totalmente automatizada dispensando, por inútil, a intervenção dos programadores tendo sobre estes vantagem, não só ao nível da rapidez, do baixo custo e da adequabilidade mas sobretudo a resolução de um problema que vinha crescendo com o aumento de complexidade dos programas de computador: a possibilidade de testar TODAS as opções e subopções apresentadas pelas aplicações informáticas. A gravidade desta situação levou o cipriota Christopher Pissarides, Nobel da Economia a alertar os especialistas desta área para o facto de, com o de- senvolvimento dos sistemas de linguagem capazes de tratarem volumes extraordinários de dados na internet, estarem a plan- tar as sementes da auto-destruição. Estarão a salvo da voragem da IA as profissões criativas e que requeiram empatia.

O NOVO MUNDO, INTELIGENTE E ARTIFICIAL 1 - GENERALIDADES

O ano de 2023 marcou a entrada impetuosa e avassaladora da Inteligência Artificial, no dia a dia de cada um de nós. Não sendo uma área nova do conhecimento (a primeira associação entre computação mecânica e inteligência foi feita por Alan Turing, no final da Segunda Guerra Mundial e o termo Inteligência Artificial foi cunhado, poucos anos depois – 1956) assumiu assinalável relevo com a explosiva disseminação do CHAT-GPT da Open AI. O uso desta ferramenta generalizou-se e começou a ser de utilização corrente por vários grupos que, até agora, não tinham tido ainda acesso a esta tecnologia. A possibilidade de haver máquinas pensadoras é um conceito antiquíssimo (há quem o faça remontar aos filósofos gregos antes de Cristo) mas apenas foi possível dar-lhe alguma expressão com o advento dos computadores e, com estes, o crescimento exponencial dos sistemas de memória e da capacidade de processar gigantescas quantidades de registos complexos. Apesar dos enormes avanços em qualquer uma destas áreas, desde meados do século passado, foi só no crepúsculo do segundo milénio, concretamente, em 1997 que um supercomputador (o Deep Blue da IBM) obteve um resultado assinalável, vencendo um jogo de xa- drez ao campeão mundial da modalidade Garry Kasparov, depois de ter perdi- do, para este, no ano anterior. Mesmo assim, há quem sustente que o desfecho da segunda contenda pendeu para o contendor cibernético devido a um “bug” no software do algoritmo idealizado pelos especialistas que desenvolveram a pri- meira versão (perdedora) e a melhoraram, depois de analisar. O célebre 44º lan- ce, totalmente fora da lógica do jogo, que nem era ofensivo nem defensivo (seria apenas um movimento de escape para sair de um loop infinito) terá confundido o mestre russo. Nunca se saberá se, sem esse erro, o desfecho seria idêntico. A vulgarização deste produto resulta do aperfeiçoamento de duas disciplinas fundamentais para o desen- volvimento da tecnologia: o uso da linguagem comum na interface com a máquina e a capacidade desta em aprender a partir dos erros ou da análise dos resultados (machine learning), obviamente, complementadas com o contínuo crescimento das bases de dados e sua disponibilização, a melhoria das comunicações e o aumento exponencial da velocidade de pesquisa, processamento e cálculo. A disponibilização, gratuita, na internet, fez o resto. Hoje, para além de muitos usos profissionais, começam a surgir notícias da sua utilização por estudantes para a elaboração (sem erros!) de trabalhos académicos, entre outras aplicações, mais graves, nomeadamente no condicionamento de eleições e referendos (Presidenciais Americanas e Brexit). Quanto à academia, de pouco adianta o “comba- te” que alguns professores pretendam fazer a esta as- túcia – o ónus está do lado da docência: a avaliação dos alunos terá de contar com o uso desta tecnologia que, estando disponível, não faz qualquer sentido ser-lhes proibida. Quanto à manipulação da realidade para obtenção de vantagens eleitorais… não é, verdadeiramente, nada de novo. Faz parte do dia a dia do discurso político! O que é preciso é regular o seu uso e fiscalizar, denunciar e punir o abuso! É do senso comum que toda a ciência tem boas e más aplicações. Também é assim com a Inteligência Artificial. Da minha parte interessa-me mais a bon- dade. Em textos futuros irei analisar e divulgar alguns exemplos… sempre que o agitado ano político que se avizinha, deixar espaço para tal. BOM ANO!

CADA VOTO CONTA

Com a eleição de Pedro Nuno San- tos para Secretário Geral do Partido Socialis- ta, ficou definido o qua- dro dos líderes que se vão defrontar no próximo dia 10 de março e, apesar de ter começado já, é a partir de agora que a Campanha Eleitoral arranca, na sua plenitude. Obviamente que o que vai estar em jogo é uma confrontação de ideários, de propostas e de solu- ções para os graves (e me- nos graves) problemas e dificuldades enfrentados pelos cidadãos, aqueles são corporizados por pes- soas que lhes conferem um rosto e, de certa for- ma, uma personificação. Não havendo eleições para Primeiro-Ministro é, contudo, a figura do líder dos principais partidos que catalisa a atenção dos eleitores. Apesar da exis- tência de propostas que, ao centro, têm muitas semelhanças (contas certas, melhoria dos serviços públicos, atualizações salariais) para a escolha dos votantes fica a forma de as alcançar e, com quem, porque, tudo indica, ire- mos ter um governo mi- noritário ou de coliga- ção. A existência de mais ou menos um deputado pode, tal como no tempo de Guterres, ter uma im- portância capital. Nos cír- culos mais pequenos esta disputa tem aspetos críti- cos, quase dramáticos. Em Bragança, onde o PSD, sozinho ou coligado, nunca tinha tido menos deputados do que o PS, viu-se ultrapassado, nas últimas eleições, ao perder o segundo eleito… por 12 votos apenas. Dez por cento dos votos do CDS, seu parceiro habitual, teriam sido suficientes para evitar esse passo atrás do distrito que, para as legislativas, sempre dominou, mesmo quando dez, das doze câmaras, eram lideradas por socialistas. Para esse feito inédito do PS, no nordeste, contribuiu, decisivamente, a persona- lidade popular, competente e prestigiada de João Sobrinho Teixeira. Não es- tando ainda decidido (por causa das eleições inter- nas), tudo indica, porém, que será repetente. De forma realista e inte- ligente, o PSD vai respon- der, ao que tudo indica, coligando-se com os cen- tristas e indicando para cabeça de lista o autarca mais popular do distrito, Hernâni Dias. A capital distrital, onde ambos os cabeças de lista residem, representando mais de um quarto dos eleitores do distrito, vai ter uma importância inquestionável para o resultado final. Ora, neste território, o líder da distrital social-democrata, poucos meses antes da vitória tangencial dos so- cialistas, obtinha, para o seu partido uma vitória retumbante com mais do dobro dos sufrágios. Se ao acrescento dos votos centristas, se juntar o contributo de uma candidatura igualmente motivadora, em segundo lugar da lista, a recuperação do número de deputados tradicional do PPD/PSD, no nordeste será uma tarefa de relativa facilidade. Mesmo assim, estou certo que o partido do Montenegro não cairá em facilitismos para não ser de novo sur- preendido pelas soberanas opções populares. Mas nesse campo, o edil brigantino já deu mostras de competência e não deixará de aproveitar o cenário nacional de recuperação do seu partido e das fragilidades do oponente, também no nordeste, na saúde, na educação e, igualmente, na habitação.

LIÇÕES DA HISTÓRIA

Heródoto, considerado o pai da História advogou: “Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Vem isto a propósito da reflexão recomendável para os tempos presentes em que estando em jogo o futuro comum, pode ser útil colher lições do passado. Diz Marcelo Rebelo de Sousa que o tempo corrente é ainda e apenas dos partidos e, como tal, deveria interessar apenas aos militantes partidários. Assim seria se os tempos correntes fossem comuns e normais, mas, desta vez, não é assim. Ao contrário de eleições anteriores, desta vez, iremos ser confrontados com propostas de solução, para a crise política desencadeada com a demissão de António Costa, que não são simples nem evidentes. Dependendo do resultado das primárias que terão lugar, brevemente no PS, pode acontecer que das eleições de março resulte um governo cujo programa esteja seriamente condicionado pelos ideais, coletivistas, anti-Nato e anti-UE da extrema esquerda, ou refém das ideias xenófobas, anti-emigração e anti solidariedade social da extrema direita. Por isso, aquilo que deveria ser matéria que “apenas” diria respeito a um partido e aos seus militantes e simpatizantes, acaba por ser de relevo para todos os portugueses porque não é despiciendo quem venha a ocupar a cadeira maior do Largo do Rato. Aos cidadãos que não se revêm nas soluções extremistas e que todas as sondagens garantem ser a esmagadora maioria, malgrado o avanço avassalador do quadrante mais direitista, deve ser possível oferecer-lhe uma solução que, no essencial, responda às suas preocupações, anseios e ambições. Mas se um dos putativos primeiro ministro se recusar a negociar à direita e o outro se obstina em não conversar com a sua esquerda, dificilmente haverá um governo que preencha o desejo da esmagadora maioria do povo português, em nome de quem e para quem, querem governar. Podendo não agradar, na totalidade, nem tão pouco, à maioria dos seus companheiros de filiação partidária, mas não há a mínima dúvida de que José Luís Carneiro é o candidato que ao país mais interessa para encabeçar as listas do Partido Socialista em 10 de março próximo. À determinação do antigo autarca de Baião, o lí- der do PSD, caso seja um digno sucessor de quem lhe antecedeu, deverá responder com igual compromisso de viabilizar um governo do PS ou com este negociar a governabilidade do país. Nos mais de quarenta anos que levei de militância no PPD/PSD, não encontrei um único dirigente, desde as concelhias às distritais ou órgão nacionais que não se declarasse sácarneirista. Ora a frase mais conhecida de Francisco Sá Carneiro e, igualmente, a mais citada diz que “antes de qualquer militante, está o partido mas, antes deste e mais importante está o país e o interesse nacional”. Sendo pois do óbvio interesse nacional um entendimento, qualquer que ele seja, para alcançar um governo ao centro do espetro político nacional é bom que ao propósito de José Luís Carneiro, o outro Luís (o Montenegro) se lembre dos ensinamentos do outro Carneiro (o Francisco) e declare já a disponibilidade para viabilizar, em termos a conversar, um governo do partido que em março ganhar as eleições!

CORRUPÇÃO… OU CONFUSÃO?

É assumido que o correto é começar pelo princípio. Contudo, quando este é incerto, difícil de identificar e impossível de o localizar, com segurança, não há outra solução que não seja… começar pelo fim mesmo que este seja confuso, complexo e pouco claro. É o que é! É com perplexidade que, na mesma semana seja do conhecimento público que um autarca tenha sido detido para justificar a exigência de contrapartidas (modestas) para uma associação desportiva e uma atividade cultural pela instalação no concelho de um mega investimento, que um outro autarca perdeu o mandato por ter usado um veículo da Câmara para fins pessoais ao mesmo tempo que se chegava à conclusão que a disponibilização de centenas de milhares de euros pela dire- ção do Benfica (que é o meu clube, de sempre) para prendas a árbitros não assume qualquer laivo de corrupção e que o primeiro-ministro foi levado a demitir-se por um parágrafo escrito pela Procuradora Geral, com base em escutas transcritas com lapsos e erros, não por algo que tenha feito, em concreto, no processo em análise, mas pelas supostas ações de um amigo que terá elegido como o melhor de todos e pela imprudência de um subordinado, mal escolhido, por certo… apesar de estar inocente. Inocente, sim. Porque se as suposições jurídicas implicam tais consequências, afinal a presunção de inocência, serve para quê? É uma treta para encher a boca? Ou apenas para mascarar a repetição da história? Há dois mil anos, no Gólgota foram crucificados e condenados à morte, Jesus Cristo, um ladrão bom e um ladrão mau, enquanto nas apertadas e movimentadas ruelas de Jerusalém, passea- va livremente Barrabás o assumido malfeitor libertado pelo povo em nome de quem se praticam todos os atos de justiça! Mas se olharmos pelo outro lado da cortina podemos ver a mesma realidade com outros olhos, nomeadamente na questão das contrapar- tidas de Sines em que o que mais importa não são elas, o seu valor ou destino mas a legalidade das pretensões dos empresários anteriormente recusadas pela vereadora, sendo igualmente questionável o interesse público de um investimento de milhares de milhões num mega armazém de dispositivos de memórias, gigantesco consumidor de energia e terraplanador de extensas superfícies protegidas que chega a Portugal, não como resultado da promoção lusa de captação de investimento, mas por recusa de outras localizações, que o carro da autarquia de Gaia foi usado para fins pessoais do presidente e também dos seus familiares. Mesmo que se admita ser exagerada a penalidade aplicada, não deixa de ser claramente condenável, pelos vistos a montanha de dinheiro dos cofres benfiquistas saiu em valores individualmente modestos, meras ofertas de cortesia e que não há qualquer prova nem indício razoável de consequentes benefícios, e ainda que, sendo inocente de quaisquer acusações que, bem ou mal, constem dos autos, António Costa é o responsável pelo epíteto de “melhor amigo” (a pretensa infelicidade do gesto igualmente não pode ser assacada a mais ninguém) e pela sua intervenção, remu- nerada ou não, em processos relevantes e de impacto na vida comum e ainda, apesar de vários avisos, a escolha do chefe de gabinete foi uma prorrogativa exercida conscientemente pelo detentor da chefia do governo. Não deixa, igualmente, de ser verdade que a condição de ino- cente não isenta ninguém de ser alvo de suspeitas e pode reconhecer-se alguma lógica na argumentação dos que defendem que quem está inocente se deve comportar de forma serena e não usar o cargo e o lugar onde o exerce para lançar dúvidas sobre a legitimidade das averigua- ções em curso. Perante este cenário é normal a disparidade de opiniões dos comentadores… Já os políticos deveriam reconhecer que as leis que aportaram a esta realidade foram feitas por eles!

PERFEITO PRETÉRITO IMPERFEIRO

Sob um título aparentemente paradoxal (é perfeito ao declarar-se imperfeito), António Pinelo Tiza brindou-nos com um livro de contos notável. Em “Pretérito Imperfeito” o autor cumpre, na perfeição, o objetivo anunciado na contracapa e, com a qualidade, conhecimento e rigor que lhe são conhecidos e justamente creditados, descreve um passado que, sendo recente, é igualmente milenar e se projeta para o futuro onde se pretende que mantenha a riqueza das tradições que marcam a nossa natureza. São conhecidos os vários trabalhos do António Tiza nos quais tem vindo a verter o seu vasto conhecimento, profundo, sério e fundado numa pesquisa sã e competente dos largos anos que leva de estudo das tradições nordestinas e das suas ramificações do lado de lá da raia. Em todos ficou a marca de qualidade que o autor de Varge não dispensa. Nesta coletânea, mantendo a sua “marca de água”, brinda-nos com um périplo por todo o Nordeste descrevendo, pormenorizadamente as regras ancestrais das várias, variadas e ricas tradições de cada uma das micro-regiões que constituem o mosaico nordestino, recorrendo ao profundo conhecimento recolhido nos seus múltiplos trabalhos de campo. A importância desta publicação vai muito para além do inquestionável valor literário. Trata-se de um documento, para memória futura, de variados usos, costumes, crenças, festas e ritos que povoam o imaginário da nossa gente, que lhes ocupam e condicionam a vida, sobretudo nos períodos de mudança, seja de estação, de ciclo anual ou de condição de vida, sobretudo os festejos da chegada à vida adulta em que o autor é um reconhecido especialista. Ao relato competente e, não raro, visto do interior do grupo pelos olhos quer dos mais conhecedores e experientes, quer dos novos e iniciados, acresce a ficção, em dose adequada, enriquecendo o relato, tornando a sua leitura mais agradável e, inevitavelmente, alargando o público leitor. Com esta obra, o conhecido etnólogo, estabelece uma marca de consulta obrigatório para quantos pretendam conhecer com profundidade os costumes ancestrais, as suas regras, as suas raízes e a forma como, ao longo dos séculos, as diferentes comunidades souberam preservá-las e, sobretudo, adaptá-las e compatibilizá-las com a grande e profunda religiosidade que igualmente as marca e condiciona. O leitor é ainda brindado com a ficção com que o autor embrulha, com mestria, o legado etnográfico, à mistura com receitas tradicionais tão secretas e laboriosas como a da Amêndoa Coberta de Moncorvo, às mais conhecidas e populares como o galo estufado no pote, da D. Maria e outras que ainda hoje fazem parte da mesa nordestina quotidiana, seja nas casas particulares seja em qualquer dos vários restaurantes regionais, razão, mais que suficiente para entregar ao competente e sabedor gastrónomo Virgílio Gomes, a apresentação da obra, na capital. Como beneficiário, não só na qualidade de leitor mas também de escritor, deixo público agradecimento ao escritor cuja amizade, contando já mais de meio-século, começou no Seminário Maior de S. José, onde o Tiza se dedicava aos estudos teológicos enquanto eu apenas me iniciava no das humanidades.