José Mário Leite

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O tremedouro

Pedro Nuno Santos celebrizou-se, enquanto jovem deputado por ter colocado as pernas dos banqueiros alemães a tremer sob a ameaça de não pagarmos a nossa dívida externa. Hoje prepara-se para ir a Bruxelas pedir autorização para injetar milhares de milhões de euros na TAP que serão pagos, com juros, até ao último cêntimo. Fá-lo porque não existe alternativa para o salvamento de uma empresa que esteve a um passo de deixar de ser nossa. Evitou-se, com grande custo, há cinco anos, revertendo a privatização. Não na totalidade mas apenas na medida de se poder mandar nela embora, na verdade, nem assim foi possível suster os elevados prémios de gestão em ano de grandes prejuízos. Que acabaram por exigir largos investimentos públicos se bem que o Ministro veio logo avisar, com a voz de fazer tremer os nórdicos ricos, que pagar implica mandar. Muito embora não se tivesse percebido bem porque é que, na prática, nem é bem assim, porque quem vai pagar a conta é o Zé Povinho, que ali manda zero, a maioria nem de avião anda. Mas, para consolidar o mando do senhor Ministro e dos eleitos do senhor Ministro e do senhor Primeiro Ministro tratou de, por um lado, entregar cinquenta e cinco milhões a quem verdadeiramente mandava e, por conta, disponibilizou mais uns milhares de milhões porque o mando em gaveta vazia é fraco e pouco apetecível. Não chegou. É preciso mais. É preciso salvar os postos de trabalho, assegurar a companhia de bandeira (esta característica deve ser muito importante e valiosa pois anda toda a gente a falar nisso e custa muito dinheiro!), de outra forma arriscamo-nos a perdê-la. E qual o risco de perdermos a companhia? 1. Se ela for privatizada o dinheiro que gera sairá do país, em vez de ficar cá. Mas se ela gera prejuízos... será mau exportá-los? 2. Há milhares de empresas portuguesas que fornecem a TAP que se ela for privatizada deixarão de a fornecer. Porquê? Porque servem mal? Porque não são competitivas? Se fosse exatamente assim, quando passou metade do capital para mãos privadas... perto de metade dessas empresas teria deixado o negócio... e não foi isso que aconteceu. 3. Se a TAP fosse tomada por outra companhia, perder-se-iam muitos postos de trabalho... A sério? E assim, não? 4. Porque o “HUB” é importantíssimo para a soberania nacional e não podemos dar-nos ao luxo de o perdermos. O luxo de o manter, mesmo à custa de milhares de milhões de euros, é aceitável? E, em boa verdade, o que é o HUB? Não hão de ser os aviões que esses, com bandeira ou sem bandeira, tanto estão cá como noutro lugar do mundo. Também não hão de ser os pilotos nem os assistentes de bordo, pelas mesmas razões. O pessoal de terra, não julgo que o seja pois o “handling” pertence à Ana e essa já é francesa. Aí é que está... O HUB depende mais da Ana (propriedade da Vinci e que dá lucro!) do que da TAP (portuguesa e que dá prejuízo). Mas se o HUB é tão importante e sendo, como não pode deixar de ser, um misto de operações no ar e em terra, então quando se reverteu a nacionalização da TAP deveria ter sido feito o mesmo com a Ana... O Ministro Pedro Nuno Santos, já veio explicar que a austeridade do anterior governo era, ao contrário desta, inaceitável. Qualquer perda de regalias, diminuição de salário ou mesmo a perda de emprego, nas empresas, como resultado das medidas do Governo, para superar a crise nacional era, foi e ainda será, injusta e prepotente. Coisa bem diversa é a diminuição de regalias, corte salarial e despedimentos, decretados numa empresa onde o Governo manda e não tem outra saída para tentar sair da crise em que caiu. Quem quer que seja que venha a perder o emprego, ficar sem regalias ou receber menos ao fim do mês saberá muito bem ver as enormes diferenças entre estes dois cenários. Ficará confortado por saber que o HUB fica cá (ninguém vai levar o Aeroporto Humberto Delgado!) e a TAP continua nossa (...enquanto pagarmos o prejuízo!)

Parabéns à câmara de Moncorvo

A partir de dezembro, a Câmara de Moncorvo vai atribuir um vale no valor de cinco euros a cada munícipe que acumule cinquenta euros de compras no comércio local. Até ao máximo de mil euros de compras por família, dez por cento das suas compras, no concelho, são devolvidos pela autarquia moncorvense para serem, obviamente, gastos no comércio tradicional ou nos produtores concelhios. Cem euros não é muito dinheiro, nos tempos de crise que vivemos e, pior que isso, na época sombria que se avizinha. Não chega para compensar a falta de faturação no comércio, a escassez de vendas de quem não tem outra fonte de rendimento para além das vendas dos produtos cultivados ao longo de um ano inteiro. Não substitui a lacuna salarial de quem viu os rendimentos mensais diminuídos e, pior que isso, quem ficou desempregado ou viu desaparecer o contrato de prestação de serviços. Mas é melhor que nada. É dar um contributo no bom sentido e, ao mesmo tempo que se aplicam corretamente os recursos comuns, convocar e envolver todos os munícipes numa tarefa que, por muito grande, penosa e difícil, será sempre menor, menos dolorosa e menos custosa se levada em cooperação. O montante de recursos disponibilizado pela Câmara vai ser multiplicado porque não se tratando de um subsídio, implica uma atividade económica muito superior ao valor reservado no orçamento municipal. Seria ideal usar a totalidade do montante que esta operação permite que numa conta rápida coloca ligeiramente abaixo dos quatrocentos mil euros. Se o dispêndio camarário for de trezentos mil euros pode-se considerar que a operação será um sucesso. Apesar disso, não duvido que o Executivo Camarário (Presidente e vereadores) gostaria de ter um valor superior que colocasse a fasquia mais acima, quer no montante máximo, quer, seguramente, na percentagem de comparticipação. Mas ninguém ignora que as verbas municipais são escassas e estão longe de assegurarem a satisfação das carências diárias, urgentes e prementes. Tenho a certeza que o Executivo gostaria de poder dispor de uma verba superior e que este desejo é, antes de mais ninguém, incorporado pelo Presidente da Câmara. De tal forma que nem me passa pela cabeça que, por sua própria iniciativa, numa época destas fosse estragar este quadro atirando cento e cinquenta mil euros para fora do concelho para organizar e levar a efeito a sua defesa num processo que já asseverou, garantiu e jurou ter sido levado a cabo, na posse de todos os pareceres, na estrita observância da Lei e com a aprovação dos respetivos órgãos municipais. A contratualização com o escritório de advogados lisboeta, AAMM, apesar de ter sido feita, segundo o texto contratual, para aconselhamento jurídico indefinido, há de ter por objeto um assunto complexo, delicado e, sobretudo, tão grave que não haveria em Moncorvo, nem na região, ninguém capaz de o levar a bom porto. É absolutamente impensável que se possa, nestas circunstâncias, esbanjar tal verba para se opor à questão da deslocação do busto do escritor Campos Monteiro

A Saúde Primeiro

Com agravar da pandemia, o Sistema Nacional de Saúde ficou pressionado até aos limites começando a apresentar já, em vários locais, sinais de saturação e com dificuldade em dar a resposta adequada às exigências da população a quem cabe dar a devida assistência. Não só no atendimento ao crescente número de doentes Covid mas também e sobretudo a todos os outros enfermos cujos cuidados médicos estão a ser descurados na exata proporção em que cresce, diariamente, o número de infetados. A Ordem dos Médicos garante que, este ano, vários milhões de consultas presenciais e intervenções cirúrgicas, vão ficar por realizar! É uma enormidade, se levarmos em linha de conta que muitas deles são urgentes e a sua não realização pode significar mazelas permanentes e irrecuperáveis e, nalguns casos, a própria morte! Em tempo de guerra não se limpam armas nem se selecionam aliados. Este é um desígnio comum. De todos. Do SNS, sem dúvida, mas igualmente do setor social e dos privados. Todos temos de contribuir na exata medida das capacidades e possibilidades de cada um. Se não houvesse dinheiro sem dúvida que havia o dever da requisição civil, sem quaisquer contrapartidas. Mas há dinheiro! Havendo (a tão falada bazuca europeia, para lá da elasticidade adicional conferida ao deficit orçamental) não faz sentido não ser aplicado onde é mais preciso e em primeiro lugar. Há quem tema pelo “enriquecimento indevido” (preocupação que deveria ser estendida a outras áreas) e é justo que assim seja. Mas tal não pode ser razão para boicotar, impedir ou dificultar o acesso aos cuidados de saúde “garantidos” na Constituição. Se o Governo tem receio de negociar no fio da navalha e sob pressão, então que opte por outros mecanismos, por exemplo, o cheque saúde, como existe em França, que permite que o Mercado funcione e, sobretudo, alarga o leque de soluções. Mesmo que o cheque só por si não chegue para o preço total do serviço pretendido pode ser a ajuda suficiente para os muitos milhares que não tendo recursos para suportar o custo integral, podem, contudo, com algum esforço, complementar eficazmente o valor em causa. Não pode é haver dúvidas sobre a real prioridade: A saúde! É para aí que devem ser encaminhados, em primeiro lugar, o sobrante de todas as outras necessidades básicas. É bom que ganhem juízo, ou que alguém lho faça ganhar, todos os que, com o cheiro a dinheiro parecem ter ensandecido. Custa a acreditar que alguém, no seu perfeito juízo, em plena pandemia e escassez de meios, venha jurar e prometer, publicamente, gastar vários milhões de euros em projetos megalómanos e de utilidade mais do que questionável, como pendurar uma ponte, no céu, com o único e ridículo intento de ver o seu nome reportado no estafado, parolo e burlesco Livro dos Recordes! Estou certo que haverá outras maneiras e formas, bem melhores, de promover turismo de qualidade e com valor acrescentado, do que pretender encaixá-lo, entre a alarvidade do maior comedor de cachorros-quentes, do mundo e a insalubridade do maior saco do lixo de comida, do planeta! Bom, raramente é sinónimo de grande! Maior, nem sempre condiz com melhor! Mas é claro que cada um é livre de escolher o que melhor combina consigo!

Juris_ prudência (O dever e o temor)

A Associação de Municípios do Douro Superior (AMDS) não tem nenhum jurista nos seus quadros. Invocou, a “ausência de recursos próprios” para entregar 74.500 euros à sociedade de advogados, AAMM, de Lisboa, em 6 de julho de 2017, para ser juridicamente assessorada e aconselhada. Invoca como justificação da opção pelo ajuste direto, a alínea a) do n.º 1 do art.º 20º do Código dos Contratos Públicos (CCP) que, estranhamente, versa sobre o Concurso Público e o Concurso Limitado por prévia qualificação. Daqui se depreende a necessidade de aconselhamento. E que aconselhamento é este? O contrato diz apenas que é “geral”. Perante um caso concreto, logo se vê. Pode ser, por exemplo: “Contrate um bom escritório de advogados!” É bem provável que tenha sido, exactamente essa a recomendação, pois o Presidente da AMDS, que é também Presidente da Câmara de Moncorvo, obediente e diligentemente, tratou de, nesse mesmo dia, entregar mais 74.500 euros ao mesmo escritório de advogados, para representar a AMDS no processo 181/16.1BEMDL, o que quer que isso seja! Convém notar que qualquer um dos dois contratos foi celebrado por doze meses e com renovação automática, até ao limite de duas vezes! Com uma interessante particularidade: feito em julho, era válido a partir de janeiro do mesmo ano! Ou seja, ao colocar a assinatura, e sem mais nada fazer, o escritório alfacinha ficou, imediatamente, credor de metade do montante contratualizado!!!! Satisfeitos, em 2019 entregaram, de novo à AAMM, mais um cheque de 90.000 euros para continuarem a usufruir da assessoria jurídica geral! O Presidente da Câmara de Municipal de Moncorvo (CMM) aproveitando o sucesso desta contratualização, conseguiu arrancar-lhes um generoso desconto: ainda em 2017, a mesma consultoria genérica, igualmente por um ano, custou à CMM, apenas 74.000 euros! É obra! Apesar de haver no quadro um licenciado em Direito e de ser jurista o autarca, a justificação continuou a ser a ausência de recursos próprios! Obviamente que ninguém deve substituir-se à liderança autárquica eleita, e é a ela que compete avaliar as necessidades correntes do município. Mas não é fácil fazer entender, ao comum dos contribuintes (que são eles, em última análise, quem paga a fatura) que os recursos próprios existentes necessitem de tamanho reforço para fazer face à reconhecida baixa conflitualidade e litigância. Tanto assim que o próprio autarca, aceitando a justeza de tal juízo, apesar da prevista renovação, deixou terminar o contrato, sem o renovar! É assim mesmo! Porém, em meados de agosto, deste ano, alegando, de novo, a ausência de recursos próprios, foi celebrado com a AAMM um contrato de assessoria por um ano, no valor de 149.000 euros!!!! A justificação para o ajuste direto advém da impossibilidade de se poderem precisar as especificações contratuais. Ou seja, quem contrata não sabe, com exactidão, o que pretende. Deve ser algo grande e grave, a avaliar pelo valor envolvido. Não é crível que seja por causa da trasladação do busto do Campos Monteiro, porque apesar do alarido feito por “meia dúzia de agitadores”, o Presidente já garantiu ter agido na total e integral observância da Lei. Quem não deve, não teme!

Os Sinais

Escrevo este texto, para publicação no Jornal Nordeste, ouvindo, na cristalina voz de Isabel Silvestre, a canção “A Gente não lê” da famosa dupla Carlos Tê/Rui Veloso. Retenho as palavras cantadas pela conhecida professora de Manhouce: “Falar o dialeto da terra, conhecer-lhe o corpo pelos sinais!” Não há outra solução para quem não conhece aprofundadamente alguns temas do que ajuizá-los e avaliá-los, pelos sinais. Conheço mal o Tribunal de Contas. Senti-me confortável na única vez que lá estive há perto de um quarto de século, a pedir apoio para o lançamento do concurso para a construção do Aterro Sanitário da Terra Quente. Conheço pessoalmente, desde que veio para a Gulbenkian, como administrador, o antigo Presidente, Guilherme de Oliveira Martins. Nada mais sei e, como tal, a minha opinião, a que tenho direito, formo-a, pelos sinais. E, confesso, os sinais que chegam não são claros. “Ai senhor das furnas, que escuro vai dentro de nós.” Insiste Isabel Sivestre. Haverá, não duvido, algumas razões que possam dar suporte à decisão de dispensar Vítor Caldeira do lugar de Presidente do Tribunal de Contas mas há, a avaliar pelas dezenas de opiniões de comentares e analistas, muitas mais para o manter no lugar para onde foi nomeado há quatro anos. Destas, sobressai, de entre as mais relevantes, a circunstância especial de estarmos em vésperas de receber da União Europeia uma contribuição avultada de verbas que carecem de execução célere para garantir a sua eficácia e a sua própria elegibilidade. É certo que a burocracia e as garantias de defesa da concorrência e do interesse público consomem muitos recursos e, sobretudo, tempo que pode, no caso corrente, prejudicar o objetivo principal. É essa a razão pela qual o Governo já anunciou um pacote legislativo para aligeirar os procedimentos e dispensar algumas formalidades. Ora se a complexidade do processo concursal foi instituída para prevenir e evitar “compadrios, clientela e corrupções” que têm, segundo o Presidente da República, de estar arredados da execução da chamada “bazuca” para combater a crise e se as alterações legais propostas irão, segundo Vitor Caldeira, fomentar o “conluio, cartelização e até mesmo corrupção”, não seria lógico aumentar e reforçar o Tribunal que controla e fiscaliza a atividade económica do setor público? Não se fortalece uma instituição de fiscalização decapitando-a de forma repentina e inesperada (toda a gente, incluindo o próprio, soube, já depois de expirado o prazo, que pela primeiríssima vez, o mandato de presidente se restringia a um único mandato), nem substituindo na sua liderança alguém com um vastíssimo curriculum nesta matéria, ao nível europeu, por alguém que, independentemente da sua competência e honorabilidade, não tem percurso profissional que se lhe compare. Justificam, o Primeiro-Ministro, repetente no cargo e o Presidente, preparando-se para o ser, que o cumprimento de um único mandato é a melhor forma de assegurar a independência dos altos dignitários. Dos que não são eleitos, acrescentam, temendo ficar mal na fotografia. Pois. Mas será que ignoram as dezenas e dezenas de posições de nomeação a que essa regra não se aplica, desde assessores, diretores gerais e regionais, chegando, inclusivamente a chefes de gabinete, secretários de estado e até ministros? Também não são eleitos para os cargos que ocupam e nem por isso estão sujeitos a tal regra! Para não falar dos “eleitos” que o são, já antes de o serem, como está a acontecer para as chefias das CCDR. E, que dizer dos que se vêm preteridos pelos escolhidos pelo governo, como aconteceu à magistrada Ana Almeida, classificada em primeiro lugar pela Comissão Independente para a Procuradoria Europeia e cujo lugar foi atribuído a José Guerra? Ecoa ainda a voz de Isabel Silvestre: “E do resto, entender mal, soletrar assinar em cruz, não ver os vultos furtivos, que nos tramam por trás da luz”

O máximo e o mínimo

S egundo Máximo dos Santos, Vice-Governador do Banco de Portugal e Presidente do Fundo de Resolução, depois do esforço já feito no auxílio ao Novo Banco, seria dramático comprometer todo o encargo já suportado, recusando as últimas transferências a que, de acordo com o contrato de venda, a Lone Star pode ainda reclamar. Pôr em risco a estabilidade da entidade bancária, sucessora do tristemente célebre BES, seria um desastre total. Será razoável que, depois de milhares de milhões de euros entregues ao Fundo Financeiro norte-americano, colocar em risco a estabilidade do frágil (apesar de tantas notícias, num passado recente, a dizerem exatamente o contrário) sistema financeiro, por menos de uma injeção inferior a mil milhões? E que, ainda por cima, será a última? Porque não se entrega aos gestores do Banco a totalidade do valor acordado e se enterra de vez o problema? Porquê andar agora a levantar ondas, com a praia á vista e com a fundada expectativa de acabar de vez com a sangria com que os recursos públicos tem sido castigados nos últimos anos? Pois se o contrato de venda já previa essa possibilidade... Assiste alguma razão, a Máximo dos Santos... mas não toda! Por duas razões. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que são coisas muito diferentes prever uma possibilidade e estabelecer uma inevitabilidade. Se o contrato de venda previa compensações que poderiam, no pior dos cenários, atingirem um determinado valor é porque ambos, comprador e vendedor, concordaram que, sendo esse um possível limite, havia várias outras perspetivas, inferiores a tal montante. Por outro lado, e bem mais importante, a “ameaça” ou mesmo perspetiva fundada de uma falha de pagamento, previsto e autorizado, provocar grave distúrbio ao Banco e ao sistema onde está inserido não pode servir de justificação para que tal seja aceite de forma imediata e acrítica. Seja dramático ou não, esteja previsto ou não, o pagamento só poderá ser devido se, devidamente justificado. É preciso estar seguro que as complexas operações e justificações que servem de base para a reclamação de mais uma e generosa injeção de capital, são verdadeiras, honestas e razoáveis. Seja qual for o risco associado à recusa de pagamento, o mínimo que o senhor Máximo deve fazer é garantir que a fiscalização do Fundo a que preside e cujo capital é suportado pelos contribuintes, é efetiva, adequada e exigente, independentemente das suas consequências. É certo que quer o Presidente do Banco, quer o próprio Lone Star já vieram garantir que todas as operações efetuadas, mesmo aquelas que custam a compreender, a entender e, sobretudo, engolir, foram visadas e autorizadas pelo Fundo de Resolução. Pois é, mas isso só serve de justificação válida se o tal Fundo, presidido pelo senhor Máximo, pelo menos assegura o mínimo, na defesa intransigente e completa dos interesses dos cidadãos. Se o faz, então que o demonstre... Porque também aqui se aplica o milenar aforismo da mulher de César... Principalmente depois de a pergunta mais óbvia e natural, que anda na boca de toda a gente, políticos, financeiros, estudiosos e especialistas, obtém do responsável pela fiscalização porque se não fiscaliza, então a aprovação é uma mera assinatura de cruz e não pode servir de justificação da justeza e adequação) obter como resposta um claro “não sei nem poderei saber, eu não sou o Sherlock Holmes...” Pois se não é, contrate quem seja. De outra forma que garantias temos que a solução proposta e cujo preço preenche, na totalidade, os requisitos do pior dos cenários... é adequada e inevitável, necessária a impedir o desastre total da operação que, desde sempre foi garantido ser a única que não traria qualquer encargo para os contribuintes?

Notícia, Boa ou Má?

Acaba de ser divulgada a notícia da suspensão dos ensaios clínicos de uma das mais promissoras vacinas contra o Coronavírus. Fica assim prejudicada a expectativa de ter no mercado, num espaço de tempo relativamente curto, o fármaco desenvolvido pela farmacêutica AstraZeneca em colaboração com a Universidade de Oxford. Parecendo ser uma má notícia, não o é, na verdade. Esta suspensão deveu-se ao aparecimento de uma séria reação adversa num dos voluntários que participam no teste. Não se sabe ainda se o problema de saúde que afetou o participante se deve ou não a um efeito direto ou secundário da inoculação a que foi sujeito. Pode acontecer que o que lhe aconteceu tenha outras causas e em nada seja devido ao novo medicamento. Nesse caso, logo que tal seja inequivocamente apurado, os testes podem prosseguir. Perde-se com isto algum tempo, precioso, é certo, para os investidores que podem ver outros concorrentes a passarem à frente e, igualmente, para os políticos que veem retardar o tão ansiado momento em que possam anunciar o início de uma nova era, progressivamente mais segura e de maior confiança. Quer uns, quer outros, hão de considerá-la uma má notícia. Mas para os utentes e destinatários esta é, sem qualquer dúvida, uma boa notícia. Qualquer que seja o desfecho deste incidente de percurso. Se o percalço foi estranho ao produto em desenvolvimento, o que se perde em tempo, ganha-se em confiança. Por maior que seja a pressão que quer os dirigentes quer os financiadores coloquem sobre os cientistas e técnicos, o que, em resultado do seu árduo e precioso trabalho, sair para o mercado, cumpre todas as regras e precauções. Se, pelo contrário, a nefasta ocorrência está de alguma forma relacionada com a vacina em desenvolvimento, então é bom parar para saber o quê, em concreto afeta, ou pode afetar, a saúde e a integridade dos que a vierem a tomar. É bom ter em conta que, mesmo que haja uma relação direta entre as duas situações, tal não implica, de imediato, o abandono dos estudos e testes. A grande maioria dos medicamentos têm efeitos secundários indesejáveis como, aliás, vem expresso na bula que, obrigatoriamente os acompanha. Não é dramático desde que se saiba quais são, em que medida e com que percentagem, acontecem. É essa, precisamente, a função dos ensaios clínicos de nível 3, como os que estão a ser levados a cabo, no caso em apreço. É para nossa segurança que as autoridades fiscalizadoras dos medicamentos só autorizam a comercialização, de qualquer um deles, depois de passadas todas as fases de desenvolvimento. Para que um fármaco chegue ao mercado tem de, primeiro, ser devida e exaustivamente testado em animais (fase pré- -clínica) só entrando no desenvolvimento clínico se nada de grave for detetado. Começam então os ensaios clínicos, de fase 1, para perceber a sua interação com o corpo humano. Na fase 2, ao mesmo tempo que se aumenta o conhecimento sobre a segurança, avalia-se a eficácia e determina-se a dose mais adequada. A fase 3, mais extensa e prolongada destina-se a comprovar a eficácia, em comparação com outros produtos do mercado. É também apurada a relação entre o benefício e o risco e só quando esta é claramente positiva é que se pede a autorização para introdução no mercado. A fase 4 é posterior e acontece com o medicamento já em uso embora se debruce também, entre outros, sobre a sua segurança. A suspensão dos ensaios, noticiada, para todos nós só pode ser uma boa notícia. Esperamos que a ela venha uma outra ainda melhor: a reação detetada não foi provocada pela inoculação da vacina ou, sendo-o, não é grave nem pressupõe um risco elevado. Entretanto, por maior que seja a ansiedade com que se espera a tão almejada vacina, devemos estar confiantes: há de vir quando for segura e eficaz, independentemente das eleições americanas, da propaganda russa ou da vontade de António Costa.

Senhora da Assunção

No verão, muito mais do que no inverno, chegam saudades da Terra Quente Transmontana. Este ano, por causa da Covid, são maiores, compreensivelmente, por ter feito muito menos visitas. A receita é clássica e tem já vários anos: aproveito os momentos de lazer para ler os bons autores do nordeste. João de Sá é um dos eleitos. 
A prosa do escritor vilaflorense é de leitura muito agradável e muito poética. A minuciosa descrição da paisagem, dos edifícios e dos vários intervenientes está recheada de metáforas e de várias considerações pessoais emocionadas e de enorme sensibilidade. Não lhe conheço (ainda) a obra toda mas as “Últimas Memórias” é, sem dúvida, das que li, a mais elaborada e envolvente. São variados os quadros vivos que desfilam pela pena do autor remetendo-nos para as suas lembranças de Vila Flor, desde a meninice até há poucos anos atrás, com uma sensibilidade realista, transportando-nos para o passado recente de muita gente da vila da Flor de Lis. Leio-o e sinto, inevitavelmente, nas minhas costas a presença do anterior autarca de Vila Flor, Artur Guilherme Vaz Pimentel, sussurrando-me ao ouvido: “Ó engenheiro, ora leia, ora leia... Isto é tão lindo!”. Foi ele que me deu a conhecer o poeta e narrador João de Sá, com os seus elogiosos e contagiantes comentários. O escritor faz-lhe justa homenagem, nas suas memórias, enaltecendo o genuíno e empenhado labor do saudoso Presidente da Câmara em prol da cultura. Porque esta, como muito bem refere, não se inventa nem se compra; vive-se e partilha-se. A memória de hoje versou a grandiosa romaria da Senhora da Assunção. Lembrei-me, a propósito, do livro “A Romaria do Cabeço” escrito pelo meu tio padre Joaquim da Assunção Leite, igualmente com o patrocínio da autarquia de Vila Flor. Complementam-se. O padre Leite relata-nos a participação na festividade, pelo lado de dentro, pelos olhos dos devotos e romeiros, enquanto João de Sá nos retrata a vila que, na véspera, saía à rua para ver a alegre, festiva e ruidosa chegada dos ranchos de populares, na madrugada seguinte assomava às janelas para lhes observar o cansado regresso e que, no próprio dia, ficava deserta pois todos os moradores, com raríssimas exceções, a 15 de agosto, rumavam ao monte sobranceiro a Vilas-Boas para homenagear a Virgem Maria. 
Por razões que não vale a pena esclarecer, conheço bem esta segunda visão. Durante muitos anos vi, nesse festivo dia, despovoar-se completamente a minha aldeia. A povoação acordava depois, languidamente e cansada, ao som das cornetas de plástico que os mais novos insistentemente tocavam, sem parar. 
Em conversa recente, com
o meu tio, soube da apreensão com que este ano se preparou a festividade. Soube, posteriormente, dos cuidados e das enormes restrições com que, apesar de tudo, se realizou a mais importante romaria transmontana. A Covid veio fazer a súmula dos dois textos, sem poesia, sem qualquer consideração pela fé do povo, sem qualquer pingo de humanidade. 
Sinais dos tempos.

 

O Problema

A propósito das inaceitáveis ameaças a deputadas e dirigentes de associações cívicas foram recordadas as recentes declarações de Rui Rio, sobre o Chega e de uma possível ou eventual coligação futura com o partido de André Ventura. Foram vários, aliás, os comentários, vindos de todo o lado, inclusive de dentro do seu próprio partido, sobre as afirmações do Presidente do PSD que, à luz da insinuação de Catarina Martins, questionado pela Comunicação social, alegou manter o que dissera a Vítor Gonçalves, na entrevista da RTP3. Há, nelas, três aspetos a considerar. Em termos políticos são, já ninguém duvida, um erro. Dar ao Chega o estatuto que não tem só pode beneficiar o partido da extrema-direita. Branqueia a atuação do seu líder e credita-lhe uma exagerada e inexistente importância eleitoral. Contudo, formalmente, na sua generalidade, as afirmações do antigo Presidente da Câmara do Porto, estão corretas. Diz que o PSD está onde está e não tem que se deslocar para lado nenhum e que, para haver qualquer entendimento, terá de ser o Chega a abandonar determinadas atuações e princípios. Rui Rio que veio para recentrar os sociais democratas não está a puxá-los, agora, para a direita. Não se entende esta referência explícita ao extremismo quando tem à sua direita um partido que ocupa essa área com prática e ideologia total e completamente compatível com o regime democrático saído do 25 de abril de 1974. É verdade contudo que, em entrevistas, nem sempre se diz tudo o que se quer e não se pode deixar de responder às questões colocadas pelo interlocutor. Admitindo a correção formal, genérica, da resposta de Rui Rio, há nesta, contudo, um pormenor que faz toda a diferença. E, para não ser injusto para com o líder do meu antigo partido, vi e revi a sua alegação final, sobre o assunto. Disse, ipsis verbis: “Se o Chega continuar numa linha de demagogia, de populismo, da forma como tem ido, está aqui um problema porque aí não é possível, efetivamente, um entendimento com o PSD”. O líder laranja deve esclarecer bem, afinal que problema é este. Se o PSD vai manter-se onde está e vai recusar qualquer diálogo com a sua direita mais radical, enquanto esta não mudar de discurso e de objetivos, é natural que não haja qualquer hipótese de entendimento. É a consequência expectável do percurso das duas formações partidárias. Não tem de ser um problema, mesmo que tal circunstância possa ser o único obstáculo para abrir, ao portuense, as portas do palácio de S. Bento. Há ainda quem, no PSD, venha reclamar que quem aceita acordos com a extrema esquerda não tem moralidade para criticar igual atitude à direita. Extremismos são extremismos, é verdade. Não são recomendáveis nem são, como é sabido, a opção da esmagadora maioria do povo português. Não são, igualmente, a minha opção. Não subscrevo nem apoio a organização política e social defendida pelos partidos marxistas muito menos a tomada de poder. Mas não receio a sua benéfica influência junto de quem governa. Apesar de não contarem com a minha militância política, são várias as iniciativas, missões e propostas que, vindas dessa área, merecem a minha total concordância. Não encontrei ainda nenhuma, na área do Chega, que me desperte qualquer simpatia.

Arrogância (grave e pouco inteligente)

A história é simples e descreve-se em poucas palavras. Começou alguns dias antes da chegada da pandemia e terminou em plena fase de confinamento. Não tendo importância bastante para se impor a outros assuntos que, entretanto, foram surgindo, contém em si matéria suficientemente grave para impedir o seu esquecimento. Havia, desde há mais de uma dezena de anos, uma regra do conhecimento de todos e nunca quebrada e que determinava que todas as edições literárias produzidas por munícipes de determinado concelho, tinham direito a apoio municipal. Naturalmente, o editor abordou o Presidente da Câmara solicitando a normal contribuição municipal para a divulgação de várias obras que preenchiam os requisitos. O autarca concordou, de imediato, com todas as propostas com exceção do livro escrito por um determinado autor. Ao saber do sucedido, o visado dirigiu-se por e-mail ao autarca pedindo explicações. Este mandou um responsável da autarquia responder que os apoios culturais estavam cancelados por causa da pandemia, entretanto instalada. Há, pelo menos, três aspetos e relevar desta situação. 1 – Como a recusa foi feita com base no nome do autor e não em qualquer análise da sua obra (ainda não tinha sido lançada, nessa altura) o gesto configura manifesta censura baseada em suposto delito de opinião. Queria, provavelmente, “prejudicar” o escritor, mas a penalização afeta sobretudo o editor, pequeno empresário do mesmo concelho. Peca, sobretudo, por falta de inteligência. Qualquer pessoa com dois dedos de testa facilmente concluiria que esta era uma oportunidade única de colocar nos ombros uma capa de democrata, mesmo não o sendo (até porque a promessa poderia ser deferida para a altura que mais lhe conviesse). Desperdiçar essa possibilidade revela, sobretudo, pouca esperteza mas, infelizmente, há pessoas para quem, qualquer avaliação positiva, mesmo que modesta, arrisca-se sempre a ser exagerado. 2 – Decidindo furtar-se a dar, na primeira pessoa, uma justificação, qualquer que ela fosse, sobre uma decisão pessoal a discricionária, mostra, não só o incómodo que a situação lhe causou mas, mais do que isso, evidencia a cobardia de quem não é capaz de assumir os próprios atos, escondendo-se atrás de quem não se pode deixar de obedecer às “ordens superiores”. Episódios passados denunciam não ser este um episódio fortuito. É bom não esquecer que o que foi questionado por e-mail não foi a recusa da concessão de apoio mas quais as razões para a exclusão com base apenas no nome do escritor. 3 – Mas, o pior de todo este episódio reside na exibição, sem pudor, nem recato, da determinação, por parte de quem ocupa um lugar de eleição democrática, de usar, a seu bel prazer, os recursos públicos que jurou gerir responsavelmente e com equidade. Se mesmo sabendo que o episódio dificilmente deixaria de vir a público (admitir o contrário seria diminuir-lhe a capacidade intelectual a um nível inimaginável), não se coíbe de assumir, que usará ou deixará de usar os fundos municipais em função dos seus humores pessoais e das suas considerações subjetivas e distorcidas é de uma gravidade enorme. Em qualquer altura. Muito mais no dealbar do ano de eleições!