José Mário Leite

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Os Algoritmos

Recentemente, no tampo da minha secretária, estava um pedido de autorização para a aquisição de um sofisticado software para o aumento de capacidade de processamento do equipamento instalado no Laboratório de “Machine Learning” da Fundação Champalimaud. O quarto lugar no ranking mundial das instituições sem fins lucrativos, na área da Inteligência Artificial exige um investimento contínuo e ao mais alto nível. Obviamente que a classificação atribuída pela prestigiadíssima revista científica Nature, enche de orgulho todos os portugueses, bem como todos os colaboradores da Champalimaud, especialmente toda a Unidade de Investigação. Os resultados obtidos por instituições de investigação independentes, nesta área, são também motivo de alguma tranquilidade numa área que, devido à sua expansão e existência consistente em variadas áreas da vida contemporânea, não deixa de originar algumas preocupações. Muito mais do que imaginamos é já analisado, classificado e até decidido, com base em algoritmos residentes em supercomputadores. Foi notícia, o papel destas ferramentas informáticas no processo de despedimentos da TAP e isso tem de ser motivo de preocupação e reflexão. Porque este uso não está ainda regulado e, o estado da arte, atual, sendo já muito evoluído, tanto que tem enormes capacidades de processamento e elaboração, não o é, suficientemente, para estar, garantidamente, imune a erros grosseiros e perigosos. Um algoritmo é, na prática, um conjunto de instruções predefinidas que permitem chegar a um determinado resultado. São usados desde os primórdios da computação pois são a base da operação dos sistemas informáticos. Os recentes desenvolvimentos de software e a abundância de enormes bases de dados vieram permitir que a própria máquina não se limitasse a seguir um guião totalmente definido, mas pudesse aprender, imitando o comportamento humano, analisando milhões de casos documentados nas gigantescas memórias digitais. Mas, a aprendizagem por comparação, sendo um salto enormíssimo neste processo não garante, ainda, uma confiabilidade elevada. Os exemplos multiplicam-se existindo até uma página de internet dedicada aos fracassos. Um dos casos relatados trata da identificação de maçãs, por um programa de computador. O algoritmo é alimentado com milhões de fotografias de belas e diversas maçãs vermelhas e também de vários milhares de imagens de outros frutos. A máquina aprende e identifica todas as maçãs vermelhas mas, quando lhe é apresentada uma maçã verde... classifica-a como pera, por causa da cor! Contudo, a Inteligência Artificial é já usada no dia a dia, sendo o exemplo mais corrente o reconhecimento facial de alguns “smart-phones”. Mas é também uma ferramenta de trabalho em Bancos, Companhias de Seguro e Empresas de Seleção e Recrutamento. Nada nem ninguém obriga essas instituições a assegurarem a fiabilidade de tais processos, nem sequer a informar os utentes do seu uso e qual o grau de envolvimento na decisão final. Esta utilização discricionária, por empresas privadas, cujo objetivo principal é o lucro, é assustadora pelas consequências sociais que pode acarretar. Mas se o objetivo, para além do sucesso comercial e financeiro for político, pode ser ainda pior. Para agravar os receios desta situação, notícias recentes garantem que a China lidera a investigação nesta área bem como o seu uso pelo estado ou companhias controladas pelo poder público, o que é, mais ou menos o mesmo. Ora se o aproveitamento destas tecnologias pelos agentes do mercado pode e deve causar preocupação, se estiverem ao serviço de poderes políticos opacos e com pouco escrutínio público, devem ser motivo de inquietante temor.

O sentido do voto

O ato eleitoral do próximo dia 26 não é nenhum referendo, não é nenhum plebiscito, não é nenhum exame popular sobre a atuação pretérita dos atuais autarcas, se candidatos. O que se vai escolher, no último domingo de setembro é a proposta de futuro que melhor se adequa aos justos anseios e às justificadas aspirações, dos cidadãos, a que responde com eficácia às suas preocupações e que pode resolver ou minorar as enormes dificuldades que, por todo o lado, mas muito especialmente, no interior, ensombram a vida quotidiana. É o futuro, só o futuro, que interessa. Não é o passado. Então, porque é nos debates e na campanha, sobretudo dos incumbentes, se insiste, se fala tanto, quase se reduz, em exclusividade, à análise dos mandatos anteriores? Porque é difícil discutir, fundadamente, o desconhecido futuro quando se tem à mão o passado que, mesmo podendo ser mais ou menos mascarado, não é possível ocultá-lo na sua plenitude. Houvesse uma bola de cristal... Mas não há... A vida é uma estrada se que percorre sempre pela primeira (e única) vez. Ninguém sabe o que nos espera para lá da próxima curva. Porém, quem viaja numa viatura, pelo andamento da mesma, pela configuração do caminho e, sobretudo, pelo comportamento do condutor, com alguma facilidade prevê qual a trajetória previsível na abordagem ao próximo meandro. É verdade que o despiste iminente pode ser salvo, no último minuto, por ação dos travões, mas isso, quando falamos de limitação de mandatos, é um artifício que aparentando salvífico, pode, pelo contrário anunciar a fatalidade, como adiante veremos. Todas as viagens contemplam riscos e peripécias. Mas quando todas nos caem em cima, fica pouco espaço para a esperança, para a condescendência, para a concessão de mais uma oportunidade. Numa competição nem todos podem ficar à frente e, necessariamente, alguns terão de ocupar o último lugar. Mas quando a tendência é sempre descendente, quando nada melhora e tudo piora o melhor é pensar seriamente em mudar de vida. Se, por acaso, o oitavo ano, de um executivo qualquer, apresentar melhorias significativas, há que desconfiar. Tal como o quarto, isto pode resultar da proximidade de eleições. O que é compreensível e não seria necessariamente mau... se no final do terceiro mandato se submetesse, de novo, a sufrágio... coisa que a lei não permite! Qualquer autarca que, nos dias de hoje, apresente como principal trunfo a diminuição da dívida camarária, é alguém do passado, é alguém que ainda vive nos tempos da famigerada troica! A dívida municipal não é, necessariamente, um malefício. Se for para suportar despesa corrente ou injustificado desperdício é, sem dúvida má. Mas se for para financiar investimento necessário e gerador de mais-valias para os munícipes, só pode ser boa. Mas, se a diminuição da dívida permitir à Câmara, diminuir o prazo médio de pagamento, não é louvável? Depende. Se a maioria dos fornecedores for do concelho, obviamente que sim. Mas se a maior parte dos pagamentos for para empresas fora de região ou mesmo da capital, já não me parece que haja nisso grande virtude, do ponto de vista dos eleitores. Não tenho a menor dúvida que o benefício municipal seria superior se “o preço a pagar” por um reforço significativo das compras dentro do concelho fosse um agravamento razoável do prazo médio de pagamento.

Defesa de Graça

Na altura em que escrevo esta crónica espera-se que se complete o ciclo vacinal, no que à primeira dose diz respeito, com a vacinação de mais de cem mil jovens, a maioria deles entre os 12 e os 18 anos. Esta faixa etária esteve fora dos planos de vacinação até há bem pouco tempo. E bem. Apesar de parecer a toda a gente que seria um passo lógico, necessário e indispensável para a tão ambicionada imunidade de grupo, apesar de, provavelmente, a cidadã Graça Freitas pensar como a maioria dos cidadãos, a Diretora Geral de Saúde esperou, como devia esperar, pela evidência científica necessária para validar a decisão que, podendo ter acontecido mais cedo, veio no tempo certo e adequado. Mas, nem mesmo assim se livrou de ser, mais uma vez, o bombo da festa da imprensa, dos “especialistas” e dos opinadores, a começar pelo próprio Presidente da República. Veio Sua Excelência lembrar que já tinha advogado a vantagem no uso de máscara facial, meses antes de ser tomada tal decisão. Esqueceu-se, convenientemente, de outras situações em que as suas capacidades preditivas, com base na sua inegável inteligência analítica e dedutiva, foram menos certeiras (quem não se lembra da “necessidade/conveniência” em salvar o Natal de 2020?), mas, mesmo que, até nessas alturas, tivesse acertado no alvo, continuava a faltar-lhe razão para reclamar qualquer clarividência nesta matéria. O tempo em que o rei alinhava a realidade com a sua visão, a lei com a sua palavra e a justiça com o seu julgamento, já ficou há muito, perdido na escuridão civilizacional da Idade Média. E, desse tempo, há vários relatos fidedignos e documentados de acertos providenciais no diagnóstico de doenças e de episódios em que mezinhas caseiras e de circunstância salvaram a vida a alguns dos seus autores por delas resultarem curas miraculosas de gente importante da sua época. Mas não há, porque seria impossível descrevê- -las a todas, relato das incontáveis vítimas dos pareceres “sábios” dos curandeiros da época e que, em muitos casos, “viam”, antes dos outros o que, estando à vista de todos, afinal era algo bem diferente e que só a ciência veio, mais tarde, revelar. O que ao comentador Marcelo Rebelo de Sousa poderia ser criticável, mesmo que aceitável, não é facilmente admissível no Presidente da República. Para além de que a intuição do seu ocupante, podendo ser útil em questões meramente políticas, é perigosa se extravasar as reais competências da instituição Presidência. Além de que não lhe fica nada bem ajudar ao foguetório mediático de bombardear a institucionalista (e bem) Diretora Geral de Saúde. Que tem estado bem, mesmo quando as suas ações não foram as mais adequadas, quando vistas à posteriori, mas que eram as necessárias na altura. E que por isso mesmo nos dão a confiança de acerto generalizado, de acordo com o que eram as certezas de então, ao contrário de quem anda ao sabor da opinião geral e generalizada tendo frequentemente de ziguezaguear para corrigir porque as decisões políticas foram, muitas vezes erradas ao passo que as técnicas, podendo ser, eventualmente, tardias, foram sempre na direção correta. O mal esteve quando a política se impôs à evidência. Recentemente ultrapassámos um milhão de infetados pelo Covid19. De todos os que vieram zurzir na Diretora Geral de Saúde quando foi anunciada esta possibilidade, obrigando-a a mascarar o seu parecer, devidamente fundado, como ficou demonstrado, nenhum, absolutamente nenhum veio a público retratar-se e muito menos pedir desculpa à cidadã Graça Freitas pelo que então dela disseram e pela afronta que lhe causaram. Marcelo condecorou, e bem, o vice-almirante Gouveia e Melo. Este no seu agradecimento não se esqueceu de referir que o seu trabalho se pautou sempre pela fidelidade ao determinado pelas autoridades de saúde. Ficava bem, ao Presidente da República, elogiar igualmente a DGS, na pessoa da sua competente e dedicada Diretora.

A Bala de Prata

Nos saudosos anos setenta havia em Bragança um funcionário camarário, encarregado da limpeza urbana, que cuidava do Jardim António José de Almeida, onde tinha um abrigo onde recolhia os seus instrumentos de trabalho e onde, igualmente, guardava uma grande caixa de madeira que, com frequência, trazia para um patamar intermédio das escadas por onde se acedia ao espaço ajardinado a partir da rua da República. Suponho que esses momentos lúdicos acontecessem nos seus tempos livres mas, na altura, não me ocorria que isso pudesse ter alguma relevância e depois de tanto tempo já não consigo lembrar-me. O sr. Francisco, de alcunha o Nairéco, segundo o Estácio Araújo que é a melhor e mais credível fonte desses tempos brigantinos, era famoso pela fabulosa coleção de livrinhos de bolso de cowboys, da coleção “Seis Balas” que se compravam por cinco coroas no quiosque junto à escadas do antigo liceu e que, uma vez lido, se podia trocar por outro do enorme espólio guardado, religiosamente, na tal caixa de madeira, com fechos metálicos. Muitas vezes era troca por troca, mas nem sempre. Havia alguns que, para lhes aceder era necessário entregar dois e às vezes três. Eram títulos míticos e muito disputados. Não consigo, a esta distância, recordá-los com precisão, lembrando-me que, mais raro e valioso que o “Duelo ao pôr do sol” era o inatingível “A Bala de Prata”. Saltava-lhe das mãos, mal se predispunha a fazer uma troca.

– Quero esse! – diziam-lhe, com frequência!

– Este? Nem que me desses três em troca! – respondia a rir-se!

– Este é o Bala de Prata!

Para os que desconhecem a mitologia daquele tempo (desconheço se continua a ser assim), a bala de prata é um projétil mítico que, quando devidamente disparada mata monstros, bruxas, lobisomens e outros adversários muito poderosos. Não li o livrinho nem conheci ninguém que, para além do Nairéco lhe tivesse acedido. Um deles terá afirmado que já lera o “seis balas de prata” mas o sr. Francisco desvalorizou logo. Tal como o livro, a bala de prata, ali romanceada, era única.

– E se falha à primeira? – questionou-o um colega meu que também andava no S. João de Brito.

– Pois! – afirmou perentória e misteriosamente o funcionário público.

– Só se lhe prender um baraço para depois a poder trazer de volta – caçoou.

Recebeu como resposta uma sonora e escarnecedora gargalhada.

Recordo este episódio, com meio-século de vida, observando a forma como alguns políticos da nossa praça resolvem “responder” a diversas, variadas e relevantes críticas, perguntas e sugestões que lhes vão chegando por cidadãos interessados e empenhados na administração da coisa comum. À falta de arsenal adequado colocam no tambor do revólver o que julgam ser uma bala de prata com a esperança que com a sua utilização possam atingir “mortalmente” o(s) opositor(es) e assim se furtarem de vez às explicações, justificações pedidas e devidas.

O problema é que, apesar de guardada por tempo razoável, à espera da melhor oportunidade, uma vez disparada, o alvo foi completamente errado e o efeito foi nulo. Em vez de procurarem outros apetrechos de defesa e/ou de ataque, devem ter optado pela disparatada “solução” do meu colega, provavelmente ataram um cordel na mesma para a recuperarem, uma vez usada, porque continuam a metê-la na câmara e a pressionar o gatilho. E pedem aos correligionários mais subservientes que façam exatamente o mesmo, sem se aperceberem do ridículo de continuarem a usar um projétil já gasto e, por isso mesmo, absolutamente inofensivo.

Esta insistência, persistência, e obsessão chega a ser penosa. O que pode justificar tal teimosia e obstinação? Desespero perante a proximidade das eleições?

É confrangedor.

Ao náufrago, qualquer pedra lhe parece uma boia.

Reflexões no nordeste

A visita mensal à terra natal é sempre motivo de observações e reflexões, depois de rever sítios e pessoas, relembrar paisagens, cheiros e sabores. De entre vários e variados, três delas ganharam estatuto para figurarem nesta crónica:

1 - Lares – Muito se falou nos lares e nem sempre pelas melhores razões. Com ou sem razão. Depois dos surtos e demais peripécias é altura de relevar, com inteira justiça, o inestimável serviço que estas instituições têm prestado a toda a comunidade e não só ao grupo sénior. Razões pessoais levam- -me a testemunhar e a agradecer, publicamente, o empenho, profissionalismo e dedicação de todas as pessoas, sem qualquer exceção, com quem tenho tido o privilégio de contactar e interagir nestes meses mais recentes.

2 - Caça à multa – A Junqueira foi, na última década, conhecida, por muitos automobilistas pelas notificações que lhes chegavam a casa dando conta do excesso de velocidade que, quase naturalmente, aconteciam no troço do IP2 que ali tem início. Era quase automático o pisar no acelerador, ao abandonar a mais estreita e sinuosa Nacional 102. Com o tempo os condutores “aprenderam” a moderar o impulso e o limite dos 90km/hora passou a ser respeitado, na generalidade. Implicando, obviamente, uma diminuição das receitas. Eis se não quando, subitamente, o limite máximo foi reduzido de 90, para 70. Porquê? Não há qualquer justificação razoável. É uma reta, afastada dos cruzamentos (onde se pode circular a 90) e não há registo de qualquer acidente ou situação menos segura que ali tenha ocorrido. Alguma razão haverá, provavelmente, mas não se vislumbra, outra que não seja a, injustificada, caça à multa!

3 - O Vale da Morte – Quem estiver minimamente familiarizado com as técnicas e processos do tão falado e procurado empreendedorismo sabe bem que para dar vida e futuro a uma startup ou mesmo a uma spinoff, sendo necessária uma boa ideia e um adequado planeamento suportado e sustentado, de nada valerá se a concretização do projeto fundador não conseguir ultrapassar a fase a que se chama, justificadamente, o Vale da Morte. Daí que de pouco adiantam os gabinetes de empreendedorismo, agora tanto em voga, se não tiverem o devido enquadramento de fundos de Capital de Risco e/ou de Business Angels, razão da sua modestíssima prestação. Que mal compare, algo de parecido se passa na gestão autárquica onde o Vale da Morte dá pelo nome de Processo Eleitoral. De pouco vale o reconhecimento ou certificação de competência para a gestão municipal de qualquer candidato se este não conseguir passar, pelo crivo das eleições. Pela mesma razão que continuará a haver velhas, desatualizadas e pouco sustentáveis empresas a quem novas, inovadoras e rentáveis pequenas empresas não conseguem tirar o mercado, por não terem sido capazes de ultrapassar o nó górdio da afirmação ou conquistarem o apoio capitalista necessário, igualmente vai haver autarcas, ultrapassados e incapazes de acrescentar valor aos respetivos municípios nem de melhorarem o nível de vida dos munícipes que conseguem resistir à competição de novos agentes, mais ágeis, competentes e inovadores ... não por falta de qualidade destes mas, simplesmente, pela incapacidade (própria, alheia ou simplesmente circunstancial) de gerirem adequadamente o ciclo político prévio e necessário.

Pedro, o Lobo, os Lagos do Sabor e o Coelho da Páscoa

O projeto dos Lagos do Sabor é do melhor que apareceu nas Terras Transmontanas. Tive conhecimento dele apenas em 2016 por causa de uma entrevista que o Presidente da Câmara deu à revista “Passear” e fiquei rendido à qualidade, inovação e potencial que apresentava. Surgiu-me, de imediato, uma dúvida. Tendo sido este projeto completamente desenvolvido, desenhado e esquematizado no mandato do Aires Ferreira que, durante a campanha anterior falou, legitimamente, de todas as mais valias que tinha trazido para o concelho, por que razão não o publicitou? Não tive oportunidade de lho perguntar mas deduzo que era do interesse municipal que tal anúncio se fizesse quando houvesse garantias da sua concretização. O sentido de utilidade pública remeteu-o ao silêncio, mesmo com prejuízo pessoal. Assim fossem outros. Quando foi anunciado, pela primeira vez, em 2016, como referi, supus que a sua implementação estaria para breve, pelas razões aduzidas. Não aconteceu! Tendo tido conhecimento do seu anúncio “oficial” e formal, em junho de 2018, fui, propositadamente, à Torre de Belém para participar no lançamento de tão elevado desígnio. Para meu espanto e desalento, a cerimónia não teve o impacto que merecia (espaço muito exíguo, poucos convidados, impressa ausente), apresentando um filmezinho razoável, teve como nota de realce um belo discurso do Presidente da Câmara de Moncorvo. Disso dei conta, em tom elogioso, na imprensa distrital. Agora é que era. Mas não! Não aconteceu nada de relevante, Houve umas tentativas de os levar a inscrever no Livro dos Records, com iniciativas de gosto duvidoso e nem isso resultou apesar da campanha, em má hora, levada a cabo. Tal como na conhecida história de Pedro e o Lobo, quando for feito o anúncio do verdadeiro e genuíno empreendimento, com os barcos-casa e as casas palafitas podem os verdadeiros interessados estarem já tão desconfiados e desiludidos das anteriores proclamações que não lhe liguem nenhuma. Assim se perdendo o melhor projeto turístico que, na última década, nasceu no nordeste! Para piorar andam agora a vender uma ideia, engraçada, e com algum sucesso, noutras paragens, baseada na instalação de baloiços em alguns dos pontos estratégicos. Parece que, em número e com resultados concretos para a economia local, muitíssimo inferiores aos esperados para um projeto daquela magnitude. Provavelmente satisfaz quem não consegue, consequentemente, ambicionar e ser capaz de concretizar um pouco mais. Faz-me lembrar alguém que tendo ovos de ouro que, não os conseguindo vender, enquanto tal e pelo seu real valor, no curto prazo, resolve pintá-los com motivos coloridos, como se fossem meros e simples ovos da Páscoa pois são esses que estão a ter sucesso de venda, na banca mais próxima!

Excelente? Oh diabo!

O sonho de qualquer político é ver repetida, por todos, uma frase da sua autoria... exceto se a mesma, em vez de ser um troféu for antes uma proclamação falhada ou que o tempo se encarrega de demonstrar ser, claramente, um erro. Foi assim com Passos Coelho quando ameaçou com a vinda do Diabo e a geringonça se veria em tais apertos que tudo quanto o governo fizera até então teria de ser, inexorável e vingativamente, revertido. António Costa e todos os seus apoiantes e seguidores repetiram, até à exaustão, que continuavam à espera do mafarrico, cada vez que o seu antecessor criticava o que quer que fosse na atuação governamental. Tivesse o social-democrata nervos de aço, como se espera de um estadista, e tendo aguentado até março de 2020, poderia reclamar a chegada do belzebu, vindo do oriente, em forma de coronavírus. Contudo, é óbvio que não era este o tipo de efeito anunciado pelo anterior primeiro-ministro. Dado que, reconhecidamente, não tem poderes divinatórios, foi vítima do excesso de confiança, de uma análise errada e, sobretudo, da ausência da necessária prudência. Que venha o primeiro político a atirar uma pedra! Excesso de confiança (a raiar a arrogância), erro claro de análise e total imprudência levou o atual ocupante de S. Bento a qualificar como excelente o atual ministro da Administração Interna, julgando, com isso, estancar a avalanche de críticas de que estava a ser alvo. Excelente, porquê? Porque assim o entende António Costa que tem o direito de fazer a avaliação pessoal que muito bem entender. Contudo Eduardo Cabrita não é um assessor ou consultor da Presidência do Conselho de Ministros cuja competência deveria ser ajuizada pela chefia governamental e pronto. O governante é mais que isso. Sendo ministro, a sua atuação tem de ser positiva não só na perspetiva do chefe do governo, que, sendo imprescindível, não é suficiente pois que o que faz, bem ou mal, tem boas ou más consequências para o povo português que é quem deve superintender a todos os desígnios da administração pública. Não sendo excelente, porque, obvia e objetivamente, não é, vai cometer falhas e a cada falha do seu amigo, companheiro político e camarada de governo, António Costa vai ouvir a repetição enfática, corrosiva, acintosa de que aquele “belo serviço” é obra da excelência do seu Ministro da Administração Interna. O caricato é que se está mesmo a ver que a distância para a excelência é tão grande que o próprio Primeiro Ministro discorda da sua própria avaliação. E, sendo um dos políticos mais experientes no ativo deveria estar devidamente avisado para este tipo de deslize. Mesmo que estivesse convencido que a sua análise estava correta, como, seguramente pensava Passos Coelho com o anúncio da vinda do Diabo, deveria refletir no velho e acertado rifão popular que estipula que ninguém é bom juiz em causa própria e ponderar bem antes de emitir juízos que lhe marcarão a atuação governativa. A propósito da exaltação de qualidades, há algum tempo, uma pessoa amiga dizia- -me, a propósito de alguém: “Se pudesses comprá-lo pelo que ele realmente vale e vendê-lo pelo que ele acha valer, fazias um excelente negócio”. Não pude deixar de me lembrar, neste período eleitoral, de alguns autarcas que se os seus eleitores o comprassem pela sua real valia e vendessem pelo valor que eles garantem ser o seu... o ganho era tanto que ficavam todos os munícipes ricos!

Mais duradoura que o mármore e o metal

Em dezembro de 1983 a Imprensa Nacional – Casa da Moeda fez uma edição, fac-similada do livro Bragança e Benquerença escrita pelo coronel Albino dos Santos Pereira Lopo em 1988 e 1989 e dada ao prelo em 1900 na Imprensa Nacional. O ilustre brigantino justifica a sua obra dizendo que “Não tem Bragança uma história, e ahi ficam alguns materiais, que pouco a pouco fui descobrindo e ajuntando para ella;”. Passa depois ao relato de vários episódios documentados ou deduzidos, bem como à descrição de muitos monumentos, achados arqueológicos, ruínas e restos da passagem dos nossos antepassados que, em boa verdade, constituem a trama da História de Bragança. Mas não a fazem só por si. E foi, precisamente, por reconhecer tal evidência que a autarquia bragançana encomendou ao CEPESE a excelente obra “Bragança, das origens à Revolução de 1820” como complemento da outra, “Bragança na época contemporânea – de 1820 até aos nossas dias” com valiosos contributos de vários e reputados autores, coordenadas ambas por Fernando de Sousa. Estes quatro volumes fazem a história de capital do nordeste baseados nas evidências históricas existentes desde há muito (desde os primórdios) e é assim que Bragança ganha a história que no início do século XX não tinha. Porque, no dizer de Borges, as “palavras são mais duradouras que os mármores e os metais”. Este postulado foi enunciado pelo escritor argentino na sequência da história do poema “Kubla Khan” publicado por Samuel Taylor Coleridge em 1816. Esta obra é o fragmento de um sonho do autor, uma vintena de anos antes em que lhe fora descrito o palácio mandado construir por Kublai Khan. A conclusão de Jorge Luís Borges resulta da observação factual: o grandioso edifício mandado erguer pelo sucessor do grande e temido Gengis Kahn há muito que desapareceu mas o poema do autor britânico, apesar de incompleto, continua intacto e perdurará. Ao contrário das construções em pedra, os livros têm a virtualidade de, podendo ser facilmente transportáveis e havendo sempre vários originais da mesma obra literária, resistem à erosão do tempo e dos ataques que lhes possam ser movidos. O Estado Islâmico destrui milhares de livros mas não há notícia de nenhuma perda irrecuperável, para a humanidade, ao contrário do que aconteceu com a cidade histórica de Palmira que já não há qualquer hipótese de recuperação. As estátuas, as rotundas, as pontes suspensas e até os museus, poderão ter muitos anos de vida mas, por muito que durem, nunca terão a mesma longevidade das palavras que, impressas, são eternas. Numa altura de campanha eleitoral, os autarcas e candidatos deveriam refletir se querem ter uma atuação cultural efémera ou que perdure para lá dos seus mandatos provisórios. Finalizando e em jeito de conclusão, é necessário e adequado reconhecer que uma atuação equilibrada não implica a exclusão de nenhum dos campos em análise. O edil brigantino demonstrou, ao contrário de outros, menos esclarecidos, que é possível erguer museus, instalar rotundas, levantar estátuas, patrocinar celebrações históricas sem deixar de apoiar a escrita e os escritores. Porque é com palavras, “mais duradouras que o mármore e o metal” que se faz a história.

One Sardinha and a cup of ginjinha!

A minha relutância, de há dezenas de anos, em rumar ao Algarve estival e cosmopolita, passa, precisamente, pelo incómodo de me sentir estrangeiro, na minha terra. Sensação parecida há de ter sido sentida pelos tripeiros, sobretudo os que rumaram à Ribeira, na passada sexta-feira, dia 28, vésperas da final da Taça dos Campeões europeus de futebol. Mas igualmente aqueles que, nesse fim de semana, em vez de permanecerem na sua terra, visitando, como habitualmente os vários e bons restaurantes do resto da cidade, se ausentaram, como foi devidamente noticiado. O evento, anunciado em parangonas, deveria trazer muito prestígio à Federação Portuguesa de Futebol, provavelmente trouxe; animar a Baixa, animou, em demasia; fomentar o negócio turístico, nem por isso, pelo que se sabe; acontecer no cumprimento de todas as regras sanitárias, definitivamente, NÃO! Dizem-nos que a tal “bolha” existiu mesmo, para a maioria dos adeptos, que os riscos da passagem britânica eram diminutos e que os malefícios serão poucos, largamente compensados pelos benefícios. Garantem-nos que o pior de tudo foi o mau exemplo. Nada mais errado. Tendo sido um péssimo exemplo, não foi o pior. O pior reside, precisamente, na questão sanitária! É verdade que os viajantes ou estavam vacinados ou foram testados e que a maioria veio na tal “bolha”. O problema é que o teste, faz-se, não para aprovar os negativos, mas para afastar os positivos. Ter um teste negativo não garante que não se esteja infetado! De outra forma as várias quarentenas exigidas, ao longo do processo, não fariam qualquer sentido. Por outro lado a bolha só funciona se for geral e completa. Imaginem que um engenheiro estava a vistoriar uma barragem e diziam que noventa por cento do paredão estava sólido e que a existência de uma parcela que poderia vazar, não deveria ser motivo de preocupação... O mesmo se passa com a pandemia. Vêm dizer-nos, com ar satisfeito que, dos 5.600 testes (uma pequena parte da totalidade) “apenas” dois tiveram resultado positivo! Um só era demais!!!! Porque andaram pelo Porto, em grupo, sem máscara e sem qualquer afastamento social requerido. Não podemos ignorar que, por causa de ser antiga potência colonizadora, a Inglaterra é a porta de entrada da terrível variante indiana do Covid19! – Eram turistas – desculpou o autarca da Invicta! Sem dúvida! Mas por serem turistas não estão dispensados de observarem as regras e ditames em vigor na terra que visitam. E nem a economia pode justificar tudo. Além de que, a julgar pelas declarações de Daniel Serra da Associação Nacional de Restaurantes, o pouco que entrou nas caixas tripeiras, à conta da cerveja e algumas sandes fica muito longe do que, mesmo em pandemia, ficou a faltar nos restantes restaurantes da cidade nortenha. Ora, querendo, e bem, agradar a todos quando a escolha se impõe, é bom que os responsáveis definam bem qual o tipo de turistas que mais se devem acarinhar. Mas, mesmo que fossem dos que normalmente trazem valor e deixam boa maquia, igualmente é necessário optar pela alternativa mais adequada. Esperemos que o “balão de oxigénio” de um fim de semana alargado, não se converta em saco asfixiante nos restantes meses. Será que ninguém aprendeu com os erros do passado? Não haverá quem possa recordar que, com o propósito de salvar o Natal, se perderam os Reis, o Carnaval e até a Páscoa? E, infelizmente, lamentando muitas vidas humanas!

L’outoridade de la rezon

No dia 19 deste mês de maio, o Movimento Cultural das Terras de Miranda (MCTM) publicou um pequeno vídeo em que, sob o título “Terras de Miranda, Mulheres Intemporais, Heroínas Anónimas” apresenta, um retrato de um rosto feminino, envelhecido e com rugas muito marcadas, da autoria da pintora Balbina Mendes, comentado pela própria. A artista mirandesa quis homenagear as mulheres da sua terra contemporâneas da construção das barragens do Douro Internacional. O traço vincado e monocromático traduz, segundo a autora “a quelor de lanuite que era a quelor de lálma na delor que se perpetuaba na perda temperana de ls filhos”. Aquelas rugas profundas são uma das várias parcelas da fatura do progresso que, entre muitos outros, o ministro do Ambiente desfruta na comodidade do seu gabinete, que João Matos Fernandes, a custo deixou para vir ao Praino, não para mercar fumeiro e artesanato local, mas para trazer, segundo as palavras do MCTM “uma mão cheia de nada”, uma migalha perante o longo historial de proveitos já arrecadados bem como a choruda venda que se anuncia. A esta voz temerária que, felizmente, nem o vergonhoso ataque ao mirandês José Maria Pires conseguiu atemorizar e, muito menos calar, juntou, inconformado, a sua, o autarca de Mogadouro: “A meio das reuniões tínhamos cerca de 440 milhões... [para] ...projetos como regadio ou reativação da linha férrea do Sabor.” Mais do que justificado desagrado e frustração de Francisco Guimarães, relatados pelo Francisco Pinto, na edição do Mensageiro 13 de maio e onde igualmente relata que, Nuno Gonçalves, pelo contrário “disse que os 91,7 milhões anunciados são suficientes para os projetos anunciados”! A audiodescrição de Balbina Mendes fez-me recuar cinquenta anos, para o momento da descoberta, do livro do padre Telmo Ferraz, “O Lodo e as Estrelas”, traduzido para mirandês pelo saudoso Fracisco Niebro (Amadeu Ferreira). Não é de agora que as vozes incómodas das Terras de Miranda se fazem ouvir e não é fácil fazê- -las calar. Quando, depois de concluído o empreendimento hidroelétrico do Baixo-Sabor, os Barrais da Vilariça foram inundados, foi deliberado na Assembleia Municipal de Moncorvo, convocar o responsável de EDP para vir explicar qual era afinal o papel da segunda barragem denominada de “contra-embalse”. Só que quando foi contactado informou que esse assunto já tinha sido abordado em reunião com o Presidente da Câmara. Este confirmou, por e-mail, alegando que esse era um assunto do Executivo. Provavelmente tinha razão. O problema é que não foi publicado o teor das explicações da EDP, se é que as houve e, por outro lado, quando o Douro encheu de novo, os Barrais voltaram a ficar inundados destruindo as culturas de um ano inteiro! Por onde anda a ambição que deveria presidir à liderança do concelho? Quando e onde se perdeu a capacidade de falar alto e grosso a entidades que, como a EDP, ganham milhões com os recursos naturais da nossa terra?