José Mário Leite

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Tecnológicas Reinado e/ou (in)dependência

Os recentes ataques informáticos ao grupo Impresa, à revista Visão, aos Laboratórios Germano de Sousa e, sobretudo, à Vodafone, vieram evidenciar a dependência da tecnologia, nos dias de hoje. É recorrente o clamor contra o enorme poder que as grandes empresas tecnológicas detêm, patenteado, claramente, pelos acontecimentos recentes. O Facebook, a Amazon e a Google têm sido acusados de serem uma ameaça à liberdade e à democracia e que as operadoras de internet e, ainda mais, as de telecomunicações criaram com os seus clientes e utentes uma dependência crescente tornando-as, cada vez mais, imprescindíveis, ao dia a dia dos cidadãos. Qualquer uma das multinacionais tecnológicas detém um poder enorme (quiçá exagerado) de influenciar o dia a dia de cada um de nós. Podem, inclusive, condicionar a forma de vida, a maneira de pensar, o modo de julgar, em última análise as escolhas que diária e individualmente fazemos e, até, as opções políticas com que contribuímos para o governo comum. Tal, sobretudo depois da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos da América, tem vindo a ser exacerbado por vários comentadores e agentes políticos. Seria bom, porém, tentar fazer um juízo justo e ponderado sobre as mais-valias que, indubitavelmente, a tecnologia nos oferece, nos dias que correm e o preço a pagar por elas. E, sobretudo, os que se queixam da exagerada influência que as corporações exercem sobre a opinião dos cidadãos, deveriam deixar de condicionar a análise que cada um deve fazer, em liberdade e sem restrições. Falando na primeira pessoa, sei bem que as populares aplicações on-line, rastreiam aos meus acessos e navegações na rede, as minhas preferências lúdicas e profissionais, as minhas tele-compras, entre outros dados que, numa análise muito restrita, invadem e diminuem a minha privacidade. Dão-me, em troca, graciosamente, acesso a vários serviços úteis para o meu conforto quotidiano. Para isso disponho-me a ficar exposto à publicidade invasiva e insistente. A publicidade e o convite ao consumo de comodidades e necessidades, não é de agora. Nem é dos nossos dias a dificuldade em lhe escapar, sobretudo a que nos aparece nas televisões e nos placards da via pública. E dessa, para além da informação específica, útil ou não, nada mais era oferecido como compensação. Pelo contrário o acesso livre e fácil à net é recompensado com a disponibilização graciosa de um serviço de notícias sobre todo o mundo, informações válidas e valiosas (algumas nem tanto, é verdade) sobre várias áreas do conhecimento e do entretenimento e são-me disponibilizados, sem qualquer acréscimo de custo, dicionários e enciclopédias que, no passado, eram caros, mais complicados no uso e necessitavam de atualizações periódicas. Para além disso o uso da tecnologia foi importantíssimo na pandemia para contactar familiares e amigos, bem como para manter a atividade profissional. Duvido que os pormenores da minha vida encerrem valor parecido, na ótica das gigantes tecnológicas. Soube, recentemente, que um jornal regional digital apregoava a sua independência absoluta do poder local e dos agentes económicos mais poderosos porque a sua popularidade lhe granjeava rendimentos suficientes com a publicidade paga pela Google sem qualquer outra contrapartida. À escala regional a empresa do Silicon Valey não só não é controladora como, pelo contrário é um agente libertador dos controladores habituais!

A Gulbenkian e a água

Calouste Sarkis Gulbenkian, refugiado da Segunda Grande Guerra que a ditadura portuguesa de direita acolheu, em Lisboa, fez fortuna a negociar petróleo e interesses petrolíferos tendo deixado à Fundação que criou, ricos ativos nessa indústria. Os rendimentos da atividade industrial em hidrocarbonetos foi, durante seis décadas, uma das principais fontes de receita da Fundação Calouste Gulbenkian. Esta dependência dos combustíveis fósseis terminou, recentemente, com a alienação da Partex. Para além de outras atividades e realizações, condicentes com a nova era, mais ecológica da instituição da Avenida de Berna, decidiu apoiar projetos que visem o uso racional da água, o petróleo do século XXI. No âmbito do Programa de Desenvolvimento Sustentável lançou duas ações. Uma, de atuação direta, para a realização de um estudo para determinar o valor da água no setor agroalimentar, já realizado, cujas conclusões foram publicadas na obra “O Uso da Água em Portugal – Olhar compreender e atuar com os protagonistas chave” que está disponível para download na página da Fundação e outra, na sequência desta, apoiando projetos que visem este desiderato cujas candidaturas estiveram abertas entre julho e agosto do ano passado. O “Apoio à demonstração na gestão da água de rega” pretende contribuir para o uso mais eficiente de água na agricultura, apoiando entidades com conhecimento e experiência na gestão da água e que se disponham a trabalhar com outros representantes do setor agrícola. A Gulbenkian anunciou, recentemente, a lista dos cinco contemplados. O naipe de entidades apoiadas é diverso e abrange, não só um espetro alargado de atividades agrícolas como igualmente uma significativa dispersão geográfica. Associações de produtores e Institutos regionais e nacionais que apoiam a cultura e os produtores e estudam a teoria e a prática da atividade agrícola, sedeados por todo o país, a título individual ou agrupados em áreas de interesse. Igualmente as áreas cobertas vão desde os cereais, as oleaginosas, legumes, até, obviamente à vinha. Despertou-me a atenção o projeto GOTA que pretende Gerir, Operacionalizar e Transferir o uso eficiente da Água, na vinha (de onde resulta o feliz acrónimo) na região duriense, com especial enfoque no Alto Douro. Espera-se que os resultados destes projetos possam beneficiar, numa primeira fase, obviamente, os associados das instituições proponentes mas que, igualmente, contemplem ações de divulgação e promoção que façam chegar a todos os interessados, as conclusões e benefícios com eles alcançados. Tal, para além da contribuição indispensável dos beneficiários do apoio concedido, da própria Gulbenkian, a quem interessa a maior divulgação, dispersão e difusão dos resultados, deverá contar com a colaboração ativa das Câmaras Municipais a quem o objeto de estudo e melhoria deva interessar por contribuir para o progresso e desenvolvimento da população concelhia, no interior, que continua a ter uma elevada componente rural. É a re-edição, de outra forma e noutros moldes, de um dos mais emblemáticos e bem sucedidos programas da Gulbenkian, como foram as Bibliotecas Itinerantes a que os municípios responderam, adequada e oportunamente, com a instituição das Bibliotecas Municipais.

Das maiorias aos direitos constitucionais

A hipotética Maioria Absoluta de um dos partidos concorrentes às próximas eleições legislativas tem sido tema de pré-campanha e será, certamente, na campanha, como se a mesma pudesse ser um objetivo em si, uma opção dos eleitores a nível individual. Ninguém vota para que um partido, qualquer que ele seja, tenha ou não maioria ou minoria. A existência dessa circunstância é um resultado do conjunto dos votos de cada um e não uma escolha de cada um. O voto colocado na urna é atribuído, na sua totalidade a um partido. Mesmo quem não é adepto de maiorias mono-partidárias, ao votar, não o faz com essa intenção. Pelo contrário, ao fazê-lo quer atribuir ao partido da sua escolha, o maior número de votos possível. Imagine-se que, por mera abstração, para fundamentar esta tese, havia, no espetro partidário, dois grandes partidos, um, o partido A apelando à maioria absoluta e outro, o B opondo-se à mesma. Assumamos, para o mesmo efeito, que a opção do eleitorado era claramente, em mais de cinquenta por cento, contra a tal maioria. Então, os adeptos da maioria de um só partido votariam no A e os que a não queriam, no B. O que é que acontecia? O partido B sairia dessa eleição, com uma votação absolutamente maioritária. A forma do eleitorado manifestar a sua concordância com as propostas apresentadas a sufrágio era dar a maioria a quem defendia a representação minoritária e dando a minoria a quem apelava ao contrário. O eleitorado rejeitava a proposta de uma maioria... dando maioria a quem a não queria... A Constituição consagra a cada cidadão o direito a manifestar a sua opção através do voto. E esse direito não pode ser coartado por circunstancialismos para além dos consagrados no texto constitucional. O confinamento, por doença ou por proteção profilática, não pode ser motivo suficiente para diminuir ou coartar tal prerrogativa. E se o exercício de um direito colidir com o direito de um semelhante? Ou o direito à saúde e à segurança não é igualmente uma regalia inalienável de cada um? Se não pode ser negado a qualquer cidadão o acesso à mesa de voto, pela simples razão de estar infetado com a Covid19, poderá ser condicionado, em circunstâncias de absoluta segurança, a quem não está? É, obviamente, um problema, já largamente enunciado e denunciado cuja razão de existir, unanimemente é atribuída à incompetência dos políticos ativos deste nosso país. Foram incompetentes! Porém, sem falsos populismos, é reconhecido que a qualidade dos membros da classe política tem vindo a descer, com o tempo e, relativamente a isso, tal como acontece nas empresas e outras organizações, não é possível dissociar tal fenómeno das baixas remunerações auferidas por eles. É um facto: em Portugal, os políticos são mal pagos! Quem defende que, mesmo assim, os salários ainda deviam ser mais baixos... entende que a incompetência ainda não é suficiente e deveria ser maior... a menos que o salário não seja a principal retribuição pela sua prestação. E isso é perigoso. Perigosíssimo! Eu acho que não é de confiar quem, sendo político em Portugal, venha reclamar que o que ganha (e não rejeita) é demasiado e deveria ser menos... substancialmente menos. Há limites para tudo. Até para o populismo.

Carta à minha neta (Nascida em 2019)

Amélia, minha querida neta, apesar de todas as evidências em contrário, que na tua curta existência se assumem como uma suposta realidade uniforme e sem exceção, a normalidade não é a que tens constatado. A sociedade que te acolheu no final da segunda década deste milénio é significativamente diversa daquela que te foi dado conhecer e analisar. A humanidade que, em fevereiro de 2019 te recebeu, festivamente, olhando- -te nos olhos, sem reservas, beijando-te as bochechas e apertando-te em calorosos abraços, de cara descoberta e circulando livremente por todos os lados sem reservas de monta, começaste a observá-la usando, por defeito, na cara, uma máscara que, por mais personalizada é sempre impessoal, por mais elaborada é sempre mais feia que o mais feio dos rostos; vivendo, normalmente, isolada e receosa de se encontrar com conhecidos e até desconhecidos; desinfetando, as mãos, até à exaustão sempre que entra num novo espaço, banalizando o saudável ato de as lavar com frequência; fugindo de aglomerações e escondendo-se à menor suspeita da proximidade de qualquer cidadão com febre, tosse ou outro sinal de enfermidade; cumprimentando-se com acenos, toques de cotovelos ou – há bem pouco tempo pareceria insano, raiando a loucura – substituindo os francos apertos de mão aberta fechando-se sobre outra depois de a apertar, por um soco seco de punho fechado que, mesmo querendo aproximar, inevitavelmente, afasta quem se pretende cumprimentar! Não, minha querida neta, esta não é a humanidade que te abriu os braços e à qual pertences, por pleno direito, fará, brevemente, três anos! Mesmo que tu não lhe conheças outra atitude e maneira de ser, esta gente que hoje se ajoelha perante um inimigo estranho, persistente e obstinado, já levou de vencida adversários maiores, mais perigosos, mais letais e mais assustadores. Esta gente, que somos todos nós que desde há milénios povoamos este planeta, derrotámos, na nossa existência, guerras, fomes, pestes e cataclismos; gigantes, ditadores, assassinos e feras sanguinárias; forças incontroláveis da natureza, caprichos de deuses sanguinários e vingativos, maldições de bruxas poderosas e catastróficas profecias de necromantes e adivinhos; revoluções, massacres, tsunamis e violentas erupções. Demos a volta ao mundo em barcarolas movidas a remos e velas, explorámos a profundeza dos oceanos e a infinitude do universo, analisámos a imensidão das galáxias e a natureza das partículas mais ínfimas, inventámos sistemas de localização universal e construímos máquinas complexas e inteligentes e, mesmo agora que estamos acantonados por algo estranho a que a maioria dos cientistas se recusa a dar-lhe a categoria de ser vivo, apesar da sua enorme capacidade de replicação e mutação, que não tem um único neurónio apesar do “comportamento” aparentemente inteligente resistindo, eficazmente à sofisticadas estratégias de combate, mesmo confinados e assustados, desenvolvemos em tempo recorde vacinas seguras e eficazes e identificámos comportamentos seguros, cada vez mais ajustados e menos perturbadores. Por isso, minha neta, apesar dos plúmbeos tempos e das ameaças constantes e permanentes, no início deste novo ano planetário, nas vésperas do teu terceiro aniversário, quero despertar a tua esperança para os dias radiosos que te esperam, para os sorrisos que te iluminarão, para os abraços que te aquecerão, para o convívio normal, sem restrições, sem receios, sem preocupações, incertezas nem ansiedades. Bom Ano.

Salvar o Natal

Apesar da conotação menos positiva que os acontecimentos do ano passado vieram trazer a esta expressão, é, no entanto, atual, útil e importante.

O Natal é, disso não haja qualquer dúvida, um período muito especial e de um enorme significado na civilização a que pertencemos. É a época da reunião familiar, por excelência. Reuniões que, é sabido, não casam com as medidas de precaução e distanciamento recomendadas pelas boas práticas de combate à terrível pandemia que nos fustiga já há dois anos e cujo termo ansiado, teima em demorar a concretizar- -se. No ano transato, a propósito de “salvar” o Natal, foram abrandadas as medidas mais draconianas em vigor até então (e retomadas, mais tarde... aliás, tarde demais). Contudo, não é aceitável que por causa desse erro se cometa um erro maior que seria a adoção de apertadas medidas de distanciamento e confinamento. Em primeiro lugar há que fazer uma distinção clara entre os festejos de Natal e de Ano Novo, que em 2020, erradamente, tiveram tratamento igual. As reuniões natalícias sendo muitas e chegadas acontecem em células limitadas e muito restringidas à chamada “bolha familiar”, enquanto que os festejos de “réveillon” são, por natureza, mais abrangentes, em espaços com um alargado número de pessoas de proveniências diversas. Manda pois o bom senso que, sem descurar as elementares precauções e cuidados adequados, se facilite a reunião familiar para celebrar e confraternizar na noite de 24 e no dia de 25 de dezembro. Será bom que os Lares, dentro das suas possibilidades e analisando com critério e razoabilidade as circunstâncias, proporcionem aos mais idosos um reconfortante reencontro com os seus familiares mais próximos. É verdade que devemos proteger a saúde de todos mas também não podemos minimizar a dor provocada pelo isolamento, sobretudo aos mais idosos, mais frágeis e mais debilitados. Ainda que mal comparado, atrevo-me a lembrar que, nesta altura, todos os anos, há acréscimo da sinistralidade rodoviária. Obviamente que se fosse decidido fechar as auto-estradas, proibir as viagens entre concelhos e impedir os encontros dos mais próximos... os acidentes e, por consequência, as mortes deste período sofreriam uma redução radical. Mas, o b v i a m e n t e , tal é impensável, por causa do impacto inaceitável no modo de vida. E, mesmo em termos de saldo, no que toca a vidas, não é certo que fosse positivo. Às vidas “salvas” dos acidentes rodoviárias teria que ser contraposto as que não se poderiam salvar por não poderem ser transportadas com rapidez pelos serviços de urgência, aos medicamentos que não chegariam a tempos e muitas outras razões. Se a esperança de vida tem aumentado com o correr dos tempos, tal deve-se ao progresso, logo, por contrapartida, qualquer regresso civilizacional significa um aumento da mortalidade. Contudo é bom que, sempre, mas muito especialmente, nestes dias haja um acréscimo de cuidado, um aumento da fiscalização e um cuidado adicional na sensibilização dos condutores e demais agentes. E, claro, manter a proibição da velocidade excessiva e da ingerência de álcool para lá dos limites impostos e consagrados na Lei. Assim deve ser, igualmente, com a pandemia. Não é aceitável impor regras e limitações excessivas, promovendo, muito embora, as elementares regras sanitárias de combate e prevenção desta maldita doença que em má hora nos entrou porta dentro. Os internamentos por Covid competem com os internamentos por muitas outras razões que, como sabemos, ficarão prejudicados se houver um excesso securitário, covidiano.

Um Bom Natal para todos.

A Bandeira, a TAP e a CP

Ao mesmo tempo que sabia que os anunciados investimentos na ferrovia não só estavam atrasados como muitos deles já não teriam lugar no Portugal 2020 e têm a sua execução no Portugal 2030 dependente de nova avaliação porque o chumbo do Orçamento impediu o saneamento financeiro da CP, igualmente era público que, para além dos milhares de milhões já injetados na TAP, iriam ser disponibilizados mais cento e cinquenta milhões na transportadora que cancelava vários voos (com os enormes custos associados) e anunciava que seguiria o exemplo das operadoras de low-cost com quem concorre. Não é fácil entender esta dualidade de uso dos dinheiros públicos que, como é sabido, se sustentam dos impostos dos cidadãos. Os impostos, para além da afirmação da soberania, servem para financiar obras e atividades comuns, de utilidade pública, que não seria possível levar a bom termo exclusivamente com a contribuição voluntária de cada um e sobretudo para permitirem a redistribuição de riqueza exigindo mais a quem mais tem, para benefício de quem tem menos e pode menos. Ora, o que acontece com estas duas empresas públicas, está nos antípodas desta função de correção das desigualdades da sociedade. Os utentes da CP são, efetivamente, os desfavorecidos e foram estes os mais prejudicados com o encerramento das várias linhas, no século passado. Como os impostos são progressivos, os investimentos na ferrovia cumprem a nobre missão de apoio aos mais necessitados com maior contributo dos mais abastados. Já a TAP transporta sobretudo os que têm mais recursos e, como apesar das contribuições estatais, apresenta prejuízos pagos com os impostos de todos, favorece quem mais tem com o suporte, mesmo que menor, de quem tem menos e nada beneficia com isso. As justificações que são dadas para tão injusta discriminação, não convencem, por não resistirem a uma análise fria e racional. A TAP tem de ser uma empresa de bandeira. Não vejo porquê. A atividade exportadora passa, cada vez mais, pelos portos marítimos onde os barcos que aí operam o fazem sob os mais diversos estandartes sem que isso constitua qualquer óbice à sua atividade normal. É verdade que as aeronaves levam as cores nacionais na cauda mas são pouco visíveis pois o acesso aos aeroportos é limitado e, quando em voo, não se enxergam. Mais visíveis são os camiões que cruzam as rodovias europeias e não se conhece nenhum empenho especial, do Governo, no apoio às rodoviárias. A TAP é uma grande empresa exportadora. Exporta porque vende muitos bilhetes a cidadãos estrangeiros. Mas também importa porque compra, nos locais para onde voa, muitas das matérias e serviços que suportam a sua atividade. Como dá prejuízo, é bem possível que o que compra fora de portas seja superior ao que vende. Não é líquido que tenha um contributo positivo para a balança de pagamentos. É preciso proteger os empregos da TAP. Mas a injeção de avultados recursos foi acompanhada por uma considerável redução do número de trabalhadores. Também aqui foram os mais humildes os mais fustigados. O que a TAP não fizer, outra empresa o fará e não pode, por razões económicas, dispensar funcionários e fornecedores lusitanos no que for competitivo. O mesmo não se passa com a CP que, sendo mais ecológica, não se restringe a Porto, Lisboa e Faro, antes leva o desenvolvimento a todo o país, integrando o interior, desfavorecido, distante e desertificado. 

Os regatos que lavam as fragas

Li ou ouvi, já não me lembro onde nem a quem que todos os resíduos levados pelos rios, para o mar, diminuem a massa continental. Um continente é uma unidade e, por isso, uma pedra, um tronco ou uma simples areia que é arrastada para o oceano, empobrece, na devida proporção, a totalidade do conjunto de formações geológicas. Pela mesma razão, quando alguém abandona uma comunidade, diminui-a e, como tal, enfraquece e depaupera, um pouco, todos e cada um dos elementos dessa comunidade. Cumprindo um ritual anual visitei, no primeiro dia de novembro, os velhos cemitérios de Lodões e da Junqueira onde repousam os restos mortais dos meus avós. Este ano, penosamente, fiz, adicionalmente uma visita ao cemitério novo da Junqueira onde foi enterrado, em janeiro, o meu pai. Foi logo de manhãzinha e não havia mais ninguém na sagrada necrópole. Tive oportunidade de, depois de depositar flores e acender velas na campa n.º 13, visitar, uma a uma, todas as restantes sepulturas do campo- -santo. Em cada uma delas, um texto, uma oração, uma prece, uma fotografia. Mas, sobretudo, um nome. E, para lá da simples onomástica, uma pessoa, uma recordação, uma lembrança... uma perda. Com cada um que partiu, algo, da nossa aldeia, se perdeu, para sempre, alguma coisa de cada um de nós desapareceu, para sempre. No dia anterior chovera em abundância e os regatos lavaram as fragas, abriram sulcos na terra solta, arrastaram areias e rolaram pequenos seixos pelas encostas. À primeira vista nenhum dos montes ficou mais pequeno, nem nenhuma leira encolheu e, contudo, uma pequenina parte deles já iniciou uma longa caminhada em direção ao Atlântico e não há forma de a reverter. O mesmo aconteceu (e acontece, continuamente) com a aldeia. Aparentemente a Junqueira continua, como sempre mas, em boa verdade, empobrece, continuamente, porque cada um de nós, mesmo continuando a calcorrear o empedrado das ruas, é menos do que era, porque lhe falta o pedaço, maior ou menor, de que as várias lápides são testemunho indelével. Toda a Vilariça outonava. As videiras, despojadas dos cachos dourados e tintos, vestiram- -se de folhagem multicolor, antes de hibernarem. Despertarão antes da primavera, chorando cada ramo amputado e preparando-se para reverdecer quando o tempo aquecer um pouco mais. Por agora esperam que as ovelhas venham despi-las, antes que a chuva, que regressava, lhes despencasse as parras amarelecidas. O silêncio sepulcral fez-me lembrar o tempo em que, por esta altura, ficavam abandonados e inertes, os arados nas leiras adormecidas e nas noras se amordaçava o tan-tan, ritmado pela cadência do quadrúpede que puxava a roda dos alcatruzes. Já não há noras no Vale. À saída do cemitério reencontrei a chuva. As perdas são mais duras quando lembradas, sempre que são sentidas. As boas recordações não recuperam as perdas mas menorizam-lhes o dano. Inexoravelmente, os regatos continuarão a desgastar os montes milenares e a arrastar consigo o lodo, a terra e as pedras, em direção ao mar. Lavam as fragas mas não a dor. Levam as areias mas deixam as lembranças.

SMALL IS BEAUTIFUL

“Small is beautiful” é o título de uma exposição patente, até 15 de janeiro de 2022, na rue de Turenne, em Paris, onde, em 900 m2, distribuídos por dois andares, vinte artistas internacionais apresentam 126 miniaturas e fotografias. Os organizadores retomaram um slogan que, no dealbar do último quartel do século XX, agitou as teorias de gestão e foi o “leitmotiv” dos gurus que anunciavam o fim da era dos grandes conglomerados. Era, aliás, uma prática recorrente nas restruturações a que as grandes empresas se viram obrigadas a fazer, para, na sequência da crise energética de 1973, racionalizarem os excessivos gastos fixos e exageradas despesas de estrutura. Passou a ser regra geral quase dogma, assistir ao desmembramento de todo e qualquer gigante industrial sempre que via a sua sustentabilidade ameaçada pela descida crescente da sua rentabilidade. A pesada e desmesurada estrutura era, num ápice, substituída por várias empresas pequenas, ágeis e muito flexíveis permitindo toda a espécie de alterações e inovações para garantir rapidez, personalização e adaptação rápida às flutuações do Mercado que começava, já nessa altura, a mostrar sinais de variabilidade, mudança e evolução. É verdade que o uso de plataformas digitais e o poder da internacionalização, voltaram a trazer, grandes empresas e gigantes económicos à escala mundial. Mas, trouxeram consigo os problemas graves conhecidos e que exigem soluções complexas e nem sempre eficazes. Mas ficou o conceito que, como muito bem viram os parisienses, se coaduna com o bom senso comum e a observação empírica da realidade em que nos movimentamos. Tudo quanto é pequeno tem o seu encanto e, principalmente, as suas virtudes. Porque, na maior parte das vezes, a acumulação de coisas boas não resulta num bem maior, bem, pelo contrário, traduz-se em algo mau e até mesmo perverso. Beber um copo, dois ou três de um bom vinho, sabe bem e é bom. Beber em demasia, por melhor que seja o néctar, causa desconforto e faz mal. Um medicamento sendo útil e eficaz, na dose certa, será mau e até fatal se exagerada a sua toma. É sabido que até o veneno, tomado em quantidades minúsculas não só é tolerado como acaba por induzir, no organismo, reações imunitárias. O mesmo se passa com algumas “soluções ambientais” de produção de energia. Aparecem por aí, projetos “verdes” que advogam instalações exageradas de painéis solares, que nos são apresentadas como excelentes porque o aproveitamento da energia do sol é bom e sustentável. Pois é, mas não em doses excessivas e concentradas. Essas, não podem ser amigas do ambiente pois a primeira coisa que fazem é... a descaracterização da paisagem, um dos melhores recursos que ainda nos resta. O aproveitamento da energia do sol, tal como a do vento, deve ser feito no respeito pela natureza pois só assim cumpre com rigor os princípios em nome dos quais se baseia para fazer valer a sua mais valia. A verdadeira solução foto-voltaica, para a nossa terra, não passa pela instalação de parques “industrializados” de painéis, para fornecimento de megawatts para a rede nacional mas pelo recurso de unidades individuais, instaladas em telhados ou pequenos anexos para consumo próprio. A produção global pode ser a mesma (ou até maior) mas a economia para cada um cresce e, sobretudo, preserva-se a paisagem. Mas essa é, obviamente, uma solução que exige competência, compreensão, dedicação e muito trabalho. Coisa a que muitos dos decisores políticos estão muito pouco habituados!

A terceira dose (E os lucros das farmacêuticas)

A terceira dose da vacina contra a Covid19 é já uma realidade, pelo menos para uma parte da população portuguesa. Ainda bem. Há de chegar aos restantes. Contudo, quando tal aplicação era apenas uma hipótese, houve logo quem, a partir da extrema esquerda, viesse “denunciar” que tal hipótese, a concretizar-se, era uma oportunidade de geração de lucros avultados pela parte das farmacêuticas. Provavelmente sim. E então? As grandes obras públicas, tão do agrado de algumas correntes ideológicas, nomeadamente na construção de infraestruturas, traz, igual e naturalmente, lucros, muitas vezes significativos, para o ramo da construção civil. Ora isso não incomoda a vanguarda política da esquerda. O que é estranho. Porque, reclamando-se, tantas vezes, paladinos dos valores sociais e justos, deveriam saber bem que os níveis de corrupção e compadrio são muito maiores e mais frequentes entre os que usam mão-de-obra barata e pouco qualificada a movimentar terras e cimento do que os que, nem sempre pagos adequadamente, são altamente especializados a manipularem pipetas, placas de petri e máquinas de PCR. É sabido que a palavra lucro, apesar de seletivamente, como acabei de demonstrar, causa uma “natural” alergia em certos grupos ideológicos. O lucro é bom. E, se justificado e justo, quanto mais melhor. É nele que reside a primeira condição para o aumento salarial dos trabalhadores que essa elite jura representar, mas também para o aumento do conforto, progresso e bem-estar das populações. Alguém duvida que se não fosse a perspetiva de elevados lucros para as empresas farmacêuticas, a vacina contra a Covid19 teria surgido em tempo record? Curiosamente, foi anunciada, esta semana, a primeira vacina contra a Malária. Que é uma doença que mata MEIO- -MILHÃO de pessoas, todos os anos, a maioria crianças. É verdade que a luta contra um vírus é mais “simples” do que contra um parasita, muito mais complexo e com vários e complexos ciclos de vida. Mas também é sabido que a perspetiva de baixos lucros, por pertencer ao conjunto de doenças da pobreza, não teve nunca investimentos que se comparassem aos que foram disponibilizados para a pandemia deste século. Ironicamente, os maiores investimentos na investigação e desenvolvimento de vacinas e medicamentos de combate à Malária vieram... da Fundação criada por Bill Gates um dos alvos preferidos da ideologia do proletariado que nele vê a face do capitalismo que tem como dever maior que tudo, combater. Obviamente que a inoculação da terceira dose não pode comprometer o necessário e urgente alargamento das primeiras ao resto do mundo. Nisto, é necessário, igualmente, desfazer um equívoco. A extensão a África das vacinas não se concretiza, eficazmente, com doações de cedências. Para ser efetiva têm de ser construídas e operacionalizadas fábricas que as possam produzir, localmente. E essa é uma decisão das farmacêuticas que, obviamente, a tomarão em função da rentabilidade que possam obter. Quanto maiores forem os lucros, mais facilmente tomarão tal decisão. Venha pois a terceira dose e que dela resultem lucros ajustados, mas consideráveis, para as empresas que as fabricam e comercializam.

Os Algoritmos

Recentemente, no tampo da minha secretária, estava um pedido de autorização para a aquisição de um sofisticado software para o aumento de capacidade de processamento do equipamento instalado no Laboratório de “Machine Learning” da Fundação Champalimaud. O quarto lugar no ranking mundial das instituições sem fins lucrativos, na área da Inteligência Artificial exige um investimento contínuo e ao mais alto nível. Obviamente que a classificação atribuída pela prestigiadíssima revista científica Nature, enche de orgulho todos os portugueses, bem como todos os colaboradores da Champalimaud, especialmente toda a Unidade de Investigação. Os resultados obtidos por instituições de investigação independentes, nesta área, são também motivo de alguma tranquilidade numa área que, devido à sua expansão e existência consistente em variadas áreas da vida contemporânea, não deixa de originar algumas preocupações. Muito mais do que imaginamos é já analisado, classificado e até decidido, com base em algoritmos residentes em supercomputadores. Foi notícia, o papel destas ferramentas informáticas no processo de despedimentos da TAP e isso tem de ser motivo de preocupação e reflexão. Porque este uso não está ainda regulado e, o estado da arte, atual, sendo já muito evoluído, tanto que tem enormes capacidades de processamento e elaboração, não o é, suficientemente, para estar, garantidamente, imune a erros grosseiros e perigosos. Um algoritmo é, na prática, um conjunto de instruções predefinidas que permitem chegar a um determinado resultado. São usados desde os primórdios da computação pois são a base da operação dos sistemas informáticos. Os recentes desenvolvimentos de software e a abundância de enormes bases de dados vieram permitir que a própria máquina não se limitasse a seguir um guião totalmente definido, mas pudesse aprender, imitando o comportamento humano, analisando milhões de casos documentados nas gigantescas memórias digitais. Mas, a aprendizagem por comparação, sendo um salto enormíssimo neste processo não garante, ainda, uma confiabilidade elevada. Os exemplos multiplicam-se existindo até uma página de internet dedicada aos fracassos. Um dos casos relatados trata da identificação de maçãs, por um programa de computador. O algoritmo é alimentado com milhões de fotografias de belas e diversas maçãs vermelhas e também de vários milhares de imagens de outros frutos. A máquina aprende e identifica todas as maçãs vermelhas mas, quando lhe é apresentada uma maçã verde... classifica-a como pera, por causa da cor! Contudo, a Inteligência Artificial é já usada no dia a dia, sendo o exemplo mais corrente o reconhecimento facial de alguns “smart-phones”. Mas é também uma ferramenta de trabalho em Bancos, Companhias de Seguro e Empresas de Seleção e Recrutamento. Nada nem ninguém obriga essas instituições a assegurarem a fiabilidade de tais processos, nem sequer a informar os utentes do seu uso e qual o grau de envolvimento na decisão final. Esta utilização discricionária, por empresas privadas, cujo objetivo principal é o lucro, é assustadora pelas consequências sociais que pode acarretar. Mas se o objetivo, para além do sucesso comercial e financeiro for político, pode ser ainda pior. Para agravar os receios desta situação, notícias recentes garantem que a China lidera a investigação nesta área bem como o seu uso pelo estado ou companhias controladas pelo poder público, o que é, mais ou menos o mesmo. Ora se o aproveitamento destas tecnologias pelos agentes do mercado pode e deve causar preocupação, se estiverem ao serviço de poderes políticos opacos e com pouco escrutínio público, devem ser motivo de inquietante temor.