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José Mário Leite

IR À LÃ…

A nossa democracia foi fundada por um grupo de políticos que se assumiram tal qual eram, de forma genuína e transparente, assumindo-se frontalmente fossem ou não beneficiados por tal atitude. Mário Soares, Francisco Sá Carneiro e Álvaro Cunhal retiraram daí as consequências devidas recolhendo os créditos e assumindo as penalizações. Com o decorrer do tempo foi emergindo uma nova casta de dirigentes que, pretendendo imitar figuras relevantes do passado, em vez de se mostrarem tal, como na verdade são, querem fazer- -nos crer serem de forma bem diversa e, contrariando o rifão apregoado por Sérgio Godinho (“pode alguém ser quem não é?”), assumiram a liderança dos destinos lusitanos, assumindo um a reencarnação do mais longevo Primeiro Ministro e garantindo o outro que, com ele, acabavam as táticas políticas… fazendo disso a sua tática. E foi aqui que chegámos, há pouco mais de um ano: Um espera ser derrubado, querendo fazer crer o contrário, e o outro querendo que aquele caísse, ao mesmo tempo que o ia segurando, esperando que “mesmo assim” caísse por si, no tempo mais propício. Quando um pretenso escândalo rebentou, o primeiro julgou ter chegado o “evento redentor” que, se bem trabalhado, o iria colocar no altar sacrificial de onde surgiria mártir e redentor, e tratou de ir alimentando a novela, deixando sair a conta-gotas, todas as explicações que o conservassem à tona da legalidade mas sem dizer nada que o fizesse afundar. O segundo, pelo seu lado, convinha-lhe mantê-lo a flutuar, mas inquinando as águas ao ponto de, não o afogando, o ir sufocando, pouco a pouco para que se afogasse apesar das boias que, paulatinamente lhe lançava. A evolução da titularidade da Spinumviva ia servindo ambos os lados de uma equação de desfecho incerto. A sofreguidão do Chega e a impaciência do PC martirizando Montenegro, conferia a Pedro Nuno o papel de salva- -vidas, sem, contudo, se assumir como plataforma segura, recolhendo proveito da arriscada decisão governamental que podendo render proveitos no curto-prazo era insustentável durante um período mais longo. Enquanto o chefe do governo ia capitalizando no papel de vítima, sonhando com o aparecimento de um novo Hermínio Martinho mais interessado em ir cuidar das vacas do que em aturar as longas disputas parlamentares, o chefe da oposição começava a desenhar a ratoeira para onde o iria encurralar, preparando uma proveitosa CPI que ocupasse e desgastasse o seu oponente, enquanto ele brilhava na condução de gloriosos e publicitados Estados Gerais. Que melhor tática que aquela que dispensava outras para quem jurava nenhuma ser aceitável? Porém, na tentativa de ser ainda mais convincente no apego aos princípios, em detrimento dos tacticismos, o socialista fez a afirmação letal: a não aprovação das moções de censura derivava diretamente do mesmo propósito que o impeliria a rejeitar qualquer moção de confiança que, segundo todas as suas conjeturas, obviamente, o Governo não se atreveria a apresentar… Só que, encurralado e sem outra saída, foi isso mesmo que aconteceu! O resto foi teatro. A pretensa negociação foi só para gravar imagens para uso futuro e empurrar o curso dos acontecimentos na direção pretendida. Mas, Pedro Nuno não pode queixar-se de nada nem de ninguém. Teve na sua mão, até ao último instante, o controlo total da situação. Não precisava sequer de confiar no Governo: bastava abster-se na moção nesta e manter a CPI…

MATIZ + PERTO

A Diretora deste Jornal, Cátia Barreira, no seu editorial da edição 25 de março, louva a ação da Associação Matiz, de Mirandela que, desde 2023, percorre aquele concelho da Terra Quente, para dar apoio domiciliário aos vários doentes mentais da região. Sob o comando e orientação da assistente social, Filipa Febre, a equipa mirandelense presta apoio nas tarefas diárias dos vários utentes, desde tarefas rotineiras, como o cuidado com a casa até à prática de jogos didáticos dedicados à melhoria da patologia, passando, pela gestão financeira e compras para a sua subsistência. Na reportagem, em duas páginas, é dado conta do apoio da OCDE e do Observatório Europeu de Sistemas e Políticas de Saúde. E bem. Estudos recentes dão conta que, na Europa as demências afetam 7 milhões de pessoas e estima- -se que dupliquem a cada 20 anos. O tratamento das doenças neurodegenerativas custa, atualmente, 130 mil milhões de euros por ano (mais de metade do PIB nacional). Afetando igualmente novos e velhos, é nas pessoas mais idosas que a prevalência é maior. Portugal é já um dos países mais envelhecidos e, pior, está entre os três países da OCDE que envelhecem mais rapidamente. Segundo o Eurostat, no nosso país a diferença entre a esperança de vida e a esperança de vida saudável é de 19 anos para os homens e 27 para as mulheres. É urgente enfrentar o desafio de proporcionar aos afetados por estas patologias a possibilidade de viverem mais anos com maior autonomia e qualidade de vida. Uma das formas é a que a Matiz está já a levar a cabo no nosso nordeste. Outra é a que já se desenha e vai dando os primeiros passos, firmes e prometedores, na Fundação Champalimaud sob as batutas do investigador Joe Paton e do médico John Krakaeur, com o projeto “Digital Therapeutics” em desenvolvimento num antigo armazém de peixe da Docapesca, com recurso às mais avançadas tecnologias e desenvolvimentos da Inteligência Artificial. Na antiga lota da Doca de Pedrouços ganha forma um ecossistema de terapias digitais, imersivas e não invasivas que desenvolverá uma infraestrutura única, a nível mundial disposta a combater, especialmente as doenças de Alzheimer e de Parkinson, proporcionando um acompanhamento de longo prazo dos doentes, de forma sustentada e inclusiva, preferencialmente, nas suas residências. E este é um ponto comum à atividade da Matiz: dar prioridade ao tratamento domiciliário! No resto há diferenças substantivas por razões diversas, desde os recursos disponíveis até ao ambiente diferenciado dos doentes. Paradoxalmente, quem sofre de Alzheimer, no centro de uma grande cidade, sobrelotada de Alojamentos Locais e de habitação horizontal, fica, na prática, mais isolado do que quem habita uma qualquer aldeia do interior, por mais despovoada que seja. Provavelmente as visitas diárias podem ser, igualmente, uma forma acertada de mitigar os efeitos nefastos de tais patologias, mas não há dúvida que o acompanhamento remoto e constante (só possível com recursos às novíssimas tecnologias de simulação e replicação de ambientes diversos e diferenciados) é mais eficaz, mais efetivo e, apesar do custo inicial, mais barato quando em velocidade de cruzeiro. Porém, não há nada que impeça uma solução mista que, seguramente, beneficiará qualquer uma delas. Pessoalmente, dar-me-ia muito prazer ajudar a estender ao nordeste a atuação da Champalimaud, num dos ramos em que é pioneira a nível mundial e, igualmente, ver alguns conterrâneos a colaborarem num desenvolvimento com a qualidade do que está a ser desenvolvido em Algés.

SAUDINHA

O maior erro do Governo da Nação, no campo da Saúde foi, sem dúvida, a dispensa de Fernando Araújo de diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde, levada a cabo pela ministra Ana Paula Martins que, curiosamente, foi a primeira escolha daquele para presidir aos destinos do Hospital de Santa Maria. Foi um erro técnico por ter afastado da administração pública alguém competente, com vastas provas dadas na presidência do Conselho de Administração do Hospital de S. João do Porto tendo sido substituído por quem mal aqueceu o lugar, infelizmente depois de ter travado a remodelação em curso exonerando gestores hospitalares, a torto e a direito, antes de completarem sequer um ano de mandato, mas, igualmente, um erro político pois sinalizou uma partidarização no topo de uma das mais importantes áreas da governação e, sobretudo, porque os esperados bons resultados seriam capitalizados pelo atual governo e, os maus, se, quiçá, os houvesse, seriam creditados à gestão anterior. Os problemas e dificuldades crescentes, desde logo no topo do SNS e do INEM vieram demonstrá-lo, penalizando o Executivo de Montenegro. Por alguma razão a ministra da saúde esteve, persistentemente, na lista dos governantes remodeláveis. Porém. Os caminhos que conduzem a um determinado ponto, raramente são únicos e dificilmente se pode saber, de antemão se, não sendo os mais curtos, serão os mais eficazes. Há, no nosso país, duas conceções sobre a natureza do Serviço Nacional de Saúde, ambas legítimas. Uma que se foca na sua natureza advogando a condição de ser total e exclusivamente público por entender que é uma condição necessária para cumprir a sua função, de forma transparente e democrática; e outra, concentrando o foco na sua função, preconizando uma estrutura mista, complementando um núcleo estatizado com as contribuições dos setores privado e social que, em cada momento, contribuam para a disponibilização de um serviço de qualidade, universal, mas que tenha o menor custo possível para o contribuinte. Seguramente que o atual governo advoga esta última, ao contrário do anterior. Será que Fernando Araújo, tendo desenhado a estratégia sob a égide do governo PS teria a flexibilidade para a adaptar à nova abordagem governativa. Ou, inclusive, se teria sido possível estender a sua atuação durante o tempo suficiente para minimizar a perturbação da sua substituição, que, sendo expectável, se concretizou. Dificilmente os contratempos e distúrbios sofridos pelos utentes serão justificados pelas esperadas melhorias que já vão sendo anunciadas e haverão de ser repetidas e enfatizadas, nos tempos mais próximos, por razões óbvias. De qualquer forma o Diário de Notícias, na sua edição de 21 de março titulou na primeira página que estão a diminuir, nas urgências, quer os tempos médios quer o número de utentes. Poucos dias antes o Jornal Público trazia para a primeira página que o tratamento de doentes em casa permitiu uma poupança superior a três milhões de euros. E esta, sendo uma notícia complementar da anterior, traz consigo um potencial de enorme impacto pois os desenvolvimentos atuais da Inteligência Artificial aplicada à medicina trazem, precisamente neste segmento, grandes avanços e prometem muitos mais e maiores. Estou certo que esta será uma área de grande aposta para governo que sair das próximas eleições, seja ele qual for.

PODER E RIQUEZA

Nos conturbados tempos que vivemos estamos a ser confrontados com uma alteração acelerada dos códigos tradicionais de convivência societária. Com o passar dos anos e o almejado progresso e melhoria, em todas as vertentes, do nível de vida e das regalias sociais, fomo- -nos habituando a uma casa comum onde a coabitação se regia por regras, cada vez mais democráticas, justas, racionais e solidárias. É verdade que, em várias partes do mundo, continuam ainda a existir (e a surgir, de vez em quando, embora com menor frequência), regimes autoritários, porém, com medidas de cariz democrático, efetivas ou, pelo menos, simuladas. Escorados, estes últimos, na sua maioria, em poderes de base religiosa, hereditária e, quase todos, no controlo e uso, em proveito próprio das forças militares. A luz ao fundo do túnel aparecia, praticamente sempre, na forma de um golpe revolucionário, na alternância de um poder popular (nos casos em que os arremedos de democracia pudessem permitir a realização de eleições) ou no aparecimento de alguma vaga de fundo nascida do esclarecimento, da cultura e do triunfo da razão. Porém, o início do novo milénio, concretamente na terceira década deste século, começam a surgir movimentos que, em sociedades maduras, livres e progressistas, sendo autoritários e despóticos que, mesmo usando os mecanismos legais, explorando a mentira, o exagero, a distorção e a bazófia descarada, chegam ao poder e começam a alterar, em seu proveito as regras estabelecidas. A expressão máxima e, igualmente, a mais perigosa tomou os comandos da governação da mais poderosa nação do mundo e isso é, inegavelmente, um risco para toda a humanidade. As notícias vindas dos Estados Unidos da América confirmam a tomado do poder por quem olha para todo o mundo com uma lógia mercantil em que a tradicional diplomacia entre estados autónomos é substituída pela ardileza negocial do mercado. Tanto assim que, com todo o despudor, colocam-se em lugares de poder efetivo, interno e, por essa via, com capacidade de influenciar os poderes externos, pessoas cuja característica mais relevante é a sua desmesurada riqueza. Obviamente que as grandes fortunas, sempre tiveram de ser levadas na devida conta, pelos governantes, como forças de pressão influenciadoras das políticas públicas, mas nunca como decisores do futuro de cidadãos, sociedades, países e nações. Porém, tal como noutras circunstâncias, o poder adquirido de tal forma, não é inelutável. E, curiosamente, a luta contra tal tirania, nem sequer implica grandes arrojos, perigos ou sacrifícios. O desmesurado poder de Elon Musk, Jeff Bezos e companhia, advém-lhes do seu colossal património mas este não lhes caiu do céu, não o colheram nas árvores, nem tão pouco o exploraram no subsolo. Quem fez deles ricos e por consequência lhes abriu as portas do poder, fomos todos nós. Ora, se tal distorção nos incomoda a solução é simples: boicotemo- -los. Deixemos de comprar Teslas de fazer compras na Amazon e, tão simplesmente, passemos a ignorar o X.

UM SACO PRETO E UMA CANETA AZUL

Na noite do passado dia 19 de fevereiro, o pano do palco do auditório Emílio Rui Vilar da Culturgest estava corrido (não iria subir para dar início ao espetáculo, nem haveria de descer, no final, tal como acontecera há alguns anos atrás, no Centro Cultural de Belém, com uma outra peça de Tiago Rodrigues, “Catarina e a beleza de matar fascistas”). Em cena, uma enfermeira que, pouco tempo depois se descobriria ser belga, da região flamenga, deambula entre uma cama de hospital e imponentes penedos “trazidos” do nordeste transmontano onde se alpendorara um outro leito articulado. A magia inerente a toda esta encenação revela-se, logo desde o início pois, subitamente, o burburinho da plateia foi substituído por um silêncio reverente e atento sem que se visse ou ouvisse qualquer sinal, a não ser a perceção de que a peça iria começar. A personagem, apelidada como a “Pior Enfermeira do Mundo” dirige-se à plateia, em holandês, descrevendo os últimos dias, no Hospital Amadora-Sintra de um doente terminal, o moncorvense Rogério Rodrigues. Junto ao leito vazio ficou, num saco preto um caderno e uma caneta azul. Fora uma exigência do jornalista e escritor do Peredo dos Castelhanos para ocupar os seus dias a escrever uma reportagem do dia a dia da enfermaria hospitalar, e que o seu filho mais velho, Tiago, teria satisfeito… parcialmente pois que, por distração, trocara a cor da caneta que, devia saber, teria de ser preta e não azul. Quando, finalmente, corrigindo o erro, regressa com a esferográfica repetidamente reclamada, encontra a cama vazia e, no saco negro, um bloco cheio de riscos que, vagamente, poderiam assemelhar-se a estranhas letras de um texto, quiçá, vários desenhos ou expressões artísticas. Provavelmente as derradeiras tentativas do escritor de registar mais uma das suas reconhecidas crónicas jornalísticas. O mistério seria desfeito com um outro caderno, paralelo, ditado pelo doente e escrito por uma misteriosa Teresa das Canções (exemplarmente interpretada por Manuela Azevedo que arrepiou todos os presentes a cantar Jacques Brel) não a Teresa Torga que o Rogério descrevera quando em maio de 1975 se despira na via pública às quatro horas da tarde e que Zeca Afonso cantara em composição com esse nome, incluída no álbum “Com as minhas tamanquinhas”, mas uma outra Teresa, conhecida do Tiago e que fazia voluntariado no Hospital, onde conversava com os doentes, ouvia-os, fazia-lhes algumas vontades (como a de escrever o que eles já não eram capazes) e cantava-lhes, deixando uma mensagem diária de despedida: haverá sempre canções ao fim da tarde que, para remate (sempre com o pano corrido), deixa em aberto a dúvida, desde as primeiras cenas – será uma pergunta ou uma promessa? Poucos dias antes, em Torre de Moncorvo, o Rogério foi homenageado por um conterrâneo e amigo: Paulo Salgado, que apresentou o seu livro “O que reconheço em Paris Sou Eu” onde reuniu cartas e poemas que o jornalista lhe dirigiu.

VENHA O DIABO E ESCOLHA

Pouco tempo depois de Donald Trump ter anunciado um projeto gigantesco com biliões a serem investidos no desenvolvimento da Inteligência Artificial através do projeto Stargate fomentado pelo patrão da OpenAI com o apoio do Softbank… caiu como uma bomba o anúncio da concorrente do ChatGPT, a chinesa DeepSeek, que, sem ficar atrás na performance tem por base uma infraestrutura muitíssimo mais leve e requereu um investimento a raiar o ridículo, quando cotejado com os produtos de Silicon Valley. O Mercado de Capitais de Nova Iorque ressentiu-se e deu um trambolhão de mais de seiscentos mil milhões de euros com desvalorização bolsista das tecnológicas associadas aos projetos de Inteligência Artificial americanos. As reações não se fizeram esperar. Por um lado, a euforia de utilizadores e desenvolvedores que, tal como Liang Wenfeng, privilegiam o uso de código aberto, preferido pela comunidade científica para os seus estudos e pesquisas por facilitarem a colaboração de redes livres e universais. Por outro, em contracorrente, vieram logo os avisos, as ameaças, o semear do medo e, claro, as proibições, um pouco por todo o lado. Segundo o que é conhecido as razões para a “ameaça” chinesa repetem o cardápio já anunciado para limitar o uso da tecnologia Huawei na implementação das redes 5G e vão desde a preocupação com a privacidade dos dados, armazenados em servidores chineses, riscos de segurança nacional para os governos ocidentais, partilha de dados com os órgãos de poder e fuga de dados e informações. São preocupações legítimas, porém têm, a meu ver, de ser devidamente relativizadas. A primeira interrogação que estas preocupações devem levantar, julgo eu, é: quem aproveita, e para quê, o conhecimento das minhas informações pessoais? E, uma vez que, na prática, como seguramente já todos perceberam, estamos imersos em ambientes digitais de gigantescas bases de dados a que dificilmente escapamos, que risco adicional corro se os mesmos estiverem guardados num regime autoritário, centralizador, controlador e que em nada depende da opinião dos cidadãos para se manter no poder, em vez de estarem à disposição de um regime democrático, sim, mas onde o poder está nas mãos de quem amnistia criminosos que atentaram, violentamente, contra a integridade do Estado e das Instituições Democráticas, ameaça tudo e todos que se lhe opõem, despede seletivamente funcionários da justiça que, em algum momento, baseados na lei vigente, promoveram ações que não lhe agradaram, acha que pode invadir um país, sem sequer ter de alegar quaisquer direitos históricos ou outros, mas apenas porque lhe convém ter acesso aos seus recursos naturais, se arroga no direito de deportar milhões de cidadãos para poder promover negócios imobiliários (área de negócio pessoal e privada) e, ainda, mas não na totalidade, entende que a eficiência do serviço público pode ser determinada por um empresário lunático e com avultados interesses no investimento público? Até hoje, a única intervenção ilegal no uso indevido de dados pessoais aconteceu em resultado da colaboração da inglesa Cambridge Analytica e da americana proprietária do Facebok.

COMPADRE ZÉ

Quem, por compromisso assumido se propõe dissertar sobre temas atuais, semanalmente, confronta-se frequentemente com a dificuldade de selecionar um tema tanto em alturas em que os mesmos escasseiam como, igualmente, quando abundam. Nesta semana são variados os assuntos que agitam a sociedade desde os incompreensíveis despedimentos no Bloco de Esquerda até à humilhante acusação a um deputado da nação e, pior ainda, a estranha, incompreensível e degradante resposta do seu antigo grupo parlamentar para o ostracizar e repudiar. Por norma, não gosto de me pronunciar “a quente” sobre matérias, sobretudo quando polémicas pois as parangonas tituladas, frequentemente, mascaram a realidade, muitas vezes mais comezinha. Mantendo e respeitando esta opção entendi por bem comentar a entrevista que o antigo Presidente da Assembleia da República deu, recentemente, à RTP2 onde discorreu sobre os candidatos à Presidência da República, matéria em que é, assumidamente, parte interessada. Não para enaltecer as suas próprias qualidades (não seria o primeiro nem a primeira vez – quem não se lembra do polémico autoelogio na antecâmara da receção ao Presidente do Brasil, Lula da Silva?), mas para apontar as pretensas debilidades de putativos concorrentes. Custa-me a entender que alguém, assumindo-se como democrático e, assim sendo, respeitador das opções da maioria queira condicionar as possíveis escolhas a critérios seus, onde faz uma primeira seleção sobre o que é ou não é aceitável. Segundo Santos Silva não é aceitável uma candidatura de um comentador televisivo promovida por um partido. Muito menos a de um ex-militar. A sério? Desde quando? Desde que Gouveia e Melo e Marques Mendes aparecem à sua frente nas sondagens? Curiosamente nenhum desses “impedimentos” consta da Constituição da República, único documento determinante para a elegibilidade de qualquer pretendente a ocupar o Palácio Rosa… Ninguém deveria ir além disso, muito menos quem ocupou a cadeira mais elevada do parlamento que a redigiu! Mais contundentes e mesquinhas foram as considerações sobre o seu correligionário António José Seguro a quem acusou de se “destacar” apenas com banalidades. Não concretizou nenhuma delas mas a este propósito, lembrei-me de algumas, embora não fossem da autoria do antigo líder do PS, tais como a expressão do gosto de malhar na direita e com especial prazer nos sujeitos que se dizem da esquerda plebeia ou chique! Isto, sem esquecer a classificação de jornalismo de sarjeta à comunicação social que não acatava as diretivas de José Sócrates, à data Primeiro Ministro e seu grande amigo. O melhor ficou para o fim: o candidato ideal, o único que merece figurar no boletim de voto – António Vitorino, porque “cumpre todos os requisitos”. Aliás, se for ele o candidato, Santos Silva não se candidatará… certo que o contrário também será verdadeiro. Lembrei-me de uma história que o meu pai contava, amiúde: “Cá, na Freguesia só há dois homens bons: um és tu, compadre Zé e o outro dirás tu, compadre, quem é!”

ROSAS DE VILA FLOR

No passado dia sete de janeiro, cumpridos que foram setecentos anos sobre a sua morte, evocou-se D. Dinis, o rei-poeta. Em Odivelas, onde está sepultado, passando por Santarém onde foi relevado, entre outros, o papel do monarca no desenvolvimento agrícola, Leiria, louvando a iniciativa de plantação do célebre pinhal, berço de caravelas, tema de cantigas de amigo e gérmen da ecologia, foi, em Vila Flor, celebrado o seu génio poético, o seu lado romântico e, sobretudo, prestada a devida homenagem ao soberano que, por ocasião da concessão do seu primeiro foral rebatizou a antiga Póvoa D’Além Sabor por lhe reconhecer a beleza suficiente (e evidente) para a qualificar como sendo a Flor das Vilas do seu reino. A propósito desta merecida comemoração o município vilaflorense entendeu por bem homenagear um apoiante desta celebração, de primeira hora, o padre Joaquim da Assunção Leite, falecido recentemente. No Centro Cultural Adelina Campos, perante uma plateia de amigos, o bispo auxiliar da arquidiocese de Braga e bispo titular de Dume, D. Delfim Gomes fez o elogio do homenageado, de quem foi muito próximo não só nas suas funções paroquiais, como na vida do dia a dia naquela vila, num registo informal, mas muito emotivo. Lembrou o percurso comum desde a colaboração na gestão do Seminário Maior de Bragança até à partilha de responsabilidades na paróquia de Vila Flor. O Presidente da Câmara, eng.º Pedro Lima, abriu a sessão, salientou a importância da atividade cívica, cultural e religiosa do sacerdote e depois de enaltecer as características ambientais e arquitetónicas do concelho que lidera, justificou o apoio do município à edição e apresentação de um livro, focado nesta comemoração e escrito a partir de uma ideia do padre Leite. A apresentação da obra foi adequadamente ilustrada com a representação de um quadro aí descrito, levada a cabo pela Filandorra. O grupo de teatro recriou a chegada dos reis de Portugal à Praça da República, acompanhando a performance cénica com um cuidado e adequado momento de música medieval. Após as apresentações foi servido um Porto de Honra onde, entre os acepipes se destacaram, mesmo que nem todos os presentes se apercebessem, algumas dezenas de doces concebidos e confecionados, de propósito para aquela ocasião. Das experientes e criativas mãos de Cármen Ochoa Pimentel, saíram deliciosos bolos de amêndoa e creme de ovos, em forma de rosa, como resposta ao desafio do já citado padre Joaquim Leite. A caixa onde vieram para o Centro Cultural estava, muito apropriadamente, ilustrada com a imagem da capa do livro “O Terceiro Milagre das Rosas”, ali apresentado. Não sei se a iguaria já foi batizada, porém, sem me querer arrogar do génio dionisíaco que tão brilhantemente renomeou a Póvoa D’Além Sabor, atrevo- -me a sugerir que a iguaria se passe a chamar “Rosas de Vila Flor”. Estou certo que, uma vez conhecida e divulgada, passará a ser mais um motivo para visitar a vila nordestina e, nesta, rumar até à Casa das Tias, nas imediações da Praça da República, na vizinhança da Rainha Santa, quem, primeiramente, atribuiu a estas flores, características alimentícias. Ou vice-versa…

PERCEÇÕES

A experiência é sobejamente conhecida dispensando-me de a descrever, aqui, com toda a minúcia. Se colocarmos uma mão num recipiente com água gelada e a outra num com água muito quente, metendo ambas, depois num tacho com água à temperatura ambiente, o mesmo líquido parece-nos, ao mesmo tempo quente e fria, de acordo com a mão e o lugar onde esta esteve, antes. Não podendo ser uma coisa e o seu contrário a única explicação é que a perceção que temos, baseada nas sensações, é enganadora. Sendo porém tão fortes e insistentes estas impressões, durante muito tempo condicionaram a forma como olhámos para o mundo levando a teorias tidas por verdadeiras e supostamente científicas como as que assumiam que a terra era plana e ocupava o centro do universo. Foram tão propaladas e assumidas, tão geralmente consideradas como indubitáveis que o seu abandono só foi possível com o talento de reputados cientistas, alguns com risco da própria vida, como Galileu e Giordano Bruno. Felizmente, depois de Descartes, a realidade começou a ser percebida, assumida e compreendia com base em factos inquestionáveis (cogito ergo sum) e tudo quanto possa ser deduzido destes de forma racional. Foi assim que a humanidade abandonou o obscurantismo medieval e entrou na era moderna recheada de descobertas científicas geradoras e promotoras do progresso e do bem-estar. Ao começar a atuar com base em perceções, assumindo que é o combate a estas que o move, ao mesmo tempo que concede que as mesmas são substancialmente diversas, em qualidade e intensidade, da realidade, o Governo da Nação, liderado pelo Primeiro Ministro não só promove um retrocesso civilizacional como, se aventura por um caminho perigoso e arriscado, para o próprio poder instalado. Ao agir, de forma semelhante à usada por poderes totalitários para manterem a autoridade despótica, só para “reduzirem” a perceção de insegurança, corre o risco de criar a perceção de que está em curso uma deriva autoritária coordenada pelo poder legítimo ou, pior ainda, de fora por interposta força que apesar de legal é minoritária e, como tal, carece de legitimidade para condicionar a vida de toda a população. Acresce que os números dizem que, existindo abuso no uso do Serviço Nacional de Saúde, por alguns estrageiros que vêm ao nosso país com o fito explícito de aqui receberem tratamento em condições privilegiadas, este fenómeno é residual e com fraco impacto real no financiamento do SNS, podendo (e devendo) ser combatido com o quadro legal já existente. Ao legislar especificamente para dificultar o apoio médico a recém-chegados, a pedido de uma força política que publicamente ataca e quer perseguir quem procura o nosso país para trabalhar e viver, parece que o partido do poder está a reboque de quem diz querer afastar-se. De pouco adiantará proclamar e reafirmar que o não é não se a prática, mesmo que o não seja, causar a perceção de que quem efetivamente manda no país não é o Primeiro Ministro mas quem se autointitula de líder da oposição!

SETECENTOS ANOS

Há sete séculos atrás, Portugal, conquistado o reino dos Algarves, desenhara já as suas fronteiras que, aparte alguns pormenores e pequenas disputas raianas, são as que ainda hoje prevalecem, fazendo do território lusitano aquele que há mais tempo tem os seus limites continentais definidos e internacionalmente reconhecidos. Mas o reino que D. Dinis recebeu de seu pai, D. Afonso III, estando estabilizado no que concerne aos objetivos da reconquista cristã, como resposta à invasão muçulmana de cinco séculos atrás, no que concerne ao poder da Nobreza subsidiário do poder real, estava claramente dividida entre a Velha e a Nova Nobreza. Ao grupo daqueles que, baseados nas famílias tradicionais (os Sousões, Bragançãos, da Maia, Baiões e Riba Douro) tinham andado a “filhar Portugal”, nos primeiros reinados, detentores de largos poderes e grandes domínios a norte do rio Douro, opunha-se o grupo dos cavaleiros que, tendo acompanhado o infante D. Afonso, quando este foi para terras de França, emergiram quando este assumiu o trono e cujas posses e domínio se situavam a sul, nos territórios que ajudaram a reconquistar, nomeadamente o simbólico e disputado reino dos Algarves. Culto, inteligente e grande estratega, D. Dinis procurou no reino de Aragão o aliado que lhe permitiu consolidar a fronteira com Castela, reforçando as suas disputas com o vizinho e, igualmente, potenciar as ambições mediterrânicas, como forma de responder à pretérita invasão muçulmana e que haveria de se concretizar, com a tomada de Ceuta, um século depois. Esta aliança traduziu-se no matrimónio do Rei Poeta com a Princesa de Aragão, piedosa, caritativa e devota que muito contribuiu para a normalização das atribuladas relações com a poderosíssima Santa Sé. Tendo-se oficializado em Barcelona, para ultrapassar a interdição dos templos portugueses, foi replicado, simbolicamente, em Trancoso, no norte do reino, mas a sul do rio Douro. Igualmente simbólica foi a entrada no reino lusitano de Isabel de Aragão que, estando programada para acontecer, naturalmente, por Almeida, veio a concretizar-se por Bragança, tendo a nova rainha pernoitado em Castro de Avelãs sob a proteção do Braganção Nuno Martins de Chacim. Para que este acontecimento fosse memorável, dando corpo ao espírito romântico e poético, D. Dinis ter-se-á deslocado de Trancoso ao Mosteiro brigantino para a saudar com uma serenata noturna. Porém, naquele tempo, não havia forma de percorrer a distância num único dia. Por isso, o monarca teve de pernoitar na Póvoa D’Além Sabor que, quatro anos depois, haveria de visitar para lhe conceder Foral e rebatizar como Vila Flor, rendido à sua beleza natural. É este acontecimento que a Câmara Municipal da Vila da Flor de Liz irá comemorar no próximo dia 7 de janeiro de 2025, por ocasião do septingentésimo aniversário da morte de D. Dinis, Rei de Portugal e dos Algarves. Nesta efeméride será igualmente homenageado o padre Joaquim Leite e apresentado o livro “O Terceiro Milagre das Rosas” idealizado por si e escrito por mim, com base nas suas notas e ideias transmitidas oralmente.