José Mário Leite

AVATAR

O termo Avatar a que nos começámos a habituar depois do sucesso do filme com esse nome do cineasta americano James Cameron, deriva de um conceito hindu de reencarnação divina tendo hoje um significado ligado ao mundo virtual, normalmente associado ao Metaverso. É usado em jogos de computador onde se pretende mergulhar o utente num ambiente digital imer- sivo. É uma espécie de um alter ego que, assumindo as características próprias e personalizadas, se subme- te a experiências que, pelas suas fantasias, excentricidades ou “perigosidade”, se submete a experiências, normalmente virtuais, que poderiam representar algum perigo (ou mesmo impossibilidade) para o próprio. A medicina contemporânea foi buscar o termo e a respetiva abstração para, recorrendo a tecnologias atuais, muitas vezes com apoio da Inteligência Artificial, usar outras “entidades” para exponenciar as técnicas de tratamen- to. Frequentemente com a ajuda de cientistas que, felizmente, cada vez mais, na investigação translacional, gravitam na órbita de hospitais e clínicas. É o que acontece na Fundação Champalimaud nas várias áreas em que atua, seja no Centro Clínico, seja no Centro de Investigação. Em concreto, o grupo de Rita Fior está a desenvolver e levar à prática um projeto que, espera-se, vai revolucionar o tratamento do cancro, sobretudo as formas líquidas desta doença. O tratamento oncológico passa pela remoção dos tumores (mais fácil nas formas sólidas) e eliminação das células cancerígenas que não foram extraídas por dificuldade acrescida ou mesmo, impossibilidade. Para esta última operação usam-se várias tecnologias, sendo as mais conhecidas a quimioterapia e radioterapia, em- bora várias outras, menos invasivas e, quiçá, mais efi- cazes, estejam a ser inves- tigadas e experimentadas. Algumas delas promissoras porém, embora sendo se- guras, não é ainda evidente qual ou quais delas são as mais eficazes e com menores efeitos secundários indesejáveis. E é aqui que o grupo de Fior pretende assumir um papel de relevo. A investigadora propõe-se recolher uma amostra das células cancerígenas de cada um dos doentes, reproduzi- -las em laboratório e injetá- -las em várias dezenas de peixes zebra que, a partir de então, ficam marcados como os Avatares do paciente em causa. Os modelos são divididos em vários grupos, tantos quantos o médico entender que são os tratamentos possíveis e indicáveis para o doente. As tecnologias são transfe- ridas para os peixinhos e estes passam a ser monito- rizados para avaliar a pro- gressão do tratamento em cada um dos grupos. Nesta primeira fase é possível in- formar, em tempo real, qual dos tratamentos em curso é mais eficaz orientando o clínico para uma atuação mais célere, eficaz e, sobretudo, menos dolorosa para o utente. Sabendo do sofrimento, físico e também psicológico que estas terapias têm em quem delas precisa e sendo óbvio que num indivíduo, optando por uma delas, é preciso esperar pela avaliação da sua eficácia, para passar à seguinte, a possibilidade de poderem ser feitas em modelos, todas ao mesmo tempo e proceder a uma comparação sincronizada dos seus resultados, constitui um ganho enorme para quantos recorrem aos cuidados médicos. Ganha-se em bem es- tar, confiança e, sobretudo, em tempo que em algumas vezes pode representar a diferença entre sobreviver ou não. Porém, o intuito da in- vestigadora é ir mais lon- ge. A partir de um universo maior de doentes, que ex- travasa muito a Champalimaud, criar uma extensa e bem documentada base de dados que, manipulada por tecnologias de Inteligência Artificial, possa restrin- gir as tecnologias a adotar e, em casos mais graves e urgentes, selecionar logo uma!

A DECISÃO CERTA (PELOS MOTIVOS ERRADOS)

Não há como escondê-lo, mascará-lo ou escamoteá-lo: tudo no Ministério das Infraestruturas esteve mal. Tal como Marcelo adequada, oportuna e oportunisticamente veio declarar. Como é que é possível existir, na equipa ministerial alguém, a quem são atribuídas funções relevantes num dossier tão sensível como o da TAP é que seja capaz de um comportamento absolutamente reprovável como o de Frederico Pinheiro? Mas, antes disso, se este é o exemplo do recrutamento dos ministros de António Costa para cargos desta natureza, como serão os que ocupam lugares menos proeminentes, mas, mesmo assim, com responsabilidades capazes de prejudicarem (por incompetência, ignorância ou mau feitio) o interesse público? Mesmo suspeitando que há ainda muito por escla- recer neste rocambolesco episódio da política caseira, tudo quanto se sabe é tão mau que até o que podia estar bem, não está. Comecemos pelas notas. Diz o adjunto que o ministro queria esconder as notas, diz o ministro que as desconhecia até lhe ter sido comunicado a sua existência. Como assim? Então João Galamba não viu o seu adjunto a digitar “coisas” no computador? Ou pensou que o colaborador estava entretido a jogar, a enviar e-mails ou a dialogar em algum chat? Não vou comentar o recurso ao SIS para recupe- rar um computador portátil. Deixo aos entendidos a escalpelização da legalidade da forma como foi requisitada a sua interven- ção. O meu foco é outro. O membro do gabinete tem direito a recuperar informação do equipamento que lhe foi atribuído? Tem. Se a devia ter ali ou não é outra questão, mas, tendo-a é sua e deve ser-lhe disponibilizada. E pode levar, por arrasto, um documento classificado? Não. O problema neste caso, é outro. Como é possível que um documento classificado pelo Estado esteja num computador portátil acessível a um colaborador? É esse o nível de segurança das informações secretas deste governo? O ministro tinha razões para demitir o seu adjunto? Provavelmente sim. Ou não. Seja como for, não é aceitável num estado democrático demitir alguém por telefone e sem o ouvir. Coisa diferente seria suspendê-lo de funções! Está, aliás, ainda por esclarecer quem fala verdade (porque um deles mente e tanto pode ser um como o outro) sobre o “leitmotiv” deste caso, quem e quando conhecia a existência das notas e quem, nessa altura pretendia, efetivamente entregá-las à CPI da TAP. Andou mal o ministro? Muito mal. A única coisa que fez bem foi o pedido de demissão. Porém, António Costa fez muito bem ao recusá-la. Não lhe restava outra alternativa. Aceitá-la seria deixar que o seu governo passasse a ser telecomandado a partir de Belém. Perdia a capacidade de liderança e deixava de ser respeitado pelos ministros que, pres- tando-lhe contas, como é devido, teriam sempre de ter em conta a apreciação e juízo presidenciais. E isso seria demasiado grave, não só para o Governo, mas para o País!

OS FEITORES DA QUINTA

Em tempos idos e durante largos anos, as principais quintas da Vilariça (e de outros locais, suponho) eram administradas, em nome dos seus proprietários, por feitores que tinham, invariavelmente, largos poderes de gestão. Tão alargados e efetivos que, à vista de muitos dos seus trabalhadores, clientes e fornecedores eram, facilmente, confundidos com os seus verdadeiros donos. No que havia de gestão corrente, tudo decidiam, tudo faziam, tudo assumiam. E, obviamente, dessa alargada delegação de poderes, davam conta, periodicamente aos senhores que lhe haviam confiado a condução dos destinos da propriedade. Porém, por mais vastos que fossem os poderes em que eram investidos havia uma linha clara que a nenhum era permitido ultrapassar: a alienação do património familiar, fosse material ou intangível, fossem terrenos e casas ou marcas e direitos, sem a devida autorização e necessária delegação formal de poderes, para tal. Façam-se as devidas ressalvas, mudem-se os pormenores e as circunstâncias, adotem- -se as necessárias adaptações e temos aqui plasmado o modelo de governação das autarquias locais da nossa terra. Igualmente estão consagrados ao Presidente da Câmara muitas competências, tantas que muitas vezes são vistos como se fossem donos da edilidade, sendo, com grande frequência, o próprio a tomar e assumir atitudes condicentes com essa pretensa realidade. Não vem ao caso o que eu possa pensar sobre afirmações de abusiva apropriação dos haveres da fazenda pública nem da desadequação dos que, falando em nome do coletivo camarário usa os verbos na primeira pessoa: “eu dei, eu paguei, eu construi, eu candidatei...” Não é de grande monta pois o tempo há de trazer ao devido lugar tudo quanto o entendimento provisório distorceu pois, ao contrário da maioria dos feitores, o lugar de edil não é vitalício. Porém se a vontade do autarca passar pela alienação, troca ou alteração de forma irreversível do património comum, mandam as boas práticas de gestão (seria bom que todos as conhecessem) que tais atos sejam sujeitos a escrutínio geral de todos os donos, cada um dos munícipes. O ideal seria, obviamente, submeter qualquer pretensão deste tipo a referendo popular universal. Não quis ir tão longe o legislador mas, mesmo assim, deixou claro, na Lei que regula o funcionamento das Autarquias Locais, nomeadamente na alínea i) do número 1, do artigo 25.º da Lei 75/2013 de 12 de setembro que é necessária a aprovação da Assembleia Municipal para a oneração e alienação de património material de elevado valor e do património imaterial, independentemente do valor. Quando, recentemente, tive conhecimento da troca de pergaminhos e outros documentos históricos de grande valor entre os municípios de Vila Flor e Torre de Moncorvo, estranhei que o episódio tivesse vindo a público sem a conveniente discussão pública e análise popular. Seria possível que um ato deste tamanho, com esta implicação pudesse ter sido programado e combinado “apenas” entre os presidentes de Câmara e, eventualmente, os seus colaboradores mais próximos? Não era razoável. Não era crível. Não podia ser possível! Porém, os documentos oficiais publicados na internet, nada diziam de concreto sobre o tema. Recorrendo a pessoas que me merecem total confiança, fui informado que este não foi um assunto discutido na Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo e, na de Vila Flor, nem a reunião de Câmara foi presente! Não me interessa saber quem ganhou ou perdeu com a tão propalada troca. O que é importante e necessário esclarecer é: quem investiu os edis respetivos de poderes para disporem, livremente, de algo que não lhes pertence?

SETE!

Este ano as vagas nos cursos de Medicina vão aumentar. Vai haver mais SETE! Se não fosse dramático, seria anedótico! Mais sete? A sério, senhora Ministra? Elvira Fortunato justifica a “frugalidade” com dois argumentos: o custo e a qualidade! Formar um médico é caro, sem dúvida mas a situação catastrófica do SNS é ainda mais, quer seja contabilizada pelo sofrimento indevido e adiado, pela deterioração da força de trabalho e até pelo custo adicional das horas extraordinárias (mais caras e menos eficiência por razões óbvias) bem como pelas verbas sistematicamente requeridas para as contratações em regime de prestação de serviços de empresas e médicos estrangeiros. O risco de diminuição de qualidade prende-se, paradoxalmente, pela “escassez” de enfermarias na proximidade das Faculdades de Medicina. Obviamente que as aulas práticas, em ambiente real, são importantíssimas mas esta constatação só vem evidenciar o óbvio: as novas vagas, necessárias e urgentes, devem ser abertas longe das atuais Escolas Médicas. Inexplicavelmente, a ministra do Ensino Superior veio dizer à RTP que é necessário avaliar se não haverá médicos mais do que suficientes e, como tal, advogou a constituição de uma comissão para analisar a situação. Oh senhora Professora Elvira, não quero crer que o desiderato advogado seja apenas a tristemente célebre maneira de adiar para as calendas um qualquer problema de difícil ou trabalhosa solução. A escassez de profissionais de saúde é uma realidade que resulta da circunstância de se estarem a reformar milhares de médicos em número substancialmente superior ao dos licenciados que, nos mesmos anos, vão sair das Faculdades Médicas. De tal forma previsível que vem sendo alertada por vários responsáveis, como recentemente avisou o especialista em gestão de saúde e antigo ministro da pasta, António Correia de Campos. Mas, mesmo que a investigadora da Universidade Nova, por estranho e inverosímil acaso, desconhecesse tais avisos à navegação, bastar-lhe-ia meter-se no carro e percorrer as várias urgências das regiões metropolitanas ou, melhor ainda, as Unidades de Saúde do interior. E, neste último caso, teria, como bónus, a evidenciação de que os Cursos de Medicina terão, por estas bandas, enfermarias suficientes e aptas a receber dezenas de estudantes clínicos. Portanto, senhora Ministra, a solução passa pela criação de novos Cursos, mas não nos locais do costume, antes, nas Unidades de Ensino de qualidade que também as há, longe do litoral, como é o caso mais do que provado do Instituto Politécnico de Bragança ou a Bragança Polytechnic University, como passou a denominar-se. E que, tal como as restantes instituições de ensino superior, passou a poder lecionar e atribuir doutoramentos o que, nos tempos que correm, já não é bizarria nenhuma, antes uma necessidade do ensino avançado de qualidade e, no caso concreto, a resposta aos avanços do conhecimento científico em biomedicina. O que desespera é a morosidade na tomada de decisão que agrava o problema e dramatiza o futuro. A formação de um médico leva seis anos até à conclusão da licenciatura e mais quatro a seis, de formação avançada. A formação de uma Escola de Medicina, “tradicional” demorará perto de uma dezena de anos a estabelecer dentro dos parâmetros aceitáveis e necessários. Tempo demasiado para ser útil na resolução da emergência que nos assola. Há que encontrar outras vias e outras soluções que seja capaz de “produzir” profissionais competentes e de qualidade em menor tempo. O IPB, ou seja a BPU, está a programar, para o final de maio, uma conferência onde estes assuntos serão abordados e onde se espera surjam boas soluções.

CRIME É CRIME- DEMOCRACIA É DEMOCRACIA

1. Crime e Castigo

Um crime é julgado como tal e tem a gravidade adequada, por si mesmo e não por quem o promove ou pratica. O Tribunal Penal Internacional condenou a deportação forçada de crianças ucranianas para a Federação Russa e acusou Vladimir Putin e Maria Lvova-Belova, contra quem emitiu um mandado de captura para os levar a julgamento. O facto de o primeiro ser o chefe de Estado eleito não pode, de forma nenhuma, servir de atenuante, muito menos álibi para tão horrível, desumana e condenável atuação. Uma investigação independente da ONU veio denunciar a tortura e morte de soldados ucranianos prisioneiros das tropas russas, mas também, e em maior número, de soldados russos capturados pelas forças armadas da Ucrânia. Tais comportamentos são criminosos e os seus autores têm de ser julgados e condenados, independentemente da sua nacionalidade e da justeza da causa que defendem e pela qual lutam. A invasão ilegal de território nacional pelo poderoso e belicoso vizinho não confere às forças de Kiev qualquer imunidade para poderem exercer sobre os seus opositores qualquer ação fora das convenções internacionais e violadoras dos direitos humanos reconhecidos e aceites. Pela mesma razão é condenável por desprezível e hediondo o que aconteceu em Abu Ghraib, não esquecendo as criminosas atuações americanas em Guantânamo sem deixar de fora o apuramento das responsabilidades de George Bush e, porque não, do próprio Obama, no último caso.

2. Liberté, Egalité, Fraternité

As razões de Emannuel Macron para defender o aumento da idade da reforma, tendo em vista a sustentabilidade da Segurança Social, adaptando o início da “retraite” à realidade demográfica, podem ser boas e justificadas. Porém, o recurso ao artigo 49.3 da Constituição Francesa, invocado pela Primeira-Ministra gaulesa, Élisabeth Borne, para impor a alteração pretendida sem a fazer passar pelo democrático crivo do Parlamento, sendo legal é imoral. Está nos antípodas do lema que guiou os revolucionários que tomaram a Bastilha para derrubar o despotismo que governava o franceses e foi na sequência da famosa e transformadora Revolução Francesa que se cavaram os alicerces que permitiram a Macron chegar ao Eliseu e a Élisabeth ser empossada para a chefia do executivo. A justificação dada pela senhora Primeira-Ministra é, em termos democráticos, arrepiante. O recurso ao mecanismo constitucional foi invocado por não conseguir obter, no Parlamento, apoio suficiente para a aprovação do diploma. Ora bem, a necessidade de obter apoio maioritário para as decisões governamentais, mesmo aquelas que podem ser tomadas por Governos e Presidentes legal e justamente eleitos, é o princípio básico da Democracia. Quer se goste ou não. É aliás mais útil quando, precisamente, esse princípio colide com a vontade dos governantes. Mesmo que o propósito de Macron seja justo e necessário, se não conseguir atingi- -lo dentro do justo jogo democrático, pois bem, só lhe resta uma de duas soluções: abandonar a obstinação da concretização dos seus intentos... ou devolver a questão ao povo pois é do povo (que o contesta) que lhe vem o poder que tem e não o contrário!

UMA ROSA AMARELA

As exéquias fúnebres respeitaram a sua vontade, tanto quanto foi possível. “Quero uma cerimónia simples e sem grandes manifestações de pesar”. Era impossível conter a comoção e tristeza de quantos estiveram na igreja matriz de Vila Flor, para um último adeus e a simplicidade das cerimónias religiosas não ultrapassaram a necessária solenidade da presença dos seus pares presididos pelos bispo auxiliar e arcebispo de Braga, D. Delfim Gomes e D. José Cordeiro. “Quero cânticos alegres, na hora da minha partida”. Com a direção do pároco, Francisco Pimparel, o coro, que tantas vezes orientou, entoou dez cânticos, quatro deles musicados por si. “Não pretendo grandes arranjos florais. Coisa simples e do quotidiano”. À riqueza arquitetónica do templo, nada de faustoso foi acrescentado. Junto da urna, pousada diretamente no solo, coisas simples, do quotidiano, onde sobressaía uma cruz de madeira rústica com o rosto de Cristo pintado, em singela alegoria a uma vida dedicada ao serviço da Igreja e, sobretudo, a todos quantos procuraram conforto, auxílio, orientação ou apoio moral e religioso. “Se calhar é uma pretensão descabida, um capricho despropositado, mas gostava de levar, na mão, uma rosa amarela”. Não, não é. Podia ser uma açucena trazida da Ermida da Senhora do Castelo, a cuja proteção se entregou, há tantos anos, sobretudo nos períodos mais críticos das várias doenças que ao longo da vida o afligiram e atormentaram; podia ser uma flor silvestre colhida nas encostas do Santuário da Senhora da Assunção a quem foi consagrado no batismo e de quem colheu o nome; podia ser um ramo verde originário das redondezas da capela da Senhora dos Anúncios que o protegeu durante a meninice, nas suas caminhadas para a escola distante; ou uma rosa qualquer vinda da Vilariça, da Senhora da Rosa, em Sampaio, de onde se podia ver a Santa Cruz... uma rosa sim, mas especial, sobretudo na cor: amarela, como homenagem a todas elas (afinal “TODAS AS NOSSAS SENHORAS SÃO A MESMA MÃE DE DEUS”) na figura tutelar da sua mãe, Felicidade do Céu, que, de todas as flores, preferia as rosas amarelas. Uma rosa, também como tributo a Vila Flor, terra que o viu nascer e que calorosamente o acolheu e que, segundo ele, deverá juntar à Flor de Lis, as rosas que se abrigam no regaço da Rainha Santa, recordada em estátua na Praça da República e a que o padre Joaquim da Assunção Leite quis dar vida e cujo projeto há de ser continuado e levado a cabo, com o apoio da Câmara Municipal de acordo com o compromisso assumido pelo seu presidente.

DIREITO DE PROPRIEDADE!

A putativa nova líder do Bloco de Esquerda deve parte da sua notoriedade à sua atuação nas Comissões de Inquérito à resolução do BES onde, efetivamente se evidenciou destapando os pés de barro das figuras relevantes da Sociedade portuguesa de então, mas que, em boa verdade, daí não resultou nenhum acréscimo visível para o bem estar ou melhoria das condições de vida dos portugueses por muito que tal tenha sido reivindicado pelo seu partido como alvíssaras pelo seu papel na chamada geringonça. Ficou ainda conhecida, não por qualquer subsídio ou benefício fiscal, para a classe média ou para os menos desfavorecidos, mas pelo imposto Mortágua. Igualmente célebre foi a seu “sound bite”: “Temos de perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”. É bem provável que a anunciada salvadora da espiral eleitoral decrescente em que o Bloco entrou, tenha, relativamente à sua antecessora, a “qualidade” de dizer o que pensa, mesmo quando não pensa no que diz. Disso não haveria de vir mal ao mundo não fosse dar-se o caso de António Costa, que pediu e obteve uma maioria absoluta para se livrar da “chantagem” inaceitável dos partidos à sua esquerda, pretenda, quando em apuros nas sondagens e na popularidade, repescar princípios e políticas aprendidas no seu primeiro mandato com a força política que lhe abriu a porta de S. Bento com o beneplácito do outro parceiro de coligação. Decretar o arrendamento compulsivo, assenhorar- -se do direito de propriedade de “fogos devolutos” seja isso o que for só pode ter chegado ao Largo do Rato por “inspiração” serôdia e requentada, do partido de Ricardo Robles. Não passa pela cabeça de ninguém com moderado discernimento e justo entendimento, perder a vergonha de ir buscar imóveis devolutos a quem os tem, seja por que razão for, na maior parte deles, porque o mercado de “arrendamento controlado” retirou a muitos aforradores o rendimento cada vez mais magro e que a inflação não pára de delir sem que a lei das rendas permita minimamente compensar. Ou mesmo de quem, com sacrifício (ou sem ele) optou por comprar uma nova casa (seja porque se deslocou por razões de trabalho, porque emigrou ou qualquer outra razão de for pessoal) sem se desfazer da anterior e, em vez de a alugar, mantê-la como para lhe servir de retaguarda de conforto de um posterior reforma ou qualquer outro uso próprio que lhe quiser dar. É bom não esquecer que quem alugou casa para compor os magros rendimentos mensais, arrependeu-se, na maioria dos casos pois a lei das rendas não lhe garante retorno actualizado e a mais valia do imobiliário só é devidamente aproveitada se a casa estiver devoluta. Eu sei que dos lados da extrema esquerda hão de vir juras de amor para com os pequenos proprietários (desde que dos seus magros rendimentos retirem o suficiente para a manutenção dos fogos dos arrendatários, não sendo inédito que alguns destes tenham modos de vida mais abastados que aqueles) virando toda a sua fúria para os fundos de investimento imorais e desumanos que, esses sim, exploram e desalojam, desapiedadamente famílias carenciadas e todas as que lhe apareçam na rede em nome do “malfadado” lucro injusto e imoral. Os fundos não sendo ninguém em concreto podem ser muita gente, alguns com poucas alternativas para rentabilizar algumas economias, mas nem quero ir por aí. Basta-me a constatação de que tais atores de mercado não existiam no ramo habitacional há algumas dezenas de anos e o seu aparecimento, bem como o seu florescimento, muito devem à canibalização de centenas de pequenos proprietários fragilizados e empobrecidos pelas regras hiperprotetoras do mercado de habitação enunciadas, promovidas e defendidas pela mesma franja ideológica que vitupera e invetiva quem veio recolher e valorizar os despojos da terra-queimada praticada há meia centena de anos.

OS TRÊS “R” E OUTROS TRIOS 2 - OS TRÊS JOSÉS II – SILVANO E SÓCRATES

J osé Silvano tinha um conhecimento da região, muito mais real do que José Gama. Acrescia que, naquela altura, a sua dedicação a Mirandela era maior e mais genuína que a do seu predecessor. A resolução do problema ambiental representava efetivamente uma maior valia para a cidade, a cujos destinos se preparava para presidir, e não uma escada para qualquer outro lugar, no curto prazo. A primeira reunião da Associação de Municípios, pós-Gama, deixou tudo isso muito claro, para descanso de todos quantos receavam pelo que a convivência entre o novo autarca e o recente deputado tivesse, de alguma forma, influenciado, negativamente, o novo ocupante do Palácio dos Távoras. Este, percebera a importância do projeto, não só para a região mas, sobretudo para o desenvolvimento da zona leste da sede concelhia. José Silvano era muito mais acessível que o Gama e tinha, já, uma maior proximidade aos Presidentes de Junta, nomeadamente os eleitos pelo PSD, todos escolha sua. O seu trabalho a esse nível foi fulcral pois o incidente na Freixeda, com a primeira apresentação pública do projeto, não aconteceria se já fosse este o Presidente da Câmara. A demonstrá-lo o cuidado, talvez exagerado, da Junta de Freguesia de Frechas que, estou certo, instruída por Silvano, ao primeiro indício de possível risco para mim e para o eng.º Carlos Aguiar do IPB e representante da Quercus, chamou a GNR para nos proteger no final de uma sessão de esclarecimento no Cachão onde recebemos várias ameaças que, parecendo graves, não era, estou certo, para levar à letra. José Sócrates era Secretário de Estado do Ambiente, havia ainda pouco tempo, quando lhe solicitámos uma reunião. Deslocámo-nos a Lisboa, eu, o João Sampaio, que presidia à Associação e Artur Pimentel que o conhecia pessoalmente. Recebeu-nos no seu gabinete, na rua do Século, simpático, sobretudo por rever o Presidente da Câmara de Vila Flor, mas com uma indisfarçável irritação. Obviamente que estava empenhadíssimo em resolver os graves problemas ambientais que atormentavam o país, recebido no seio da União Europeia, também para resolver essa questão, porém não tinha meios para resolver tão grande e delicada tarefa. As CCR (como se chamavam na altura) tinham aprovado projetos e mais projetos, em todas as áreas gastando em rotundas e quejandos, os fundos destinados ao ambiente. “Meus senhores, assim, é impossível!”. “Senhor Secretário de Estado, nós, na Terra Quente, reservámos na fatia que nos coube no Pronorte, uma verba considerável para financiar o encerramento das quatro lixeiras e a construção de um aterro sanitário!” Não foi fácil convencê-lo. Pediu-nos para confirmar, com tal insistência que eu receei estar a dizer algo que não fosse totalmente verdade, mas quer o João Sampaio, quer o Artur Pimentel, confirmaram pois assim o haviam verificado na última reunião do GAT que coordenava, localmente, a distribuição dos fundos europeus destinados às diferentes regiões. Tudo mudou, num ápice! A Terra Quente passou a ter, na Secretaria de Estado, um poderoso e empenhado aliado. Aos fundos existentes foram acrescentados mais alguns, para ir mais além do projeto inicial, nomeadamente na separação e reciclagem com o apoio enorme e decisivo do recém-criado Instituto dos Resíduos.

OS TRÊS “R” E OUTROS TRIOS 2 - OS TRÊS JOSÉS I - O GAMA

José Gama costumava dizer que o seu sucesso político se devia à sua arte e engenho de pegar num fósforo aceso e fazê-lo brilhar como um canhão. Desconte-se o exagero característico dos políticos e a trajetória do autarca nordestino justificava tal aforismo. Naquele tempo, no distrito de Bragança, ninguém dominava a arte da comunicação como ele. Sabia construir uma história, facilmente entendível pelo público alvo, acrescentava-lhe um bordão já devidamente estudado e testado e repetia-a até à exaustão. “Há verdades que existem e têm de ser respeitadas, há outras que se constroem e é preciso revelá-las”. Aos que lhe criticavam as “novidades” costumava rotulá-los como sendo do tempo do carro de bois em contraponto consigo próprio que se autointitulava de ser da era do TGV. E tudo lhe corria bem. Porém, é sabido, não há regra sem exceção! E o ambiente, nessa altura, sobretudo o tratamento dos resíduos sólidos não podia ser tratado como a construção de uma rotunda. Por alguma razão, até aquela data, em Bragança, não havia concelho que não tivesse rotundas, pavilhões, piscinas e terminais de camionagem... mas não havia nenhum aterro sanitário, nem tão-pouco a definição concreta da sua localização, a primeira e mais difícil de todas as etapas necessárias. Obviamente que a sua concretização, apesar de não haver ainda uma consciência ambiental parecida com a de hoje, seria um feito assinalável que caía como mel na sopa, ao autarca mirandelense, numa altura em que sonhava já com novos voos. Porém, a morosidade do processo não se compaginava com o “timing” das suas ambições. O verdadeiro feito seria a inauguração do equipamento, mas como não tinha tempo para esperar resolveu, imprudentemente, fazer da escolha do local de implantação, um “acontecimento mediático nacional” e resolveu convidar a televisão para o terreno para, em direto (outro erro crasso!) fazer o anúncio do arranque da obra. Para piorar, soube-se depois, tinha telefonado ao Primeiro Ministro de então, chamando- -lhe a atenção para a reportagem da recém-inaugurada delegação da RTP de Bragança. Uma pequena, mas aguerrida e ruidosa manifestação destruiu o efeito pretendido. Gama sentiu-se humilhado e ficou furioso. Obviamente que a culpa, não podendo ser sua, caiu-me em cima, apesar de ter ignorado os avisos que lhe fiz, no próprio dia sobre o risco elevado da sessão por causa do que então já se sabia. O projeto ficou ferido de morte e podia ter terminado ali! Tal como sabia fazer brilhar como um canhão, um simples fósforo, José Gama sabia bem que havia fogos cujo brilho, por ser prejudicial para a sua imagem, era melhor escondê-los, colocá-los debaixo de um alqueire por antítese ao que é recomendado pelo Evangelho (São Mateus 5:13) que Gama bem conhecia. A missão da Associação de Municípios, estava em risco, apesar de, entretanto, ter lançado o projeto MATER de modernização administrativa e informática das Câmaras associadas. Nesse tempo eu ainda presidia à Comissão Política do PSD de Moncorvo e, nessa qualidade, na disputada e “dramática” reunião distrital para indicação dos candidatos, propus e defendi, aguerridamente, o nome de José Gama para liderar a lista distrital para a Assembleia da República. Mais por causa do nome em si, do que da minha intervenção, a proposta foi aprovada por unanimidade. Em boa hora. As eleições de 1995 haveriam de trazer, para o palco ambiental do nordeste e que seriam decisivos na retoma da iniciativa que seria concluída, com sucesso, em 1997, dois outros Josés, de que falaremos na próxima crónica, a saber José Silvano e José Sócrates.

OS TRÊS “R” E OUTROS TRIOS 1 – TRÊS “M”

Recentemente fui convidado a elaborar uma comunicação sobre o processo de valorização ambiental da Terra Quente, a propósito da passagem de 25 anos da inauguração do Aterro Sanitário que aconteceu em setembro de 1997. De- veria ser apresentada numa sessão a realizar para celebração da data do evento.
Por razões que desconheço, na totalidade, tal celebração não se realizou.

Arredado há muitos anos da gestão dos resíduos, no nordeste, a minha interven- ção, para não me envergo- nhar, teria de ter um pendor histórico. E, assim sendo, para começar do início, teria de re- montar a 1993, altura em que me iniciei nessa atividade. Verifiquei que se cumprem agora, em 2023, três décadas e que foi nessa altura que sur- giu com particular importân- cia para o projeto que abraçava a política dos três “R” – Reduzir, Reutilizar e Reci- clar. De repente vi que havia, nesse processo, vários grupos de três palavras-chave com as mesmas iniciais. Pareceu-me ser de interesse, passados que são trinta anos, revisitar esses tempos, trazer para a luz do dia, episódios desconhecidos e revelar situações menos conhecidas e até, porque não, desfazer alguns equívocos e mitos criados à volta de uma instalação que, sabendo-se importante, à data, não se adivinhava a relevância que viria a assumir por ter sido o único aterro concluído, no distrito de Bragança, dos três então anunciados.

O primeiro trio é de palavras começadas por “M”: Mirandela, Moncorvo e Macedo.
José Gama, o autarca modelo de então, ganha- ra, surpreendentemente, o município mirandelense e propunha-se fazer da “prin- cesa do Tua” um jardim. Ob- tivera financiamento europeu para a ponte-açude, revolucionara a zona entre pontes com a construção do Parque do Império e a urbanização da antiga zona da feira, junto à Senhora do Amparo, cons- truíra o Parque de Campis- mo da Maravilha e iniciara a revitalização do espaço que, futuramente, haveria de ter o seu nome. Nas rotundas e ou- tros espaços públicos trans- plantara oliveiras e mandara plantar rosas. Alindara a cida- de, em toda a zona ocidental,
porém... a nascente, uma li- xeira a céu aberto, era o pior dos cartões de visita de quem chegava vindo de Vila-Flor ou Alfândega, impedia o cresci- mento para leste e empesta- va toda a zona da Reginorde,
sempre, mas muito especial- mente nos dias em que o ca- racterístico “capacete” de ne- voeiro aprisionava os fumos e cheiros libertados, cons- tantemente, pela combustão dos resíduos ali depositados. A minha entrada para a Asso- ciação de Municípios da Terra Quente Transmontana a que o edil mirandelense presidia, tinha como desafio primeiro, libertar Mirandela (e a região) deste cancro ambiental.Em Moncorvo, Aires Ferreira que disputava, a Gama, o título de melhor autarca re- gional, estava no final do seu segundo mandato e depara- va-se com um problema idên- tico que sendo, embora, de impacto inferior causticava os moncorvenses que subiam para a Terra do Ferro, vindos do IP2 junto do cruzamento da Foz do Sabor ou quando o vento empurrava fumos e cheiros para o centro da vila. Associar Moncorvo, onde eu, nesse ano, concorria contra o autarca pela disputa da Câ- mara, era um objetivo políti- co, mais do que técnico. Por óbvia razão política, foi rejei- tada a minha proposta. Apesar da mancha ambiental no centro da REN, na serra de Bornes, a lixeira de Mace- do não tinha os incómodos das duas anteriores. Contudo o aspirante Luís Vaz fez da inclusão do município ma- cedense, na Associação, para resolver, precisamente, os problemas de recolha e trata- mento de resíduos, o mote da sua campanha eleitoral que o haveria de levar ao poder, em dezembro desse ano de 1993.