José Mário Leite

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A FESTA, PÁ!

Foi bonita! No centro geométrico do mundo, na Praça da Sé, com alguma da “gente de bem” e toda a outra gente, no meio da vida de então, entre o Flórida, O Chave d’Ouro e o Cruzeiro, entre a vetusta Sé, a novíssima discoteca e o austero Banco de Portugal, equidistante do Seminário, do S. João de Brito, do Castelo, do Liceu, da preciosa Estação da CP e da atraente Florestal, e, dizia-o a televisão, por todo o país, na madrugada do dia inteiro e limpo, acordando o povo da longa e obscura noite fascista, chegou, a Democracia, vestida com as brilhantes cores da liberdade, para todos, sem quaisquer limitações ou exclusões. E, porque assim foi, hoje, um grupo de cidadãos “de bem” podem, livremente, manifestar ou seu saudosismo pelo tempo em que essa prorrogativa não os incomodaria porque era privilégio do grupo limitado onde se entregam. Mais de sessenta autores, agrupados à volta da associação “Farol”, coordenados por Paulo Jorge Teixeira e Rodrigo Pereira Coutinho, escreveram textos que, sob o título “Abril pelas Direitas”, queixando-se de serem censurados de forma mais opressiva do que a PIDE, por um novo regime totalitário, segundo regras de um jogo para as quais não foram consultados, pretendem manifestar o seu pensamento fora de linhas vermelhas e cercas sanitárias. Se as regras, tendo o sinal oposto, fossem idênticas às do tempo que saudosamente recordam só em silêncio poderiam “manifestar” o seu pensamento. E, mesmo assim, desde que um pidezeco qualquer, ou um abjeto bufo não descortinasse nos gestos e atitudes, indícios de um pensamento “perigoso” e “anti-patriótico”. Além de que, como tendo sido exaustivamente demonstrado, as regras que nos regem contam com a opinião de todos… desde que, em número suficiente para fazerem eleger quem as represente. Alertam ainda para a “ameaça” que paira sobre o português, causada pela “importação de turbas de culturas distantes”. Só pode causar espanto tais dislates vindos da casta que, há meio século atrás reclamava um estado único e uma única nacionalidade para um país unido e uniforme… do Minho a Timor! Com o regime de então a fomentar a expedição, para o continente africano, de turbas de colonos e de lá importar mão-de- -obra barata para alimentar a construção civil dos dormitórios à volta das grandes cidades da “metrópole”. Queixam-se, genérica e generalizadamente os autores de verem ideias e ideais a serem “impostos” por quantos reclamavam contra a imposição que existia no tempo da outra senhora. Afinal os “sagrados” conceitos de pátria e família não têm o devido respeito e veneração que, reclamam, lhes são devidos. E que a opinião pública está colonizada por ideias “adversas” à necessária bondade social que, garantem, é a mais adequada à nação. É provável (e ainda bem) que os seus ideais, ao contrário do que acontecia durante o regime salazarista, estejam secundarizados no seio dos portugueses. Havendo ideologias diferentes e, em vários aspetos antagónicas, não é possível que ambas tenham prevalência sobre a outra. Apenas uma poderá enquadrar a sociedade como um todo. A diferença é que agora (e tal não era possível, antigamente) a primazia é dada aquela que obtiver o apoio maioritário dos interessados e ainda, o que não é de somenos, às minorias não é sonegado o direito de se pronunciar nem de poder influenciar os restantes com a intenção clara e assumida de virar o jogo a seu favor. Foi bonita a festa, pá? Foi. Pena que alguns cravos tenham murchado e que algumas ervas daninhas secas tenham reverdecido.

A COLHER DE SANTA MARTA

No Museu Municipal do Crato, há uma imagem de Santa Marta que recebe a atenção de todos os visitantes porque tem na mão direita uma colher de prata, destoando totalmente do resto da imagem e, inclusive, de todo o espólio ali guardado e exposto. Questionado sobre o anacronismo, o técnico superior do município e principal responsável pela instalação e manutenção do espaço museológico, confirmou a “desconformidade” justificando-a com o facto de a estatueta ter sido doada ao Museu, com o referido adereço e não ver razão fundada para lho retirar. “A colher justifica-se pelo facto de Santa Marta ser cozinheira!” Acrescentou ainda que tal facto constitui um motivo de interesse adicional. “É normal, ao saírem, os visitantes perguntarem por que razão há uma imagem medieval com uma colher de prata na mão” o que aumenta a curiosidade do espaço. Surpreendido por qualquer uma das justificações, confesso, resolvi aproveitar tal facto para, com o título, chamar a atenção do leitor, para este texto que, obviamente, não pretende ficar por esta estranha ocorrência, mas ir um pouco mais além, como a seguir, farei. Guiados pelo credenciado especialista em história de arte, Jorge Rodrigues, técnico superior da Fundação Gulbenkian, aposentado e antes de rumar ao extraordinário Mosteiro de Santa Maria da Flor da Rosa (sede do priorado da Ordem do Hospital, e mais tarde de Malta), estendemos a visita à Igreja Matriz da vila alentejana. Entre várias curiosidades e motivos de interesse, a grande novidade aparece no telhado do templo com o remate dos vários pináculos com acrotérios devidamente decorados com figuras de anjos e santos. O mentor de tal “novidade” renascentista terá sido D. Luís de Portugal, Duque de Beja, grande mecenas da vila onde estava sedeada a Ordem de que era prior, por decisão real do seu irmão D. João III. “Em Portugal só existem num outro lugar: Torre de Moncorvo!” A pergunta era óbvia: “Porquê Moncorvo? Terá algo a ver com o facto de o culto e rico irmão do rei ter casado, nesta vila do nordeste, com Violante Gomes, a Formosa Pelicana?”. O historiador não soube responder embora tivesse, de imediato, aceitado a tese como boa e a justificar mais investigação. Em prol desta teoria surgem, nos estremos das goteiras do telhado e igualmente patrocinadas por D. Luís, Prior do Crato, exuberantes e assustadoras gárgulas, em tudo idênticas às que ornamentam os topos do telhado da Basílica de Moncorvo. Tendo em vista o poder económico do Duque, uma das figuras de proa do me- cenato artístico renascen- tista, sobretudo em obras de pendor religioso, tais factos podem contrariar teses sobre a promoção e financiamento da mo- numental Igreja de Nossa Senhora da Assunção, do sul do nordeste trans- montano, atribuída aos ricos cristãos-novos desta localidade, dado que, ao contrário da do Crato, esta foi planeada e começada a erguer durante a vida do ilustre fidalgo. Moncorvo, cuja afirmação contem- porânea passa muito pela exploração da sua histó- ria e cultura, muito teria a ganhar com o aprofundamento desta ligação histórica!

LA DOLCE VITA

Quem, em Parma, dos meus encantos, caminhe da Piazza Garibaldi em direção à Chiesa de San Giovani Evangelista, não pode deixar de tomar caminho pelo Borgo XX de Março, para alcançar o magnífico Battistero di Parma, na Piazza Duomo. É uma deslumbrante torre octogonal, em mármore cor de rosa de Verona “forrado” por um elevadíssimo número de esculturas em baixo relevo, ocupando toda a superfície externa, guardando no seu interior um considerável conjunto de pinturas, em fresco, alusivas à vida de Cristo. Regressando pelo mesmo caminho, em vez de voltar ao largo onde os parmagianos homenageiam o lendário herói revolucionário italiano, é recomendável que se atravesse a Strada della Reppublica, seguindo em frente, para o Borgo Giacomo Tommasini, uma rua estreita, pedonal com muitas lojas de moda no rés-do-chão dos edifícios de pequena altura, com uma cércea constante e alinhada. No topo destes, vários cabos de aço, en- trecruzados, sustentam vários espelhos gigantes onde os transeuntes apa- recem refletidos, de cabe- ça para baixo. As minha netas divertem-se a fazer caretas e movimentos que, divertidos em terra, ficam mais estranhos e cómicos quando vistos nas nuvens. Fiz esse trajeto no dia a seguir às eleições legislativas e a minha figura, sisuda, caindo do céu, de pernas para o ar, saltando de espelho em espelho, assumia um especial significado simbólico naquele 11 de março de tristes memórias, desde a abortada tentativa de golpe, em Lisboa em 1975 até ao horrendo atentado em 2004, na estação de caminho de ferro de Atocha, em Madrid, vinte e nove anos depois. O céu cinzento, ocultan- do o astro-rei, adensava o ambiente e a caminhada ensimesmada e absorta desenvolveu-se, mecani- camente, em direção ao rio Parma (afluente do imponente Pó) que se dis- tendia, preguiçosamente, num leito demasiado largo para o pequeno caudal de então. Pouco movimento nas ruas com a maioria das lojas fechadas, no perío- do da manhã, acentuava a melancolia das notícias chegadas, de Lisboa, na véspera. Na cabeça martelava uma canção com mais de meio-século, ouvida em segredo, a horas esconsas que, nessa altura, me enchiam a alma de fé e confiança mas que, agora, me lembram apenas que, nesta vida, sobretudo nos tempos conturbados que vivemos, nada pode ser dado como definitivamente adquirido. A voz do Adriano chegava com cristalina singeleza: “Per- gunto ao vento que passa, notícias do meu país…” Os passos, um atrás do outro, depois de passar pela Piazzale della Rosa, seguindo pelo Borgo Feli- no, retomando a Viale Solferino, levam-me, quem diria, à Piazza 25 de Aprile, dia de la liberation. Há sempre uma remissão para a juventude, em Bragança, na mítica Praça da Sé, ao Flórida e ao Chave D’Ouro, sempre que por aqui passo. Desta vez, por feliz coincidência, nas suas imediações, do alinhamento cinzento e monocromático das caixas de correio de um condomínio austero e tradicional, so- bressai uma mensagem, numa delas, em letras gordas e vermelhas (nenhuma outra cor seria mais apropriada) que chama a atenção de quem passa: “NO PUBLICITÀ. SOLO LETTERE D’AMORE. GRAZIE”. O regresso a casa da minha filha fez-se com um sorriso nos lábios e até o sol resolveu espreitar por entre as nuvens cinzentas. Apesar da angústia, uma onda conforto aconchegou-me a alma: a Esperança nunca morre, façam eles o que fizerem!

A LIBERDADE À JANELA

Escrevo este texto sábado, dia 9 de março de 2024, vésperas de eleições legislativas e, portanto, ignorando qual será o resultado do escrutínio. Não tenho nenhuma bola de cristal nem a capacidade de análise e previsão dos variados e eloquentes comentadores políticos da nossa praça e, como tal, não faço ideia do quadro político que vai preencher a próxima legislatura. Sei, porém, que, parafraseando La Palisse, teremos, em 11 de março, o cenário determinado pela expressão livre de todos os elei- tores que, na véspera, decidiram dirigir-se às assembleias de voto. Os entendidos adivinham um período conturbado, de instabilidade política e governativa, fruto de uma votação mais focada no passado e no voto de protesto do que numa vontade de ter uma governação tranquila e virada para o futuro. Será o que os portugueses, no seu todo, quiserem que seja porque, contrariamente ao que acontecia há meio século atrás, todos os votos são bons, sejam quais forem as consequências. É essa a maior conquista da Liberdade que, precisamente, há cinquenta anos, espreitava já à janela. Em meados de março de 1974 chegavam a Bragança, ecos de uma revolta que, a partir das Caldas, vinha dar ânimo aos que, no Liceu, no Mensageiro e no Chave D’Ouro ansiavam e, a seu jeito, davam o seu contributo para que, um mês mais tarde, a Praça da Sé se enchesse de gente, sobretudo jovens, empunhando bandeiras e cartazes rudimentares, dessem as boas vindas à Liberdade e Democracia, em todo o seu esplendor e brilho. Apesar de falhado, o Levantamento das Caldas, sobretudo por ter nascido num dos pilares em que a ditadura se sustentava, comentado à boca pequena mas, profusa e entusiasticamente, sinalizou que a abertura por onde espreitávamos para vislumbrar o mundo novo por que ansiávamos, melhor, mais equitativo, solidário e, sobretudo, pacífico era mais do que uma janela… era, afi- nal, o postigo da porta que estava já a ser des- trancada. Valia a pena continuar a insistir nas metáforas políticas do Mensageiro, procurar livros “de culinária” na Mário Péricles, pintar de tinta vermelha as escadas do Liceu, conspirar no Chave D’Ouro para fazer eleger a última Academia, de forma tão democrática quanto possível, mesmo que a Censura continuasse a truncar os textos e a cercear as ideias, os livros dos autores proibidos escasseassem, as mensagens espichadas no granito da entrada liceal e nos vidros da porta de entrada, não vissem a luz do dia tendo sido diligentemente apagadas durante a noite… afinal, contra tudo e contra todos, superando todos os obstáculos e pressões do poder estabelecido a última Academia do Liceu, absolutamente representativa e totalmente paritária foi eleita legitimamente por todos os alunos. De outra janela se fala agora: a que medeia entre setembro de 2024 e setembro de 2025 onde o Presidente da República pode dissolver a Assembleia da República. Que ela não seja usada para esconder a Liberdade. Que ninguém ouse fechar as janelas que abril abriu!

NÃO, PEDRO, NÃO É!

“Palavra fora da boca é pedra fora da mão”, diz-nos a sabedoria popular para nos lembrar que uma vez proferida, uma vez atirada, já não é possível reverter totalmente o seu efeito. Pedro Nuno Santos, no debate a oito, desta sexta-feira, veio emendar a mão dizendo de forma clara (ao contrário do seu principal opositor) quais as condições em que viabilizaria ou não um governo, outro que não o do PS. Mas vem tarde. Porque um remendo, por melhor que seja, é sempre um remendo! O líder do PS tinha iniciado uma caminhada no bom sentido, que apesar de ter começado num rotundo NÃO a qualquer governo à direita, compreensível como fator distintivo do seu opositor interno e para marcar uma posição de ancoragem para uma possível (se favorável) dramatização, mais à frente, na campanha, foi evoluindo para uma clarificação no debate com Montenegro onde, perante a insistente indefinição do seu oponente, ganhou mais pontos do que persistindo na irredutibilidade inicial. E foi precisamente quando tinha ganho avanço sobre a concorrência que se desorientou e resolveu olhar para trás e apesar de a caminhada o colocar em posição vantajosa para se lançar na campanha propriamente dita resolveu dar um passo atrás e tentar corrigir a rota e redesenhar as próprias pegadas. Provavelmente pressionado pela entourage interna descontente com um desfecho que, sendo apenas um cenário, não satisfazia, na totalidade, a enormidade dos grandes umbigos demasiado habituados à gamela governamental. Tentando agradar a gregos e troianos (ação de altíssimo risco em política, apesar de, obviamente, muito tentadora) Pedro Nuno quis abrir uma brecha no muro que tão eficazmente tinha construído na véspera: foi buscar para ferramenta de corte um pretenso valor: a reciprocidade! A reciprocidade é um valor no amor, na amizade, na interajuda e em várias outras atividades humanas mas não em política nem em justiça. A não reciprocidade é, precisamente, um elemento distintivo da democracia: a liberdade e tolerância dos democratas, para ser efetiva e consequente tem de se estender a todos, incluindo os que a não defendem nem praticam. A Lei de Talião, registada há quatro mil anos por Hamurabi, deixou de ser, felizmente, um marco referenciador da nossa civilização. Não, Pedro Nuno Santos, em democracia a reciprocidade (ou retaliação, para ser mais simples e direto) não é um princípio valorizável por quem defenda uma sociedade moderna, justa, evoluída e contemporânea. Por si só, mas muito menos, quando, para satisfazer as ambições partidárias, compromete a governabilidade de um país (isso sim, mais valioso) indo contra a vontade popular em urna, por muito “injusta” que possa parecer a qualquer um! Mesmo que o fosse, não devia. Não só por questões de conveniência do bem co- mum, mas também por oportunidade política do próprio partido socialista. Vendo bem, que vantagem pode ter o líder do PS ao exigir que o seu opositor tenha o mesmo comportamento que ele? Como quer convencer os eleitores a votarem em si, exigindo que escolham entre a sua pessoa e outra, que lhes apresenta como sendo igual em decisões primordiais do futuro pós-eleitoral, imediato… quando o que, historicamente os distingue é a herança de um desastrosa ingovernabilidade… mesmo depois de ter sido brindado com uma maioria absoluta?

TIRO-LHE O MEU CHAPÉU

Não conheço pessoalmente o Presidente da União de Freguesias de Felgar e Souto da Velha, Vítor Manuel Amaro Vieira, mas tiro-lhe o meu chapéu. A questão da propriedade e da legitimidade de exploração da água naquelas duas freguesias de Torre de Moncorvo é antiga e complicada. A sua resolução, podendo ser simples, não é pacífica exigindo coragem, determinação e competência, não à Junta e ao seu Executivo mas à Câmara Municipal. Os dirigentes políticos são eleitos precisamente para decidirem adequadamente em todas as circunstâncias nomeadamente nas mais difíceis porque nas outras é fácil dirigir! Numa reportagem recente, o autarca foi interpelado por uma jornalista, de forma demasiado insistente e acusadora, para o meu gosto, mas legítima na medida em que pretendia confrontar os decisores locais com notícias vindas a público sobre situações graves e do maior interesse para a população servida pela rede de distribuição de água ao domicílio. Vítor Vieira podia ter-se recusado a falar com a repórter ou informá-la que só conversaria com ela se desligasse o gravador de vídeo. Porém, entendeu, e bem, que sendo essa uma prerrogativa sua, não a deveria invocar porque em causa não estava só uma questão pessoal mas um assunto de interesse geral cujo esclarecimento total é uma obrigação de quem dirige os destinos comuns para com todos os que são afetados pela sua atuação enquanto seu representante eleito. Podia ter empurrado um outro membro da Junta, escondendo-se atrás dele não deixando de vir depois acusar quem pretende esmiuçar “demasiado” o assunto de estar ao serviço de forças ocultas para os denegrir a ambos, solidarizando-se com o “atingido”. Podia ter-se furtado ao enfrentamento alegando serem bem conhecidas as forças que estavam a financiar a “caluniosa” investigação e, inclusive, nem sequer se sentir na obrigação de nomear tais agentes por, precisamen- te, serem identificáveis por todos. Podia ter-se acobarda- do e a cada pergunta da repórter responder com banalidades, sofismas e lugares mais do que comuns, passíveis de terem, posteriormente, as inter- pretações que mais conviessem e vir, depois, acusar a jornalista de ter sido paga para fazer aquela reportagem (não é isso que acontece, normalmente? Não é normal os trabalhadores, sejam de que área forem, serem pagos para executarem a sua função?) alegando ser, só por isso, ilegítima e afrontosa. Podia até aproveitar o percalço para elaborar e difundir um manifesto eleitoral com objetivo de promover a sua candida- tura a um outro qualquer lugar. Mas, não só Vítor Vieira não é, que se saiba, candi- dato a mais nada, não está desesperado em deixar o lugar para o qual ganhou a confiança dos seus conterrâneos, mas também não acusa de cobardia, quem dá a cara, escondendo-se ele, nem foge a assumir a responsabilidade pelos seus atos nem impede com demagógicas declarações o seu necessário e justificado escrutínio. Não concordo, obviamente, com a inadequada e deficiente solução encontrada e colocada em prática pela Junta, com o beneplácito, inadequado e inadmissível da Câmara mas isso não me impede de reconhecer a verticalidade, coragem, frontalidade e transparência com que Vítor Manuel Amara Vieira enfrentou o assun- to, assumiu a sua atuação e prestou todos os escla- recimentos que lhe fo- ram pedidos sobre tudo quanto fizera e omitira. Por isso, por essa atitude, repito, tiro-lhe o meu cha- péu!

DO DILEMA DO PS AOS DRAMAS DA AD

Quando iniciei a série de textos sobre a Inteligência Artificial admiti a possibilidade de a interromper se a atualidade política, regional e/ou nacional, as- sim o determinasse. Foi o que aconteceu. O PS aprovou as listas de deputados. A de Bragança, será encabeçada por Isabel Ferreira. Uma escolha pacífica entre os socialistas e reconhecidamente adequada. Mas igualmente seria certeira a manutenção de Sobri- nho Teixeira. Ao contrário da AD onde o nome de Hernâni Dias não tinha qualquer concorrência de igual qualidade, o PS para além destes dois nomes poderia, igualmente, incluir no leque de escolhas, Benjamim Rodrigues sem excluir, liminarmente, a autarca de Mirandela. Entretanto, precisamente na semana da bem preparada e controlada convenção do Estoril, quando a AD se preparava para lançar a ambicionada e esperada “descolagem”, vê abaterem-se sobre si os ventos do quotidiano. Depois de ver sair, juntamente com outros, o deputado Maló de Abreu, para integrar as listas do Chega, “alguém”, conhecendo bem os hábitos do político (quem, na política, melhor o conheceria que os seus colegas de bancada?) denunciou o esquema de uma alegada falsa morada. Se a inten- ção era atingir o partido da extrema direita, o tiro saiu, claramente, pela culatra. Ao Chega, mais do que os votos que o coim- brão pudessem trazer-lhe, interessa causar dano ao PSD e, normalizar-se. Ora o prejuízo para o concor- rente já aconteceu e este episódio deu a André Ventura a possibilidade de aparecer, como campeão da ética, garantindo a não inclusão, nas listas do Chega de tal criatura, livrando-se, depois de o usar, de um “ativo” pouco fiável (quem se vende, facilmente, por um prato de lentilhas, nada garante que, futuramente, não possa repetir a façanha, por prato e meio). O alargamento da acusação de José Sócrates e a ida a tribunal dos arguidos das golas antifogo em nada belisca o Partido Socialista, bem pelo contrário. O agravamento destas situações apenas lhe dá argumentos para evidenciar a independência do poder judicial e a não interferência gover- namental nesse poder autónomo. Com a recente renovação no Largo do Rato, o socratismo é já residual. É chão que já não dá uvas. Da Madeira, chegaram más notícias. A indiciação de Miguel Albuquerque por corrupção, abuso de poder, tráfico de influências e, sobretudo, atentado ao Estado de direito, somada à sua recusa, inicial, em demitir-se, inutilizou o arsenal armazenado na sede da AD e que incluía um cartaz alusivo aos casos que motivaram a demissão de António Costa. Para completar o embaraço, Luís Montenegro reagiu às notícias com tibieza, sem qualquer declaração clara (como fizera a propósito do Primeiro Ministro) refugiando-se em generalidades e declarações laterais. Mais uma vez se menorizou, deixando que um outro competidor, quiçá o que mais dano lhe poderá causar, André Ventura, aparecesse, de novo, como campeão da luta contra a corrupção e paladino da ética política e democrática. O líder do PSD quis evitar o embaraço de ver uma declaração sua esbarrar na recusa da demissão, entretanto assumida. Em política, mesmo que com percalços ime- diatos, quando norteado por princípios morais, o risco costuma compensar. Assim o demonstrou Sá Carneiro, ultimamente citado por tantos e em tantas circunstâncias que, para não ceder aos seus princípios afrontou a sua bancada parlamentar, sem receio de ser afastado da liderança do partido de que foi fundador nem de perder metade do grupo recheado de ilustres per- sonalidades e apoiantes da primeira hora.

O NOVO MUNDO, INTELIGENTE E ARTIFICIAL 2 - PARADOXOS

Enquanto escrevo estas linhas vejo na televisão o auto-anúncio da RTP do programa “É OU NÃO É” dedicado à crise na comunicação social provocada pela situação critica do Global Media Group. No “trailer” de promoção aparecem vários jornalistas do Jornal de Notícia, Diário de Notícias e Jogo em manifestação, gritando palavras de ordem e empunhando cartazes. Entre as várias dezenas chamou-me a atenção de um em especial onde aparecia “O CHATGPT NÃO FAZ CONTRADITÓRIO” chamando a atenção para a “culpa” da Inteligência Artificial na precaridade dos postos de trabalho jornalístico, agora em risco. O exercício do contraditório, mas não só, são características humanas dos jornalistas que a AI não consegue (ainda) executar com a eficácia pretendida e necessária aos regimes democráticos. Porém o sucesso da Open AI e do seu produto de interface humanizado o célebre CHATGTP, é devido, precisamente ao destaque que os jornalistas, de todas as origens, deram ao “admirável mundo novo” aberto pela recente e extraordinária tecnologia. Jornalistas há que a usam em benefício próprio e, inclusivamente, fazem dela o objeto do seu trabalho atribuindo à entidade vir- tual um estatuto idêntico ao seu, como é o caso da jornalista Joana Beleza do Expresso que criou um BOT específico (“Um “bot” (abreviação de “robot”) refere-se a um programa de computador que realiza tarefas automatizadas, muitas vezes imitando comportamentos humanos.” Segundo o próprio CHATGPT, ele próprio um BOT genérico) chamado Wolf com quem interage terçando opiniões e conceitos de que dá notícia nas páginas do jornal, mimetizando uma outra coluna do mesmo periódico “DUELO”. Mais evidente e dramática pode ser a dos profissionais que estão na génese desta tecnologia. A Inteligência Artificial (AI) deve a sua existência, desenvolvimento e importância aos investigadores em neuro- ciências, especialmente em redes neuronais, aos engenheiros de hardware e, muito especialmente, aos de software. São estes últimos os responsáveis máximos dos algoritmos de base da AI e podem ser estes os responsáveis pela sua dispensa na elaboração da próxima geração de programas informáticos de decisão que deixam de usar os programas fonte desenvolvidos pela mão humana mas elaboradas pela máquina com base no desenvolvimento crescente da disciplina “Machine Learning” cujo grau de complexidade e eficiência são já notáveis tendo atingido um elevado grau de autonomia e obtendo resultados extraordinários. Não está longe o dia em que a escrita de código máquina será totalmente automatizada dispensando, por inútil, a intervenção dos programadores tendo sobre estes vantagem, não só ao nível da rapidez, do baixo custo e da adequabilidade mas sobretudo a resolução de um problema que vinha crescendo com o aumento de complexidade dos programas de computador: a possibilidade de testar TODAS as opções e subopções apresentadas pelas aplicações informáticas. A gravidade desta situação levou o cipriota Christopher Pissarides, Nobel da Economia a alertar os especialistas desta área para o facto de, com o de- senvolvimento dos sistemas de linguagem capazes de tratarem volumes extraordinários de dados na internet, estarem a plan- tar as sementes da auto-destruição. Estarão a salvo da voragem da IA as profissões criativas e que requeiram empatia.

O NOVO MUNDO, INTELIGENTE E ARTIFICIAL 1 - GENERALIDADES

O ano de 2023 marcou a entrada impetuosa e avassaladora da Inteligência Artificial, no dia a dia de cada um de nós. Não sendo uma área nova do conhecimento (a primeira associação entre computação mecânica e inteligência foi feita por Alan Turing, no final da Segunda Guerra Mundial e o termo Inteligência Artificial foi cunhado, poucos anos depois – 1956) assumiu assinalável relevo com a explosiva disseminação do CHAT-GPT da Open AI. O uso desta ferramenta generalizou-se e começou a ser de utilização corrente por vários grupos que, até agora, não tinham tido ainda acesso a esta tecnologia. A possibilidade de haver máquinas pensadoras é um conceito antiquíssimo (há quem o faça remontar aos filósofos gregos antes de Cristo) mas apenas foi possível dar-lhe alguma expressão com o advento dos computadores e, com estes, o crescimento exponencial dos sistemas de memória e da capacidade de processar gigantescas quantidades de registos complexos. Apesar dos enormes avanços em qualquer uma destas áreas, desde meados do século passado, foi só no crepúsculo do segundo milénio, concretamente, em 1997 que um supercomputador (o Deep Blue da IBM) obteve um resultado assinalável, vencendo um jogo de xa- drez ao campeão mundial da modalidade Garry Kasparov, depois de ter perdi- do, para este, no ano anterior. Mesmo assim, há quem sustente que o desfecho da segunda contenda pendeu para o contendor cibernético devido a um “bug” no software do algoritmo idealizado pelos especialistas que desenvolveram a pri- meira versão (perdedora) e a melhoraram, depois de analisar. O célebre 44º lan- ce, totalmente fora da lógica do jogo, que nem era ofensivo nem defensivo (seria apenas um movimento de escape para sair de um loop infinito) terá confundido o mestre russo. Nunca se saberá se, sem esse erro, o desfecho seria idêntico. A vulgarização deste produto resulta do aperfeiçoamento de duas disciplinas fundamentais para o desen- volvimento da tecnologia: o uso da linguagem comum na interface com a máquina e a capacidade desta em aprender a partir dos erros ou da análise dos resultados (machine learning), obviamente, complementadas com o contínuo crescimento das bases de dados e sua disponibilização, a melhoria das comunicações e o aumento exponencial da velocidade de pesquisa, processamento e cálculo. A disponibilização, gratuita, na internet, fez o resto. Hoje, para além de muitos usos profissionais, começam a surgir notícias da sua utilização por estudantes para a elaboração (sem erros!) de trabalhos académicos, entre outras aplicações, mais graves, nomeadamente no condicionamento de eleições e referendos (Presidenciais Americanas e Brexit). Quanto à academia, de pouco adianta o “comba- te” que alguns professores pretendam fazer a esta as- túcia – o ónus está do lado da docência: a avaliação dos alunos terá de contar com o uso desta tecnologia que, estando disponível, não faz qualquer sentido ser-lhes proibida. Quanto à manipulação da realidade para obtenção de vantagens eleitorais… não é, verdadeiramente, nada de novo. Faz parte do dia a dia do discurso político! O que é preciso é regular o seu uso e fiscalizar, denunciar e punir o abuso! É do senso comum que toda a ciência tem boas e más aplicações. Também é assim com a Inteligência Artificial. Da minha parte interessa-me mais a bon- dade. Em textos futuros irei analisar e divulgar alguns exemplos… sempre que o agitado ano político que se avizinha, deixar espaço para tal. BOM ANO!

CADA VOTO CONTA

Com a eleição de Pedro Nuno San- tos para Secretário Geral do Partido Socialis- ta, ficou definido o qua- dro dos líderes que se vão defrontar no próximo dia 10 de março e, apesar de ter começado já, é a partir de agora que a Campanha Eleitoral arranca, na sua plenitude. Obviamente que o que vai estar em jogo é uma confrontação de ideários, de propostas e de solu- ções para os graves (e me- nos graves) problemas e dificuldades enfrentados pelos cidadãos, aqueles são corporizados por pes- soas que lhes conferem um rosto e, de certa for- ma, uma personificação. Não havendo eleições para Primeiro-Ministro é, contudo, a figura do líder dos principais partidos que catalisa a atenção dos eleitores. Apesar da exis- tência de propostas que, ao centro, têm muitas semelhanças (contas certas, melhoria dos serviços públicos, atualizações salariais) para a escolha dos votantes fica a forma de as alcançar e, com quem, porque, tudo indica, ire- mos ter um governo mi- noritário ou de coliga- ção. A existência de mais ou menos um deputado pode, tal como no tempo de Guterres, ter uma im- portância capital. Nos cír- culos mais pequenos esta disputa tem aspetos críti- cos, quase dramáticos. Em Bragança, onde o PSD, sozinho ou coligado, nunca tinha tido menos deputados do que o PS, viu-se ultrapassado, nas últimas eleições, ao perder o segundo eleito… por 12 votos apenas. Dez por cento dos votos do CDS, seu parceiro habitual, teriam sido suficientes para evitar esse passo atrás do distrito que, para as legislativas, sempre dominou, mesmo quando dez, das doze câmaras, eram lideradas por socialistas. Para esse feito inédito do PS, no nordeste, contribuiu, decisivamente, a persona- lidade popular, competente e prestigiada de João Sobrinho Teixeira. Não es- tando ainda decidido (por causa das eleições inter- nas), tudo indica, porém, que será repetente. De forma realista e inte- ligente, o PSD vai respon- der, ao que tudo indica, coligando-se com os cen- tristas e indicando para cabeça de lista o autarca mais popular do distrito, Hernâni Dias. A capital distrital, onde ambos os cabeças de lista residem, representando mais de um quarto dos eleitores do distrito, vai ter uma importância inquestionável para o resultado final. Ora, neste território, o líder da distrital social-democrata, poucos meses antes da vitória tangencial dos so- cialistas, obtinha, para o seu partido uma vitória retumbante com mais do dobro dos sufrágios. Se ao acrescento dos votos centristas, se juntar o contributo de uma candidatura igualmente motivadora, em segundo lugar da lista, a recuperação do número de deputados tradicional do PPD/PSD, no nordeste será uma tarefa de relativa facilidade. Mesmo assim, estou certo que o partido do Montenegro não cairá em facilitismos para não ser de novo sur- preendido pelas soberanas opções populares. Mas nesse campo, o edil brigantino já deu mostras de competência e não deixará de aproveitar o cenário nacional de recuperação do seu partido e das fragilidades do oponente, também no nordeste, na saúde, na educação e, igualmente, na habitação.