José Mário Leite

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LIÇÕES DA HISTÓRIA

Heródoto, considerado o pai da História advogou: “Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Vem isto a propósito da reflexão recomendável para os tempos presentes em que estando em jogo o futuro comum, pode ser útil colher lições do passado. Diz Marcelo Rebelo de Sousa que o tempo corrente é ainda e apenas dos partidos e, como tal, deveria interessar apenas aos militantes partidários. Assim seria se os tempos correntes fossem comuns e normais, mas, desta vez, não é assim. Ao contrário de eleições anteriores, desta vez, iremos ser confrontados com propostas de solução, para a crise política desencadeada com a demissão de António Costa, que não são simples nem evidentes. Dependendo do resultado das primárias que terão lugar, brevemente no PS, pode acontecer que das eleições de março resulte um governo cujo programa esteja seriamente condicionado pelos ideais, coletivistas, anti-Nato e anti-UE da extrema esquerda, ou refém das ideias xenófobas, anti-emigração e anti solidariedade social da extrema direita. Por isso, aquilo que deveria ser matéria que “apenas” diria respeito a um partido e aos seus militantes e simpatizantes, acaba por ser de relevo para todos os portugueses porque não é despiciendo quem venha a ocupar a cadeira maior do Largo do Rato. Aos cidadãos que não se revêm nas soluções extremistas e que todas as sondagens garantem ser a esmagadora maioria, malgrado o avanço avassalador do quadrante mais direitista, deve ser possível oferecer-lhe uma solução que, no essencial, responda às suas preocupações, anseios e ambições. Mas se um dos putativos primeiro ministro se recusar a negociar à direita e o outro se obstina em não conversar com a sua esquerda, dificilmente haverá um governo que preencha o desejo da esmagadora maioria do povo português, em nome de quem e para quem, querem governar. Podendo não agradar, na totalidade, nem tão pouco, à maioria dos seus companheiros de filiação partidária, mas não há a mínima dúvida de que José Luís Carneiro é o candidato que ao país mais interessa para encabeçar as listas do Partido Socialista em 10 de março próximo. À determinação do antigo autarca de Baião, o lí- der do PSD, caso seja um digno sucessor de quem lhe antecedeu, deverá responder com igual compromisso de viabilizar um governo do PS ou com este negociar a governabilidade do país. Nos mais de quarenta anos que levei de militância no PPD/PSD, não encontrei um único dirigente, desde as concelhias às distritais ou órgão nacionais que não se declarasse sácarneirista. Ora a frase mais conhecida de Francisco Sá Carneiro e, igualmente, a mais citada diz que “antes de qualquer militante, está o partido mas, antes deste e mais importante está o país e o interesse nacional”. Sendo pois do óbvio interesse nacional um entendimento, qualquer que ele seja, para alcançar um governo ao centro do espetro político nacional é bom que ao propósito de José Luís Carneiro, o outro Luís (o Montenegro) se lembre dos ensinamentos do outro Carneiro (o Francisco) e declare já a disponibilidade para viabilizar, em termos a conversar, um governo do partido que em março ganhar as eleições!

CORRUPÇÃO… OU CONFUSÃO?

É assumido que o correto é começar pelo princípio. Contudo, quando este é incerto, difícil de identificar e impossível de o localizar, com segurança, não há outra solução que não seja… começar pelo fim mesmo que este seja confuso, complexo e pouco claro. É o que é! É com perplexidade que, na mesma semana seja do conhecimento público que um autarca tenha sido detido para justificar a exigência de contrapartidas (modestas) para uma associação desportiva e uma atividade cultural pela instalação no concelho de um mega investimento, que um outro autarca perdeu o mandato por ter usado um veículo da Câmara para fins pessoais ao mesmo tempo que se chegava à conclusão que a disponibilização de centenas de milhares de euros pela dire- ção do Benfica (que é o meu clube, de sempre) para prendas a árbitros não assume qualquer laivo de corrupção e que o primeiro-ministro foi levado a demitir-se por um parágrafo escrito pela Procuradora Geral, com base em escutas transcritas com lapsos e erros, não por algo que tenha feito, em concreto, no processo em análise, mas pelas supostas ações de um amigo que terá elegido como o melhor de todos e pela imprudência de um subordinado, mal escolhido, por certo… apesar de estar inocente. Inocente, sim. Porque se as suposições jurídicas implicam tais consequências, afinal a presunção de inocência, serve para quê? É uma treta para encher a boca? Ou apenas para mascarar a repetição da história? Há dois mil anos, no Gólgota foram crucificados e condenados à morte, Jesus Cristo, um ladrão bom e um ladrão mau, enquanto nas apertadas e movimentadas ruelas de Jerusalém, passea- va livremente Barrabás o assumido malfeitor libertado pelo povo em nome de quem se praticam todos os atos de justiça! Mas se olharmos pelo outro lado da cortina podemos ver a mesma realidade com outros olhos, nomeadamente na questão das contrapar- tidas de Sines em que o que mais importa não são elas, o seu valor ou destino mas a legalidade das pretensões dos empresários anteriormente recusadas pela vereadora, sendo igualmente questionável o interesse público de um investimento de milhares de milhões num mega armazém de dispositivos de memórias, gigantesco consumidor de energia e terraplanador de extensas superfícies protegidas que chega a Portugal, não como resultado da promoção lusa de captação de investimento, mas por recusa de outras localizações, que o carro da autarquia de Gaia foi usado para fins pessoais do presidente e também dos seus familiares. Mesmo que se admita ser exagerada a penalidade aplicada, não deixa de ser claramente condenável, pelos vistos a montanha de dinheiro dos cofres benfiquistas saiu em valores individualmente modestos, meras ofertas de cortesia e que não há qualquer prova nem indício razoável de consequentes benefícios, e ainda que, sendo inocente de quaisquer acusações que, bem ou mal, constem dos autos, António Costa é o responsável pelo epíteto de “melhor amigo” (a pretensa infelicidade do gesto igualmente não pode ser assacada a mais ninguém) e pela sua intervenção, remu- nerada ou não, em processos relevantes e de impacto na vida comum e ainda, apesar de vários avisos, a escolha do chefe de gabinete foi uma prorrogativa exercida conscientemente pelo detentor da chefia do governo. Não deixa, igualmente, de ser verdade que a condição de ino- cente não isenta ninguém de ser alvo de suspeitas e pode reconhecer-se alguma lógica na argumentação dos que defendem que quem está inocente se deve comportar de forma serena e não usar o cargo e o lugar onde o exerce para lançar dúvidas sobre a legitimidade das averigua- ções em curso. Perante este cenário é normal a disparidade de opiniões dos comentadores… Já os políticos deveriam reconhecer que as leis que aportaram a esta realidade foram feitas por eles!

PERFEITO PRETÉRITO IMPERFEIRO

Sob um título aparentemente paradoxal (é perfeito ao declarar-se imperfeito), António Pinelo Tiza brindou-nos com um livro de contos notável. Em “Pretérito Imperfeito” o autor cumpre, na perfeição, o objetivo anunciado na contracapa e, com a qualidade, conhecimento e rigor que lhe são conhecidos e justamente creditados, descreve um passado que, sendo recente, é igualmente milenar e se projeta para o futuro onde se pretende que mantenha a riqueza das tradições que marcam a nossa natureza. São conhecidos os vários trabalhos do António Tiza nos quais tem vindo a verter o seu vasto conhecimento, profundo, sério e fundado numa pesquisa sã e competente dos largos anos que leva de estudo das tradições nordestinas e das suas ramificações do lado de lá da raia. Em todos ficou a marca de qualidade que o autor de Varge não dispensa. Nesta coletânea, mantendo a sua “marca de água”, brinda-nos com um périplo por todo o Nordeste descrevendo, pormenorizadamente as regras ancestrais das várias, variadas e ricas tradições de cada uma das micro-regiões que constituem o mosaico nordestino, recorrendo ao profundo conhecimento recolhido nos seus múltiplos trabalhos de campo. A importância desta publicação vai muito para além do inquestionável valor literário. Trata-se de um documento, para memória futura, de variados usos, costumes, crenças, festas e ritos que povoam o imaginário da nossa gente, que lhes ocupam e condicionam a vida, sobretudo nos períodos de mudança, seja de estação, de ciclo anual ou de condição de vida, sobretudo os festejos da chegada à vida adulta em que o autor é um reconhecido especialista. Ao relato competente e, não raro, visto do interior do grupo pelos olhos quer dos mais conhecedores e experientes, quer dos novos e iniciados, acresce a ficção, em dose adequada, enriquecendo o relato, tornando a sua leitura mais agradável e, inevitavelmente, alargando o público leitor. Com esta obra, o conhecido etnólogo, estabelece uma marca de consulta obrigatório para quantos pretendam conhecer com profundidade os costumes ancestrais, as suas regras, as suas raízes e a forma como, ao longo dos séculos, as diferentes comunidades souberam preservá-las e, sobretudo, adaptá-las e compatibilizá-las com a grande e profunda religiosidade que igualmente as marca e condiciona. O leitor é ainda brindado com a ficção com que o autor embrulha, com mestria, o legado etnográfico, à mistura com receitas tradicionais tão secretas e laboriosas como a da Amêndoa Coberta de Moncorvo, às mais conhecidas e populares como o galo estufado no pote, da D. Maria e outras que ainda hoje fazem parte da mesa nordestina quotidiana, seja nas casas particulares seja em qualquer dos vários restaurantes regionais, razão, mais que suficiente para entregar ao competente e sabedor gastrónomo Virgílio Gomes, a apresentação da obra, na capital. Como beneficiário, não só na qualidade de leitor mas também de escritor, deixo público agradecimento ao escritor cuja amizade, contando já mais de meio-século, começou no Seminário Maior de S. José, onde o Tiza se dedicava aos estudos teológicos enquanto eu apenas me iniciava no das humanidades.

DE OLHÃO!

No passado dia 18 de outubro estive em Faro, na Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve, em representação e a pedido da Presidente do Conselho de Administração da Fundação Champalimaud, Doutora Leonor Beleza. Participei, juntamente com representantes de várias outras entidades, numa reunião agendada pela Comissão de Avaliação Externa da A3ES (Agência Nacional de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior) para ouvir os parceiros institucionais envolvidos no Mestrado Integrado em Medicina. Para além da Fundação Champalimaud, estavam representados, entre ou- tros, o ABC (Algarve Biomedical Center), o Hospital Particular do Algarve, o INEM (Delegação Regional do Algarve), a ARS do Algarve e a AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve). A primeira a ser ouvida pela Presidente da Comissão de Avaliação, foi, precisamente, esta última. Quis saber, diretamente do poder político regional, qual a relevância, para a região, da existência deste curso naquela Universidade. O Presidente da AMAL, António Pina, não esteve com meias palavras. O Mestrado Integrado de Medicina é, em termos absolutos e relativos, da maior importância para o território algarvio. Não escondeu os diversos problemas que ainda persistem na região, desde a dramática falta de recursos hídricos, a sua quota na nacional falta de habitação, até à crónica necessidade urgente de melhorar as acessibilidades, mas é a formação de médicos que lidera as preocupações dos autarcas. É um fator de desenvolvimento e prestígio, atrai estudantes e professores de grande qualidade, mas, acima de tudo, porque mais de cinquenta por cento dos licenciados acabam por se fixar no reino dos Algarves. Tanto assim que, apesar da crónica falta de recursos financeiros para acudirem a tantas e urgentes necessidades aquela organização supramunicipal liderou um movimento que mobilizou mais de 1.000.000€ (um MILHÃO de euros) para apoiar e reforçar a formação local de mais médicos. António Pina, presidindo à AMAL, é igualmente Presidente da Câmara… de OLHÃO, muito apropriadamente! O INEM vendo já a sua base de recrutamento, muito alargada beneficia da existência de um curso de medicina, que, sendo focado nos doentes e na prática médica permite a colaboração dos alunos, que, ainda enquanto estudantes integram já as equipas de Suporte Avançado de Vida e as de Operações de Reanimação. E o mesmo se passa com o Hospital Particular do Algarve. Estando sedeados em Faro, facilmente de conclui serem de olhão! Para a ARS, a sua colaboração, ainda na fase académica, dá-lhe um conhecimento precoce das especialidades em formação e permite-lhe influenciar os futuros profissionais, melhorando muito o planeamento. Nem precisam ser de Olhão. Basta terem olho… A minha intervenção documentou o papel da Champalimaud na génese desta parceria, a colaboração estratégica e o papel da Unidade Plurianual de Investigação avaliada como grau de excelente pela FCT. Seguir-se-ão futuros desenvolvimentos e parcerias nas abordagens inovadoras, quer na nova Terapia Digital quer no Uso da Inteligência Artificial (que abordarei em texto futuro). Apesar de ser feita, a partir de Lisboa, a presença da Champalimaud foi devidamente realçada e apreciada. A possibili- dade de replicar este modelo de cooperação a zonas do interior norte fez perpassar alguma preocupação nos semblantes dos presentes. Não temem qualquer diminuição do empenho atual mas, sendo de Olhão, preferiam conservar o monopólio de que presentemente usufruem.

A IA E A IMPRENSA REGIONAL

Não é de agora. Desde há muito que o poder se empenha em influenciar, condicionar, se possível, controlar a imprensa a seu favor. É verdade que o poder desta já não é o que era no tempo anterior à existência das redes sociais, mas, mesmo assim, continua a desempenhar um papel de relevo na formação da opinião pública que pode fazer a diferença, de quatro em quatro anos, na altura dos sufrágios. Assim o demonstra a existência de assessores especializados, a promoção de conferências de imprensa, o cuidado em incluir os diretores dos jornais e respetivos repórteres nas listas de protocolo, os convites insistentes para que compareçam ou se façam representar nas iniciativas oficiais e até, em casos “desesperados” os pedidos (alguns, acompanhados de ameaças retaliatórias) para afastamento ou despedimento de jornalistas que, no entender do político, não dão o tratamento “adequado” às questões mais delicadas da atividade governativa. A situação financeira da imprensa, em geral e da regional, muito particularmente, já teve melhores dias e, sabendo disso, não raramente, os profissionais da escrita periódica sentem-se vulneráveis e receosos de serem vítimas do seu trabalho, quando o mesmo, servindo a verdade e a nobre missão de bem informar, desagrada aos detentores do poder de que, provisoriamente, estão empossados. O incómodo que a visão correta dos factos pode, eventualmente, causar é, ao contrário do que pode parecer, a sua maior arma e mais sólida âncora no desempenho profissional. Se o Presidente da Câmara pede a sua cabeça é porque lhe reconhece importância e relevo, portanto, receia-o. Ora, a maioria dos jornalistas ativos já viu mais do que um autarca à frente das respetivas edilidades, mostrando que a posição destes é mais efémera do que a daqueles. E se os segundos se sentem incomodados pelos primeiros, igualmente traduz não só a importância do desempenho adequado do chamado e requerido contra-poder, tão útil e necessário aos regimes democráticos. E tão apreciados pelos leitores, solidificando os pilares da existência dos órgãos de comunicação social. A par de jornalistas que não abdicam de emitir uma opinião que, devendo ser independente e rigorosa, não deixa de ser sua, há outros que, por facilitismo, intenção de agradar ao poder em exercício, ou qualquer outra razão, se limitam a dar forma de letra às informações recebidas dos gabinetes municipais, acrescentando-lhes o nome, para dar “credibilidade” e aumentar o impacto da referida “notícia”. Ora quando a nota de imprensa dos Paços do Concelho garante que a multidão concentrada na Praça do Município agitava bandeiras de uma só cor partidária e o jornalista publica tal “notícia”, sabendo que o grupo, muito inferior ao caracterizado, era heterogéneo ostentando igualmente cartazes de protesto, estando a delir o seu crédito, junto dos leitores, está, igualmente, a abrir na muralha informativa uma brecha por onde há de sair depois de ser despedido por passar a disponível. Qualquer uma das ferramentas da Inteligência Artificial (IA), facilmente redige uma notícia, de forma adequada e sem erros, com várias versões, para escolha a partir de um qualquer tema. Só a razão crítica poderá fazer a diferença entre uma imprensa laboratorial, inventada e fabricada em gabinetes e o jornalismo verdadeiro, humano e baseado na observação direta e com critério. A sofisticada IA será cada vez mais perfeita… mas nunca terá alma, como salientava, recentemente, o nosso capitão de Abril, Jorge Sales Golias.

A LHÉNGUA E A IA

Já não resta qualquer dúvida. A Inteligên- cia Artificial (IA) vai invadir a nossa vida e condicionar todas as ati- vidades que, de alguma forma dependam ou este- jam ligadas à informática que, como é notório, está presente no dia a dia de cada um restando apenas saber quando e como. E o que é que isso tem a ver, com o segunda língua oficial portuguesa, o mirandês? É o que tentarei demonstrar. O Conselho Europeu, na sua Resolução de 21 de novembro de 2008 afirmou que: “a diversidade linguística e cultural é um elemento constitutivo da identidade europeia; essa diversidade é simultaneamente uma herança partilhada, uma riqueza, um desafio e um trunfo para a Europa.” Num documento datado de março de 2013 o Parlamento Europeu, através da sua Direção Geral das Políticas Internas disse a propósito dos riscos enfrentados pelas línguas minoritárias: “Os falantes de muitas destas línguas ameaçadas de extinção não consideram que as suas línguas tenham estatuto ou valor económico e por isso, não as transmitem às gerações seguintes”. Alfredo Cameirão já tinha alertado para a necessidade de associar a economia à importância da língua nativa das Terras de Miranda. A preservação do mirandês, mais do que uma questão cultural e de identidade como, magistralmente Amadeu Ferreira evidenciou no seu manifesto é, igualmente, uma trave mestra, indissociável e indispensável de qualquer estratégia de desenvolvimento regional do progresso económico das suas instituições, da melhoria de vida dos seus habitantes. É, sem qualquer margem para dúvida, a maior e mais poderosa ferramenta para combater a crescente desertificação. Protegê-la, potenciá-la, promove-la, tem de ser, um dos principais deveres (quiçá o primeiro e mais importante) de todas as autoridades locais a começar, obviamente, pelo poder autárquico! Nada se pode sobrepor à preservação do património milenar, sob risco de lesão séria dos direitos dos locais e dos deveres de quem os dirige e representa. Este desígnio tem dois utensílios essenciais e interligados: a escrita e a tradução. Vários estudos têm demonstrado a importância da tradução para a manutenção, neste mundo globalizado, de todas as línguas, muito especialmente as minoritárias como alertam e defendem Sérgio Ferreira e Cláudia Martins do Instituto Politécnico de Bragança, num artigo científico dedicado à língua do Planalto. Aí se refere que, neste campo, as línguas menos disseminadas estão em desvantagem. Esta situação agrava-se com a chegada da IA. É certo que a intervenção humana é, (sê-lo-á sempre) essencial para a produção de textos traduzidos, com qualidade. Porém, os próprios tradutores já sabem que, de futuro, terão de contar com a IA, não como um substituto da sua atividade, mas como uma ferramenta de trabalho. Quem conheça os mecanismos que estão por trás desta ferramenta de “machine learning” fa- cilmente percebe que se não houver, a montante, produção suficiente, os resultados do uso deste mecanismo serão desas- trosos, acelerando a po- tencial decadência já alertada pela Universidade de Vigo. É difícil entender a relativa indiferença com que este grave problema está a ser encarado pelas autoridades locais apesar do louvável e determinado esforço da Associaçon de Lhéngua i Cultura Mirandesa.

FERNÃO MENDES, O VELHO (O PRIMEIRO BRAGANÇÃO… OU NÃO…)

Fernão Mendes, o Velho, sucedeu a Mendo Alanes (ou Alão), filho de Alano, conde de Nantes de onde veio antes de tomar para si os vastos territórios adjacentes ao poderoso e influente Mosteiro de Castro de Avelãs, casado com Joana Ardzrouni, princesa arménia do reino da Vaspuracânia. Por ter nascido nos territórios paternos de Benquerença, sucedânea da romana Brigantia, de onde houve nome a actual cidade de Bragança, é, o dito Fernão, justamente considerado, o primeiro braganção. Foi, nessa qualidade, homenageado pelo município brigantino, no verão de 2019. Não tenho qualquer informação que me possa justificar a razão de ser dessa data, mas há de ter sido uma decisão devidamente avaliada e ponderada pelos decisores autárquicos. Faria, talvez, mais sentido comemorar o milénio do seu nascimento… mas este, de acordo com os registos conhecidos só se cumpre em 2030, muito para além do mandato da atual equipa autárquica. Porém… O casamento de Mendo com Joana aconteceu por volta do ano de 1020 (talvez 1021 ou 1022) por ocasião da peregrinação feita a Santiago de Compostela do rei arménio João Sinequerim. Seria expectável que tivessem tido descendência antes do início da década de trinta. E, na verdade, assim foi. Em 1023 ou 1024 nasceu Ouroana Mendes da união do bretão Mendo e da arménia Joana. Ela é, efetivamente, a primeira criatura que, há mil anos, inaugurou a “dinastia” de onde haveriam de nascer as mulheres e os homens que viriam a formar a Casa de Bragança. Celebrar esse acontecimento milenar é algo que, a não ser feito agora, só voltará a ter justificação em 3023 ou 3024, muito para lá do natural horizonte de vida de qualquer um de nós. Quem ficou para a história foi, sem dúvida, o seu irmão, Fernão Mendes, mas esse culto da supremacia masculina pertence já ao passado. Estou certo que a edilidade brigantina não vai perder a oportunidade de incluir na história das festas da cidade, um contributo para o crescente abandono da vetusta e obsoleta misoginia, que marcou os tempos idos. Não duvido que a vereadora da cultura, por causa destes valores e, sobretudo, por ser mulher, não deixará de abraçar e promover esta causa, com a dignidade e grandeza merecidas. A lei que estabeleceu uma quota para a participação feminina nas listas candidatas às autarquias foi feita, precisamente para que elas pudessem pontuar a governação com valores que rompem a desconsideração sofrida, no passado, pelas mulheres. Acrescentando à oportunidade irrepetível da celebração milenar, a Câmara de Bragança não vai, certamente, desperdiçar a boa vontade e disponibilidade de cooperação com a Associação de Amizade Portugal Arménia (metade do sangue fundador, veio dessas paragens) já manifestada pelo seu Presidente, Vahé Mkhitarian, muito empenhado em reforçar os laços seculares através de celebrações conjuntas, geminações e atividades culturais com especial referência para a possibilidade de atuação, na capital do nordeste, da Orquestra de Câmara Consonância, dirigida pela violinista Elena Ryabova-Mkhitarian com um conceituado repertório de música erudita portuguesa e arménia, desde o período barroco até à actualidade.

OS CARETOS DE PODENCE

Os Caretos de Podence são hoje uma imagem de marca, conhecida internacionalmente que atrai, de forma consistente e sustentada, milhares de turistas, interessados, curiosos ou simples foliões àquela aldeia de Macedo. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um paradigma de desenvolvimento e combate à desertificação do interior, pela valorização da cultura autóctone, por contraponto aos “enlatados” que, imitando festas e romarias comerciais (e comercializadas) podendo ter algum sucesso no imediato, não tendo raízes, não garantem a sustentabilidade necessária e requerida na utilização dos dinheiros públicos. Desde há muito que defendo que o lastro necessário para as políticas de combate ao empobrecimento humano, social e económico do nordeste está, precisamente, nas iniciativas genuínas e diferenciadoras. Estranhamente (ou talvez não), quando realço este sucesso macedense, noutras localidades da nossa terra, esperando obter um comentário de congratulação e regozijo por este feito que a todos deveria orgulhar, ouço, com frequência, críticas e reparos de difícil entendimento. Que os caretos não são exclusivos de Podence, que é um fenómeno extensivo a todo o nordeste, quiçá com manifestações mais expressivas noutras localidades, tendo havido, neste caso, uma apropriação (indevida?) de um património comum. É verdade que os rituais festivaleiros dos mascarados com trajes garridos e chocalhos à cintura não se restringem a esta freguesia nordestina. Mas foi ela que, com o apoio da autarquia e de outras forças vivas da região, fez o trabalho de promoção, divulgação e sistematização, conducente ao reconhecimento internacional do fenómeno. Que é seu. Não é exclusivo, mas tam- bém não foi enxertado! Dando uma pancadinha na base de um ovo, de forma a provocar um ligeiro achatamento, qualquer um pode colocá-lo, de pé, sobre uma superfície lisa. Porém a autoria do feito é, desde há séculos, atribuída, e bem, a Cristóvão Colombo por ter sido o primeiro a fazê-lo. É, igualmente, justo pois que seja a gente de Macedo, liderada pela sua autarquia, a beneficiar do sucesso da festa dos gar- ridos mascarados chocalheiros. Não é correto, nem tão pouco útil, para quem quer que seja, a crítica de quem, podendo, não fez o que ali foi feito. A atitude certa não passa pela disputa (inútil) da primazia de um fenómeno que já atingiu o topo da notoriedade, bem pelo contrário, o adequado é a associação ao evento, incorporando o que puder enriquecê-lo (ganhando Macedo, em maior ou menor proporção, ganhamos todos) e, se houver engenho e arte, aproveitar o exemplo, seguir a boa prática, identificando e trabalhando outras especificidades locais que, felizmente, abundam na cultura tradicional da nossa terra. É de referir que, Benjamim Rodrigues, um dos autarcas que não “beneficiou” da limitação de mandatos (havemos de falar nisso, brevemente), apesar do estrondoso êxito com os carnavalescos personagens, não ficou à sombra deste troféu. O Geopark Terras de Cavaleiros e a distinção internacional do Parque Urbano são um bom exemplo. Estou certo que, antes que a perversa lei do “iluminado” Relvas o afaste do Jardim 1.º de Maio, ainda irá acentuar a marca da sua originalidade, competência e eficácia no progresso de Macedo e, por arrasto, de todo o nordeste.

CULTURA

A propósito do meu último texto, neste jornal, sob o tema “Cultura, Arte e Ciência” fui desafiado a concretizar, trazendo para o público o que se fala, por razões óbvias, em privado e surdina. Como nada devo nem temo, aceitei o repto. Olhemos, então, para a cultura no nordeste, tendo como pano de fundo a última edição do FLB, Festival Literário de Bragança. Na página da autarquia brigantina o evento é anunciado como sendo promovido pelo Município e pela Academia de Letras, mas esta, em mensagem aos seus associados revela que a coorganização tem mais uma entidade: a Editorial Novembro. E em boa verdade assim é. Segundo o Portal Base, a Câmara de Bragança entregou 18.000 euros, mais IVA, à empresa de Famalicão (a exemplo do que aconteceu em anos anteriores) para que esta trouxesse ao nordeste os escritores Miguel Gouveia, Raúl Minh’Alma, Luis Ochoa, Rui Ramos, Cláudia Lucas Chéu, Hélder Reis, Pedro Chagas Freitas e Bru-Junça (desconheço qualquer livro publicado por esta contadora de histórias) para divulgarem e publicitarem as suas obras. Desconheço quem fez esta selecção. Como faz parte do convite endereçado à editora deve ter sido a própria Câmara ou a Academia de Letras. De qualquer forma o elenco foi melhorado em qualidade e ganhou alguma transmontaneidade com a adição, posterior, de outros nomes, indubitavelmente ligados à nossa terra. É factual que a Câmara da capital do distrito entregou a uma empresa de Famalicão, uma verba considerável, para que esta financiasse, na totalidade, as deslocações e estadias de um grupo de escritores que ali se des- locaram para, durante três dias, promoverem as suas obras, notoriamente distantes da temática regional, com as honrosas e relevantes exceções que, tendo sido igualmente financiadas pela autarquia, estavam fora do contrato celebrado com a entidade responsável pela organização. Por seu lado a co-promotora, Academia de Letras, para além do espaço garantido para a dire- ção, destacando a sua presidente… reservou uma hora (!) para a totalidade dos seus membros poderem dividir entre si com o objectivo de divulgarem a sua atividade literária. Com os custos de deslocação e estadia a cargo de cada um deles, claro! ESPANTOSO! A organização das conferências e distribuição dos eventos foi feita atendendo à conveniência de alguns, apenas. Sei de participan- tes que se conhecessem, antecipadamente, a composição das mesas de debate, não teriam aceitado participar. Facilmente se adivinhará quem são. Obviamente que a cultura não se faz só com obras-primas. Assumo, clara e explicitamente, a minha incompetência para avaliar, com rigor e fundamento, a qualidade das obras trazidas a Bragança. Mas não aceito a preponderância do sucesso comercial. Os restaurantes McDonald são quem mais vende, em todo o mundo, sendo ainda, imbatíveis na qualidade das matérias-primas e na observação rigorosa das regras de higiene e segurança alimentar! Ninguém de bom senso aceitará que a promoção da gastronomia regional possa passar pelo uso de dinheiros públicos, para financiar a sua operação!

CULTURA, ARTE E CIÊNCIA

No passado dia 3 a entrevistada de Fátima Campos Ferreira, no programa televisivo “Primeira Pessoa” foi a pintora nordestina Graça Morais, sobejamente conhecida no país e no estran- geiro e cuja obra, o filósofo e pensador Eduardo Lourenço, diz estar ligada ao berço da civilização ocidental com raízes na filosofia grega, expressando o mais profundo da nossa existên- cia, atenta ao espetáculo da comédia humana. Nos seus famosos e impressionantes retratos, Vasco Graça Moura viu o mimetismo do meio rural e a idade do granito modelada pelo tempo. Muitos outros, desde a poetisa Sofia até ao Nobel Saramago, passando pelo nosso Torga, teceram rasgados e fundados elogios à artista do Vieiro. Com base nisto, a jornalista da RTP apelidou-a de símbolo ao que Graça Morais contrapôs, de imediato que não era um símbolo mas sim uma referência e, sobretudo uma identificação. Curiosamente, na sequência desta afirmação, tratou de alertar para as pessoas que tendo feito as suas carreiras só na política eram, humanamente, incompletas e, para bom entendedor... No meu entender, a fra- se da vilaflorense que sintetiza o seu pensamento e, ao mesmo tempo, apela para a necessária reflexão que urge fazer e que condicionará os tempos que se aproximam veio, em jeito de conclusão: “É pela arte e pela ciência que nós vamos criar uma nova humanidade. Não é pela economia!” Os decisores de hoje a quem os eleitores confiaram a missão de prepararem o futuro, têm de estar alinhados com esta verdade que, mesmo que nos queiram fazer crer o contrário, se afirma e se impõe como o verdadeiro paradigma para o desenvolvimento regional, o combate à desertificação e ao empobrecimento progressivo do interior. Mesmo que, aparentemente, possa, ainda, parecer o contrário. Basta uma reflexão, a que Graça Morais nos convida com a sua afirmação convicta e fundada, para constatar que as atividades económicas tradicionais estão em queda contínua, mesmo que lenta. A agricultura é, cada vez mais, de sobrevivência (e ás vezes já nem isso); a floresta vai ardendo ao mesmo ritmo da sua destruição ígnea; as indústrias pesadas, extrativas e poluidoras pertencem, definitivamente ao passado – só mentes limitadas e tacanhas o podem ignorar. O turismo, apesar da pujança atual, tem um risco associado ligado à sua génese e substância intrínseca: só é sustentável e resiliente o que se baseia na cultura autóctone e na tradição. Apesar das supostas roupagens modernas os “enlatados”, comprados no mercado na modalidade “chave na mão”, só se aguentam enquanto se mantiverem os dinheiros públicos que os suportam e alimentam. Se deles nascerem programas que, mesmo com alguma dose de imitação, integrem a cultura regional (é preciso colocar os pelouros municipais a fazerem um trabalho sério e competente, em vez de se limitarem a fazer uma pesquisa de mercado) poderão, ter algum futuro. De outra forma, estarão condenados à vulgaridade da cópia, à banalidade do “take away” pseudocultu- ral. É bom refletir sobre os golpes na base económica regional desferidos pela diminuição dos serviços públicos de pequeno valor acrescentado. Está aí, e é imparável, queiramos ou não, a Inteligência Artifi- cial com os seus algoritmos. Que não haja dúvidas: o que for algoritmável... sê-lo-á. Queiramos ou não, doa a quem doer! À cultura, verdadeira, tradicional, sem perder a modernidade que, mesmo sem o apoio devido dos poderes locais, existe, mantém-se e persiste, há que juntar a arte e a ciência. Felizmente, temos a Gra- ça Morais. Felizmente, temos o IPB. Temas para tratar em próximos textos.