class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-taxonomy page-taxonomy-term page-taxonomy-term- page-taxonomy-term-93">

            

José Mário Leite

PERCEÇÕES

A experiência é sobejamente conhecida dispensando-me de a descrever, aqui, com toda a minúcia. Se colocarmos uma mão num recipiente com água gelada e a outra num com água muito quente, metendo ambas, depois num tacho com água à temperatura ambiente, o mesmo líquido parece-nos, ao mesmo tempo quente e fria, de acordo com a mão e o lugar onde esta esteve, antes. Não podendo ser uma coisa e o seu contrário a única explicação é que a perceção que temos, baseada nas sensações, é enganadora. Sendo porém tão fortes e insistentes estas impressões, durante muito tempo condicionaram a forma como olhámos para o mundo levando a teorias tidas por verdadeiras e supostamente científicas como as que assumiam que a terra era plana e ocupava o centro do universo. Foram tão propaladas e assumidas, tão geralmente consideradas como indubitáveis que o seu abandono só foi possível com o talento de reputados cientistas, alguns com risco da própria vida, como Galileu e Giordano Bruno. Felizmente, depois de Descartes, a realidade começou a ser percebida, assumida e compreendia com base em factos inquestionáveis (cogito ergo sum) e tudo quanto possa ser deduzido destes de forma racional. Foi assim que a humanidade abandonou o obscurantismo medieval e entrou na era moderna recheada de descobertas científicas geradoras e promotoras do progresso e do bem-estar. Ao começar a atuar com base em perceções, assumindo que é o combate a estas que o move, ao mesmo tempo que concede que as mesmas são substancialmente diversas, em qualidade e intensidade, da realidade, o Governo da Nação, liderado pelo Primeiro Ministro não só promove um retrocesso civilizacional como, se aventura por um caminho perigoso e arriscado, para o próprio poder instalado. Ao agir, de forma semelhante à usada por poderes totalitários para manterem a autoridade despótica, só para “reduzirem” a perceção de insegurança, corre o risco de criar a perceção de que está em curso uma deriva autoritária coordenada pelo poder legítimo ou, pior ainda, de fora por interposta força que apesar de legal é minoritária e, como tal, carece de legitimidade para condicionar a vida de toda a população. Acresce que os números dizem que, existindo abuso no uso do Serviço Nacional de Saúde, por alguns estrageiros que vêm ao nosso país com o fito explícito de aqui receberem tratamento em condições privilegiadas, este fenómeno é residual e com fraco impacto real no financiamento do SNS, podendo (e devendo) ser combatido com o quadro legal já existente. Ao legislar especificamente para dificultar o apoio médico a recém-chegados, a pedido de uma força política que publicamente ataca e quer perseguir quem procura o nosso país para trabalhar e viver, parece que o partido do poder está a reboque de quem diz querer afastar-se. De pouco adiantará proclamar e reafirmar que o não é não se a prática, mesmo que o não seja, causar a perceção de que quem efetivamente manda no país não é o Primeiro Ministro mas quem se autointitula de líder da oposição!

SETECENTOS ANOS

Há sete séculos atrás, Portugal, conquistado o reino dos Algarves, desenhara já as suas fronteiras que, aparte alguns pormenores e pequenas disputas raianas, são as que ainda hoje prevalecem, fazendo do território lusitano aquele que há mais tempo tem os seus limites continentais definidos e internacionalmente reconhecidos. Mas o reino que D. Dinis recebeu de seu pai, D. Afonso III, estando estabilizado no que concerne aos objetivos da reconquista cristã, como resposta à invasão muçulmana de cinco séculos atrás, no que concerne ao poder da Nobreza subsidiário do poder real, estava claramente dividida entre a Velha e a Nova Nobreza. Ao grupo daqueles que, baseados nas famílias tradicionais (os Sousões, Bragançãos, da Maia, Baiões e Riba Douro) tinham andado a “filhar Portugal”, nos primeiros reinados, detentores de largos poderes e grandes domínios a norte do rio Douro, opunha-se o grupo dos cavaleiros que, tendo acompanhado o infante D. Afonso, quando este foi para terras de França, emergiram quando este assumiu o trono e cujas posses e domínio se situavam a sul, nos territórios que ajudaram a reconquistar, nomeadamente o simbólico e disputado reino dos Algarves. Culto, inteligente e grande estratega, D. Dinis procurou no reino de Aragão o aliado que lhe permitiu consolidar a fronteira com Castela, reforçando as suas disputas com o vizinho e, igualmente, potenciar as ambições mediterrânicas, como forma de responder à pretérita invasão muçulmana e que haveria de se concretizar, com a tomada de Ceuta, um século depois. Esta aliança traduziu-se no matrimónio do Rei Poeta com a Princesa de Aragão, piedosa, caritativa e devota que muito contribuiu para a normalização das atribuladas relações com a poderosíssima Santa Sé. Tendo-se oficializado em Barcelona, para ultrapassar a interdição dos templos portugueses, foi replicado, simbolicamente, em Trancoso, no norte do reino, mas a sul do rio Douro. Igualmente simbólica foi a entrada no reino lusitano de Isabel de Aragão que, estando programada para acontecer, naturalmente, por Almeida, veio a concretizar-se por Bragança, tendo a nova rainha pernoitado em Castro de Avelãs sob a proteção do Braganção Nuno Martins de Chacim. Para que este acontecimento fosse memorável, dando corpo ao espírito romântico e poético, D. Dinis ter-se-á deslocado de Trancoso ao Mosteiro brigantino para a saudar com uma serenata noturna. Porém, naquele tempo, não havia forma de percorrer a distância num único dia. Por isso, o monarca teve de pernoitar na Póvoa D’Além Sabor que, quatro anos depois, haveria de visitar para lhe conceder Foral e rebatizar como Vila Flor, rendido à sua beleza natural. É este acontecimento que a Câmara Municipal da Vila da Flor de Liz irá comemorar no próximo dia 7 de janeiro de 2025, por ocasião do septingentésimo aniversário da morte de D. Dinis, Rei de Portugal e dos Algarves. Nesta efeméride será igualmente homenageado o padre Joaquim Leite e apresentado o livro “O Terceiro Milagre das Rosas” idealizado por si e escrito por mim, com base nas suas notas e ideias transmitidas oralmente.

DA LEGITIMIDADE POLÍTICA

Acontece coincidirem num curto intervalo de tempo vários acontecimentos que nos interrogam sobre a melhor resposta a dar aos dilemas que, no mundo política, exigem uma resposta dos vários poderes instituídos. Enquanto se digere a inquestionável vitória de Donald Trump, em terras do tio Sam, não é legítimo questionar quer o resultado quer as suas consequências, mesmo quando esse parece ameaçar os princípios da democracia, tal como a conhecemos e a que nos habituámos. Trump foi eleito, sem qualquer dúvida, Presidente da América e, nesse cargo, pode, efetivamente, promover, executar e validar todas as ações previstas na lei e consentidas no estatuto do cargo a que ascendeu. Desde as nomeações polémicas para cargos e posições-chave da administração até aos indultos a quem, no passado, desrespeitou a lei e a ordem pública… desde que se limite a fazê-lo no âmbito do quadro legal em vigor no país. E, custe-nos ou não, a amplitude dos poderes que a Constituição Americana lhe atribui dá-lhe uma larga margem que não pode ser questionada por um grupo minoritário, por mais razoável e ética que possa parecer. Os partidos políticos têm como fim principal ganhar eleições e ascender aos vários patamares do poder. Em nome de uma ideologia a que devem aderir os votantes conferindo aos eleitos a legitimidade de implementar as várias ações contidas no seu ideário. O sistema democrático em vigor confere aos líderes partidários a prorrogativa de fazerem uma pré-escolha já que o ato eleitoral, mesmo livre e universal, traduz-se sempre numa opção limitada às opções em sufrágio. Isto implica que nem sempre o resultado de uma eleição se traduz na seleção do melhor, frequentemente, no menos mau. E, igualmente, não é inédito que o mesmo indivíduo se apresente, em períodos consecutivos, sob bandeiras diferentes revelando uma débil adesão a um determinado ideário. Costuma prevalecer a capacidade de ganhar o pleito. Tanto assim que, o espírito ganhador do candidato se sobrepõe a outras características humanas muitas vezes apreciáveis. Mas não há como fugir a essa questão. Pedro Nuno Santos tem de decidir se quer manter um candidato, supostamente ganhador, em Loures ou defender, intransigentemente o ideário herdado dos fundadores do PS e cultivados por muitas e gradas personalidades do socialismo democrático. Dilema parecido tem Luís Montenegro. Terá, inevitavelmente, de optar entre acolher, em sede de votação do orçamento, uma proposta de descida de IRS defendida e proclamada como virtuosa durante toda a campanha eleitoral ou manter um acordo de cedência que lhe garantiu o desanuviar do espetro de eleições antecipadas que pairou no ar, durante o verão. Mas, pior ainda, é a necessidade de escolher entre a manutenção, na importantíssima pasta da Saúde, de uma equipa mi- nisterial que se tem notabilizado mais em desfazer o que encontrou do que em construir alternativas funcionais ou dar prioridade ao bem-estar dos cidadãos mesmo que, para isso, tenha de dar a mão à palmatória, indo buscar quem foi afastado sem que houvesse substância concreta e evidente de desadequação das opções em curso e desfazer-se da titular de um ministério que, confiando nas suas próprias ideias e preferências, demitiu quem não lhe agradava, e quem, mesmo com erros e dificuldades, mantinha o INEM em funcionamento, cumprindo mais do que os mínimos, para colocar no seu lugar quem nem sequer tomou posse ou quem levou o referido instituto a níveis inadequados como a própria titular já admitiu.

O ORIGINAL E A CÓPIA

O mundo da política é, no mínimo, um mundo estranho. Nos últimos anos os vários partidos políticos tradicionais e com assento parlamentar tentaram, sem grande sucesso, diga-se, em abono da verdade, estabelecer um cordão sanitário à volta de um neófito emergente que, à boleia de novas/velhas correntes quis fazer germinar no nosso país um ideário de extrema direita. O empenho e a valoração da distância a tal ideologia foi tal que marcou e balizou muitas das opções políticas e até, ao que se julgou saber, determinou uma reviravolta em vésperas de eleições proporcionando uma maioria absoluta a quem melhor soube gerir o afastamento e a rejeição de tal ideário. Mas se favoreceu quem soube afastar-se e penalizar quem não conseguiu isolar-se de forma eficiente, não penalizou quem adotou e abriu as velas aos ventos que começaram a soprar do exterior. Pelo contrário, a ideologia que, julgada esmagada e enterrada no século passado, destruída pelo desfecho progressista da Segunda Guerra Mundial, ressurgiu, ganhou fôlego e impôs-se de tal forma que nem o “não é não”, limitando estragos, impediu o crescimento extraordinário da extrema direita, nem o incómodo da convivência forçada no parlamento evitou alguma normalização não só de ideias abstrusas, mas igualmente de comportamentos absolutamente estranhos e condenáveis, mesmo em ambiente de confronto ideológico nunca vistos, antes, nem sequer nos anos da brasa do PREC. Mas, o mais estranho de tudo isto, foi o que começou a acontecer, desde há algum tempo para cá. Em vez de tais atitudes, propostas e modus operandi desencadearem a sua rejeição, o combate democrático e o aprofun damento das teorias democráticas e humanizadas… ao mesmo tempo que as forças radicais “desenvolvem” as suas opções, radicalizam as suas propostas e até deixam de se coibir de exibirem e verbalizarem propostas absolutamente desprezíveis e condenáveis por todos e qualquer democrata, de qualquer quadrante… começou a surgir, aqui e ali, inicialmente ainda com alguma timidez mas, pouco a pouco mais claras quem, vindo e inserido em partidos democráticos, comece a adotar bandeiras do outro lado da barricada. Estranha e espantosamente, não foi só a influência do CDS nas questões supostamente polémicas das aulas de cidadania, o próprio e ambicioso Presidente da Câmara de Lisboa começou a ensaiar um discurso xenófobo e perigoso sobre os “riscos e perigos” da imigração para, recentemente, um outro autarca, militante e dirigente do partido socialista, não só acarinhou uma proposta trazida a reunião camarária pela direita do executivo municipal como, querendo apoderar-se dela e roubar-lha, aprovou-a e, não contente com isso, adotou-a, potenciou-a e proclamou-a, como sendo sua, adjetivando a inominável intenção de proceder a despejos, injustos, ilegais e desumanos “sem dó nem piedade”! O que se estará a passar na cabeça desta gente? Pensarão, por acaso que é adotando as ideias mais reacionárias e descabeladas que sustentam determinada força política, por mais difundidas que sejam e, até, com alguma aceitação, mesmo que crescente, que vão recuperar o eleitorado que, nos últimos anos lhe anda a fugir? Bem pelo contrário. Quem perfilha tal ideologia, podendo apoiá-la nos que lha trouxeram em primeira mão, dificilmente a irão buscar aos que mais não sabem fazer que copiá-la. E, ao mesmo tempo, não recuperando apoiantes desavindos afastam todos quantos poderiam servir de base para uma verdadeira batalha ideológica que os próximos tempos exigem e que, queiram ou não, é necessário travar. A menos que queiram imi- tar quem, começando por “meras” ambições locais acabou projetando-se ao nível nacional, renegando o partido que lhe deu apoio… mas, nesse caso, também a cópia dificilmente suplantará o original.

AÍ VEM LOBO!

A fábula de Esopo é sobejamente conhecida: Pedro, um pequeno pastor resolveu divertir-se com os seus conterrâneos gritando que estava a ser atacado por um lobo só para ver os aldeãos a acorrerem, em seu socorro, armados de varapaus, foices e enxadas. Um dia, a fera acometeu mesmo o seu rebanho e, por mais que o zagal gritasse por apoio, não houve ninguém que lhe viesse valer. Mais tarde, quando confrontados com a grande perda do rapaz, por causa da razia levada a cabo pela besta, os seus vizinhos lamentando o sucedido, mostraram ao jovem que a culpa era sua por se ter descredibilizado com o seu reprovável comportamento. A tradição popular criou um rifão a propósito desta lição: Coitado do mentiroso, Mente uma vez, mente sempre; Ainda que fale verdade, Todos lhe dizem que mente. Concluindo, quando alguém nos habituou a declarações que não têm a devida adesão à realidade ou que, mais tarde, são desditas ou mesmo contraditadas pelo próprio, obviamente que provoca a natural desconfiança de quem o ouvir, posteriormente. As pretéritas declarações pouco confiáveis do líder do Chega, bem como as constantes mudanças de posição, mesmo quando irrevogáveis, mesmo quando fundadas no sagrado interesse nacional, provocaram a desconfiança sobre a real veracidade da anunciada proposta de acordo entre o Governo e aquele partido, para a aprovação do Orçamento de Estado. “Não é não” teria dito Montenegro e, obviamente, espera-se do Primeiro Ministro que honre a sua palavra. Quando um diz que sim e o outro que não, sem mais considerandos, a tendência de quem olhe para esta circunstância de forma independente é a de acreditar em quem nos habituou a manter a palavra contra todas as ameaças e acusações de traição que este comportamento despertaram no seu opositor. Acresce que o líder da extrema direita tem mostrado uma notável sofreguidão no intento de chegar a um acordo com o partido governamental pelo que se afigura natural que faça tudo e mais alguma coisa para o obter. Alternando, inclusive, entre a ameaça do irrevogável chumbo e a aprovação responsável, a promessa de uma convivência cooperante e uma oposição aguerrida e sem quartel, portanto não seria de estranhar que atribuísse às consultas interpartidárias um conteúdo substantivo muito exagerado, para além do que efetivamente tenha tido. A negação imediata e perentória do chefe do governo aponta nesse sentido. Porém… A simples hipótese de a verdade, mesmo que não acompanhe, integralmente Ventura, estar entre o que este garante e o que Montenegro refuta, é, só por si, preocupante. Ora, como já muitos comentadores vieram evidenciar, “não” diz-se, num espaço de tempo muito curto, numa única reunião. Por que razão hou- ve necessidade de mais encontros, mais demorados? Por outro lado, o abandono transitório da irrevogabilidade, pode, de alguma forma evidenciar alguma aproximação, mesmo que temporária, mesmo que percecionada como maior do que aquela que efetivamente estava a acontecer? O desmentido governamental, sem mais, traduz uma vontade firme de cortar com qualquer proximidade ou o receio de que alguns pormenores possam ser comprometedores? Quando um diz que tem provas que não vai mostrar, provavelmente por não suportarem, na íntegra, as suas afirmações públicas, não seria de esperar que outro mostrasse a evidência que as contradigam, na totalidade? Com a abstenção do PS, este episódio perde importância, contudo não deixa de ser um sério aviso que seria um erro minimizar.

CANCRO DO PÂNCREAS

Apesar dos enormes avanços no conhecimento e prática da medicina o cancro continua a ser causa de grande sofrimento e, infelizmente, morte. De todos, o mais letal é o do pâncreas que, ceifando vidas, diariamente, levou, esta semana, alguém muito próximo. Esta semana também, entrou, finalmente, em funcionamento pleno o Centro Botton-Champalimaud dedicado ao Cancro do Pâncreas. Finalmente porque, estando totalmente pronto e equipado, há já largos meses, só agora foi possível ultrapassar as várias e recorrentes barreiras burocráticas que foram surgindo ao longo do processo e de que a própria Presidente da Fundação, justamente se queixou, publicamente, por ocasião da apresentação do Prémio Champalimaud da Visão. Ainda neste mês de outubro, entre 16 e 18, irá realizar-se, na antiga Doca de Pedrouços, um simpósio dedicado à apresentação e divulgação de trabalhos de investigação científica relacionados com a “ecologia” do cancro; terminando, de 23 a 26, com a Conferência Internacional do Cancro do Pâncreas que contará com a presença dos mais conhecidos e reputados médicos e investigadores a nível mundial, entre as centenas de par- ticipantes. Com a entrada em velocidade de cruzeiro do Centro Wurth de Investigação e Esperança em Cancro do Pâncreas, começa a operar uma infraestrutura inovadora e única, a nível mundial, reunindo num único lugar o que de melhor se sabe, investiga e trata nesta temática. De assinalar que esta iniciativa, baseando-se na infraestrutura já existente em Algés, contou com a participação e financiamento internacional dos casais Maurício e Charlotte Botton, para a infraestrutura e de Carmen e Reinhold Wurth para a Investigação. Uma novíssima e revolucionária unidade de tratamento de células, integrada no mesmo complexo que permitirá o uso seguro de novíssimas técnicas recorrendo a células do próprio doente, fortalecidas, em alternativas às tradicionais e invasivas quimio e radioterapia de tratamento e combate aos tumores cancerígenos, está prestes a entrar em funcionamento logo que sejam, mais uma vez, cumpridos todos os requisitos legais e ultrapassadas todas as muitas e demoradas exigências burocráticas. Muito a propósito, o Centro de Ciência Viva de Bragança (CCVB) vai dedicar o próximo ano à promoção e divulgação da investigação e tratamento do cancro, na sociedade civil, com especial incidência nas escolas do distrito com especial incidência nos concelhos da CIMTT. Está já em preparação uma parceria entre o CCVB e a Fundação Champalimaud para a integração e colaboração de alguns dos melhores investigadores nas várias iniciativas já em curso. Estou certo que serão encontrados, junto das autarquias e outras instituições locais e regionais os necessários apoios para este interessante e meritório projeto.

TRAIÇÃO

Questionado o Cha- tGPT sobre o conceito de Traição, em política, este instrumento de Inteligência Artificial devolveu o seguinte texto: “A traição em política é a ação de um indivíduo ou grupo que rompe com compromissos, alianças ou princípios previamente estabelecidos, geralmente em busca de vantagens pessoais, poder ou influência. Isso envolve a violação da confiança depositada por aliados, eleitores ou instituições. No contexto político, a traição pode manifestar-se de diversas formas, como a quebra de acordos partidários, a mudança repentina de alianças, a sabotagem de lideranças ou movimentos, ou o desrespeito às promessas feitas ao público A traição política tende a ser especialmente impactante, pois afeta não apenas as relações entre os envolvidos, mas também a estabilidade das instituições e a percepção pública de integridade e confiança nas figuras de poder.” É assinalável que esta definição aborde não só o rompimento de compromissos e alianças, mas, igualmente, a perda de confiança depositada por eleitores. Assinalável porque, sabendo a forma de funcionamento do ChatGPT, tal indica uma perceção generalizada embora a comunicação social e as famosas e omnipresentes redes sociais deem especial destaque aos episódios e ocorrências entre correligionários. Foi o caso recente na autarquia de Bragança que uma opção diferente sobre o apoio a conceder a uma lista concorrente à liderança do PSD concelhio despertou no autarca brigantino um desabafo rotulando de pérfida deslealdade uma opção diferente da sua, das vereadoras que o acompanham no governo do município. Opiniões diferentes e opções diversas, mesmo opostas, fazem o dia a dia do exercício normal do poder democrático. Quando originárias em adversários e opositores políticos são consideradas absolutamente normais. Estranha-se quando acontece o contrário, com exceção de alguns temas que, por natureza ou conveniência, facilmente são consensuais. Mas, igualmente, quando no seio da mesma cor política, divergências de pensamento e ideário são saudáveis e deveriam servir para enriquecer e melhorar o exercício do poder de que se está imbuído. A menos que… A imprensa regional raramente releva as falhas e divergências gritantes entre as promessas eleitorais e as atuações subsequentes e, quando as assinala, raramente as batiza de traições, apesar de haver, como diz o algoritmo de AI, referido, uma violação das expetativas criadas nos munícipes, ao dar, de forma unânime tal qualificação ao episódio das eleições inter- nas do partido do poder, sinalizaram a existência de algo mais, para além de uma mera discordância entre companheiros. A reação inédita do PS, vindo a terreiro questionar o incidente no seio do outro partido veio adensar ainda mais as suspeições da existência de algo mais, para além disso. Porque, vendo bem, a cisão na orientação do poder municipal ser-lhe-á benéfica, do seu ponto de vista pois havendo divisão no campo oposto e sendo a Câmara um órgão colegial, pode, a partir de agora, escolher qual dos lados, no seu entender, cumpre melhor o interesse público concelhio devendo, em vez de criticar e alertar para a gravidade da situação, agradecer e aceitar o papel de fiel da balança que lhe acaba de ser estendido em bandeja de prata em vésperas da preparação do próximo preito eleitoral. A menos que… A menos que, tal como alerta o ChatGPT, tais atitudes escondam “vantagens pessoais, poder ou influência”, e nada mais!

FORFALHAS YE PAN

Migalhas é pão! É um ditado antigo e frequentemente ouvido em todo o nordeste, em todas as suas declinações seja em rionorês, guadramilês, mirandês ou português. Independentemente da expressão escolhida, adequa-se na perfeição à Língua Mirandesa o que justifica o título. Milenar, (anterior à própria nacionalidade) foi um elo permanente de ligação, um refúgio seguro por vezes quase secreto, uma casa comum acolhedora para a gente das Terras de Miranda a quem proibiam de se expressar na sua língua materna na sede do concelho (por ordem de D. João III impondo tão draconiana medida à laia de tributo para a constituição do Bispado de Miranda), na escola e até na igreja, alegando a impossibilidade de ser atendido por Deus quando as preces fossem expressadas em língua alegadamente diabólica o que, para além de ser ofensivo para os falantes (fossem eles os mirandeses, os leoneses ou os asturianos onde esta forma de falar teve o seu berço) seria, igualmente, uma blasfémia pelo apoucamento aos inatacáveis e inquestionáveis poderes divinos. O Estado Novo inaugurou um segundo e severo período repressivo proibindo a livre expressão nas escolas e instituindo a aplicação de castigos físicos às crianças que trocassem o português fidalgo pela linguagem bebida no peito materno e alimentada no recato do lar, praticada nas brincadeiras e sustentada no trabalho e demais afazeres diários. O isolamento das gentes do Planalto foi o resguardo para a manutenção da genuína e natural forma de expressão que se conservou e manteve suportada apenas na oralidade. Como tal teve, logicamente, alguma “contaminação” e, igualmente “contaminou” as regiões vizinhas. Mas sobreviveu sem comprometer a sua identidade singular. A aprovação como a segunda língua oficial na Assembleia da República (Lei 7/99 de 29 de janeiro) deu-lhe o suporte legal para se poder afirmar a todos os níveis, e a aplicação da Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa, permitiu a recolha e uniformização (mesmo que com variantes) desta forma única de falar e exprimir. Das migalhas, se fez pão! O pão, para que forneça o devido sustento tem de ser feito recorrentemente e de forma continuada ou, facilmente se consome e de novo serão “apenas” migalhas. Desse pão inicial e fundador, sobram-nos (a todos nós, portugueses e não só aos de Miranda nem, tão pouco aos nordestinos, apenas) hoje, migalhas das quais urge, de novo, juntar, unir, levedar e cozer para que do forno não cesse de sair fornada suficiente. É preciso ratificar a Carta Europeia das Línguas Minoritárias (já aprovada pelo Governo); instalar o Instituto da Língua Mirandesa (criado e dotado de orçamento des- de 2023, mas nunca implementado); promover a edição de gramáticas, dicionários e manuais escolares; promover instituir um prémio literário para incentivar os muitos autores e falantes de mirandês a deixarem, em letra de forma, os conhecimentos próprios, as recolhas feitas (urge preservá-las sob risco de se perderem para sempre) e darem largas à poesia, ao romance, à tradução e ao ensaio de forma a perpetuar o saber de um povo que teimosamente o guardou e que não merece vê-lo desaparecer. Juntem-se as migalhas ao fermento e… coza o forno.

SAÚDE

Nas conversas com os residentes, nas minhas frequentes viagens ao nordeste, não encontro qualquer anseio em ter, na região, um aeroporto internacional, nem sequer, poder desfrutar de uma viagem a Madrid, em alta velocidade. Gostam de ver passar a volta, apreciam as feiras medievais e outros eventos mediáticos e, claro, não perdem as festas de verão, mas no que preocupa a nossa gente, sobressaem a apreensão com a educação e futuro dos filhos e, sobretudo a ansiedade com a saúde dos pais e demais membros da família. Das duas uma, ou as pessoas com eu falo não são ouvidas pelos responsáveis regionais ou quem os ouve não lhes dá a importância devida. Ao contrário do que acontece localmente, estes temas despertam a atenção governamental e não escapam ao escrutínio da oposição, sendo motivo de disputa verbal e pública, com propósitos e análises polémicas de variada interpretação e aceitação. Por razões óbvias: Quando a lista de utentes à espera de uma operação para lá do tempo máximo estipulado na lei aumenta (atingido um valor superior a 74.000), quando o programa para acabar com este excesso em doentes oncológicos deixa de fora 8.000, quando cresce o número de urgências encerradas e o plano conduzido por Fernando Araújo (homem de reconhecido mérito e competência com provas dadas) foi suspenso e ainda não há plano alternativo… os cuidados de saúde não estão melhores, diga o que disser o Primeiro Ministro. Quando, recorrentemente, não é possível contratar os especialistas que o SNS necessita e que nem as vagas abertas são preenchidas, quando os licenciados não compensam (a situação vai agravar-se nos próximos anos) as saídas para a reformas e para o crescimento natural das necessidades… não há médicos suficientes em Portugal, diga o que disser a Ordem dos Médicos. Quando, apesar do tremendo erro do abandono de um plano que estava já a dar sinais de estar no bom caminho, por questões de ordem pessoal ou política, que não de competência e empenho, o governo reconhece que, sejam quais forem as medidas no curto prazo, a médio e longo prazo a situação do SNS passa, necessariamente, pelo aumento da formação em saúde (licenciaturas, especializações e, é bom não esquecer, doutoramentos)… a política governamental está no bom caminho, diga o que disser a oposição. É bom ter na devida conta que não é o governo que aprova os cursos superiores, sejam licenciaturas, mestrados ou doutoramentos. Essa decisão é da competência da A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior) e o processo não é simples nem imediato nem é expectável que seja, sequer, célere. Não se espere que haja fumo branco antes de dois anos. Com um ensino tradicional (tudo indica que será esse o modelo de opção da UTAD) só dentro de uma década é que poderá começar a sentir-se a necessária e urgente mudança. De qualquer forma é motivo de alegria para os transmontanos, sendo devido um elogio às forças vivas de Vila Real que, por ação eficaz ou aproveitando a falta dela, em putativos concorrentes conseguiram a indicção do Primeiro Ministro. Enquanto nordestino, estou dividido: é bom ter o próximo curso de medicina em Trás-os-Montes, mas seria muito melhor tê-lo em Bragança. Porque a concentração de valências se opõe à necessária política de discriminação positiva pelo interior, por- que podia e devia ser um motivo de união das vontades nordestinas à volta de um motivo real e mobilizador, mas, sobretudo porque, sendo no IPB era o primeiro a ser atribuído a um Instituto Politécnico onde haveria abertura a um modelo capaz de formar competentes profissionais de saúde num prazo mais curto e, por consequência, mais adequado às necessidades.

OS INTERPOSTOS INCUMBENTES

Mark Twain garantiu que a história não se repete, mas rima, provavelmente para adequar a máxima atribuída a Confúcio: “Se queres prever o futuro, estuda o passado!” Mesmo sem garantia de qualquer bola de cristal, os políticos, a quem o futuro muitas vezes resolve surpreender, deveriam olhar para o passado tendo em vista abrir uma janela, mesmo que fosca, sobre o porvir. É, aliás, para condicionar os sufrágios vindouros que muitos eleitos em fim de ciclo, renunciam ao mandato deixando o seu lugar ao pretenso sucessor para que este possa usar, em seu proveito, as vantagens associadas à condição de incumbente. Porém, não é a mesma coisa porque um novo ciclo, com um novo protagonista normalmente, requer uma nova liderança, e, não raro, numa rutura clara e percetível, nem sempre fácil. Veja-se o caso recente de Pedro Nuno Santos que andou toda a campanha a balançar entre a necessidade de afirmar um programa novo e diferente, para o país, sem querer renegar a herança dos governos de António Costa. Não há forma de garantir que uma rutura clara lhe tivesse granjeado melhor resultado. Há quem pense que se tivesse podido tomar-lhe o lugar, antes das eleições, teria sido bem melhor. Com Santana não foi, bem pelo contrário! Em vésperas de autárquicas olhemos para os registos distritais, mais recentes. Quem recebeu, de bandeja, a presidência da Câmara teve sucesso no escrutínio imediato, mas não garantiu o e esperado ciclo de três mandatos. Veja-se o que aconteceu em Carrazeda, Macedo, Mirandela e Vila Flor. Veremos o que acontece em Alfândega da Fé. Para já a atenção volta-se para Moncorvo e Bragança onde os edis em fim de mandato renunciaram deixando os seus lugares nas mãos dos seus vices. Apesar de terem a mesma origem, os processos são substancialmente diferentes. Enquanto Paulo Xavier se impôs, desde o início do ciclo de três mandatos e integrou a equipa autárquica sempre no segundo lugar, José Meneses, apesar de ser, desde a primeira hora, o maior e mais fiel apoiante do ex-presidente, apenas fez parte da lista na última candidatura e só ascendeu à vice-presidência depois da desistência do inamovível Vítor Moreira. O que, ao contrário do que possa parecer, não é uma desvantagem. A rutura com a anterior gestão au- tárquica, já iniciada pelo atual presidente, de for- ma inteligente, passando pelo necessário aumento de transparência e suavização de fraturas inúteis e desgastantes acabou por receber um contributo positivo na forma miserável como foi deixado “suspenso”, durante meses, apenas para dar cumprimento a um reles capricho do agora deputado, desde que não caia na tentação de exagerar na vitimização. Na arte, ciência e cultura bastará, no meu entendimento, cumprir com os mínimos. É, precisamente, na cultura, arte e ciência que reside o maior desafio do ocupante da cadeira presidencial do forte de S. João de Deus, em Bragança. Por três razões: em primeiro lugar, na capital do distrito essa área assume, naturalmente, uma importância acrescida numa larga franja do eleitorado; em segundo porque é grande a probabilidade de aparecer, a disputar-lhe o lugar, alguém com créditos firmados, nessa matéria; por último, e não menos importante, os vários executivos a que pertenceu, liderados pelo agora Secretário de Estado, neste campo, não fez nada de relevo, limitando-se a cuidar da grande herança recebida de Jorge Nunes não tendo sequer conseguido, até agora, concretizar o maior pro- jeto em curso – O Museu da Língua.