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Cravo edita monografia sobre Salselas

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Qua, 16/08/2017 - 11:14


António Cravo reuniu em Livro a história da sua terra natal, a aldeia de Salselas, no concelho de Macedo de Cavaleiros. A monografia com mais de 1000 páginas aborda a evolução da história do mundo e centra-se na história da aldeia desde cerca de 22 mil anos a.C.

Vendavais - Tempo de refletir e eleger

Antes das férias, que a maior parte dos portugueses desfrutam neste mês de agosto, acontece quase sempre os partidos contactarem os seus escolhidos para integrarem as listas que submeterão a escrutínio no próximo mês de outubro. Porém, o caminho é longo até chegar a este momento que, há alguns anos atrás, era considerado quase como idílico, tanto era o empenho que os partidos e os militantes punham nesse ato eleitoral. Hoje as coisas passam-se um pouco diferentemente.

Na verdade, embora a ânsia de poder não se tenha esbatido e candidatos sempre tenha que haver, a movimentação de pessoas mais ou menos ligadas aos partidos, está envolta num desinteresse cada vez maior. E mesmo os partidos políticos já não têm muito por onde escolher, mesmo os de maior craveira. Face a uma descrença enorme nos políticos e às suas atividades menos lícitas e também ao conhecimento delas através da comunicação social que, muitas vezes se advoga de investigadora sobrepondo-se à própria polícia, é normal que a ânsia em concorrer para determinados cargos ou até ocupar determinados lugares, seja pouco compensatória e apetecível. Para muitos, o facto de se “queimarem” não vale o risco.

No entanto, o trabalho tem de ser feito e leva o seu tempo. É o tempo de escolher os candidatos e preparar as listas para as poder apresentar publicamente. O que antes era fácil, agora tornou-se muito difícil. Alguns candidatos já o não podem voltar a ser por esgotarem o seu tempo de atividade política em determinado cargo, outros porque a idade não lhes dá a segurança suficiente para afrontar desígnios alheios e ainda outros que deixaram de ser prioridade para os próprios partidos. Quem sobra? Poucos.

E é no meio das partes sobrantes que os partidos têm de ir vasculhar vontades e preferências. E não é fácil. Surgem rostos novos que antes ninguém conhecia, surgem propostas novas, aparecem promessas renovadoras. A pouco e pouco, formam-se listas de candidatos e alteram-se à última hora. Basta apreciarmos as listas já entregues e depois de as analisarmos face ao que se conhecia e especulava e logo vemos alterações em todas elas. Uns saem, outros são preteridos à última hora, outros simplesmente desistem. Se quiséssemos escolher um exemplo, Bragança serviria na plenitude, já que as mudanças nas listas têm sido bastantes.

Os candidatos de continuidade têm sempre a vantagem de serem conhecidos e poderem ser mais atacados ou mais elogiados, mas serão sempre candidatos possivelmente elegíveis. Os outros serão a dúvida que os afronta. Nada é tido como certo e a incerteza faz movimentar cada vez mais os motores das máquinas eleitorais. A hora dos partidos apresentarem publicamente os seus candidatos e das pessoas ficarem a conhecer em quem podem votar, chegou ao fim. Mas nem tudo é assim tão certo. Só no momento em que se entregarem as várias listas no tribunal para aceitação e confirmação, é que tudo fica mais ou menos esclarecido. O Tribunal tem sempre a última palavra. Que o diga, por exemplo, Isaltino Morais. Antes, é o momento da especulação.

Para quem estava à espera de ver as listas e conhecer os candidatos, foi tempo de fazer prognósticos e eles foram e são motivos de conversa de café. Aposta-se neste ou naquele e referem-se qualidades em todos e defeitos em muitos.

Acabou-se o tempo de preparação das listas e a apresentação pública está na recta final para quase todos os partidos. As incógnitas acabaram-se e todos ficaram a saber quem são os candidatos e se merecem ou não o voto, independentemente do partido. Felizmente que nas eleições autárquicas, os eleitores ainda podem escolher apartidariamente os seus autarcas. Gente de proximidade, conhecidos de pai e mãe, amigos da escola, colegas de trabalho, visitas frequentes, enfim, um sem número de atributos que fazem deles muito mais escrutináveis. Apesar de tudo, muitos não são assim tão conhecidos do público em geral. São pessoas mais reservadas, menos sociáveis, de famílias menos conhecidas, pertença a núcleos de amizades restritas e naturalmente menos vistas nos locais mais abertos e visitados. Agora é tempo de se mostrarem. Não basta estar numa lista. É necessário aparecer. É imprescindível ser conhecido.

No dia 1º de outubro, antes do dia da implantação da República, cujo feriado voltamos a celebrar, vamos a votos e votaremos nos candidatos que nos merecerem mais confiança e mostrarem melhores projetos. Deixemos as promessas, que essas não são para cumprir, como sabemos. Debrucemo-nos nos homens, que são esses que poderão fazer alguma coisa pelo nosso concelho. Agora, vai ser tempo de reflexão para os que não pertencem às listas. É tempo de férias, ou não! Breve chegará o tempo da eleição.

Cronicando - Em setembro é tarde demais

Conselhos avisados devem ser tidos em conta. Num texto publicado na revista VISÃO de seis de julho, Rentes de Carvalho plasma um aviso que lhe fora dirigido e peço licença para transcrever: “Bem me avisaram: se era meu intento escrever sobre Trás-Os-Montes, levasse em conta que o caminho seguro seria não me desviar dos trilhos, dos carreiros e atalhos de cabras que gente de nome tinha palmilhado”. Efetivamente este é o modo mais confortável de fazer caminho. Com toda a certeza que o autor não estaria a pensar na maré eleitoral que se avizinha nem nos que, por terras de Trás-Os-Montes, são notas dissonantes e assumiram como ideário o lema de D. António Ferreira Gomes, em tempos de feroz ditadura: “De joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens.”; mas que no seu jeito de escrita acutilante, Rentes de Carvalho faz recomendações com sentido, sem dúvida que faz.  

O artigo centra-se na ideia de que esta região se acomodou a uma forma de estar que a impede de se queixar e a aceita ser discriminada perante o fausto de uma capital que a espezinha e a esquece. É de facto esta a realidade, mais revoltante ainda, quando, se quiséssemos pedir contas aos eleitos pela região sobre o que fizeram em defesa desta terra enquanto permanecem na Casa da Democracia, nos surpreenderíamos com as suas parcas intervenções e as reduzidas ações em prol dos que dizem defender. Tempos houve em que, esporadicamente, até as rádios locais faziam ecos de uma ou outra intervenção em defesa da terra transmontana; nos tempos que correm, os ventos da Europa trazem o esquecimento do torrão.

Silêncio, pacatez, acomodação, seguidismo podem ser atributos de um povo que cansado de lutar se resigna à sua condição. Até ao século XVII não houve guerra a sério em que os transmontanos não tivessem entrado, dois séculos depois, eram apenas um punhado de valentes, agora a guerra é outra mas ninguém ousa combater o bom combate. Há ainda os políticos de balcão que, servindo-se dos meios de que dispõem, parece quererem elaborar o programa eleitoral dos candidatos. É uma maçadora tentação. Em maré de autárquicas, e ao jeito desses políticos, se algo poderia acrescentar seria o respeito dos candidatos por três conceitos que tão arredados têm andado da concepção programática: Inovar, Integrar, Modernizar.

Inovar no sentido de ser capaz de apresentar projetos diferentes para uma região que continua imersa na ideia de que é periferia porque tem como ponto de referência Lisboa, quando deve olhar para a sua proximidade da Europa. Quem vier a ser eleito tem atrás de si um legado de gerações. Todavia, os séculos de História não podem ser grilhões para que se ouse e se lancem desafios em áreas que economicamente viáveis permitam potenciar o que já existe e trazer novidade em articulação com as escolas superiores da região.

Integrar. Provavelmente o conceito mais desafiador e mais difícil de concretizar porque ainda pensamos na ideia do uno quando na verdade nunca o fomos. Cresci a ouvir falar do “cigano” e do “aldeano”. Séculos antes acrescentava-se à coabitação o Evangelho e a Torah. Receio bem que, neste momento, se tenha apagado este percurso e pese embora cheguem cada vez mais nacionalidades e religiões a Trás-Os-Montes não me parece que se estejam a integrar devidamente. Veja-se por exemplo, que Bragança não tem ainda um Centro Local de Apoio à Integração de Imigrantes, quando só num agrupamento de escolas foram assinaladas cerca de vinte nacionalidades no curso de português para maiores de dezoito anos.

Modernizar em todas as áreas sobretudo na económica, cultural e social. Modernizar na agricultura, na indústria ou na área tecnológica afiguram-se como caminhos seguros para um futuro a curto prazo, devendo, por isso, dar-se os primeiros passos de forma coordenada, permitindo à iniciativa privada que também faça o seu percurso. Já em termos culturais, encontram-se municípios que começaram a desvendar novas sendas que lhe granjeia reconhecimento e dividendos. O Freixo Festival Internacional de Literatura realizado há mais de um mês, ainda recentemente foi comentado no Programa Hotel Babilónia da Antena 1 associado à uma referência à praia da Congida e às excelentes condições que oferece. Gastronomia e feiras de produtos podem ser entendidas como cultura, mas se já existe um ou dois eventos de referência na região na área da literatura e do teatro porque não diversificar e multiplicar as ofertas para um público igualmente diversificado? 

Os dias que correm são de regeneração e essa consegue-se com boas lideranças e atos de cidadania ativa; caso contrários poderá aplicar-se aos que se orgulham de viver para cá do Marão, aquilo que José Eduardo Agualusa diz sobre quem vive em Angola: “Muitas pessoas para sobreviver apuram a cegueira, por um lado, e a invisibilidade por outro. Como aquelas borboletas que para sobreviverem nas novas urbes industriais perderam a cor e se tornaram cinzentas. Dói ver, então ficamos cegos. É perigoso que nos vejam, que percebam a nossa singularidade, então confundimo-nos com as paredes.”(in Somos Livros n.º16; Bertrand). Pensemos em agosto porque em setembro já é tarde demais.

Da política e dos afetos a nordeste

A política é uma ciência com um método e um objeto que se tem vindo a apurar com o devir histórico tendente a uma maior objetividade dentro da epistemologia das ciências humanas e sociais. Contudo, a política assenta primorosamente no sentido prático da “polis”, que tende a cuidar da cidade, da vida do quotidiano, do bem-estar dos cidadãos, privilegiando a moral, os bons costumes e o sentido estético dos espaços. O que quer dizer que a política para além do rigor científico funciona também com um empirismo assumido, dentro dos laços de boa vizinhança, de amizade, de afetos que leva a reconhecer os pares no âmbito do pensamento ideológico e a olhar os outros como adversários políticos. E aqui entram as emoções construídas e solidificadas ao longo de tantos anos em que lado a lado se lutou pelas mesmas ideias e pelos mesmos ideais. A dado passo os partidos políticos criam uma espécie de irmandade que assenta mais na dimensão afetiva do que na racionalidade política.

Longe vai o tempo em que os partidos se reuniam nas suas sedes partidárias, quase diariamente, com paixão, debatendo ideias, consolidando estratégias, às vezes conspirando. Mas havia o sentido da pertença, da participação efetiva na tomada de decisões políticas quer a nível regional, quer a nível nacional.

As eleições autárquicas aproximam-se e assistimos a uma pré campanha morna, sem entusiamo, sem paixão, a luta partidária esmoreceu penosamente para prejuízo da democracia.

Quando Carlos Guerra assumiu legitimante, em eleições democráticas, a liderança do Partido Socialista do distrito de Bragança adivinhavam-se grandes reformas, e pensava-se que o sangue novo da juventude e o entusiasmo de militantes que há algum tempo andavam arredados das lides partidárias trouxesse uma nova dinâmica ao PS. O presidente da distrital do Partido Socialista de Bragança começou por dispensar da comissão política distrital alguns dos “históricos” do PS bragançano, ou seja o núcleo duro do anterior presidente Mota Andrade. E isso poderia contribuir para renovar o partido, arejar as ideias, experimentar novos saberes. E Carlos Guerra continuou a sua saga reformista e em entrevista aos jornais anunciou que ia dispensar, nas próximas autárquicas, os dois vereadores, Vítor Prada e André Novo que tinham dado provas de grande competência e reconhecimento público. Com estas declarações muitos militantes do PS ficaram expectantes em relação aos novos elementos das listas autárquicas que iriam dar força e vigor ao Partido Socialista. Contudo, este entusiamo esmoreceu-se quando constataram que o Partido Socialista, liderado por Carlos Guerra e também candidato à Câmara Municipal, não tem listas de candidatos à junta de freguesia dum número significativo de aldeias do concelho de Bragança, coisa que nunca tinha acontecido na história da democracia pós 25 de abril.

A explicação para esta ocorrência podia passar pelo facto de o meio rural ter cada vez menos gente e pelo facto do PSD estar no poder na Câmara Municipal. Mas temos também que ter em conta que o PS está no poder, com grande pujança, a nível nacional. Por isso, numa análise primária e sem nenhuma consistência científica acho que o que faltou ao PS na constituição das listas foi a relação de afeto com as populações, a relação de amizade que se consolida ao longo de muitos anos. Os militantes de base habituaram-se a serem reconhecidos na amizade, no abraço, na visita à adega, no café na cidade, na consideração por parte dos dirigentes distritais e concelhios. Falhou o conhecimento do latente, do imaginário rural que se reflete, muitas vezes, no que não se diz, mas se sente com o coração à beira dos longos invernos e dos tórridos verões em que se mata o porco, se faz o fumeiro, se vai à missa do galo, se encomendam as almas, se recordam as segadas, as acarrejas, as malhas, as canções dolentes de embalar, se ralha por um palmo de terra e logo se fazem as pazes nas grandes desgraças.

Há coisas que não se aprendem na escola pois só a racionalidade não chega quando as emoções prevalecem e explicam o real.      

Não é saudável que o poder se concentre num único partido, em prol da democracia, por isso, desejamos que o PS reforce o seu empenhamento e entusiasmo no combate autárquico para que em outubro não tenhamos que recordar a antiquíssima saudação dos gladiadores romanos: “Ave César! Os que vão morrer te saúdam!”

Agosto festivo

Estamos no pináculo do Verão, estamos no epicentro das celebrações festivas, estamos num tempo de plena cantata das cigarras incluindo as humanas, porque se a maioria ganha o pão derramando o suor do seu rosto, há que temperar o sacrifício polvilhando-o de intervalos de folgança concedendo plena expressão à velha sentenças “mais vale um gosto na vida, do que cem mil réis na algibeira”

AS festas e romarias deram azo a milhentas manifestações em larga medida jocosas, como a daquela mulher convenientemente lavada e aperaltada de forma inusual ao ser inquirida acerca da causa de tão especioso ataviamento retrucou impante: “vou à festa com o meu homem”, à noite, no regresso, esbaforida, e o marido cambaleante, respondeu a quem lhe perguntou de onde vinha, azeda vociferou:” venho da festa e esse que vem atrás”.

Para lá desta e de outras facécias as festas eram a frescura das cores infantis e juvenis mais de génese feminina, este amor ao adorno e do ornamento, essa paleta cromática que durante um dia anima as aldeias numa sinfonia de sons gritados de admiração, de afecto, de inveja, de comiseração, de genuína amizade, de exclamação nas comparações entre o aquele ano e o passado presente e quantas vezes repletas de leviandade fugaz de diabrura no vai vem das recordações. É a festa!?

Escrevo é festa. Manda a realidade escrever: agora são os festivais, a ânima festiva resvalou em festivais, a passagem fez-se nos últimos anos a arremedar ritos de passagem vindos de fora, da longe, de língua inglesa, impondo-se nas noites ruidosas ao linguajar portunhol e francófono dos visitantes e emigrantes a passarem as vacanças no terrunho natal, onde tudo parece igual mas não é, subtilmente ali, riscante acolá, na rarefação das gentes nos olhares dos regressados de vez por efeito das reformas, nas alteridades das casas e equipamentos, nos utilitários transportes de matrículas de idade venerável.

Os festivais derramam luz e gritos musicais sobre os campos adjacentes à arena (agora está na moda o termo indicador de outras pugnas) ou terreiro de onde antes da bailação solta na maioria dos casos, as raparigas e rapazes quais possuídos pela doença de S. Vito pulam e voltam a pular soltando de forma audível corruptelas guturais num esfalfamento incompreensível aos ouvidos dos saudosos dos gaiteiros (agora escassos e revivalistas) e das bandas de música e/ou filarmónicas a fenecerem lentamente, ainda chamadas a abrilhantarem cadenciadamente as procissões.

O estiramento da festa em festival obriga aquele que é capaz de ler em voz alta e de compreender plenamente, a não derramar lágrimas sobre o leite derramado do fluir temporal, antes pelo contrário, compete tornar inteiramente sensível aos cinco sentidos o fragor das referidas alteridades, os não dotados de tais atributos tanto se lhe dá, o seu figurino adapta-se à moda em uso, podendo, quanto muito soltar remoques ocasionais no estilo: Maria vai-com-as-outras.

As transfigurações sociais (veja-se a legalização das barrigas de aluguer) obrigatoriamente, tinham de produzir outros olhares e mimetismos na «construção» dos travejamentos capitais do ócio gerando uma indústria de grande valor económico cujo derramamento sobre o enaltecimento dos valores religiosos e sociais nas aldeias e vilas do Nordestino é residual numa odiosa comparação com os gizados e levados a cabo no litoral em geral, e no Porto e Lisboa em particular. No entanto, desses travejamentos brotam fluídos genéticos dos Festivais a concederem vigor aos argumentos de Debord, no seu livro a Sociedade do Espectáculo. Mesmo nos aglomerados populacionais de menor densidade populacional a idosa senhora não desdenha as «modernices», pois velhos são os trapos, o atavismo ao tradicional restringe-se ao sagrado, e aos comeres de antanho de maneira esparsa. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades!

As considerações acima vertidas (de um cuidadoso verter de dúvidas e perplexidades) são-no em face de não poder recuperar o tempo perdido (obrigado Sr. Proust) na má gestão desse mesmo tempo e tentar intuir o futuro numa perspectiva de sermos capazes de preservarmos as raízes da nossa herança cultural centrada no conceito de FESTA pura e dura tão representativa dessa mesma herança de culturas cuja identidade se perde nas brunas da memória.

Os festivais perderam o verniz elitista de chispa da alta cultura, até snob, popularizaram-se, mesmo as coreografias para não falar das programações desceram no patamar das diversas matricialidade, relembro o bailado da companhia Verde Gaio em Bragança, relativamente aos Festivais, alguns deles de corrimão ou vão de escada.

À festa o que é da Festa, o telúrico, ao festival o que é do Festival, o feérico.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Gaspar Lopes Pereira (Mogadouro, 1642 – Lisboa, 1682)

Nasceu por 1642, na vila de Mogadouro, sendo filho primogénito de Francisco Lopes Pereira e sua mulher Maria Dias. (1) Na terra natal se criaria e ali aprendeu a ler e escrever, com o “mestre-escola” João Bernardo.

Andaria pelos 9 anos quando, ao final de fevereiro de 1651, a vila de Mogadouro foi autenticamente tomada de assalto, por um verdadeiro exército de familiares da inquisição, padres e frades e militares requisitados pelo tribunal de Coimbra para prender umas 120 pessoas acusadas de judaísmo, constantes da lista enviada ao comissário António Azevedo da Veiga, reitor da igreja de Sambade, que comandaria as operações. (2) Um dos prisioneiros foi o pai de Gaspar. Imagina-se a impressão que os acontecimentos terão causado na criança, nela deixando indelével marca.

Posto o pai em liberdade no ano seguinte, a família abalou para Castela, e depois de uma breve estadia em Madrid foi assentar casa em Granada, cidade onde vivia já um tio paterno de Gaspar, metido nos negócios do tabaco. Chegaram ali em agosto de 1653.

A partir de então, ele “nunca teve assento nem morada certa” pois a vida de Gaspar Lopes Pereira era “andar sempre nas estradas, com fazendas dos pais” – para usarmos as suas próprias palavras. Entre Portugal e Espanha conhecia todos os caminhos “por neles andar sempre com seus contratos de mercancia”. Especialmente conhecia os caminhos para Mogadouro onde se deslocava com frequência e fazia estâncias de semanas, como atestaram algumas testemunhas. Mais conhecidos ainda eram os caminhos de Lisboa, onde passava meses e vinha sobretudo comprar tabacos, trazendo de Espanha cavalos e tecidos para vender. Na capital do reino hospedava-se na estalagem de Manuel Fernandes, sita ao Beco das Comédias. E tanto o estalajadeiro que o recebeu por mais de 20 anos, como o barbeiro, o confeiteiro e outros que o serviram ou com ele conviveram, o retrataram como “um homem de bom entendimento, de muita indústria e viveza nos negócios”.

Mas não eram só os caminhos de Portugal e Castela que Gaspar conhecia. Não: ele fazia também viagens para a França, a Itália e a Flandres, conhecendo muito bem Roma e Livorno onde contactou com “professores judeus”, assim como a cidade holandesa de Amesterdão, cuja sinagoga frequentou e onde se apresentava como “público profitente da lei de Moisés”, como ele próprio confessou.

Em 16 de Março de 1675, a inquisidores de Valhadolid escreveram para Lisboa dizendo que haviam passado ordem de prisão a Gaspar Lopes Pereira, que não foi encontrado. E constando que se encontrava em Lisboa, requereram a sua prisão, enviando cópia das denúncias feitas contra ele por: Ana de Cáceres; Francisco Garcia Torres e João de Torres, em 1664, 1666 e 1668, respetivamente.

Foi encontrado na estalagem do Beco das Comédias e preso, no dia 8 de Abril de 1675. Para além dos objetos e mercadorias apreendidas e sequestradas, tinha consigo 47 moedas de ouro, que valiam 206 mil e 800 réis, o suficiente para comprar uma boa casa.

Antes de prosseguir, voltemos atrás, ao verão de 1673, em que os cristãos-novos portugueses, vinham negociando em Roma um perdão geral para os prisioneiros da inquisição e uma alteração dos métodos praticados. Em Roma as negociações eram conduzidas pelo padre jesuíta Francisco de Azevedo e em Lisboa um dos 3 representantes da “nação hebreia” era António Rodrigues Marques, da poderosa família dos Mogadouro. (3) As negociações encontravam-se em bom ponto e era necessário levar documentação importante. E quem melhor do que Gaspar Lopes Pereira, para levar o correio a Roma?

Partiu a 27 de agosto, obrigando-se a fazer a viagem em 20 dias, como costumava. Aconteceu porém que ao atravessar a Espanha, adoeceu com “las calmas” que faziam. E só ao fim de 43 dias é que a documentação chegou às mãos do padre Francisco de Azevedo, que assim tinha visto gorada a assinatura do perdão geral pelo papa. (4) E o padre Francisco de Azevedo acusou Gaspar de se ter atrasado propositadamente e que estaria pago pelos inquisidores. E tão zangado ficaria que, além dos insultos, até puxaram de facas.

Fiquemos agora com Gaspar Lopes Pereira, metido nas masmorras da inquisição de Lisboa. (5) Ao cabo de meio ano, decidiu confessar que judaizara durante 10 anos e que fora catequizado por Diogo Rodrigues do Vale, viúvo de sua tia Maria Lopes. Por dois anos prosseguiu o seu processo, com os inquisidores a dizer que as suas confissões eram diminutas e que contasse toda a verdade, para merecer perdão e misericórdia.

Entretanto, a luta diplomática em Roma continuava e foi suspenso, pelo papa, o despacho de processos pela inquisição portuguesa. Em resposta, o rei D. Pedro II, apoiado pela máquina inquisitorial que dominava por completo a hierarquia da igreja, mandou fechar à chave as casas da inquisição. Pobres dos prisioneiros! Se antes a vida era difícil, agora tornava-se dramática, com o agravamento das condições de salubridade e alimentação.

Só em 1681 a inquisição reabriu e só em 22 de dezembro o processo de Gaspar foi retomado. A solidão e o desespero haviam transformado por completo este homem de “bom entendimento, muita indústria e viveza nos negócios”. Na audiência que então lhe foi concedida, ele revogou as confissões que antes fizera e declarou que fora educado na lei de Moisés desde criança, que sempre fora judeu e que na lei judaica havia de morrer porque só nela encontrava salvação. Muitas sessões tiveram com ele os inquisidores e vários teólogos qualificadores foram chamados para o convencer que a lei verdadeira era a de Cristo. Inútil. Argumentavam que, como fora batizado, era obrigado a ser cristão. Respondia que foi batizado “em tempo que não podia deixar de o ser… e não tem obrigação de seguir preceitos da igreja católica romana que vão contra a lei de Moisés, quando tem esta por mais certa”. 

Continuou irredutível, afirmando que “na lei que Deus dera a Moisés esperava viver e morrer”. Nem sequer vacilou quando lhe ataram as mãos e o levaram para ser queimado no grandioso auto da fé celebrado no Terreiro do Paço em 2 de Maio de 1682, para celebrar o restabelecimento fulgurante da inquisição, no qual foram penitenciados 106 réus, muitos deles trazidos das inquisições de Coimbra e Évora. Daqueles penitenciados, 3 foram condenados à morte como judeus, sendo Gaspar foi um deles. Em mais uma memória enviada para Roma apontando 27 reparos àquele auto da fé, escreveu-se a respeito de Gaspar Lopes Pereira o seguinte:

- (…) E o mesmo Gaspar Lopes, quando o apertavam com razões para o convencer, respondia a tudo por remate: - Sem botica – resposta tão despropositada que parece de homem insensato, e mais desesperado que infiel. E todos os ditos profitentes iam como assombrados e fora de si, com tal aspeto que parecia terem no corpo o diabo, e não falta quem presuma que este lhe apareceu nos cárceres e, ajudando-se das misérias e lástimas em que se achavam, sem remédio para a vida, nem honra, os fez sair em tal desesperação. (6)

Seria o desespero que levou Gaspar Lopes a querer morrer queimado na fogueira? Ou seria mesmo uma profunda convicção interior de que a lei judaica era a verdadeira? Nesse caso, ele deverá ser considerado um mártir do judaísmo e o seu nome inscrito no livro de ouro dos judeus.

Antes de lhe dar a notícia de que ia ser queimado, os inquisidores mandaram um pintor fazer-lhe um retrato, com o seu rosto envolto em chamas, as chamas do inferno. Esse retrato foi enviado para Mogadouro e esteve pendurado na igreja de S. Mamede até se romper, para exemplo do povo cristão.

 

Se, ao pendurar o seu retrato na igreja, os inquisidores intimavam os cristãos de Mogadouro a execrar a sua memória, nós os convidamos hoje a rezar uma belíssima oração que Gaspar ditou para o processo. O papa Francisco e o bispo José Cordeiro haverão de gostar. Rezem connosco:

Perdóname Señor que te he ofendido,

perdona al miserable que te llama,

perdona el desamor que te he tenido,

no me condenes, Señor, a eterna llama.

Vuelve esses tus ojos a mirarme,

suefre el que por amarte se desama,

valga contigo el confesarme,

válgame ante ti llorar mi ofensa.

Pliegote ahora un poco a escucharme

que si tu gracia en esto mi dispensa

y si mi ayudas, Señor, en lo que digo,

servirá el acusarme di ofensa.

Pecador soy, Señor, tu es testigo,

Que a tus ojos divinos no ay negarlo.

 

Notas e Bibliografia:

1-Francisco foi o pai de Beatriz da Costa, nascida fora do casamento em 1644. Gaspar teve um irmão inteiro chamado Manuel de Aguilar, nascido por 1645 e uma irmã chamada Beatriz Pereira, nascida já em Castela.

2- O trabalho não terminava com a prisão dos decretados, antes continuava no arrolamento dos bens dos prisioneiros e venda em hasta pública dos necessário para se fazerem 20 mil réis para despesas de transporte e alimentação, pois tinham de pagar até as cordas e os ferros com que os prendiam e as jornas aos que os conduziam para os cárceres do santo ofício.

3-ANDRADE e GUIMARÃES – A Tormenta dos Mogadouro na Inquisição de Lisboa, ed. Veja, Lisboa, 2009.

4- Nesta ofensiva diplomática contra a inquisição foi destacado o papel do padre António Vieira, que fora preso em Coimbra e do ex-notário da inquisição Pedro Lupina Freire.

5- ANTT, inq. Lisboa. Pº 2744, de Gaspar Lopes Pereira.

6- ANTT, Armário Jesuítico, Segunda caixa, nº 87, Reparos feitos por ocasião do Auto da Fé…

Proteja a sua pele da exposição solar

Faça sempre uma exposição solar segura:
• Evite a exposição ao sol nas horas de maior calor, principalmente entre as 11 e as 17 horas
• Use vestuário de proteção, nomeadamente roupas leves e de cor clara, chapéu de abas largas e óculos de sol com proteção UV
• Aplique protetor solar e verifique se este tem um fator de proteção elevado, tanto contra os raios UVA como UVB. Lembre-se que a maioria dos protetores só começam a atuar cerca de meia hora após a aplicação e a sua eficácia dura cerca de duas horas. Por isso, vá repetindo a aplicação.