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NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Manuel Fernandes Vila Real (1608 – 1652, Relaxado)

Como o sobrenome sugere, trata-se de uma família Trasmontana de Vila Real. E a história desta família na inquisição já nesse tempo era muito grande. Acaso, seria o ambiente de insegurança e medo que em Vila Real se vivia, que levou seus pais, Francisco Fernandes Vila Real e Violante Dias, a rumar a Lisboa, estabelecendo morada e loja na Fancaria de Cima. Depressa expandiu os seus negócios, de modo a mudar-se para a Rua das Mudas. E logo ascendeu à categoria de contratador, arrematando as rendas do Priorado do Crato.
Em Lisboa, no ano de 1608, nasceria Manuel Fernandes Vila Real. Teria uma educação esmerada, à maneira da gente da nobreza, pois aos 14 anos foi com o governador D. Jorge de Mascarenhas, em serviço de armas, para a praça de Tânger. Regressou a Lisboa, dois anos e meio depois, ostentando o honroso título de “capitão”, que muitas portas lhe abriria.
De regresso a Portugal, contando 17 anos, andou pelo Alentejo na cobrança das rendas que o pai arrematara. Seguiram-se dois anos no ofício de corretor dos “reales” da câmara de Lisboa e três ao serviço da mesma câmara na região de Coimbra, empenhado na compra de cereais que eram carregados em “barcos e caravelas” para a capital, onde escasseavam.
Casaria então com sua parente, em 4º grau, Isabel Dias, que em pequena se foi de T. Montes a viver em Lisboa. A mãe de V. Real terá falecido por 1619 e o pai ainda era vivo em 1627, altura em que pagou a fiança por Violante Dias e Leonor do Vale na mesa da inquisição.
Por essa altura iniciou a sua aventura pelo mundo das letras, publicando em 1637, em Madrid, o primeiro livro: El Color Verde, a la divina Celia.
Em Castela, andou por Madrid, Sevilha e Málaga, interessando-se particularmente pela navegação marítima e projetando a aquisição de um barco. Com esse espírito dirigiu-se para a Ruão, cidade portuária próxima da foz do rio Sena, onde estavam estabelecidos dois sobrinhos seus, filhos de sua irmã Branca Dias, e seu marido Luís Fernandes. Efetivamente, em parceria com seus cunhados (de Ruão e do Porto) comprou um barco que mandou alterar “acrescentando-lhe 20 palmos de quilha.” Certamente que os seus negócios passavam pela rede familiar, estendendo-se do Brasil, ao Porto, (1) a Lisboa e a Ruão.
Aproveitamos para dizer que Manuel Fernandes tinha dois irmãos e cinco irmãs. Um dos irmãos, Pantaleão Martins, foi para o Brasil, sítio do Cabo de Santo Agostinho e o outro, chamado Gonçalo Dias, tinha loja de mercearia na Rua Nova, em Lisboa. Das irmãs, referimos a Isabel Henriques, que era casada com António Rodrigues Mogadouro, grande mercador estabelecido na Rua das Mudas.
Em Ruão, o nosso biografado continuou exercitando a sua vida de escritor e meteu-se pelos caminhos da edição, impressão, tradução e venda de livros. (2) Assim o vemos traduzir do italiano e publicar, em 1639, logo depois de chegar a Ruão, um livro de Malvezzi, intitulado A Vida do Conde Duque de Olivares.
Dois anos depois publicou os seus Discursos Políticos, onde sobreleva a defesa da liberdade de consciência. No ano de 1643, na sequência da batalha de Rocroi, em que ele atuou como “consul” do rei de Portugal na libertação de prisioneiros lusos, escreveu o Anti-Caramuel em defesa do Manifesto do Reino de Portugal. Seguiu-se, em 1645, a edição da Década XII, de Diogo Couto.
Entretanto, a mulher e a filha, que ficaram em Lisboa, foram juntar-se-lhe em Ruão, munidas de passaporte do rei D. João IV. Ele, porém, passava a maior parte do tempo em Paris, em atividade diplomática, ao serviço do rei de Portugal. Ganhou a confiança do poderoso chefe do governo de França, o cardeal duque de Richelieu e sobre ele escreveu o seu livro mais famoso: Epítome Genealógico do Eminentíssimo Cardeal Duque de Richelieu e Discursos Políticos sobre Algumas Acções da Sua Vida. (3) Aliás, terá sido ele que, no Natal de 1640, levou pessoalmente e em primeira mão a Richelieu a notícia da revolução portuguesa, solicitando o apoio da França ao novo regime.
Ao início de abril de 1649, Manuel Fernandes Vila Real recebeu uma importante missão do rei D. João IV: acompanhar e prestar todo o apoio na Corte de Paris ao marquês de Nisa que ali foi na qualidade de embaixador. Não era esta, aliás, a primeira vez que Manuel Fernandes recebia e acompanhava os embaixadores portugueses no acesso aos corredores do poder em França. Desta vez, porém, o Marquês levava por secretário, Francisco de Santo Agostinho de Macedo, um frade muito ambicioso, “seu inimigo e concorrente literário” (palavras de Borges Coelho) e por confessor o franciscano António de Serpa.
Vila Real tinha prestado imensos serviços a Portugal e foi então convidado a regressar ao reino, onde seria agraciado por Sua Alteza Real. Desembarcaram em Lisboa a 30 de abril e na bagagem Manuel Fernandes trazia uns 500 livros. Foi vistoriada pelos homens da inquisição que encontraram uns 30 livros proibidos pelo seu índex. E esta foi uma primeira prova para decretarem a sua prisão. Outras haveriam de aparecer.
Entretanto, o nosso biografado ficou instalado na Rua das Mudas onde as casas de morada e de comércio da família se impunham. Certamente que os esbirros da inquisição o mantinham debaixo de vigilância constante. Meio ano depois, em 30.10.1649, Manuel Fernandes Vila Real era recolhido nos cárceres secretos da inquisição de Lisboa. (4)
Para além dos livros proibidos que lhe apreenderam na bagagem, os “mestres” e “qualificadores” do santo ofício esquadrinharam os escritos de Vila Real e neles encontraram “proposições que foram censuradas e mandadas riscar”, nomeadamente no Político Cristianíssimo… editado, aliás, sem visto prévio da autoridade censória.
Sobreveio o testemunho de frei António de Serpa dizendo que sempre o teve por judeu. Mais incisivas foram ainda as denúncias feitas por frei Agostinho de Macedo dizendo que Manuel Vila Real levava propositadamente a mulher para Ruão (5) para ali celebrar a páscoa dos judeus e que ele recebia e vendia livros compostos por hereges, indicando especialmente António Gomes Henriques, (6) “morador em Ruão, grande amigo de Vila Real”. Acrescentou Macedo que “ele se jactava de ser israelita e da tribo de Levi e que profetizava, por ter sangue de profeta”.
A ligação de Manuel Fernandes ao “escritor pícaro” António Gomes Henriques foi confirmada por João de Águila, um cristão-novo que aos 9 anos foi para Amesterdão, onde se circuncidou e viveu como judeu até aos 20 anos, altura em que se apresentou na inquisição de Lisboa a renegar a fé judaica e pedir o batismo, denunciando quantidade de antigos correligionários.
Dramático o processo de Manuel Fernandes, homem que tantos serviços prestou à Pátria. Abandonado pelo próprio Rei que, em outros tempos, o tratava como “cavaleiro fidalgo da minha casa”, Vila Real acabou queimado nas fogueiras do grandioso auto de fé do 1º de dezembro de 1652, especialmente preparado para celebrar o 12º aniversário da Revolução.
Notas:
1-No Porto eram correspondentes António Rodrigues de Morais, seu cunhado, falecido em 1640 e o irmão deste, Manuel Fernandes de Morais.
2-António Borges Coelho, referindo-se ao Mercúrio de Portugal, gazeta por ele editada em França, considera-o um dos primeiros jornalistas portugueses.
3- O livro foi composto e impresso pelo próprio em Ruão, sem indicação do autor, em língua castelhana e indicando Pamplona como local de impressão. Logo de seguida foram feitas publicações em italiano, francês e alemão. Ficou mais conhecido pelo título da edição francesa: O Político Cristianíssimo… A primeira edição em língua portuguesa aconteceu 364 anos depois, graças ao insigne historiador da questão “judaica, marrana e sefardita” o trasmontano António Borges Coelho, com chancela da Editorial Caminho, Lisboa, 2008.
4-ANTT, inq. Lisboa, pº 7794, de Manuel Fernandes Vila Real.
5-ROTH, Cecil – Les Marranes à Rouen, in: Révue des Études Juives, p. 134: - Parmi les accusations qui furent cause de sa mort, il en est une que dirigea contre lui Fra Francisco de Santo Agostinho, celle d´avoir accoutumé de rejoindre sa femme à Rouen chaque année pour célébrer Pàque ensemble.
A respeito de sua mulher deve dizer-se que abandonou a França e se foi para Itália com a filha, quando o marido foi preso. E temos notícia de um filho, chamado José Vila Real que, em 1670 recebeu autorização do “Rei Sol” para se estabelecer em Marselha, juntamente com seu cunhado Abrão Athias e suas famílias. E eles criariam a maior empresa comercial da cidade. Por 1695 José Vila Real era professor de Grego na dita cidade, autor do livro “A Escada de Jacob”– LÉVY, Lionel – La communauté juive de Livourne.
6-ANDRADEe GUIMARÃES – Na Rota dos Judeus Celorico da Beira, ed. câmara municipal, Celorico da Beira, 2015,pp. 91-95.

Bibliografia:
ALMEIDA, A. A. Marques de – Dicionário Histórico dos Sefarditas Portugueses. Mercadores e gente de Trato, Campo da Comunicação, lisboa, 2009.
COELHO, António Borges – Cristãos-Novos Judeus e os Novos Argonautas, ed. Caminho, pp. 151 – 171, Lisboa, 1998.
SILVA, Inocêncio F. da – Declaração que faço eu Manuel Fernandes Vila Real, cristão-novo, preso neste cárcere do Santo Ofício, in: Dicionário Bibliográfico Português, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1973, tomo XVI, p. 190.
VILA REAL, Manuel Fernandes – Epítome Genealógico do Eminentíssimo Cardeal Duque de RIchelieu e Discursos Políticos sobre Algumas Acções da Sua Vida. Edição de António Borges Coelho, Editorial Caminho, Lisboa, 2005.

Os engolidores de sapos e de espadas

Contrariamente ao que se possa pensar a expressão “engolir sapos”, cujo significado não me parece que seja necessário explicar, tem origem bíblica, nas pragas do Egipto, muito embora na actualidade assente que nem luva a Jerónimo de Sousa e aos seus apaniguados do PCP, que até já engoliram a emblemática coerência comunista herdada do seu mítico fundador.
Também se aplica, talvez com maior razão até, ao PSD e ao CDS, a dita oposição e, porque não, a muitos ambiciosos caçapos do PS nascidos nos tempos áureos de José Sócrates. Para não falar nos renomados economistas e analistas políticos cujas previsões falharam estrondosamente e que agora andam roídos de inveja.
Já o engolimento de espadas, que é uma profissão como outra qualquer, terá começado na Índia, muitos anos antes de Cristo também, se bem que Catarina Martins e Mariana Mortágua e os fiéis do BE, só muito recentemente se dediquem a esta modalidade política radical.
Existe mesmo uma associação internacional de engolidores de espadas (a Sword Swallowers' Association International), na qual a “geringonça” se poderá matricular uma vez que reúne todos os créditos, designadamente os que lhe são conferidos pelos ministros com competências de faquirismo, em especial dormir em camas de pregos.
O inesperado produtor deste fenomenal espectáculo de engolidores de sapos e de espadas é Mário Centeno, o competentíssimo e afortunado ministro das Finanças português que, com invejável mestria, amaciou as políticas de direita, os gordos sapos domesticados que alegremente o PCP digere, sem pestanejar, para gáudio do seu povo trabalhador privativo.
Mérito menos apreciado publicamente tem o primeiro-ministro António Costa que com frio cinismo afia as espadas que BE e oposição engolem com rufar de tambores e prepara as camas de pregos em que os seus ministros dormem que nem anjinhos.
Tudo isto tem a ver com a economia nacional, um anafado sapo domado pelo encantador Centeno, que quanto mais lhe batem mais incha. Tanto que o bicho corre o risco de estourar de tanto inchar agora que o seu tratador foi promovido a treinador principal do Eurogrupo, embora continue a orientar as finanças lusas, em “part-time”, muito provavelmente aos fins-de-semana.
Mesmo assim, no meu modesto parecer, Mário Centeno poderá ser mais útil ao seu país do que outros políticos de renome, de quem se dizia que seriam uma bênção para Portugal quando foram designados para importantes cargos internacionais, mas depois foi o que se viu.
A Mário Centeno, porém, bastar-lhe-á fazer engolir uma boa meia dúzia de sapinhos aos arrogantes de Bruxelas, ainda que a sua promoção a presidente do Eurogrupo possa ter sido uma punhalada fatal nas costas da “geringonça”. Há sapos e espadas para os quais o PCP e o BE, apesar de tudo, parecem não ter garganta.
Certo é que este espectáculo circense vai continuar na capital do fado com a “geringonça” a evoluir na pista durante alguns meses mais. Tudo leva a crer, porém, que quando António Costa afiou a espada da taxa das renováveis que Mariana Mortágua engoliu espumando de raiva, deu um sinal claro de que já tem planeado o fim da “geringonça” aproveitando a oportunidade de oiro que se lhe oferece para finalmente formar um mítico governo do Bloco Central, tendo o PSD como subalterno e contando com o beneplácito entusiasta do presidente da República.
A menos que, como a OCDE admite e teme, a barraca da economia mundial abane. Se tal acontecer o mais certo é António Costa cair desamparadamente do trapézio, a estrelinha de Mário Centeno apagar-se e, ironia do destino, ser ele o engolido, sem apelo nem agravo. Competência não basta.
Boas Festas!
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

A efeméride do Primeiro Ministro

É prática corrente e antiga entre os portugueses de boa cepa comemorar as efemérides!
A gente comum, como o modesto autor destas mal alinhavadas linhas oferece aos seus amigos leitores, comemora a data do nascimento, do casamento, dos filhos que vão surgindo e de muitas outras datas que marcam o nosso curto percurso de vida.
Para os mais notáveis comemora-se a data do trespasse, exaltando-se os seus feitos e o bom exemplo que nos deixaram.
Mais recentemente, com a estabilização dos regimes democráticos onde os governos por declarada necessidade de cumprir os seus objectivos e de a todo o custo se manterem no poder, passou também a comemorar-se os primeiros cem dias de exercício de funções ou então como é exemplo recente da "Geringonça" que desde há dois anos conduz os nossos destinos, comemora-se tal data com o aparato possível e com a intenção que nem sempre é tão clara e percetível como mandam as boas regras da transparência.
Para o efeito, escolheram a bonita cidade de Aveiro com bons acessos e requintada gastronomia, olvidando como é costume, o interior abandonado onde é urgente reflectir e investir. Como testemunho da sua lhaneza e abertura, convidaram uns tantos com o sermão encomendado e a quem adoçaram a boca com um aparentemente discreto apoio para o s gastos da viagem e consumos afins.
Assim construído o projecto, só faltava dar a comer o objecto!
Com o aparato a que o bom povo pode assistir nos meios televisivos, foi isso que o bem disposto e sempre risonho Primeiro Ministro António Costa fez, dando a impressão que o barco navega  em águas ricas, férteis, calmas e que o futuro que nos espera trará bons empregos e segurança.
Sabendo bem que tais perspectivas tão promissoras poderão não ser assim, resta-nos agradecer a abençoada liberdade de imprensa que ainda permite ao mais humilde cidadão manifestar a sua opinião conferindo-lhe igual dignidade ao mais poderoso dos seus compatriotas.
De facto, poder informar os distraídos, denunciar os atrevidos, atemorizar os figurões e trazer à verdade  moral os profissionais da verdade politica, é um dever de quantos exercem funções nesse espaço  cheio também de poder que é a comunicação social.
Levantado o véu da verdade e dado a conhecer o deplorável engenho que esteve por de trás da comemoração em Aveiro dos dois anos de governação de miscelânea partidária, resta aos portugueses lamentar tais procedimentos que já não cabem na rota da verdade e eficácia que o simpático governante tanto gosta de proclamar.
Episódios desta natureza não deviam ter lugar em quarenta anos de democracia.

Porto, 3 de Dezembro de 2017
 

N’América

Ora viva minha gente. Essa saúde anda valente? Assim espero! Passico de pardal e já cá estamos, mais um ano quase passado. “Caindo o Natal à segunda-feira, tem o lavrador que alugar a eira”. Andava à procura de um ditado sobre o advento para fazer mesa e surgiu-me este pelo caminho. É nestas alturas que dava jeito um tradutor de provérbios para quem meia palavra nem sempre basta. Ainda por cima umas vezes aparece “alugar a eira”, outras “alargar a eira”. Natal, segunda-feira, muitos dias de gazeta para o lavrador, será? Não sei. Outro, “Bom alhal, semeia-o pelo Natal”, mas também “planta-o pelo Natal”. Planta-o, semeia-o, mas afinal... Estou a ficar confuso, alguém me passe com urgência um Borda d’ Água para as mãos. Para mais o agricultor tem sempre aquela coisa de treinador de futebol, às vezes mais de treinador de bancada. Para o mesmo efeito cada um tem sempre a sua tática, o seu modelo de jogo. Uns que é melhor plantar antes, outros depois, uns que é melhor podá-lo e outros deixá-lo crescer. É assim uma coisa meio avulsa mas que faz parte da gíria. A natureza são os jogadores, quando querem correr correm, quando não querem não puxam pelo cabedal e consoante a prestação destes o treinador leva por tabela, umas vezes recolhe os louros, outras a chicotada. Não é fácil a vida de agricultores, de treinadores e restantes comuns mortais. E se forem comuns mortais portugueses então, mais difícil ainda, basta o presente ano para prová-lo. Já nem nos lembrávamos da nossa esquizofrenia, depois de ganharmos o Euro atirámos a medicação fora, mandámos à fava os conselhos do médico, pensámos que seria sempre a subir, o céu o limite. E num ápice o céu ficou também ele à mão de semear, tocámo-lo com a benção do Papa a “amar pelos dois” e pelos demais, para cada turista seu carteirista, a olho nu pusemos um director na ONU. Mas o céu encolerizado de tamanha ousadia, qual gigante Adamastor fora de água, encheu-se de chamas para nos chamar à nossa condição e fazer voltar a cair no triste fado, na noite fria, no pijama cheio de cotão, na chaleira a ferver água para encher a botija e aquecer a cama. Quem vos julgais vós, pobre povo? E este mesmo nosso céu, azul-celeste por fora e impudico por dentro, tanto colocou um ministro no Olimpo duma cidade que todos dizem ser suja, como não deixou findar o ano sem vir buscar alguns dos nossos mais famigerados para a sua perene morada. Cruel, jocoso, uma no cravo, outra na ferradura. – Estou sim, boa tarde, podia dizer-me se tem vaga para uma consulta esta quinta-feira da parte da tarde para o Doutor Marcelo? – Olhe, infelizmente já está tudo preenchido. Consultas de afecto e miminhos agora só para o ano. – ‘Tá bom obrigado, pode ser que até lá com uns benurons e uns vídeo-árbitros isto passe. Realmente, meus caros, falta cumprir-se Portugal. Um Portugal que não seja feito de borracheiras e ressacas. Um Portugal que não acorde a jurar que nunca mais volta a beber até o chamarem para uma festa no fim de semana seguinte. Um Portugal que fosse um cidadão exemplar, contido, equilibrado, zeloso. Um Portugal em que se fale menos e se faça mais.  Um Portugal... que certamente não teria a mesma piada, um Portugal que não seria Portugal, porque afinal “pode alguém ser quem, não é?”.
Deixem-me aproveitar ainda para falar do Zé Pedro, um gajo porreiro. Duas coisas. Primeiro, era aquela pessoa que ninguém conhecia pessoalmente, mas toda agente juraria que sim. Um dos raríssimos gajos porreiros que antes de o ser já o era. Isto é, antes de “adeus aos meus amores” e ir “p’ra outro mundo” já era alguém genuína, verdadeira e unanimemente porreiro. Não aquela pessoa que passou súbita e automaticamente à condição de boa pessoa só porque bateu a bota. E isso não é assim tão comum como se possa pensar, principalmente, de alguém com tanta fama, parte da nossa cultura contemporânea. O segundo aspecto, de especial gozo e ironia, é ver o que foi um jovem punk, marginal, que experimentou tudo o que acabava em “inas” (a frase por acaso é do Jorge Palma, mas podia ser dele) a quem tiraram um fígado que nem para um patêzinho dava (segundo as suas próprias palavras) tornar-se um homem com rumo e chegar ao fim do seu alinhamento a ser saudado e reconhecido por todos os portugueses, mais altas figuras do Estado incluídas. De facto a vida dá muitas voltas. Forte abraço!

BLOCO, PORQUE NÃO?

Sempre me causou alguma estranheza os mecanismos das sondagens e a extrapolação científica dos dados recolhidos numa pequena amostra para o universo dos votantes. Que estranho elo agarra um cidadão escolhido aleatoriamente a milhares de outros tantos que o mimetizam e seguem, magicamente, por uma regra sobrenatural. Era coisa de defícil compreensão. Em 1999 tive oportunidade de pôr à prova as minhas reticências. Na semana das eleições europeias desse ano fui selecionado para fazer parte da amostra de uma das empresas de sondagens. Pediram-me que antecipasse, numa urna, o meu voto desse domingo. Eu, que em regra votava PSD, o meu partido de sempre e que seria a minha escolha óbvia, se nada de estranho acontecesse, resolvi colocar a cruz no recentemente criado Bloco de Esquerda, no boletim de voto da pesquisa. Resultado, as sondagens da empresa que me escolhera apontava como possível a eleição de Miguel Portas para o Parlamento Europeu. Pude então confirmar as minhas suspeições sobre o mecanismo exploratório pois, contrariamente ao que aconteceria de outra forma, no dia 13 de junho de 1999, na secção de voto do Liceu Carolina Michaelis eu votei efetivamente, pela primeira vez no BE. Mas, tal como suspeitava, não houve nenhuma mão invisível que levasse dezenas de milhar de eleitores a seguirem o meu exemplo e o Miguel Portas não seguiu, nesse ano, para Bruxelas.
Votei no Bloco e nada de mal aconteceu! Pelo contrário fiquei com pena que a minha hipótese acabasse confirmada. O mais velho dos irmãos Portas veio provar, na eleição seguinte que o seu talento, valor, dedicação e competência só prestigiariam o país com a sua eleição logo naquele ano. O BE, não só por influência sua, mas também pela ação de outros dirigentes carismáticos como Francisco Louçã, Fernando Rosas e João Semedo afastou-se do radicalismo esquerdista que caracterizou alguns dos partidos fundadores, conservando, contudo, algumas das bandeiras originais como a denúncia e combate à corrupção, à injustiça social e adotou novos desígnios interpretando corretamente o pulsar da sociedade e, sobretudo, de grupos emergentes. Várias vezes, em família, foi assumido que o voto nos bloquistas era uma séria, correta e útil opção porque, não sendo crível que ganhassem as eleições em causa, era muito bom elegê-los para desempenharem o excelente e utilíssimo papel fiscalizador dos mais diversos agentes do poder vindos dos partidos tradicionais.
Em conversa recente veio de novo à baila, exatamente a mesma conversa, a mesma motivação e a mesma justificação. Só que desta vez eu já não concordei como fazia antes. O voto no Bloco pode ser útil sim, para eleger vereadores e deputados mas não só. É igualmente útil fazer dos dirigentes bloquistas Presidentes de Câmara, de Assembleia e Ministros. Esta análise evoluiu durante os últimos anos ao observar a forma responsável e com enorme sentido de estado que o partido liderado pela Catarina Martins tem apoiado a atual fórmula governativa. O ponto de viragem aconteceu quando a candidatura de Albano Mesquita à Assembleia Municipal de Vila Flor me veio acordar para a forma natural como a prática bloquista pode ser facilmente interpretada por pessoas moderadas desde que com fortes motivações de justiça social e defensoras da verdade e transparência na administração da coisa pública.
Quer isto dizer que me converti ao marxismo? Não. Durante décadas revi-me na ideologia do PSD mas, com o tempo, fui-me sentindo cada vez mais afastado da sua prática. Agora, pelo contrário, não aderindo às teses programáticas do Bloco de Esquerda, cada vez mais me identifico com a  sua atuação prática. O extremismo de alguns dos seus membros está perfeitamente moderado pelo pensamento e atuação da maioria dos simpatizantes e apoiantes e, sobretudo pela sua liderança inteligente e responsável. O governo recente do Siriza veio provar que os devaneios coletivistas e a ditadura do proletariado, fazendo ou não parte do ideário fundador, não têm cabimento no atual exercício do poder.
Ora, no tempo em que vivemos e em que o arco governativo se divorcia consistentemente do centrão e se alcandora nos extremos, olhando para o panorama atual, se o futuro passa por alguma “radicalismo” então que venha da esquerda. Da direita radical é que, definitivamente, NÃO!