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O pior dos populismos

No entendimento comum a palavra “sentimento”, embora possuindo mais ampla significância, é associada sobretudo a estados de tristeza, enquanto a palavra “afecto” é mais voltada para amor e amizade.

Marcelo Rebelo de Sousa é mais político de afecto que de sentimento.

Quando se julgava não haver mais escândalos envolvendo figuras públicas graúdas, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) acaba de acrescentar mais um à lista que é, pelos vistos, interminável, ao noticiar que António Mexia, presidente executivo da EDP, e outros administradores, estão indiciados por crimes de corrupção no estabelecimento das compensações que esta empresa negociou com o governo de José Sócrates, em 2007.

Estes magnos eventos de corrupção, que apenas são noticiados quando caiem na alçada da Justiça, muitos mais haverá, não merecem o afecto dos portugueses. Bem pelo contrário. Provocam, sim, audíveis sentimentos de revolta, sobretudo porque afectam gravosamente as economias das famílias e das empresas e as contas públicas, como no caso vertente, em que consumidores e contribuintes são visivelmente explorados.

Sentimentos de revolta e tristeza face à vergonhosa situação em que caiu a governança da Nação. Revolta que tem sido, felizmente, pacífica, mas que acaba por se reflectir no elevado índice de abstenção eleitoral e no desprezo generalizado da classe política e dos partidos, justa ou injustamente.

Idêntico sentimento de revolta não é demonstrado, porém, pelo senhor presidente da República, pelo senhor primeiro-ministro e demais machuchos do Regime, no poder ou na oposição, que parecem ignorar estes magnos problemas nacionais como se nada tivessem a ver com eles.

Isto ilustra uma clara subordinação do poder político ao poder económico, contrária à Constituição, para não falar de promiscuidade, ou muitos dos arguidos não tomassem assento, ora nas cadeiras governamentais, ora nas chorudas administrações privadas.

Vai sendo tempo dos nossos políticos perceberem que os portugueses, faz tempo, esperam com impaciência, sobretudo do presidente da República, dentro da dinâmica que o elegeu, mas também do primeiro-ministro e da oposição, discursos e atitudes mais transparentes e reformistas e menos populistas.

O povo não precisa de políticos que explorem as suas alegrias. Precisa de governantes que, com sinceridade, vibrem e comunguem dos seus anseios, sacrifícios e revoltas.

Por isso a reforma das instituições políticas tendente a repor a verdade na representação democrática, o debate ideológico e a moralizar a vida pública, minorando o despesismo do Estado e todos os vícios do regime, designadamente a corrupção, o compadrio e o clientelismo, é cada vez mais instante e crucial.

 Urge, por isso, que os partidos políticos deixem de se assumir como guardas prisionais da democracia, sendo a Assembleia da República a sua prisão.

O populismo de Estado, o populismo do poder, é o pior dos populismos porque abafa as justas reivindicações populares e abre portas a todas as aventuras malignas.

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

O MANSO E O GUERREIRO I - OS BUFOS

Com a aproximação do período eleitoral são muitas a solicitações e é grande o próprio impulso para nos pronunciarmos sobre alguns dos muitos candidatos que se perfilam para solicitarem a confiança dos eleitores, seja para lhes elogiar as qualidades, seja para lhes apontar as faltas e as incongruências. Em vez disso resolvi dedicar-me a dar voz a dois anciãos nordestinos de seus nomes Júlio Manso e Tomé Guerreiro. Todas as tardes o Júlio e o Tomé, descem parcimoniosamente a Canelha do Campo para se sentarem em bancos de madeira feitos de troncos secos de sobreiro que um incêndio secou, em frente de uma vetusta mesa de pedra para partilharem uma generosa fatia de pão centeio apeguilhado com um naco de queijo de ovelha, curado e apimentado. Molham a palavra num palheto encorpado que trazem, à vez, em generosa cabaça de litro, rolhada a preceito com um toco de madeira aparado com mestria. Discutem a atualidade, julgam o presente, criticam o que está mal, elogiam o que se faz bem, determinam o futuro, salvam a humanidade e reforçam os laços de amizade que há décadas os identificam e irmanam.

 

– Deus nos dê boas tarde, ti Júlio

– Venha com Deus, amigo Tomé.

– Que me diz vossemecê a essa coisa que anda toda a gente a falar?

– E que coisa é essa que eu não sei?

– Não se fala noutra coisa lá por Lisboa. Parece que vamos ter de novo os bufos a darem cartas.

– Pode lá ser? Isso é coisa do antigamente. Agora vivemos em democracia e essa ocupação já não tem cabimento.

– Não tinha, mas parece que voltou a ter. Então não é que querem copiar o que se passa no Brasil e agora querem absolver a bandidagem... desde que denunciem os comparsas.

– Não pode ser.

– Eu também acho que não, mas já vi tanta coisa.

– Quer dizer que quem comete um crime pode vir a safar-se se der com a língua nos dentes?

– Nem mais. Dizem que é a única forma de combater eficazmente a corrupção.

– Essa é boa. Então a corrupção vai ser combatida com a colaboração dos corruptos? Não encontram ninguém mais credível?

– A modos que quem incriminar o parceiro, livra-se.

– E se a denúncia for mútua?

– Está bem visto! Se calhar o prémio fica para quem chegar primeiro.

– É que vai ser uma corrida! Logo que se conste de alguma investigação vai ser um ver se te avias a correr para o Ministério Público, para ganhar vez.

– E se a denúncia for simultânea?

– Então sim, fica tudo muito mais cumplicado. Vai, não vai, ainda acabam todos ilibados!  

– Pois olhe, se for assim, vamos ficar ricos.

– Era bom, era, mas não vejo como.

– Muito fácil:  assaltamos um banco.

– Ó homem você ficou maluco? Não íamos longe. Éramos logo apanhados e presos.

– Nada disso. Assaltamos um banco, de manhã, em Alfândega, distribuímos o dinheiro ao meio-dia e à tarde, exatamente à mesma hora, vossemecê vai a Vila Flor denunciar-me à GNR e eu apresento-me  no posto da Guarda em Moncorvo a incriminá-lo. Aplicam-nos a lei de forma igual e justa, como compete. Os de Vila Flor premeiam-no a si e os de Moncorvo ilibam-me a mim.

–  Não é mal pensado. Mas olhe, como isso ainda vai dar muito que falar, sente-se aqui e beba mais  uma pinga.

– Não mo diga duas vezes. À sua!

A Arquitectura e a Arte* - A partir da Obra de Nadir Afonso

Na sequência de uma visita recente ao novo edifício do Museu Nadir Afonso, em Chaves, com projecto de arquitectura da autoria de Álvaro Siza, foi motivo de reflexão o percurso profissional de Nadir Afonso, permanentemente dividido entre a sua verdadeira vocação e paixão profissional, a Pintura, e a Arquitectura, ofício no qual se licenciou em 1948, na Escola de Belas Artes do Porto[1] e que exerceu com notável sensibilidade e especial cuidado e atenção, até se distanciar por completo na segunda metade da década de sessenta do século passado, passando a dedicar-se exclusivamente à Pintura.

 Um dos aspectos mais intrigantes neste percurso, verdadeiramente original, é a justificação ou explicação que Nadir Afonso dá para distinguir claramente a prática das duas disciplinas e que o levou a abandonar definitivamente a Arquitectura. Para si, ao responder a uma determinada função, o exercício da Arquitectura fica limitado enquanto expressão criativa e artística. "A Arquitectura é regida por leis (...) de perfeição. O arquitecto deve basear-se na perfeição (que reside na) qualidade do objecto cuja função responde à nossa necessidade"[2], ao contrário das obras de arte que, segundo Nadir Afonso, resultam das leis da harmonia, livres de um utilitarismo a que a Arte não se submete.

No entanto, apesar desse conflito interior, Nadir Afonso exerceu a actividade de arquitecto durante alguns anos. E fê-lo de forma notável, quer como colaborador de alguns dos nomes incontornáveis da Arquitectura do século XX, no atelier ATBAT de Le Corbusier, em Paris e no atelier de Oscar Niemeyer em São Paulo e Rio de Janeiro, quer em nome próprio, com uma série de projectos desenvolvidos em Portugal, a partir do seu escritório em Chaves e Coimbra. De entre os projectos desenvolvidos em nome próprio, gostaríamos de aqui destacar o da Capela de Nossa Senhora de Fátima, em Alimonde, uma pequena aldeia do concelho de Bragança. Localizada no alto de uma elevação natural, designada na aldeia por "cabeço do lombo", a simplicidade do seu desenho evidencia não só a capacidade do arquitecto em dar resposta à devoção e anseios da população da aldeia e do casal que fez a encomenda mas, sobretudo, a importância do lugar, que a forma pura e os materias da capelinha enaltecem, não por mimetismo mas por contraste. Funciona, desse modo, como verdadeiro remate no cimo da colina e local privilegiado para a introspecção.

O facto de se localizar no local mais remoto e improvável que se possa imaginar, adensa a modernidade do gesto de Nadir Afonso. Porque a pequena Capela de Nossa Senhora de Fátima, na sua despojada materialidade e espacialidade, nos convoca para uma conversa íntima. Não se trata de estabelecer relações com a realidade pré-existente. Pelo contrário, a capela separa-se intencionalmente do povoado e dos terrenos lavrados. Como que evocando um tempo antigo, das ocupações castrejas, que ocupavam o alto dos montes em posição de defesa dos perigos terrenos, o silêncio do seu desenho permite a fruição da belíssima paisagem envolvente e o recolhimento necessário para as coisas da alma.

Curiosamente, o pároco local, responsável pela escolha do arquitecto para elaboração do projecto, chegou a sugerir a Nadir Afonso que se “inspirasse” nalgumas capelas e igrejas locais, de cariz marcadamente rural ou tradicionalista, para a obra que então estavam a começar. Mas Nadir Afonso sabia que, mais do que um resultado da circunstância envolvente, a Arquitectura cria ela própria circunstância e não pode fazê-lo de uma forma acrítica ou indiferente. Seria, porventura, esse o interesse de projectar um edifício como esta capelinha. O de, numa linha curva que se abre em caracol, convocar esse passado remoto da ocupação humana no território e a luta pela contemporaneidade (do orgulho de viver a nossa época) e, simultaneamente, incorporar no edifício projectado e desenhado, as contradições da sua própria circunstância enquanto arquitecto e pintor.

          O que mais fascina neste projecto de Nadir Afonso é a inteligência, sensibilidade e firmeza do desenho. Partindo de uma encomenda relativamente banal, o arquitecto estabeleceu não apenas um compromisso com a inevitabilidade do programa e com os seus clientes, mas também com a modernidade que, afinal, passou por Alimonde. E depois, há os materiais e acabamentos. A forma como o chão de pedra se faz parede, branca, sem rodapé ou qualquer tipo de truques e esta, se dilui e confunde com o tecto, também branco, sem chegarmos a perceber verdadeiramente onde começa um e acaba o outro. Por fim, o controlo da luz no espaço interior. O modo como o desfasamento da parede permite que o altar seja inundado de luz. Nesse diálogo com o lugar, o edifício afirma toda a sua transcendência.

          Quando comecei este texto, pensei escrever sobre o Museu Nadir Afonso, em Chaves, e o modo como o génio de Álvaro Siza nos propõe uma conversa íntima com a obra de Nadir Afonso, nas margens do Tâmega. Sobre a forma como Siza, que sonhou ser escultor antes de ser arquitecto, se aproximou de Nadir Afonso e da complexidade do seu pensamento. Mas a Capela em Alimonde, tomou conta do texto e, por mais adulterada que se apresente na actualidade, sobrepôs-se pela simplicidade e pureza da forma. Afinal, Nadir tinha recebido os “ensinamentos” de um dos mestres do Movimento Moderno, em primeira mão.

          Anthony Vidler, num capítulo do livro “Warped Space”, reflecte sobre a forma como a maioria das pessoas se movimenta no espaço urbano, sem aparentar compreendê-lo ou, sequer, vê-lo. E o modo como as cidades são invisíveis para nós, que nos habituámos a percorrer os seus espaços e os seus monumentos, de forma intuitiva. Walter Benjamin explica esse fenómeno no seu ensaio “The work of Art in the Age of Mechanical Reproduction”, afirmando que a Arquitectura sempre representou um protótipo de uma obra de arte cuja recepção é feita pela colectividade num estado de distracção[3].    Poderemos dizer que o projecto desenvolvido por Nadir Afonso em Alimonde, não só se adaptou às condições do local onde se inseriu, e atingiu as leis de perfeição que regem a Arquitectura, como, ao se libertar de certo modo desse principal constrangimento funcional, sobretudo pela qualidade do desenho, se aproximou vertiginosamente das leis da harmonia que regem a Arte. Como um operador de escalas, que incorpora o procedimento artístico e provoca emoções estéticas[4]. Habituámo-nos a vê-la lá, no alto do seu cabeço e, provavelmente, teremos andado muito distraídos ao longo deste tempo para perceber isso.

Em jeito de conclusão, referir que este artigo vem também a propósito da intenção de demolição do edifício da PanReal, em Vila Real, da autoria de Nadir Afonso, motivo de petição pública “Vamos salvar o edifício da PanReal - projecto de NADIR AFONSO - em Vila Real”, e da consequente necessidade de salvaguarda do património arquitectónico como bem que é de todos e inclui o extraordinário conjunto de arquitectura moderna que se fez em Bragança e de que a capela de Alimonde é um belo exemplar.

 

* Este artigo foi escrito originalmente para o Wall Street International Magazine, com o qual o autor colabora regularmente e pode ser consultado em:

http://wsimag.com/pt/arquitetura-e-design/24850-a-arquitectura-e-a-arte.

É dedicado à memória de Manuel Francisco Afonso (Nunes), Gracinda Virgínia Vaz Rijo, que patrocinaram a construção da capela; e de Francisco dos Anjos Fernandes do Vale, primo do casal e pároco responsável pela escolha de Nadir Afonso para elaboração do projecto da capela.



[1] O C.O.D.A. que Nadir Afonso apresentou intitulava-se "A Arquitectura não é uma Arte".

[2] João Cepeda, Nadir Afonso Arquitecto (2013), p.88.

[3] Anthony Vidler, Warped Space - art, achitecture, and anxiety in modern culture (2000), p. 79.

[4] Paulo Varela Gomes, Tomar partido, in Jornal dos Arquitectos 138/139 (1994), p. 21.

 

Directamente da teta da vaca

Ter, 13/06/2017 - 14:56


Olá familiazinha. Decorreram mais um ano as trezenas de Santo António, em Bragança, na igreja de Santa Clara, onde é tradição no dia 12, à noite, no fim da trezena ser distribuído um pão biju por pessoa . Quando eu era criança apercebia-me que as famílias numerosas e pobres da cidade marcavam a sua presença levando assim alimento para a família. Hoje em dia há pessoas que guardam o pão de um ano para o outro, para que nunca falte o pão em casa e com a particularidade deste não criar bolor. Há muitas igrejas no nosso distrito que têm a imagem de Santo António.
 

Bragança goleia Gouveia e está mais perto de garantir a manutenção

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Ter, 13/06/2017 - 14:07


O Bragança deu, no domingo, um passo importante para garantir a permanência no Campeonato de Portugal Prio ao golear o Gouveia por 5-0, no primeiro jogo da segunda eliminatória do play-off de manutenção.