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Vendavais- Avisos em saco roto

Quando as coisas não correm tão bem como se queria, o povo costuma dizer que não foi por falta de avisos. É verdade. Os avisos e conselhos são grátis, porque se tivessem de ser pagos, ninguém ou muito poucos os aceitariam. Contudo, elevados na enorme sapiência que cada um de nós arvora, sempre vamos entregando conselhos a quem os quer ouvir. Não custam nada e se não os seguirem, nada se perde a não ser o facto de poderem a ser verdadeiros e o resultado ser desastroso. Muito embora ninguém tenha a certeza sobre os avisos que dá ou os conselhos que, delicadamente despeja nos ouvidos dos mais incautos, o certo é que muitos deles em vez de caírem em saco roto, bem poderiam ser seguidos para evitar maiores constrangimentos. Há algumas semanas que venho dizendo em jeito de aviso ou conselho, se quisermos, que o vírus que nos anda a alterar completamente a vida, não está a brincar com o tempo, mas sim com as pessoas e que estas deveriam ter mais responsabilidade no modo como tratam este assassina que mais parece o fantasma da ópera. Tão depressa aparece com um nome como depois reaparece travestido de nome diferente e ainda mais mortífero. Não se dá a conhecer e nem se mostra, talvez com receio que alguém o reconheça na face do parceiro que está em frente. Não me faz mossa que as pessoas não tivessem seguido os meus conselhos sobre este assunto, mas a verdade é que quando referi que a época de praia e lazer poderia ser totalmente diferente se as pessoas não se acautelassem e procurassem evitar os aglomerados e as festas e festividades por que todos anseiam, estava com alguma certeza do que poderia acontecer. Agora está a acontecer. Não sei se será tarde demais, mas a continuar desta maneira, ninguém duvide que o país inteiro e não só Lisboa e vale do Tejo e Porto, vai ficar novamente confinado ou pelo menos em condições muito restritas, roubando-nos a pouca liberdade de que já estávamos a gozar. Sabemos que a capital e arredores é uma área enorme e que depressa o vírus se propaga de um dia para o outro. Todos sabem disso. Então por que razão não param para pensar e se coíbem de fazer alarde dessa liberdade que pensam que têm, mas que depressa irão perder? A irresponsabilidade de uns é paga pelos que, com receio, vão andando pela rua bem resguardados e a uma distância recomendável e, que não têm culpa dos que se atravessam pela frente embrulhados em fatos de sapiência científica. É pena. Apesar da vacinação estar ainda numa fase em que a faixa abaixo dos 35 anos não está vacinada, estes deveriam ter muito mais cuidado já que a realidade nos mostra que são eles, os mais jovens, que estão a ser atingidos pelo vírus e estão a entrar nos hospitais e a encher as enfermarias e as UCI’s. Pensavam os mais jovens que não seriam atingidos, talvez porque a DGS inicialmente afirmou que as camadas mais jovens estariam mais a salvo da ação do vírus. Puro engano, como se está a constatar. Agora todos correm à procura de centros de vacinação antes que seja tarde demais, mas as vacinas tardam em chegar e não são suficientes para tanta procura. O medo aperta. Voltando ao que referi há tempos, parece-me efetivamente que as belas praias do Algarve e da costa alentejana ficarão mais vazias do que se pensava. Já não chegava a contingentação obrigatória em cada areal, medida com os ridículos semáforos, como se tratasse de uma autoestrada para o inferno, como agora o espalhar dos casos com vírus por esses areais que esperavam os portugueses dispostos passearem-se à beira mar. Portugueses sim, porque os ingleses parece que continuam proibidos de se pavonearem pelo sul do país e até de poisarem em solo luso. Coisas dos nossos aliados! Tontos ou eles ou nós! Como se nada disto chegasse, a chanceler Merkel também veio dizer que tudo isto poderia ter sido evitado em Portugal. Grande descoberta! Eu disse isso primeiro e não sou chanceler de coisa nenhuma! Todos sabiam disso. O problema é que só nos lembramos de Santa Bárbara quando troveja. Só começamos a ter medo quando a casa do vizinho pega fogo. É pena. Há semanas éramos os melhores da Europa e uma referência extraordinária e de repente, passámos para um dos piores. Porquê? Ninguém quer ouvir os conselhos gratuitos nem seguir os avisos mais inocentes e depois pode ser tarde demais. Era bem melhor que os avisos não caíssem em saco roto!

Dura e branda lex

Acreditamos ou não na justiça precisamente por ela ser incerta, valor variável numa escala graduada em cujos extremos se opõem o péssimo e o ótimo e um ponteiro se desloca aproximando- -se de um enquanto se afasta do outro. As suas fraquezas estão muito para cá de haver juízes e procuradores corruptos. Começam na ação de legislar, tarefa habitual de gente instruída, privilegiada. Só ignorando o egocentrismo inato do ser humano se poderia pensar que não teriam em conta os interesses próprios, os dos seus, os da classe. Vai contra as leis da biologia que quem parte e reparte não fique com a melhor parte. Autopreservação, instinto de sobrevivência, dirigem tudo o que fazemos. Ser parciais é da nossa índole, anterior e mais funda que a raça, o género, a posição, a instrução, ser rico, pobre, poderoso, humilde, viver neste ou naquele regime, sistema político ou económico, considerar-se conservador, progressista, revolucionário, reformador. Do ponto de vista do poder económico/financeiro, o primeiro poder, a democracia traz instabilidade a cada pouco tempo, impondo- -se trocar as voltas à insegurança que vem com ela. Pode ser pela criação de estruturas que sob uma fachada de ideais humanitários e procura de autoconhecimento manobram na sombra. Falo evidentemente dessa coisa a que chamam maçonaria. Mais simples e eficaz é tomar conta dos grandes partidos, fazendo com que designem para o parlamento servidores seus cuja função será elaborar leis para a salvaguarda futura dos negócios e em quem votamos como se nos fossem representar. Se for gente do direito, melhor. Como estes paus-mandados também costumam alimentar projetos pessoais de enriquecimento à margem das leis, travam por sistema tentativas de legislar contra ele. Não se pergunta a quem tem ideias de gamar se quer ser condenado quando um dia o fizer. O legislativo tem este senão, o executivo designa quem lhe convém para as chefias do judicial e este faz aplicar leis que os outros três deram à luz. De separação de poderes estamos conversados. Enquanto não for trabalho de máquinas, os dados vão viciados antes de alguém sequer os lançar. Quem se admira portanto que a justiça seja por norma reverente para com os poderosos e sinta uma visível inibição em chamá-los a si? Que haja imensas e tortuosas leis, interpretáveis de forma mais ou menos tendenciosa por advogados em função do que se lhes paga? Que de uma decisão possa haver recursos sobre recursos consumidores de tempo, traduzido na prática em regalias para quem prevarica e tem mais dinheiro? Que haja um dia em que um crime deixa de ser crime? Aquele ex-primeiro-ministro-personagem-de-farsa e o banqueiro que corrompia meio mundo vão ser julgados por um quinto daquilo de que eram acusados. No fim, aposto que condenados por nada e a pedir uma indemnização ao estado, isto é, a nós. Nos dias seguintes a esse anúncio talvez há muito pensado foram-nos dizendo que agora sim, daí para a frente é que se ia combater finalmente o flagelo da corrupção. Apesar de lorpa, o povo é propenso a ataques de mau-humor e intempestividade, desaconselha-se excitá-lo muito. Mas não vale a pena ir a fugir preparar discursos exaltados para o defender. Visões idealistas acerca dele conduzem geralmente à deceção. Sempre que pode faz pior. Um indigente sem qualquer literacia dando por acaso de caras com a varinha mágica que lhe permitisse legislar aproveitaria de imediato para puxar a brasa à sua sardinha. Enquanto e não, as melhores garantias de que goza serão sempre a sua boa conduta, pois se lhe acontecer virar-se do avesso e chamar publicamente besta a uma cavalgadura o que tem mais certo é sentar o cu no motcho, passe o popularismo. Com tantas faltas que lhe são apontadas, mortinho por mostrar serviço, para ele o tribunal terá mão de ferro. Apesar de tudo é reconfortante viver num regime que assegura direitos e liberdades, deus no-lo preserve. Vamos andando menos mal com a justiça que temos. É melhor que a da libéria, de certeza, e o tempo se encarregará de a aprimorar à medida que a europa nos for obrigando a isso. Por ora ela tem em mente não tanto os cidadãos que prezam os valores morais e o civismo na vida em comum como aqueles a quem isso passa ao lado. Bastante menos a pacata base da pirâmide que ganha a vida honestamente do que as cúpulas turbulentas e gananciosas.

Bragança : A Nação Judaica em Movimento - 12 Ana Pimentel ao sábado ia para a vila em visitas aos parentes

Antes de falarmos de Francisca Henriques e sua filha Ana Pimentel, como prometemos no texto anterior, voltemos a Vinhais, à onda de prisões ali efetuadas na sequência da “visitação” do inquisidor Jerónimo de Sousa, em 1582. Entre os prisioneiros contou-se o casal constituído por Pedro Manuel, mercador, e Beatriz Nunes. De seguida foi presa Catarina Nunes, irmã de Beatriz, ambas filhas de Francisco Rodrigues e Violante Nunes. Catarina era casada com Manuel Pimentel, e estes foram os pais das citadas Francisca Henriques, Josefa Pimentel, Maria Nunes e outros irmãos de que não falamos. De referir que a profissão de Francisco Rodrigues era a de ourives da prata, profissão que seguiram muitos dos seus descendentes, nomeadamente o filho, António Nunes. Francisca Henriques foi casada com Álvaro Vaz de Castro, castelhano, natural da vila de Nos, termo de Zamora, mercador, o qual era já falecido por 1646. O casal viveu em Bragança e Ana Pimentel é a única filha do casal de que temos notícia. Ao início da década de 1660, quando a cidade de Bragança conheceu nova onda de prisões do santo ofício, Ana Pimentel andava nos 30 anos e estava casada com Manuel Mendes Henriques, mercador. Possivelmente receando ser preso, Manuel Mendes havia-se internado por Castela e em Bragança ficou a mulher e o filho, Álvaro Vaz Castro, de 17 anos, ourives da prata. E também um sobrinho e uma sobrinha, que ficaram a seu cargo. Em 7 de Janeiro de 1661, quando os brigantinos promoveram o abaixo-assinado de que falamos em texto anterior, dizendo que tinham culpas referentes ao santo ofício que desejavam confessar e pediam para ser ouvidos em Bragança, Ana Pimentel foi um dos signatários. Por isso, chegado a Bragança o inquisidor Manuel Pimentel de Sousa, acompanhado do escrivão Pedro Saraiva de Vasconcelos, ela foi recebida em audiência, no dia 31.3.1661, autuando-se as suas declarações que começaram deste modo: - Disse que haverá 16 anos, em Bragança, em casa de seus pais, Álvaro Vaz, mercador e Francisca Henriques, naturais e moradores em Bragança, agora defuntos; e estando só com a sua mãe, então já viúva, disse a mesma sua mãe a ela confitente se queria salvar sua alma, cresse na lei de Moisés, que era só a boa (…) e outrossim, depois que faleceu a dita sua mãe, fez pela alma da mesma o jejum judaico que lhe havia encomendado (…) fazendo tudo em observância da lei de Moisés; e a crença lhe durou até haverá 4 meses em que, alumiada pelo Espírito Santo, resolveu apresentar-se e o fez por petição… Aparentemente, tudo ficou resolvido e Ana ficou em Bragança tocando a vida para a frente, ela o filho, Álvaro Vaz Castro, de 18 anos, ourives da prata, já que o marido terá falecido pouco depois Porém, ao início de Junho de 1670, Ana Pimentel recebeu ordem para se apresentar no tribunal de Coimbra, sendo reconciliada em auto particular, no dia 1 de Julho seguinte. Vejam como ela descreveu mais tarde a cerimónia: - Em uma das casas da dita inquisição onde foi posta ela declarante de joelhos, um dos inquisidores lhe lançou água benta com um hissope sobre a cabeça e ela declarante, segundo sua lembrança, lhe parece que tomou o juramento dos santos Evangelhos (…) e a mandaram para a sua terra. De novo em Bragança, assistiu ao casamento do filho, com Josefa Pimentel, neta de outra Josefa, tia materna de Ana, de quem já se falou. Filho e nora ficaram morando com ela. Na casa em frente, do outro lado da rua, morava o padre José Fernandes de Meireles que sentia ser seu dever espiar os vizinhos. Em 8.2.1686, apresentou-se em casa do comissário da inquisição Martim Carneiro de Morais, abade de Gondezende, a denunciar, nos seguintes termos: - Disse que uns seus vizinhos de fronte, que é Ana Pimentel e sua filha (sic), mulher de Álvaro Vaz, prateiro, nos sábados iam de manhã para a vila, para casa de seus parentes; que 4 ou 5 sábados fez reparo nisso, haverá mais de um ano, por irem naquele dia sempre, sem trabalharem neles; e que ele testemunha tanto fez reparo nisso que o disse algumas vezes a suas irmãs; em cada sábado que iam para a vila e que iam estas e a mulher de Alexandre Pimentel e algumas vezes a de Alexandre da Costa, cujos nomes são sabe e que estão lá até à noite e nos outros dias as não via ir. Claro que o comissário mandou a denúncia para a inquisição, a qual foi registada no caderno 8º do promotor, a fl. 97. Aliás, esta era já a segunda denúncia. É que, um outro comissário do santo ofício, Belchior de Sá Cabral, de Alfândega da Fé, enviado a Bragança a fazer um sumário de averiguações, registara, em 14.6.1683, uma denúncia do tecedor João Gomes dizendo: - Sabe que Ana Pimentel e a sua nora, Josefa Pimentel, que mora com ela em sua casa, todos os sábados se compõem e andam em visitas. Não trabalhar ao sábado e andar composta e em visitas aos parentes indiciava que Ana continuava na prática da lei mosaica. A prova não seria conclusiva e os inquisidores eram pacientes, aguardando melhor prova. Repare-se, contudo, no paradoxo: enquanto o padre José Fernandes Meireles servia o santo ofício espiando os comportamentos da vizinha, Ana Pimentel, depois de ser presa, apresentá-lo-ia como testemunha primeira de defesa, em prova de seu bom comportamento cristão! Entretanto a vida em casa de Ana continuava animada, com o filho singrando na carreira profissional, alcançando o grau de mestre ourives. E um dos que ele acolheu em casa como aprendiz de ourives foi Ambrósio de Saldanha Sória, natural de Chacim, que depois se foi para Castela, fixando morada em Ciudad Real. A família também crescia, com o nascimento de 3 netos, filhos de Álvaro Vaz e Josefa Pimentel: Francisca Xaviela, Luísa Maria e Feliciano Albuquerque. Ao findar da década de 1680, em circunstâncias que não pudemos apurar, terá falecido Álvaro Vaz e a vida complicou-se para as duas mulheres que rumaram a Lisboa onde tinham parentes, nomeadamente alguns irmãos de Josefa, os quais as ajudariam e, inclusivamente, haveria já contratos concertados para casar os netos. Aliás, é a própria Ana Pimentel que nos informa, confessando para os inquisidores, em 10 de Setembro de 1696: - Viveu em Bragança e há 3 anos que veio para Lisboa acompanhar uma neta sua que veio para se casar; e daqui passou à vila de Aldeia Galega aonde actualmente assistia quando foi presa; e ali vendia tabaco por ordem de Alexandre Pimentel, contratador do estanco. No próximo texto falaremos da prisão de Ana Pimentel.