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Vendavais- Portão aberto à liberdade

Se a liberdade se conquistasse com a simples passagem de um portão ou uma porta aberta à nossa curiosidade e apetência, não faltaria quem quisesse tentar passar. Mas não. Não é assim tão fácil e não existe nenhuma porta secreta que dê acesso à liberdade. Na verdade, a passagem para a liberdade está sempre condicionada por obstáculos enormes, quase intransponíveis, que nos impedem ir muito além do desejável. É facto que neste momento tão condicionante da liberdade de todos nós, muitos aspiram ansiosamente à liberdade que perderam ou mesmo a uma liberdade que lhes permita “movimentar-se”. Com a chegada de tempos mais claros e quentes e, por isso convidativos a essa movimentação, iniciaram-se já intenções de ir para lugares onde alguma dessa liberdade seja conseguida. Sempre que o Verão se aproxima e as férias se tornam realidades não dispensáveis, todos querem aproveitar ao máximo esse período de descanso, para recarregar energias para o resto do ano. Falta passar o tal portão. Mas o tempo não é de facilidades. Apesar de os números de contágios de Covid19, de internamentos e de óbitos estejam a melhorar, isso não pode significar que o portão está aberto para uma liberdade sem limites. De modo algum. É certo que as praias portugueses, sedentas de gente a calcorrear as areias peregrinas, não se foram embora e continuam, à espera das enchentes de outrora que parecem não voltar tão cedo. Temos de aguardar mais um pouco. A sensação de liberdade que o mar e a areia imensa nos dão, são relevantes e demasiado importantes para todos nós, mas não se pode escancarar o portão e passar além sem contenção. Comedimento e sensatez são regras a seguir para chegar à tal liberdade. As praias da esperança de uma liberdade sem limites já não pertencem a estes tempos de pandemia. Só de for com vista a um novo confinamento indesejável. Na realidade, a procura de lugares exóticos e praias idílicas de águas quentes e sol escaldante, já começou e as nossas estão entre muitas das procuradas. Os ingleses buscam rapidamente ocupar o Algarve tão desejado e os hoteleiros e comerciantes da região estão ansiosos por esse momento para reverter a situação económica tão depreciada que os últimos meses trouxeram. Poucos equacionam o perigo que isso possa trazer já que os números de contágio podem aumentar exponencialmente em pouco tempo. Era bom que assim não acontecesse. Para isso o governo já decretou que o modo de procedimento nas praias deverá ser o mesmo do ano anterior. Usemos máscaras, atenção ao semáforo e ao distanciamento que será bem medido. Do mesmo modo os organizadores de eventos, sejam eles festivais ao ar livre ou outros em recintos fechados, anseiam pela mesma liberdade de atuação com o mesmo objetivo. Mas, segundo parece, ainda não vai ser este Verão que os tais festivais terão lugar, pelo menos na forma a que nos habituaram. Essa liberdade ainda está longe de acontecer. Com todos estes requisitos que condicionam a liberdade de todos nós, só temos de nos conformar com a pouca que conseguirmos ter, para que amanhã ela seja bem maior e nos permita ter menos receio de abraçar os nossos amigos e de conviver juntos sem ter de contar quantos somos nesta mesa. Dito assim, o portão da liberdade, embora parecendo largo, ele é bem estreito e não pode abrir demasiado porque a passagem para o outro lado pode trazer consequências que abortam completamente a liberdade de quem passar e de quem já está na outra banda. Infelizmente, mais de dezassete mil libertaram-se sem querer desta realidade assustadora que a todos afeta. Nada se pôde fazer para evitar tal conquista de liberdade, que não foi procurada nem desejada por ninguém. Passaram o portão sem querer. Ganharam uma liberdade que não queriam e de que nada lhes serve. Outros ficaram presos do lado de cá, desejando não passar. Essa liberdade não se quer, não se deseja, não se ambiciona. Dentro de alguns dias começa a época balnear e a corrida para as praias na ânsia de desfrutar tempo de lazer na maior alegria e liberdade. É bom não esquecer os condicionalismos que a isso nos obriga o tal bichinho que por aí se passeia e não se mostra a ninguém. As vacinas que já muitos tomaram, podem não ser suficientes para o travar. Imaginem pois, o portão enorme e escancarado que à vossa frente se abre, convidativo e enganador, e não mergulhem na insensatez de conquistar a liberdade do momento. A passagem pode ser dolorosa. Seja como for, em julho e agosto haverá uma invasão a sul e só esperamos todos certamente, que ela não nos obrigue a novo confinamento. Isso seria o fim do tal portão aberto para a liberdade.

Lágrimas de crocodilo

Já li contos dedicados às crianças onde os crocodilos choravam, também soltei gargalhada estrídula quando ouvi a anedota referente a um crocodilo a voar baixinho autenticada pela boca de um agente do KGB, fora isso os crocodilos que vi em África e na América inspiravam receio e cautela, na Tailândia apreciei carne dos sáurios temperada com abrasiva mostarda. Crocodilos chorosos, lacrimejantes, envergando vestidos flamejantes, fatos e gravatas topo-os nas televisões ao torto e ao direito sempre que tudo quanto foi visto, sentido e ouvido durante anos e anos derruba barreiras e muros de opacidade transformando-se em opinião pública, escândalo informativo, chamativo da atenção da generalidade das populações. Neste momento as e os crocodilos derramam lágrimas que nem Marias Madalenas relativamente à triste sorte dos desprotegidos de tudo vindos da Ásia a fim de trabalharem de ver a ver nos campos agrícolas do Baixo Alentejo, fazendo reviver a nefanda saga dos portugueses vendidos ao molho através dos passadores (alguns ainda vivos) de Trás-os-Montes, Minho e Beiras retratados num livro a escorrer sangue pelo Padre Telmo Ferraz, o qual na esteira do Padre Abel Varzim dedicou a vida a defender e acarinhar os trabalhadores humilhados e ofendidos cá e lá, na Espanha, França, Luxemburgo e Alemanha, pois no «paraíso» salazarista da terra brotavam abrolhos, cardos, silvas e sarças. O governo de António Costa, a geringonça hipócrita a desprezar milhares de trabalhadores fora da coutada das periferias das cidades, os patrões quais sanguessugas sedentas nunca dedicaram uma migalha de interesse aos novos elementos (mulheres e homens) que são protagonistas de um novo e imaginário livro intitulado Sete palmos de terra e um caixão. O tristemente célebre ministro Eduardo Cabrita renomado génio da asneira permanente anunciou a intenção de resolver o problema da doença e morte lenta das desamparadas criaturas colocando-as em residências ocupadas coercivamente remetendo-nos para o passado dos kolkoses soviéticos da repressão leninista e estalinista. O país das conquistas de Abril, da União Europeia, membro dos tratados de defesa dos direitos humanos a envergar as vestes ditatoriais do regime chinês (opressor do Nepal) é o significante da hipocrisia de decisores políticos vesgos quando têm de conseguirem conceder gasalho aos mais desvalidos a Leste do Paraíso, entenda-se das ânforas dos votos e da propaganda política. Há lodo nas estrelas? Continua a haver e, muito. Cabe- -nos a tarefa de o extirpar? Cabe-nos o dever de o tornar campo de cultivo no qual a dignidade humana implique salários justos, alojamentos confortáveis e mantença a condizer.

Bragança no Século XX, através da imprensa regional (1)

A presente reflexão apoiou parte da apresentação do livro “Bragança no Século XX, através da imprensa regional”, não inclui a parte religiosa que esteve a cargo do Senhor Bispo da Diocese de Bragança-Miranda. A apresentação decorreu dia 2 de maio de 2021, é autor do livro o ilustre Bragançano Prof. e investigador Francisco Terroso Cepeda, a edição foi oferecida pelo autor à Câmara Municipal. Pediram-me que partilhasse de forma mais alargada esta reflexão, que não uma investigação, por não ter essa qualidade, o que me propus fazer. A obra envolve milhares de textos escritos, sobre temas muito diversos, em épocas políticas distintas, o que me levou a escolher o formato de uma viagem ao longo do século XX, sem ter que seguir uma ordem temática ou cronológica. Agrupei quarenta assuntos em cinco pontos: acontecimentos que marcaram a sociedade brigantina; grandes dificuldades e ameaças; mudança da paisagem rural do concelho; mudança da paisagem urbana e evolução das estruturas sociais e económicas; a imprensa em Bragança no século XX.

1 – Acontecimentos que marcaram a sociedade brigantina

No século XX a humanidade deu um grande salto, na tecnologia, no crescimento da economia, na criação de redes globais de logística comercial, e de cooperação económica, na criação de instituições globais como as Nações Unidas, progrediu a democracia, a capacidade de enfrentar situações de escassez de bens, reduzir a fome no mundo, socorrer os mais frágeis. É marcado por dois conflitos militares de escala global, que mobilizaram toda a capacidade económica, industrial e científica dos países envolvidos. Portugal viu-se forçado a envolver-se na I Guerra Mundial. De Bragança, partiram para a frente de guerra, no ano de 1916, o 6.º Grupo de Metralhadoras, no ano de 1917, em dois comboios embarcaram 1229 homens do batalhão de infantaria 10, para a frente da Flandres, no ano de 1918 participou na batalha de La Lys o Batalhão de Caçadores n.º 3. A I Guerra Mundial agravou a crise económica, trouxe a fome e a Gripe Espanhola que nos anos de 1918-1919, se propagou a partir da frente de batalha através das cadeias logísticas e rapidamente alastrou vitimando entre 50 a 100 milhões de pessoas. Em Portugal morreram mais de 50 mil pessoas. Em Mirando do Douro era noticiado que metade da população estava enferma. O comboio chegou a Bragança a 1 de dezembro de 1906. No ano de 1861 iniciou na Câmara dos Deputados a luta para dotar o distrito de linhas férreas, chegou a Bragança 45 anos depois e 27 anos depois de aprovada a construção da linha do Tua, a 19 de janeiro de 1883, em via estreita, como ramal nacional e não linha internacional como inicialmente foi aprovada. Foi heroica a luta de ilustres bragançanos, destacando o Conselheiro Abílio Beça e o Eng.º José Beça. Foi intensa a luta pela ligação ferroviária, envolveu muitas propostas, muita no parlamento e fora, como foi Clemente Meneres que reuniu vários apoios para lutarem pela ligação ferroviária, contando com o apoio de deputados como, Eduardo José Coelho, que veio a ser ministro em três governos progressistas, e do bispo de Bragança. A energia elétrica chegou no ano de 1921, a vila Real chegou 37 anos antes, em março de 1894. A eletricidade substituiu a antiga iluminação por lampiões alimentados a petróleo, antes a azeite. A energia era produzida na Central instalada nos Batocos, concessionada no ano de 1914, foi gerida pelo engenheiro francês Lucien Guerche, até 1945/46. No ano de 1974, a iluminação no concelho era muito deficiente, a maioria das aldeias não dispunha de eletricidade. Foi enorme o trabalho de construção de postos de transformação, de linhas de média e baixa tensão e de redes de iluminação pública. Hoje seria impensável viver sem eletricidade. No início do século, a sociedade portuguesa vivia uma situação de radicalização política, situação económica e financeira muito difícil, no ano de 1892 foi declarada a bancarrota do Estado português, só no ano de 1902 a 1903 foi obtido acordo internacional de credores. O Real, moeda portuguesa desde o ano de 1430, foi substituído no ano de 1911 pelo escudo, este substituído a 1 de janeiro de 2002 pelo euro. Também a I República, foi de elevada instabilidade social e política. Em 16 anos houve sete parlamentos, 45 governos e oito presidentes da República, destes só António José de Almeida conseguiu completar o mandato de 4 anos. A constituição de 1911, consagrou a República una e indivisível, inscreveu uma vaga orientação descentralizadora, campo privilegiado de luta pela autonomia municipal e regional, teve momento alto nos congressos regionalistas. Em 1911, o izedense Alves da Veiga defendia a República como uma “confederação de oito províncias, designadas de Estados provinciais”, Henrique Trindade Coelho, apresentou no ano de 1922 um projeto constitucional para uma República Federal. A discussão regionalista foi dura no I Congresso Transmontano, realizado no ano de 1920, terminou com a aprovação de moção, que conciliava as posições entre o associativismo municipal e o Estado unitário, desde que, à província não tirasse alguma coisa do que ainda tinha, que já tinha tirado muito do que ela teve. A constituição de 1976 inscreveu a criação das Regiões Administrativas, ainda não criadas, como há um século atrás permanecemos divididos e Lisboa mais centralista. Regressou a Guerra Mundial, de 1939 a 1945, devastadora de vidas humanas, de infraestruturas e da economia. Foi a mais mortífera da humanidade, com 50 a 75 milhões de mortos. Deixou marcas terríveis como o holocausto e o lançamento das primeiras e únicas bombas atómicas. A indústria do armamento desencadeou elevada procura do tungsténio. Instalou-se a febre do volfrâmio, em Bragança, as minas de Parada, Paredes, Montesinho e Guadramil entraram em grande atividade, houve mais dinheiro a circular, beneficiou o comércio, a reabilitação de habitações, foram construídos novos edifícios. Seguiu-se a Guerra Fria, de natureza geopolítica, entre o Bloco Oriental e o Bloco Ocidental, durou até à dissolução da União Soviética no ano de 1991. No ano de 1961 foi declarada a Guerra Colonial, a rádio e a televisão anunciaram o início da guerra. Neste ano, Portugal em confronto militar com a União Indiana, perdeu o Estado Português da Índia, que governou durante 450 anos. A guerra colonial durou até ao ano de 1974, entrou num beco sem saída e o império desmoronou- -se. Cerca de um milhão de jovens foram mobilizados para a frente de guerra. O desenvolvimento do país foi adiado, sofreram as famílias que viam os filhos partir, alguns regressar em caixões ou mutilados. No ano de 1941 realizou-se o II Congresso Transmontano, a sessão de abertura decorreu em Bragança, presidiu Ferreira Deusdado que referiu: «A Província de Trás-os-Montes, por ser a mais afastada do coração de Portugal, é precisamente aquela que menos vista tem sido pelos que estão no Terreiro do Paço.» Presidiu à sessão de abertura o Chefe de Estado e o Ministro das Obras Públicas. Bragança recebeu triunfalmente o Chefe de Estado. O cortejo de receção, foi organizado frente à Quinta António Dias, com representação das Câmaras do Distrito, e diversas instituições civis do distrito. Tocaram as bandas de música, repicavam os sinos, ouviram-se os foguetes, desde a Ponte do Loreto até ao edifício da Câmara Municipal, onde estavam alinhadas as forças da Legião Portuguesa e do Exército e de outras instituições. Referiu o Mensageiro de Bragança, ser o primeiro a visitá-la, 554 anos depois de D. João I. Os congressistas hospedaram-se no Grande Hotel Virgínia, na Grande Pensão Moderna e na Pensão Internacional. Esteve prevista a visita do Rei D. Manuel II a Bragança, no ano de 1910. A Câmara Municipal preparava uma festa de receção como Bragança nunca tinha tido. Um telegrama do Primeiro-ministro de 5 de outubro de 1910 liquidou toda a azafama. No dia seguinte, a cidade tomava conhecimento da proclamação da República e da saída da Família Real para o exílio. Dia 8, frente à Câmara Municipal, formava uma força de infantaria 10, a banda de música e uma força de Cavalaria 9. Da varanda do edifico foi lida a proclamação da República, içada a bandeira verde e encarnada, à qual as tropas fizeram a continência e a banda executou “A Portuguesa”. Estavam cumpridas as formalidades e proclamada a República. Caía a Dinastia de Bragança. Bragança viveu e sofreu com a elevada agitação sociopolítica. No ano de 1911 foi criado, o Centro Republicano Emidio Garcia e o Partido Republicano Conservador Local, o primeiro de âmbito local criado em Portugal. Ocorreram incursões monárquicas, a 4 de outubro de 1911, por Cova de Lua e Soutelo, por onde entrou uma força de 950 homens comandados por Paiva Couceiro, foi travada pelo Regimento de Infantaria 10. Ocorreram novas investidas monárquicas nos anos de 1913 e 1914 e a 19 de janeiro de 1919, Paiva Couceiro organizou uma Junta Governativa do Reino com sede no Porto, à qual aderiram as guarnições militares da cidade. A I República caiu a 28 de maio de 1926. Bragança estava cansada da política, do confronto social, economia fragilizada, não entrou no conflito. Veio a fazê-lo no ano de 1933 em reação à aprovação da Constituição do Estado Novo, tendo ocorrido a morte de um militar membro da Administração Municipal, a prisão, a condenação e exilio de alguns dos revoltosos. A comemoração do V Centenário da elevação de Bragança a cidade foi preparada com antecedência. No ano de 1963, o Ministro das Obras Públicas visitou Bragança, para dar luz verde a um grande plano de melhoramentos da cidade, executado ao longo de uma década. Nem todos os investimentos foram realizados por dificuldades da Câmara Municipal. A sessão de encerramento das comemorações, decorreu a 29 de agosto de 1964, foi presidida pelo Presidente da República Almirante Américo Tomás. As comemorações levantaram o ânimo das forças vivas da Terra. Nas décadas de 1950 a início da década de 1970, o Governo deu grande apoio a Bragança, na construção de novas infraestruturas e equipamentos. No ano de 1950, quatro ministros oriundos do distrito integravam o mesmo Governo, ocupando pastas importantes como: a Justiça; as Finanças; o ministério do Interior e o ministério da Marinha. No período referido, outros Ministros e Secretários de Estado, oriundos do distrito ocuparam lugares no Governo. Bragança beneficiou muito da sua presença e empenho. A primeira aeronave que sobrevoou Bragança, foi um biplano da Esquadrilha da Amadora a 30 de julho de 1922. O primeiro campo de aviação de Bragança, foi construído no local de S. Tiago, um amplo pinhal, a cerca de três quilómetros do limite da cidade, a construção decorreu de 1927 a 1932. O Campo mudou para Baçal, os trabalhos iniciaram no ano de 1965, foram concluídas no ano de 1976, pela Direção Geral da Aviação Civil, que tomou conta do processo por a Câmara Municipal ter dificuldades, na aquisição de terrenos, o que resultou na construção de uma pista de 1200 metros, em vez dos 2000 metros previstos, uma perda de consequências óbvias. No ano de 1976 a TAP iniciou em regime experimental, voos regulares de transporte de passageiros. No ano de 2004 a pista foi ampliada para 1700 metros e no ano de 2008 foi aprovado o projeto de expansão para 2300 metros, e o estudo de impacto ambiental, visando a operação de aviões para 200 passageiros. A revolução do 25 de Abril de 1974, abriu caminho à liberdade, a um novo ciclo político de construção do Estado democrático. No dia 27 de abril, na Praça da Sé, organizou-se a primeira grande manifestação popular de apoio ao movimento das forças armadas. O Primeiro de Maio, como em todas as cidades portuguesas, foi de grande afluência às ruas para festejar o fim da ditadura e a conquista da liberdade. A comemoração do 8.º Centenário do 1.º Foral de Bragança, teve a sessão de encerramento a 21 de fevereiro de 1988, foi presidida pelo Presidente da República, Dr. Mário Soares, que um ano antes tinha instalado a Presidência Aberta de uma semana em Bragança. Governava o Prof. Cavaco Silva, que se deslocou a Bragança com alguns dos seus ministros, assumindo concretizar três das principais reivindicações: a construção do IP4, o desenvolvimento do IPB e o aproveitamento hidroelétrico do Alto Sabor. O presidente da República congratulou-se com o bom andamento dessas três reivindicações. As acessibilidades ao Nordeste Transmontano exigiram uma luta reivindicativa permanente. A construção do 1.º troço do IP4 foi o de Lamas a Quintela de Lampaças, na década de oitenta e o último foi o de Rio Frio a Quintanilha, no ano de 2000. No ano de 2003 o governo decidiu continuar a autoestrada de Amarante a Vila Real. Tudo se preparava para excluir Bragança do mapa de autoestradas do País. Não desistimos, o III Congresso Transmontano foi a prova disso mesmo, e finalmente em novembro de 2004, na 1.ª reunião do Conselho de Ministros realizada em Bragança, tudo ficou resolvido. A construção da A4, do IP2 e do IC5 foi garantida e em menos de uma década, até dezembro de 2012 tudo foi executado, abrindo melhores perspetivas de futuro. A criação do Instituto Politécnico foi uma grande conquista. No ano de 1972 foi criada a Escola Superior de Enfermagem, no ano de 1973 a Escola Normal Superior e no ano de 1979 o Instituto Politécnico de Bragança. No ano de 1986 iniciaram atividade letiva as Escolas Superior Agrária e de Educação, com 135 alunos. Com as cinco escolas, centros de investigação, serviços sociais e residências de estudantes, instalações circunscritas à antiga Quinta de Santa Apolónia, e a Mirandela, representa uma realidade social, académica, económica e urbana muito forte. Foi enriquecida pela criação do ISLA, da Escola Prática Universal e do Centro de Formação Profissional.

2 - Dificuldades e ameaças de Bragança

No início do século, os interesses de Bragança foram atacados. O governo progressista retirou a Bragança a direção de serviços agronómicos e postos experimentais, para os colocar em Mirandela. Bragança, no ano de 1762 tinha dois regimentos de Infantaria no Castelo e um de Cavalaria no Forte de S. João de Deus, com 460 militares e 390 cavalos, extinto no ano de 1911. Logo de seguida à instalação da ditadura militar, foi extinto o Regimento de Infantaria n.º 30 e o 6.º Grupo de Metralhadoras, restando o Regimento de Infantaria 10. Mais um problema a perturbar o concelho, pela perda de recursos no comércio local e do contributo dos militares no ensino público e na administração pública. A questão militar voltou ano de 1958, tendo sido extinta a única unidade militar aquartelada em Bragança, o Batalhão de Caçadores 3 e encerrado o Museu Militar, um rude golpe para a economia e a história dos brigantinos, desprezo pelo esforço de séculos na proteção da fronteira mais vulnerável do país. No ano de 1960/1964 os quarteis da Cidadela foram demolidos. No ano de 1965 foi aprovada a construção de novo quartel no antigo Forte S. João de Deus, no ano de 1966 regressou o Batalhão de Caçadores, n.º 3. No ano de 1977, já em democracia, o BC3 foi extinto, no âmbito da reestruturação do exército, permaneceu a presença militar em Chaves, em Vila Real e Lamego. Este duro ataque aos interesses de Bragança não deveria ter ocorrido, a reestruturação poderia ter sido feita extinguindo unidades em Lisboa ou no Porto. O centralismo voltou a atacar. A ligação ferroviária de Trás- -os-Montes a Espanha dividiu a região e o país. No ano de 1867 as comissões parlamentares de obras públicas e fazenda, sob iniciativa do governo regenerador, aprovaram a ligação da linha do Douro, pelo Tua a Bragança e ligação a Zamora em via larga, a execução foi travada pela situação financeira do país. No ano de 1878, o ministro das obras públicas do governo regenerador, apresentou ao parlamento proposta, de ligação da linha do Douro a Salamanca. Neste ano, Sousa Brandão propôs a ligação do Tua a Bragança em via estreita e a ligação a Espanha pela linha do Douro, em via larga. Alguns militares temiam que a ligação a Salamanca, par além da prevista à linha da Beira Alta, abrisse mais um ponto de penetração do inimigo, preferiam qua a ligação se concretizasse por Bragança. A opção de ligação por Bragança era defendida por progressistas e republicanos, João Pires Vilares, no Parlamento defendeu heroicamente que a internacionalização da linha do Douro se fizesse por Bragança a Zamora. Muitos o fizeram. O esforço do governo centrou- -se na construção da linha do Douro até à fronteira e nas negociações com Espanha, que pouco entusiasmo teve no projeto, o que levou o governo, a banca e empresários portuenses a cometer erros financeiros graves. Surpreendentemente, a Câmara de Bragança pretendendo manter a sua lealdade ao governo do partido regenerador, manifestou o apoio à ligação do Douro a Salamanca, invocando razões do foro militar e de defesa nacional, posição contrária aos interesses de Bragança, conforme consta da reunião de Câmara Municipal de 28.06.1882. Devia ter defendido a decisão tomada 15 anos antes pelo ministro das obras públicas, também regenerador, a construção da linha do Tua a Bragança e ligação a Zamora em via larga. Hoje, nos planos da Ferrovia 2030, estaria a modernização e eletrificação da ligação ferroviária do Tua a Bragança e Zamora, em vez de um mapa em branco, o que é uma nova ameaça contra a qual é preciso lutar. Com o retomar das províncias como divisão administrativa, no ano de 1936, foram criadas onze províncias. A Vila Real, que só adquiriu o título de cidade no ano de 1925, foi atribuída a sede da Província, um verdadeiro choque para Bragança, com história económica e política e administrativa incomparáveis, viu-se marginalizada, diz-se que por atraso de reação política dos seus dirigentes. Quando da elaboração do IV Plano de Fomento, no ano de 1973, para vigorar no período de 1974/79, no relatório elaborado pela Comissão de Planeamento do Norte, sendo seu presidente o eng.º florestal António Eduardo Carneiro, o Plano colocou Bragança ao nível de centro rural principal, a par de Moncorvo e Mogadouro, enquanto Macedo de Cavaleiros e Mirandela eram elevados à categoria de centros urbanos. Uma afronta à história, às funções urbanas de capital de distrito e aos projetos futuros de Bragança. A cidade ergueu-se em protesto. Valeu o facto de, com o 25 de Abril, o Plano ter ficado sem qualquer efeito. Na luta pela criação da Universidade de Bragança, encabeçada pela Comissão Pró-Universidade, que entregou uma petição na Assembleia da república, os compromissos políticos a nível nacional, não se conjugaram de forma eficaz com o interesse local que não se uniu. No ano de 1998 defendíamos a criação de uma Faculdade de Medicina em Bragança, logo de seguida outras foram criadas e há poucas semanas o Ministro Manuel Heitor desafiou a UTAD a criar o curso de medicina. Passadas duas décadas, nunca como hoje as condições institucionais e políticas foram tão favoráveis á criação do ensino universitário em Bragança – Instituto Universitário ou Universidade de Ciências Aplicadas, caminho que é necessário retomar, voltar a acreditar e lutar, para não haver surpresas futuras. O 1.º Plano Regional de Ordenamento do Território, elaborado pela CCDR-N no ano de 2009, pretendia considerar Bragança como cidade regional, ao nível de Mirandela, Lamego, Chaves. A Câmara Municipal, exigia que fosse considerada cidade de equilíbrio regional, a par do Porto, Vila Real e Braga. Bragança estava novamente a ser atacada, foi necessário usar todos os argumentos, até junto do primeiro ministro, para que na versão final Bragança tivesse sido incluída como cidade de equilíbrio regional, como era devido. A emigração marca o século XX, está na base da maior fragilidade atual. A década de 1901 a 1911 foi o período de maior emigração antes de 1960. Entre 1910 e 1919, do distrito de Bragança emigraram 18% dos seus habitantes. A emigração fazia-se para a América e sobretudo para o Brasil. Eram famílias inteiras, sobretudo jovens que partiam. Após a II guerra mundial deu- -se o segundo grande período de emigração, de 1946 a 1973, acentuou-se o êxodo do mundo rural pobre. França e Alemanha foram o principal destino. A emigração legal do distrito de Bragança no período de 1950 a 1979 foi de 53 220 cidadãos, não contando com a que se fazia “a salto.” Em meio século, o distrito de Bragança perdeu quase 50% da população. Cerca de 3000 retornados, chegaram a Bragança a seguir ao 25 de Abril. No ano de 1975, foi lançada uma ponte aérea de meses que, das antigas colónias trouxe centenas de milhares de retornados ao país. A Câmara Municipal, a igreja e toda a comunidade, com apoio do IARN – Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, fizeram o que podiam em termos de ajuda social e humanitária, que contou com o apoio da Convenção das Igrejas da Noruega sob a designação “Projeto cooperativo de construção de emergência em Bragança”, que entregou 100 casas prefabricadas. Os retornados, deram um grande contributo à revitalização social e económica do concelho.

Bragança : A Nação Judaica em Movimento - 6 Manuel de Sousa Pereira advogado em Beja

Já em outro texto falamos de Jerónimo Pimentel e Ventura Nunes um casal de fabricantes de seda que, na década de 1660, andou acertando contas com o santo ofício. (1) O casal teve 3 filhos e nenhum deles seguiu a profissão do pai. Um, João Pimentel, foi mercador e os outros dois, Manuel Fernandes Pimentel e Martinho Rodrigues Pereira, fizeram-se ourives. Ao findar da centúria de 600, os três eram já casados e moravam em Faro, “reino do Algarve”, onde os precedera o tio Sebastião Pimentel, também ourives do ouro. (2) Antes de 1712, vamos encontrá-los a morar no Alentejo, em Beja, com as respetivas proles. Situando-nos naquela data, vamos visitar João Pimentel e Martinho Pereira. Em Beja, o mercador João Pimentel dedicava-se também à lavoura, explorando a quinta do Arrebentão (hoje Monte do Arrebentão), e isso é um claro exemplo de como os “homens da nação” facilmente se adaptavam a novas profissões e atividades. Não sabemos se a casa de morada era na cidade ou na Quinta. Encontrava-se então viúvo de Violante de Sousa, que lhe dera dois filhos, nascidos ainda em Bragança. Vamos apresentá-los. Jerónimo Pimentel se chamou um deles. Estudava então na universidade de Coimbra, formando- -se em medicina. Casou depois com sua prima, Ventura Nunes Henriques, filha de seu tio Martinho Rodrigues. O outro tomou o nome de Luís da Fonseca Pimentel e era mercador. Casou com D. Catarina Maria Henriques, de uma importante família de Lisboa, irmã do Dr. Miguel Lopes de Leão. Pai e filhos haveriam de ver-se a contas com a inquisição de Évora. (3) Em Beja, a casa de Martinho Rodrigues Pereira situava-se na Rua de Aljustrel. Fora casado em primeiras núpcias com Isabel Henriques de Sousa, natural de Lamego, provavelmente irmã de um Simão Vaz Guerreiro, nascido em S. João da Pesqueira e que terá ido para Bragança, ocupar o rendoso cargo de feitor da alfândega da cidade. Também o feitor Simão Guerreiro foi prisioneiro da inquisição, sentenciado em cárcere, hábito e sequestro de bens no auto de 14.6.1671. E também ele terá ido para o Algarve. (4) Antes de 1708, Martinho ficaria viúvo, casando novamente com D. Grácia Henriques, natural de Lisboa, irmã do Dr. Miguel de Leão (5) e da mulher de seu sobrinho Luís da Fonseca, como atrás se disse. Na sequência das várias prisões efetuadas pela inquisição de Évora entre os seus filhos e sobrinhos, também Martinho Pereira sofreu os horrores das celas daquele tribunal durante 3 anos (6) posto o que fugiu para Amesterdão com a mulher e filhos mais novos. Para além da citada Ventura Nunes Henriques, importa falar de um dos filhos de Martinho Pereira e Isabel de Sousa, nascido e batizado na cidade de Faro, por 1699, sendo padrinhos o tio Simão Vaz Guerreiro e a avó materna, Ana Gomes Henriques. Chamou-se Manuel de Sousa Pereira e, por 1711, “assistia” em Loulé, em casa da avó e madrinha que o doutrinou na lei de Moisés. Dois anos depois foi para Coimbra estudar, formando-se em leis. Em 1719, abriu em Beja o escritório de advogado. Em Outubro-Novembro de 1720, a inquisição prendeu em Beja muitas dezenas de pessoas. Médicos, advogados, ourives, boticários, mercadores… a fina flor da sociedade foi arrastada para as cadeias da inquisição de Évora, acusados de se ter juntado na casa de João Álvares de Castro, para fazer cerimónias judaicas. Entre os denunciados, contou-se o Dr. Manuel de Sousa Pereira que foi preso em 22.11.1720. Confrontado com aquela acusação, respondeu: - Tudo o referido é falso: só é verdade haver-se feito uma Academia na cidade de Beja, em casa de João Álvares de Castro, lavrador, em que estiveram presentes todas as pessoas da dita cidade mais qualificadas, em que ele depôs Camões; e um filho do dito João Álvares de Castro, chamado Henrique Lopes Rosa presidiu à dita Academia; e nela não se falou na lei de Moisés.(7) Os inquisidores ouviram, mas não terão acreditado, habituados que estavam a ouvir réus que começavam por negar e depois confessavam tudo e mais alguma coisa. O processo continuou e, tempos depois, fez a seguinte confissão: - Disse que, em Fevereiro de 1720, em Beja, tendo ele notícia de que em casa de João Álvares de Castro (…) se fazia um ajuntamento em que se havia de praticar sobre a lei de Moisés se resolveu a ir à dita casa (…) que estava ornada com cadeiras, tamboretes e bancos à roda da mesma casa (sala) e alguns bancos no meio dela e nela viu estar um bufete com 4 ou 6 velas acesas e que na casa se achavam as pessoas seguintes… (8) Começou então a identificar os participantes naquela cerimónia judaica, num total de 57! Face àquelas declarações assim contraditórias, passou a ser acusado de falsário, uma acusação bem mais grave e cuja sentença final não podia ser outra senão a de ser relaxado à justiça secular, como o procurador pedia. No entanto, assim não entenderam os inquisidores, que ditaram uma sentença algo extraordinária: - Pelos indícios que houve de ser falso o dito ajuntamento de que haviam testemunhado João Manuel de Andrade e Francisco de Sá Mesquita se presumisse também que o réu confessava falsamente em que depôs do dito ajuntamento, e só o fizera por se ver convencido em o judaísmo pelos ditos jejuns e querer satisfazer a tudo o que o acusava a justiça. (9) Significa isto que os inquisidores consideravam falsas as declarações sobre tal ajuntamento judaico, mas não consideravam falsário o declarante Manuel Pereira; antes entendiam que fizera declarações falsas para, assim, resolver o seu caso. Os inquisidores retiraram a acusação de falsário, mas condenaram Manuel em sequestro de bens, cárcere e hábito perpétuo, por outras práticas de judaísmo, inclusivamente por ter feito jejuns judaicos dentro do próprio cárcere, 4 deles vigiados e testemunhados. Os depoimentos das pessoas que o vigiaram apresentam-nos um “judeu” encurralado na cela, mas irradiando serenidade e humanismo, um Trasmontano que prepara uma açorda alentejana para cear em honra do Deus que fez o Céu e a Terra. Vejam um pouco do que contou o familiar do santo ofício António Gomes Prego, que esteve espreitando, na tarde do dia 10.2.1721, testemunhando o 3º jejum judaico: - Levaram-lhe azeitonas que tudo lavou muito bem (…) tirou da dita canastra dois pães e 2 ovos cozidos e metade de uma cebola, a qual migou muito bem, em uma tigela e lhe deitou 3 vezes água; e esbugalhou as cascas dos ovos e os pôs junto com a cebola, muito bem escorrida (…) e depois se pôs a passear, em forma que, quando chegava à grade, metia as mãos abertas com as palmas para cima e desta sorte vinha no passeio para o fundo da casa; e voltando para a porta, logo abaixava as mãos; porém, tanto que chegava à grade as punha na forma sobredita; e desta sorte andou até que lhe levaram o lume e lhe deram as boas noites (…) e ultimamente se arrimou à grade por espaço de quarto e meio de hora, com os olhos e rosto para o ar e com os braços metidos pela grade e as mãos abertas, as palmas para cima, em que esteve até às 7 horas que se retirou e se pôs a comer os ovos misturados com a cebola e o pão, em que deitou uma colher de açúcar, azeite, vinagre e pimenta. E não comeu cousa alguma da dita ração de carneiro; nem até àquela hora tinha comido ou bebido cousa alguma, nem feito sinal de cristão. (10) Em próximos textos continuaremos a acompanhar os movimentos da “nação de Bragança” pelo Algarve e dali para Beja.