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Lisboa, 25 de Novembro. Luanda, 27 de Maio.

Embora já um tanto tardiamente, num gesto louvável mesmo assim, João Lourenço, actual presidente da República Popular de Angola, veio agora, em Maio de 2021, passados 44 anos, portanto, pedir desculpas, publicamente e em nome do Estado angolano, pelas execuções sumárias levadas a cabo após o alegado golpe de 27 de Maio de 1977. Salientou tratar-se de “um sincero arrependimento”. Esperemos que assim seja e que  Associação 27 de Maio, que “congrega sobreviventes, familiares de vítimas e desaparecidos e os seus amigos”, não deixe de ter motivos bastantes para se congratular. Muitos portugueses sentirão, por certo, uma profunda mágoa com esta notícia que rememora tão trágicos eventos e que mereceu o destaque dos principais órgãos de comunicação. Acontecimentos que coroaram a descolonização criminosa que, paralelemente com tudo quanto se viveu entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, constitui a página mais triste e inglória da História de Portugal. Certo é que foram forças militares de Fidel Castro, que haviam desembarcado em Luanda dois anos antes, em 1975, que salvaram Agostinho Neto e a facção do MPLA que lhe era fiel, quando aquele já se encontrava encurralado no forte de Futungo de Belas pelas forças afectas a Nito Alves, que contava com o prestimoso apoio de militantes comunistas idos de Lisboa e também com a simpatia da própria URSS, ao que se dizia. Foi então que aconteceu a chacina fratricida que agora João Lourenço justamente repudia e que se perlongou, ainda que sob outras formas, noutros cenários e com outros intervenientes, pelos longos anos da sanguinária guerra civil, que só terminou em 2002, com a morte de Jonas Savimbi. A intervenção militar cubana decorreu entre 1975 e 1991, saldou-se em mais de 10.000 baixas nas fileiras do Exército de Fidel Castro, mas a Guerra Civil Angolana, contrariamente ao que se esperava, perlongou-se por mais 11 anos, com baixas e danos bem mais pesados. Ora, quando precisamente em 1991, me encontrava ocasionalmente no aeroporto do Sal, em Cabo Verde e displicentemente observava um avião da Aeroflot que se movimentava para levantar voo, um desconhecido postado a meu lado em idêntica atitude, voltando-se para mim, observou, em castelhano e com ar constrito: o último contingente cubano que retira de Angola. Percebi que aquele avião vinha de Luanda e seguia para Havana depois de ter sido reabastecido. Perante a minha estranheza confidenciou-me o desconhecido ser agente da Dirección General de Inteligencia, os serviços cubanos de segurança, e que ali se encontrava a vigiar essa histórica movimentação militar, rematando o nosso brevíssimo diálogo com a expressão sibilina: Que pena não ter havido combatentes cubanos no 25 de Novembro, em Lisboa. Como no 27 de Maio, em Luanda, quer o senhor dizer? Ripostei. Sim!- Respondeu secamente e afastou-se de imediato, sem mais conversa. A este propósito será relevante rever o vídeo patente no Youtub em que o inefável Otelo Saraiva de Carvalho relata o seu encontro com Fidel Castro em 26 de Julho de 1975, cinco meses antes do golpe de 25 de Novembro, portanto. Encontro em que Fidel Castro, como o próprio Otelo declara, lhe pediu conselho sobre o envio de tropas cubanas para Angola, a pedido de Agostinho Neto, perante a hesitação do Kremlin que, por razões geopolíticas, não estaria a fim de se envolver directamente. Também terão falado, como é óbvio, da situação portuguesa e talvez Fidel, no mínimo por cortesia, tenha prometido a Otelo todo o apoio que viesse a ser preciso. Por algum motivo Otelo revelou publicamente o sonho de ser o Fidel Castro da Europa. Portugal, porém, não era o terreno mais apropriado para uma revolução à cubana, como muitos pretenderam. Ainda bem que o falhado golpe comunista de 25 de Novembro deu no que deu, que o PCP parece agora rendido à democracia liberal e o BE se declara social-democrata, expressão do pântano ideológico e político em que o regime político português se converteu. Também com Rui Rio a esforçar-se para afirmar o PSD como partido de esquerda, mais um, e a recusar alianças com a direita de André Ventura, enquanto António Costa, que não admite coligações ao centro, pareça apostado em prosseguir mancomunado com a esquerda revolucionária, embora não deixe de ser homem para se concertar mais à direita, caso necessário. Perante esta dúbia situação política, económica e social poderão ocorrer, quando menos se espera, condições propícias a que o PCP e o BE regressem à “praxis” original, rompam com o comprometimento democrático e um novo PREC ganhe fôlego. Há lições trágicas da História recente que não convém esquecer e muito menos devemos mistificar se pretendemos que os demónios da descolonização e do PREC sejam, definitivamente, exorcizados. Em democracia, as revoluções não se fazem a tiro nas operam-se nas urnas.

One Sardinha and a cup of ginjinha!

A minha relutância, de há dezenas de anos, em rumar ao Algarve estival e cosmopolita, passa, precisamente, pelo incómodo de me sentir estrangeiro, na minha terra. Sensação parecida há de ter sido sentida pelos tripeiros, sobretudo os que rumaram à Ribeira, na passada sexta-feira, dia 28, vésperas da final da Taça dos Campeões europeus de futebol. Mas igualmente aqueles que, nesse fim de semana, em vez de permanecerem na sua terra, visitando, como habitualmente os vários e bons restaurantes do resto da cidade, se ausentaram, como foi devidamente noticiado. O evento, anunciado em parangonas, deveria trazer muito prestígio à Federação Portuguesa de Futebol, provavelmente trouxe; animar a Baixa, animou, em demasia; fomentar o negócio turístico, nem por isso, pelo que se sabe; acontecer no cumprimento de todas as regras sanitárias, definitivamente, NÃO! Dizem-nos que a tal “bolha” existiu mesmo, para a maioria dos adeptos, que os riscos da passagem britânica eram diminutos e que os malefícios serão poucos, largamente compensados pelos benefícios. Garantem-nos que o pior de tudo foi o mau exemplo. Nada mais errado. Tendo sido um péssimo exemplo, não foi o pior. O pior reside, precisamente, na questão sanitária! É verdade que os viajantes ou estavam vacinados ou foram testados e que a maioria veio na tal “bolha”. O problema é que o teste, faz-se, não para aprovar os negativos, mas para afastar os positivos. Ter um teste negativo não garante que não se esteja infetado! De outra forma as várias quarentenas exigidas, ao longo do processo, não fariam qualquer sentido. Por outro lado a bolha só funciona se for geral e completa. Imaginem que um engenheiro estava a vistoriar uma barragem e diziam que noventa por cento do paredão estava sólido e que a existência de uma parcela que poderia vazar, não deveria ser motivo de preocupação... O mesmo se passa com a pandemia. Vêm dizer-nos, com ar satisfeito que, dos 5.600 testes (uma pequena parte da totalidade) “apenas” dois tiveram resultado positivo! Um só era demais!!!! Porque andaram pelo Porto, em grupo, sem máscara e sem qualquer afastamento social requerido. Não podemos ignorar que, por causa de ser antiga potência colonizadora, a Inglaterra é a porta de entrada da terrível variante indiana do Covid19! – Eram turistas – desculpou o autarca da Invicta! Sem dúvida! Mas por serem turistas não estão dispensados de observarem as regras e ditames em vigor na terra que visitam. E nem a economia pode justificar tudo. Além de que, a julgar pelas declarações de Daniel Serra da Associação Nacional de Restaurantes, o pouco que entrou nas caixas tripeiras, à conta da cerveja e algumas sandes fica muito longe do que, mesmo em pandemia, ficou a faltar nos restantes restaurantes da cidade nortenha. Ora, querendo, e bem, agradar a todos quando a escolha se impõe, é bom que os responsáveis definam bem qual o tipo de turistas que mais se devem acarinhar. Mas, mesmo que fossem dos que normalmente trazem valor e deixam boa maquia, igualmente é necessário optar pela alternativa mais adequada. Esperemos que o “balão de oxigénio” de um fim de semana alargado, não se converta em saco asfixiante nos restantes meses. Será que ninguém aprendeu com os erros do passado? Não haverá quem possa recordar que, com o propósito de salvar o Natal, se perderam os Reis, o Carnaval e até a Páscoa? E, infelizmente, lamentando muitas vidas humanas!

Bragança : A Nação Judaica em Movimento - 9 António Cardoso da Paz mercador em Aiamonte.

Devemos chamar-lhe cristãos novos, como o rei D. Manuel estatuiu, por decreto, ou judeus velhos, que embora batizados, nunca abandonaram a lei de Moisés, no dizer de um autor citado por Borges Coelho? (1) Habituada a viver apartada nas judiarias, com leis próprias e governantes seus, em liberdade religiosa oficialmente promulgada por leis régias, a minoria judaica, depois que recebeu a água do batismo, ficou exposta a estranhas mudanças sociais e incompreensíveis práticas religiosas. Assim exposta, e vivendo em perigosa duplicidade religiosa, naturalmente criou mecanismos de defesa. E, entre estes, devem destacar-se os casamentos endogâmicos e o trabalho em redes familiares, onde a confiança e o crédito ocultavam o dinheiro e agilizavam os negócios. Também no seio da família de Rafael de Sá e Luísa de Mesquita, a endogamia foi regra e na rede familiar de negócios por eles montada no Algarve entraram também os sobrinhos Grácia Nunes e António Cardoso da Paz, que cedo perderam os pais e para ali rumaram. Nascido e batizado em Vinhais, António Cardoso da Paz (2) foi crismado em Faro. Certamente começou a trabalhar em ligação com seu tio Rafael, o líder do grupo familiar e tutor dos sobrinhos, que também terá negociado o seu casamento. Ana da Paz era tia paterna de Rafael de Sá. Casou com António Furtado da Paz e o casal morava em Bragança. Ambos foram processados pela inquisição de Coimbra, na vaga de prisões que se fizeram na cidade ao início da década de 1660. (3) Não sabemos que caminhos trilharam depois que saíram penitenciados em 1662. Mas encontramos, mais tarde, no Algarve, duas filhas do casal. Maria Lopes, uma delas, casou com seu tio Luís da Paz, irmão de Rafael de Sá. Outra filha, Ana da Paz, como a mãe, foi a escolhida para consorte do primo António Cardoso da Paz, celebrando- -se o casamento por 1685. Ficaram igualmente a morar em Faro e ali lhe nasceu a filha Isabel (4) e um filho que foi batizado com o nome de Rafael de Sá da Paz, (5) sendo padrinhos os tios Rafael Sá e Luísa Mesquita. Na década seguinte, António Cardoso e Ana da Paz mudaram-se para Aiamonte com a família, que ali cresceu com mais 4 filhos. Aiamonte é município de Espanha, e por ali passavam as rotas comerciais ligando o Algarve a Sevilha e oferecendo aos mercadores portugueses bons negócios na região da Andaluzia e a possibilidade de comerciar com as Índias de Castela. Explica-se assim a presença de muita gente da nação portuguesa na região, dominando a administração do tabaco na comarca de Aiamonte e no contrato da venda do sabão. Pelo menos um boticário fora do Algarve estabelecer-se ali, enquanto um seu irmão era organista da matriz e Francisco Rodrigues mestre de meninos. Temos ainda informações sobre dois confeiteiros e dois proprietários de casas de jogo, enquanto Luís Tinoco se empregava como guarda na aduana dos portos secos. Até Manuel Dias Brandão, (6) que fora o pagador geral do exército do reino do Algarve, se mudou para Aiamonte, a explorar um estanco de tabaco. A casa de morada de António Cardoso da Paz era na Calle Real, uma casa que valia 400 mil réis, com loja de fazendas. A casa era foreira ao convento da Sª das Mercês e ao abade de Lepe, de que ele pagava 12.5 ducados de velon, o equivalente a 6.875 réis. António Cardoso quis comprar a casa “e escreveu ao comendador, prior do convento que lha vendesse (…) não teve resposta”. O facto mostra que era intenção do inquilino manter-se em Aiamonte e que dispunha já de capitais avultados. A loja de António Cardoso teria alguma referência, já que nela se vestiam pessoas gradas da terra como era o caso do aguacil mor de Aiamonte, Don Matheos Arias Vella, ou o sargento mor Don João de Mata Mouros, que lhe ficaram devendo umas dezenas de patacas. Na loja se vendiam baetas inglesas e holandilhas que, possivelmente, seriam importadas através do tio Rafael. Mas também havia meias de seda e tecidos diversos e muito em especial “rendas de Pita”, ou seja rendas feitas com fio extraído das piteiras, trabalho em que se especializaram artesãos açorianos. Podemos suspeitar que António Cardoso fosse especialista neste nicho de mercado, com larga venda para as Índias de Castela o que, por vezes, não corria bem. Veja-se um caso, contado pelo próprio: - A Cristóvão Gonçalves, mulato, posto que não parece, e é português, que comerciava em Índias de Castela, e é casado na cidade de Aiamonte, onde é morador, deu uma encomenda de rendas de pita e outras drogas semelhantes para lhe levar a vender nas Índias de Castela e que o procedido da dita encomenda lhe trouxesse em patacas, e pedindo-lhe na volta da viagem o procedido da sua encomenda, lhe respondeu que lho haviam roubado os ingleses; sobre o que correu demanda e provou o contrário, com 7 ou 8 testemunhas e teve sentença a seu favor… (7) Outra remessa de “rendas de pita e outros géneros de fazenda” para vender, foi à responsabilidade “de outro mulato chamado Carandana de alcunha, casado com uma mulata chamada Francisca, mercador das Índias, morador em Aiamonte”. Como foi morto nas Índias, o dinheiro das vendas foi remetido à viúva e para ele e outros credores receberem o seu, tiveram igualmente de recorrer à justiça. Estes não foram os únicos casos complicados e cobrança difícil, de vendas para as Índias de Castela. E provavelmente os casos em que tudo correu bem seriam muito mais numerosos. Infelizmente não há números que nos permitam avaliar da importância e capacidade exportadora deste empresário da nação de Bragança. Em Roma, com acesso à cúria papal, se encontrava o Dr. António da Paz Furtado, médico, filho de Luís da Paz e Maria Lopes, sobrinho de António Cardoso. Pois, aí encontrou este uma oportunidade de negócio: a bancaria. Trocando por miúdos: através do primo, certamente, António mandava vir de Roma bulas papais permitindo o casamento entre parentes, serviço que incluía transferências de dinheiro. Já atrás se falou de vários portugueses presentes em Aiamonte. Faltou referir uma importante família da gente da nação, originária de Miranda do Douro – Brites Alvarado e Manuel Francisco, aliás, Manuel Lopes Zamora, nome adotado em Castela. A família regressou a Portugal estabeleceu-se em Lisboa, no Largo das Mudas, então um dos espaços mais nobres da cidade, habitado por grandes capitalistas. Ao princípio do mês de Dezembro de 1702, foram presos pela inquisição. Um dos seus filhos chamou-se José Francisco Alvarado e era caixeiro do contratador Luís Nunes da Costa. Corria o ano de 1703 e estando António Cardoso com o filho Rafael na sua loja em Aiamonte, ali apareceu José Francisco Alvarado, contando-lhe que teve a sorte de estar em Coimbra a executar uma cobrança de 10 mil cruzados (4 contos de réis!), quando prenderam a sua família e o iam também prender a ele. Tal não aconteceu porque o seu patrão mandou um próprio a avisá-lo que fugisse com 200 mil réis, entregando o restante dinheiro ao seu correspondente em Coimbra. Para além do dinheiro que o patrão lhe entregou levava um anel de diamantes que valeria 100 mil réis, que lho havia dado Ana da Fonseca de Castro, enteada do dito Luís Nunes da Costa, com a qual estava esposado. Por essa altura António Cardoso ficara viúvo e abandonou Aiamonte, vindo fugido, “com 60 ou 70 patacas, deixando 2 mil e tantas patacas empregadas em rendas de pita, que ficaram em Aiamonte”. No próximo texto explicaremos os motivos da fuga e continuaremos com António Cardoso, a mercadejar em Portugal.