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A PENa e a enxada (a propósito das Leituras Públicas do PEN)

O prestigiado Pen Club Portugal, quase a completar cinquenta anos de atividade em Portugal, renasceu da letargia em que tinha mergulhado nos últimos tempos, com a nova Direção liderada pela Teresa Martins Marques tendo na Presidência da Mesa da Assembleia o transmontano Ernesto José Rodrigues. Das novas actividades, ressaltam, pela importância, pelo simbolismo e pelas consequências, as Leituras Públicas cuja primeira edição foi levada a cabo em maio com o poeta Luis Castro Mendes (ex-ministro da Cultura), Manuel Frias Martins e Teolinda Gersão. A segunda jornada aconteceu em setembro, com Nuno Júdice, Artur Anselmo e Jaime Rocha.

Para além do destaque que estas iniciativas trazem para os participantes e, por consequência, para a sua obra, bem como para a literatura em particular e a cultura, em geral, há algo de novo e singular nestes encontros públicos: o outro lado!

Na primeira sessão, descobri esse lado de lá na forma como a autora da Casa da Cabeça de Cavalo olhava para a memória e no que a motivou a escrever a belíssima ficção sobre a existência para lá da vida real através da recordação de alguém.

Na segunda sessão, a entrada no outro mundo aconteceu com Jaime Rocha cuja produção literária assenta, essencialmente, segundo o próprio, na sua experiência juvenil de nazareno muito ligado ao mar. O autor de “Tonho e as Almas” trouxe para as leituras a visão autoral da escrita. Mostrou o sentimento com que o autor observa a realidade, a compreende e transmite, depois de a enformar, aos seus leitores. Não resisto a partilhar uma história maravilhosa trazida à livraria Ferin pelo poeta, ficcionista e dramaturgo da piscatória Nazaré.

Estava ele, contou, a ler o jornal numa esplanada de Lisboa quando viu passar o Artur, um vizinho seu, com uma enxada ao ombro, seguindo, determinado, debaixo do boné, desafiando com o olhar todos quantos aproveitavam a manhã soalheira, tamborilando com os dedos no cabo do sacho, como se fosse o dono do mundo. Era, pensou o autor, um momento literário que deveria captar e registar para posterior partilha. Surgiu-lhe, contudo, uma dúvida: qual o género em que deveria enquadrar a fugaz realidade de profundas características rurais, no ambiente urbano e citadino? Poesia, teatro ou ficção? Para cada uma delas teria uma abordagem que compartiu com todos os que o ouviam na cave da centenária livraria da Rua Nova do Almada.

Se escolhesse reproduzir o momento através da poesia, teria escrito:

“Um homem caminha para a

[morte.

Vai enterrar-se a si mesmo,

Sozinho, como uma maçã num

[prato,

Abandonado à sorte,

À espera dos pequenos bichos...”

Mas se a opção caísse no teatro, seria:

“— Então Artur? Desta é que é! Quantas batatas já plantaste na vida?

— Mais de mil... Mas, desta vez, é para fazer a tua cova!”

Finalmente, a transcrição para um conto ou romance seria assim:

“Os pombos fugiram à passagem do homem. Não era ele, o seu corpo, o modo como andava a coxear, como se tivesse medo de pisar as primeiras folhas das árvores de outono... era a enxada. Trazia a enxada no ombro esquerdo e ia afagando o cabo com as rugas da mão. Ria-se dos pombos. Sabia que era ele quem mandava naquela rua de ervas daninhas.”

Ficámos todos presos das palavras do autor à espera da prometida revelação da verdadeira atividade do seu vizinho Artur, naquela tarde outonal. Revelou-lha o dono do quiosque, sabedor de todos os mexericos das redondezas e disponível para esclarecer todas as dúvidas dos clientes habituais.

— Não sabe? O Artur, agora, dá-lhe para enterrar os cães e os gatos da vizinhança, ali no descampado!

 

As leituras do PEN, são muito mais do que este episódio, mas este, por si só, seria suficiente para lhe granjearem, em definitivo, a adesão, incondicional, dos amantes da literatura!

Uma saia bem catita, olarila

Joacine Moreira, do Livre e André Ventura, do Chega, foram os deputados que mais deram nas

vistas no arranque da nova Assembleia da República. O simples facto de terem sido eleitos, (o mesmo se dirá de João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal), representou, por si só, uma pedrada no charco de São Bento.

Acredita-se que com a esperada apresentação de temáticas que não constam das cartilhas dos partidos tradicionais, irão contribuir para uma nova vida da Assembleia até aqui dominada por useiros e vezeiros predadores partidários.

André Ventura faz-se notar por ideias que se convencionou serem de direita mas que, a ajuizar pelas redes sociais, estão a ter eco inusitado, para desgosto de muitos que se afirmam democratas e de esquerda. O povo, sôfrego de mudança, aguarda propostas concretas e credíveis.

Joacine Moreira, ainda que a sua bandeira principal seja o racismo de que levianamente acusa o povo português mas que, ela sim, dá mostra de cultivar, paradoxalmente não deu nas vistas por ser negra, mas por duas particularidades surpreendentes: a gaguez, que nada tem a ver com a cor da pele, e o fazer-se acompanhar, no acto da tomada de posse, por um elegante assessor trajando uma saia… bem catita, olarila.

Gaguez que, quer se queira quer não queira, é uma deficiência desesperante dado que limita drasticamente o exercício pleno do múnus parlamentar que tem na oratória o seu instrumento fundamental.

Deficiências, todavia, há muitas, diversificadas em grau e género, e os seus portadores merecem todo o respeito daqueles que eventualmente se possam orgulhar de não padecer de nenhuma.

Joacine Moreira é a primeira tartamuda a ser eleita deputada da Assembleia da República portuguesa, onde estão em maioria deputados portadores duma outra deficiência eventualmente mais grave: a surdo-mudez, já que nunca ninguém lhes viu abrir a boca para dizer fosse lá o que fosse. Um parlamento de surdos e gagos é inconcebível, por mais democrático que possa ser.

Também não faltarão em São Bento, ao que se diz, deputados portadores dum outro tipo de deficiência, se a homossexualidade for entendida como tal, já que os inibe de procriar, ainda que o sexo não sirva apenas para fazer filhos como em tempos idos ficou provado naquela mesma douta assembleia.

Deficiência essa que de forma alguma deve ser relacionada com uso de saia por homens não machos, porque culturas há no presente e houve no passado, em que as saias ou os culotes, por si só, nunca estabeleceram confusão entre machos e fêmeas.

A entrada triunfal de Joacine Moreira em São Bento acompanhada pelo tal assessor da saia, premeditada por certo, só causou escândalo por ser ridícula tendo em conta o momento e o local. Maior escândalo teria sido, ainda assim, se o dito assessor vestisse minissaia e com os pelos das pernas por barbear. Igual impacto teria, por certo, um deputado escocês que se apresentasse no pátrio parlamento, não de saia mas em cuecas.

Esqueça-se o ridículo e a ironia, porém. Mais importante é saber quantos assessores se acoitam em São Bento, quanto ganham, qual o seu currículo e o que fazem, embora se saiba quem lhes paga.

E já agora quantos deputados usam avental às escondidas.

 

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Cuidado com os ventos da história

Ter, 12/11/2019 - 02:00


Abascal surgiu do nada para liderar um grupo parlamentar de cinquenta e dois deputados nas cortes do reino vizinho, com arreganho e discurso cortante, a anunciar tempos de guerra política a sério, também nesta península que, num engano de alma ledo e cego, alguns quiseram ver a deslado da tempestade perfeita que avança, arrasadora, capaz de nos deixar de alma encharcada, enregelada, a pingar amarguras, com lágrimas e tudo.