Henrique Pedro

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Ovos da Páscoa política

No seguimento da empolgante eleição do novo presidente da Assembleia da República, Luís Montenegro, o novíssimo primeiro-ministro, presenteou a Nação com um delicioso ovo de Páscoa. À semelhança do simbólico ovo pascal, que é feito de chocolate e recheado de surpresas, o ovo governamental de Luís Montenegro, liberto que foi do habitual revestimento de celofane, mostrou ter sido confecionado com o melhor cacau partidário, desapontando os oposicionistas. Desapontamento que poderá crescer à medida que os portugueses lhe tomarem o gosto e, claro está, manifestarem agrado nos estudos de opinião que se seguirão. Ovo governamental que encerra muitas promessas, mas não inspira grandes esperanças, porquanto também comporta inúmeras dúvidas, sendo que a primeira é a sua duração, dado que poderá derreter-se logo que o tempo começar a aquecer. Ainda que igualmente possa manter-se bem conservado, por mais tempo do que o previsto e sem se deteriorar, no congelador em que PS e Chega, absurdamente, transformem o palácio de São Bento. Certo é que este ovo de Luís Montenegro sempre se apresenta mais tragável que o malcozinhado de António Costa que, como ficou provado e reprovado, era feito de cascas, raspas e sobras indigestas de governanças socialistas malpassadas. Também a nova situação política nacional tem a forma de um ovo amargo, sem ponta por onde se lhe pegue, tantos são os perigos que se lhe auguram. Branco é, o Regime Político o põe, será caso para se dizer. Ovo que o povo poderá esborrachar, quando menos se espera, nas cabeças dos principais actores do longo teatro eleitoral que terminou em10 de Março. Teatro que, se outro mérito não teve, serviu para melhor dar a conhecer a controversa classe política, representada por personalidades como Mariana Mortágua, a azougada coordenadora do Bloco de Esquerda, que não sabe bem o que quer para Portugal, nem para onde o quer levar; Inês Sousa Real, a vendedora de bíblias do Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza, que os eleitores deixaram só, a pregar aos peixes; o historiador Rui Tavares, o poeta do Livre, que encheu a campanha da melhor prosa; Paulo Raimundo, o novíssimo disc jockey do PCP que, como manda a tradição, virou o disco e tocou o mesmo; Rui Rocha, devotado missionário do virtuoso Iniciativa Liberal e Nuno Melo, o maestro trapalhão do ressuscitado CDS, agora promovido a cabo de guerra. Personalidades que à falta de ovos, vão continuar a mimar a democracia distribuindo amêndoas de Páscoa de todas a cores e para todos os gostos. Quatro personalidades maiores, porém, marcarão a vida política portuguesa nos próximos tempos: o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, desconcertante regente da banda presidencial, Luís Montenegro, o menino de coro do PSD que ousou tornar-se primeiro- -ministro, Pedro Nuno Santos, um robô produto da inteligência artificial socialista e o arruaceiro, ao que dizem, André Ventura, cacique do marginal, ao que consta, partido Chega. Personalidades que continuarão a planar sobre os três grandes conglomerados de cidadãos que presentemente compõem o eleitorado português: o Bloco Central, composto pelos fiéis do PS e do PSD, que têm governado e desgovernado Portugal; o Bloco da Abstenção, que continua desconforme, muito embora tenha diminuído significativamente e o Bloco do Descontentamento, de que o Chega já abocanhou parte significativa. Manda a verdade que se diga, a este respeito, que os mais de 1 milhão que votaram no Chega não o fizeram por serem fascistas, racistas, xenófobos ou saudosistas dos tempos da outra senhora, mas pura e simplesmente por não estarem minimamente contentes com o status quo, com as governanças do PS e do PSD, designadamente com a corrupção despudorada e sistemática, com o mau funcionamento da Justiça, com o estado lastimável do Serviço Nacional de Saúde, com a falta de habitações dignas, com o sem número de problemas que seria exaustivo aqui enumerar. Também não deixa de ser verdade que o Bloco Central, constituído pelo PS e pelo PSD, continua a recolher as maiores audiências, não só por consonância social e ideológica dos eleitores, mas sobretudo porque controla a comunicação social, parte e reparte o emprego público, vive em conúbio com a alta finança e se alimenta de clientelismo e nepotismo. Certo é que, a manter-se esta sistémica dinâmica negativa, o relapso Bloco Central irá definhar alegremente, o Bloco da Abstenção irá, felizmente, emagrecer e, lamentavelmente, o Bloco do Descontentamento irá aumentar, alargando os horizontes do Chega de André Ventura. Dinâmica que, tudo leva a crer, se manterá porquanto PS e PSD, continuam a não dar mostras de estarem interessados em se concertarem na promoção das indispensáveis reformas estruturais. Nada disto conduzirá, necessariamente, acalmem-se os espíritos mais exaltados, ao fim da democracia. Poderá até, bem pelo contrário, contribuir para o seu aperfeiçoamento.

O terramoto eleitoral de 10 de Março

Partindo de princípio que o PS é de esquerda, o que é altamente controverso e que o PSD é de direita, o que muitos contestam, havemos de concluir que a direita alcançou uma vitória estrondosa nas últimas eleições legislativas, ainda que esquerda e direita não devam ser tomados como grupos coesos, como simplistamente vem acontecendo. Assim é que, tudo somado, já a contar com os 4 deputados da emigração, a direita elegeu 138 deputados, enquanto a esquerda se ficou pelos 92. Melhor, ou pior, um tanto: enquanto a direita, relativamente às eleições de 2022, ganhou 39 deputados a esquerda perdeu 43. No centro deste verdadeiro terramoto eleitoral, está um partido do qual os seus muitos opositores disseram o que Maomé não disse do toucinho, mas que mereceu a simpatia de mais de um milhão de eleitores, o que equivale a mais de 18% de votos válidos. Certo é que, diga-se o que se disser sobre as políticas defendidas pelo partido em causa e as reais motivações dos seus eleitores, o Regime político vigente entrou em choque. Desde logo porque o bipartidarismo crónico, base da alternância viciosa protagonizada pelo PS e pelo PSD, poderá ter os dias contados, abrindo-se finalmente portas às reformas regimentais que, entre outras benfeitorias democráticas, poderão melhorar o permissivo sistema de justiça, promover a luta eficaz contra a corrupção, reformar a enviesada lei eleitoral e dinamizar o desenvolvimento equitativo do todo nacional. Se assim for a democracia muito terá a ganhar. Não há motivos, portanto, para que Pedro Nuno Santos emigre para a Alemanha e refunde o Partido Socialista, o PCP entre na clandestinidade, o BE passe à luta armada, ou que Luís Montenegro expulse André Ventura de Portugal. Surpreendentemente, Pedro Nuno Santos, agora já em claro processo de expiação da governança de que foi destacado protagonista, entendeu recusar liminarmente a responsabilidade de governar democraticamente, sabe-se lá porque motivos, quando ainda tinha hipótese de ganhar as eleições, o que em nada abona o seu carácter de governante. Talvez esteja à espera que seja Luís Montenegro a fazer o trabalho sujo, como aconteceu com Passos Coelho, que abriu as portas a António Costa, para depois ele, então sim, aparecer como herói. Acontece, porém, que a sua eventual colagem à extrema esquerda, por via da oposição sistemática ao novo governo e do tacticismo que diz rejeitar, colocará Portugal no caminho de Cuba ou da Venezuela. Os portugueses, mesmo os menos letrados politicamente, terão isso em conta, por certo. Preferível será, outrossim, que quer o PS quer o PSD, partidos que são basicamente iguais na ideologia e na prática, embora no PSD pontifiquem barões e baronetes e no PS mais gangues e clãs, promovam as indispensáveis reformas internas, se pretenderem manter a importância que até hoje tiveram. PS e PSD que, embora nunca tenham governado juntos, sempre se mancomunaram na partilha de cargos, mordomias, dinheiros públicos, influencias políticas e por aí fora. Os muitos escândalos, grandes e pequenos, envolvendo personalidades dos partidos em apreço, aí estão para o testemunhar. É isto que, no essencial, tem caracterizado o bipartidarismo reinante e que agora está posto em causa. Certo é que Portugal evoluiu, fruto da prestimosa integração na agora designada União Europeia, mas a verdade é que nunca até hoje conseguiu evoluir o suficiente para deixar de ser um dos países mais pobres e tristes desse clube de ricos. Fica o consolo, porém, de que Portugal é hoje uma democracia consolidada, plenamente integrada na NATO e na UE, que não poderá ser facilmente derrubada por uma qualquer ameaça totalitária, vinda da extrema esquerda ou da extrema direita e muito menos por um qualquer golpe militar, revolucionário ou reacionário, ao melhor estilo sul americano. Ainda que o Regime político instalado, como atrás se viu, enferme de vícios graves que favorecem a corrupção, o devorismo, o compadrio, a incompetência, as desigualdades sociais, o empobrecimento e as assimetrias regionais. Assim se compreende que o eleitorado tenha vindo, sistematicamente, a refugiar-se no desinteresse pela vida política e na abstenção. O mais estranho e grave é que nenhuma força partidária de esquerda tenha, até hoje, denunciado e lutado contra este triste status quo político. E que tenha sido uma força vinda da direita mais descentrada a lançar a pedrada no charco, como acaba de se constatar. Força que cresceu por força do descontentamento generalizado que se alargou com a governança desastrada de António Costa, com a futilidade institucional do presidente Marcelo e a debilidade e desacerto da Oposição. Assim sendo, o terramoto eleitoral de 10 de Março, mais do que fazer estalar o verniz democrático do Regime, poderá fazer que todo o edifício se desconchave. Para bem, se possível.

Democracia: a luta continua

Escrevo esta crónica quando ainda não são conhecidos os resultados do acto eleitoral de 10 de Março. Quando as sondagens, que valem aquilo que paga quem as compra, deixam em aberto várias hipóteses: vitória da esquerda ou da direita, da AD ou do PS, com diferentes configurações para cada caso, podendo condicionar a governabilidade e a estabilidade política de diferentes formas. Ainda assim a vitória da AD sem maioria absoluta, tida como a mais provável, é a mais excitante de todas, porquanto aos partidos IL e Chega, sobretudo a este último, são atribuídos papéis determinantes neste contexto. Uma coisa eu afianço, porém: a luta democrática vai continuar seja qual for o cenário resultante do acto eleitoral em apreço já que as matérias em aberto são mais que muitas. É que não basta eleger um novo governo para tudo, de pronto, se converter num mar de rosas. Mas não se trata apenas da luta democrática quotidiana que tem a ver com as reivindicações das muitas classes profissionais que se têm manifestado ruidosamente, com destaque para os professores, os médicos, os agricultores, os polícias e os próprios militares e que ainda não viram os problemas resolvidos cabalmente, pelo governo que acaba de cessar funções. A irradicação da corrupção, do compadrio, do videirismo e do devorismo também devem ser um alvo permanente da luta democrática. Igualmente se trata, e esta será mesmo a mais importante, da luta pela salvação da própria democracia, das reformas estruturais que tardam e que continuam a entregar o Estado e a o próprio Regime à sua sorte. Porque a o Sistema de Justiça não pode continuar como está, um monstro de lentidão e de arbitrariedade, claramente vulnerável a pressões partidárias e não só. O SNS não pode continuar a falhar clamorosamente em áreas fundamentais como se tem visto. A Educação tem que ser urgentemente reparada das falhas e carências graves que são por demais conhecidas. As Forças Armadas não podem continuar a ser desprezadas. A Agricultura tem que ser olhada, de uma vez por todas, com o respeito e a dignidade que merece e o ermamento e a desertificação de grandes áreas do interior devem ser atacados com presteza. Já no plano eminentemente político importa destacar a lei eleitoral, a hegemonia partidária, a corrupção, a tentação totalitária sempre patente e que na família socialista tem expressão visível, a promiscuidade do poder financeiro com o político, as assimetrias regionais, a luta pelos direitos das mulheres e o repúdio da satânica ideologia de género. O que está verdadeiramente em causa é a própria Democracia, portanto, que corre o risco de colapsar e não só em Portugal. Democracia que é a maior conquista da Humanidade embora sempre tenha estado em luta desde que formalmente se conhece. O que não será grande novidade já que sempre assim foi desde a Grácia antiga, para não dizer das cavernas da pré-história: o povo, porque sempre foi maltratado pelo poder, sempre sonhou ser ele próprio poder. Trata-se de uma longa luta, porém, com altos e baixos, fluxos e refluxos. Ainda que, ao que se diz, a Democracia tenha ganho na Atenas de Péricles uma feição quase perfeita, longo foi o interregno até que a moderna democracia representativa começasse a ganhar corpo com a revolução francesa. Isto já no século XVIII. Tanto assim é que ficou célebre a frase proferida por de Churchill em 1947,”De facto, já houve quem dissesse que a Democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras que têm sido tentadas de quando em vez”, e que, por tudo e por nada, continua a ser invocada sempre que se pretende justificar e favorecer a s ditas democracias parlamentares. Actualmente é o que se sabe. Um relatório recente do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral, sediado em Estocolmo, Suécia, refere que apenas nove por cento da população mundial vive numa democracia plena, enquanto 70 por cento vivem em países não democráticos ou em retrocesso democrático. Não será difícil acreditar porquanto sabemos bem o que se passa actualmente na Rússia, na China, na Coreia do Norte, ou mesmo em Cuba e na Venezuela. Sem branquear as democracias reinantes em países onde ela aparentemente funciona melhor, como será os casos dos países da velha Europa. Melhor conhecemos, todavia, o nosso caso, o caso, português e é aqui que temos que nos concentrar. É preciso que a luta democrática pela democracia continue. Porque só a democracia é verdadeiramente revolucionária, mas é preciso que o seja

União Nacional Socialista, estabilidade política e ruptura democrática

Certo é que a democracia representativa está em crise um pouco por todo o mundo onde é suposto existir. Fenómeno que se reveste de particular acuidade nos países integrantes da União Europeia, por razões endógenas, mas também por interferências externas, sub-reptícias, de estados ditatoriais inimigos, com destaque para a Rússia de Putin e as poderosas teocracias muçulmanas fanáticas. Vários relatórios de entidades ligadas à defesa e segurança apontam neste sentido. Em Portugal as causas principais derivam de vulnerabilidades do permissivo regime político vigente e de más practicas da classe política, relapsas e generalizadas. Já não é a primeira vez que, entre nós, se fala em ruptura democrática. Tal se justifica mais agora do que em qualquer outro momento, porquanto o Estado, a Nação, o País, como se queira, estão feitos em cacos. Tão séria é a situação que está a provocar fortes sentimentos populares de insatisfação e revolta, claramente perceptíveis em murmúrios e lamentações generalizados, tais como “são todos iguais” ou “os machuchos deveriam sentir vergonha de sair à rua e de dar a cara nas televisões”. De facto, é entendimento dos portugueses independentes e de boa vontade, que são a maioria, que tudo se deve ao permissivo regime político vigente, que tem propiciado roda livre ao PS e ao PSD, o chamado Bloco Central, para furtiva e informalmente partilharem cargos, mordomias, dinheiros públicos e vantagens diversas, muito embora tal associação política nunca tenha sido formalizada. Trata-se de forças partidárias maioritárias que nunca ousaram congraçar-se para promover as necessárias e suficientes reformas fundamentais, designadamente no sistema de justiça, na lei eleitoral ou na administração do território, ainda que cinicamente proclamem aos sete ventos a sua disponibilidade para tal. Bloco Central que é o verdadeiro alfobre da corrupção genericamente entendida, da degradação do Estado e do descredito da própria democracia, qual delas a mais grave ameaça à Nação. Degradação que, manda a verdade que se diga, se acentuou com as governanças de José Sócrates, que foi forçado a chamar a Troica e acabou indiciado judicialmente e de António Costa, que inventou a Geringonça e viu os seus governos envolvidos em múltiplos escândalos, acabando ele próprio por ser igualmente alvo de demanda judicial. Recaiu sobre Passos Coelho, nesse ínterim, o ónus e o mérito de resgatar provisoriamente, ainda que sob a batuta da Troica, a situação desesperada para a qual havia sido atirado Portugal. Foi sol de pouca dura, porém. Mas foi, sobretudo, com o senhor que se lhe seguiu, o ainda primeiro ministro António Costa, titular de uma perversa maioria absoluta, que a legendária família socialista se transfigurou num arremedo da União Nacional salazarista, fazendo com que com as crises do SNS, da Habitação, da Justiça, as greves e motins generalizados e o monumental fracasso do estado social socialista, traduzido em pobreza, emigração e o desemprego, ganhassem expressões dramáticas. Insucessos que de alguma forma foram sendo branqueados e menorizados pelo Governo, através do mais que evidente domínio de importantes órgãos da comunicação social, como agora melhor se vê nos debates eleitorais e na prevalência nas televisões de comentadores afins. Entretanto Pedro Nuno Santos, o novo homem forte dessa novíssima União Nacional Socialista, servindo-se do surreal slogan Portugal Inteiro e em nome da sua esfarrapada e perversa estabilidade política, que mais não é que a garantia do status quo, está agora a dar tudo por tudo para restaurar o pote de barro dourado, tentando colar os cacos com cuspe de esquerda. A situação tornou-se particularmente grave na Justiça que acaba de alcançar o seu clímax com o escândalo da Madeira, reforçando a opinião, que é generalizada, de que o sistema de justiça em geral e não só o Ministério Público, está minado e corrompido por interesses políticos partidários e outros, estranhos à democracia, muito embora haja meia dúzia de dignos magistrados que continuam a bater-se heroicamente pela sua dama. Resta a esperança de que o povo acorra às urnas massivamente, já no próximo acto eleitoral, para salvar a Nação e a Democracia, elegendo representantes, fora do mítico arco da governação, com expressão suficiente para provocarem uma genuína ruptura democrática, pugnando consequentemente pelas reformas indispensáveis e neutralizando democraticamente quantos se têm portado como verdadeiros vende pátrias. Ruptura democrática que, por esta via, em nenhuma circunstância representará um retrocesso ao autoritarismo. Bem pelo contrário, melhor se traduzirá no aprofundamento da democracia e no reforço do estado de direito. Será bom se assim for.

“O nosso fim é a vossa fome.”

“O nosso fim é a vossa fome” foi o slogan mais ba- dalado nas recentes mani- festações de agricultores, quer nos locais de protesto, quer nas redes sociais. Slogan que também li na versão “o nosso fim será a vossa fome” que me pareceu mais ajustada porquanto elimina, à partida, eventuais equívocos de significância entre fim, finalidade, propósito, com os inconvenientes que daí adviriam, ainda que seja por demais óbvio que propósito dos agricultores não será, em nenhuma circunstância, matar os consu- midores à fome. Em qualquer caso assim é, ou seria: se os agricultores hipoteticamente deixarem de produzir o mais certo será os consumidores não terem que comer. Ainda que se os agricultores continuarem a produzir com abundância, mas os produtos agrícolas essenciais forem vendidos a preços proibitivos tudo vai dar ao mesmo: miséria para os produtores originais e fome para os consumidores finais. Justíssimo será, portanto, que os agricultores possam trabalhar e viver com dignidade, sentindo o seu esforço justamente reconhecido e recompensado, e não serem tratados como verdadeiros párias da sociedade, como tem acontecido em muito casos, enquanto as empresas que processam e comercializam os produtos agrícolas lhes levam couro e cabelo. Lamentavelmente, porém, por muito que isto custe, este é mais um dos muitos domínios em que o governo de António Costa, que surrealisticamente se reclama de socialista, se estatelou e fracassou. Ainda que, de momento, outras matérias haja eventualmente mais perigosas e preocupantes, como será o caso da revolta das forças de segurança, porquanto elas são um esteio importante da paz social, da segurança pública e da própria democracia, que estão seriamente ameaçadas. Fracasso que no caso agrícola vertente é reconhecido, publicamente, por personalidades diversas, com destaque para Eurico Brilhante Dias, o influente ex-líder parlamentar do PS e cabeça de lista pelo distrito de Leiria às eleições do próximo mês, que criticou directamente a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, a quem acusou de ter cometido um “erro técnico” ao sancionar os cortes no setor, que levaram aos protestos registados por todo o país. É a velha astúcia de inventar bodes expiatórios para salvar a face da divindade. Fracasso que é igualmente assumido, formalmente, pelo novo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, ainda que de forma indirecta, quando, ao prometer eliminar todas as portagens nas antigas autoestradas sem custos para o utilizador, no interior do país e no Algarve diz, literalmente: “Nós fizemos uma maldade a grande parte do território. Não tínhamos esse direito. Temos que repor a justiça e o respeito por quem vive e trabalha no interior do país”. Ora, é sabido que os agricultores vivem e trabalham maioritariamente no interior, com todos os custos que isso acarreta. Certo é que os agricultores portugueses, à semelhança dos seus congéneres do centro da Europa, têm plena ra- zão quando protestam con- tra políticas que, como os próprios argumentam, não os protege da concorrência externa desleal, não lhes as- segura custos de produção agrícola compatíveis com receitas de venda justas e motivantes e esmaga toda a sua actividade com burocra- cias excessivas. Acresce que os agricultores algarvios em especial, para lá de tudo que atrás foi citado, vivem, presentemente, o drama da escassez de recursos hídricos que, entre outros prejuízos, ameaça os laranjais de seca. Drama que não se deverá apenas a medidas políticas pontuais, mas a erros e omissões estratégicas do governo central, para lá incapacidade sistémica e do desleixo tradicional do poder local. Igual drama poderá vir a afectar a agricultura transmontana com igual gravidade, quando menos se espera, com os olivais e outras culturas a serem mortificadas pela deficiente gestão dos recursos hídricos, pelo que urge tomar, desde já, as medidas adequadas que tardam, sendo que autarcas e deputados têm aqui um papel importantíssimo. Havemos de concluir, portanto, que o slogan “O nosso fim será a vossa fome” tem pleno sentido e razão de ser quando utilizado pelos agricultores. “O nosso fim é a vossa fome” melhor serve como legenda do governo que durante todo o seu dilatado exercício foi alegremente condenando os agricultores e milhares de outros cidadãos, à fome, à sede, à emi- gração e à doença. Esperemos que o fim deste nefasto exercício governativo abra portas à salvação da democracia e ao tão ansiado progresso nacional.

A farsa socialista

A mui nobre democracia portuguesa está de novo em suspense, dependurada de cabeça para baixo, e assim vai continuar por tempo indefinido, não sendo fácil determinar quando e como tudo irá terminar. Tanto assim é que, na circunstância, não se sabe quem verdadeiramente governa Portugal e, o que é ainda mais grave, quem a seguir o poderá governar. Por outras palavras: o estapafúrdio regime político português está, mais uma vez, a esbracejar no pântano original, com sérios riscos de definitivamente se afundar. Situação que se tornou mais instante desde que António Costa se demitiu por causa das muitas trapalhadas que marcaram a sua disparatada governança. Pântano ou imbróglio, como se queira, que se foi avolumando desde que a Geringonça de má nota tomou assento em São Bento, apesar de nenhum dos partidos integrantes ter vencido o acto eleitoral subjacente. Geringonça de que Pedro Nuno Santos (PNS) terá sido o principal obreiro, porquanto, segundo os seus encomiastas, teve a brilhante arte e a genial manha de convencer o BE e o PCP a participarem na temerária aventura que descambou na desastrada maioria absoluta que, essa sim, acabou por lançar Portugal na tragicomédia actualmente em cena. Imbróglio para a qual, manda a verdade que se diga, contribuiu decisivamente o hilariante Presidente da República, que muito se divertiu em permanentes arraiais populares, enquanto o desafortunado primeiro ministro António Costa se mostrava incapaz de formar um governo competente que fosse e de melhor o coordenar. Certo é que, contra todas as normas e bom senso os portugueses estão agora a ser massacrados por uma dilatada e desmiolada campanha eleitoral de duvidosa legalidade que, é o mais certo, ainda mais irá baralhar os espíritos já de si confusos Campanha em que os hábeis bailarinos políticos, animados pela mais libertina demagogia, dançam, à esquerda e à direita, o fandango, o vira e o malhão, alheados dos problemas mais graves do regime, limitando-se a prometer mundos e fundos e a dizer o que lhes vem à cabeça. Destaca-se o novo secretário geral do PS, truculento ministro do governo cessante e putativo primeiro ministro que, agora de máscara socialista desfivelada, como convém, se contorce de esgares e trejeitos para não ter que explicar a falência da política social socialista de que foi um dos principais animadores e outros monumentais fracassos. Cabe aqui lembrar que o INE, no relatório “Portugal, Balanço Social 2021”, refere que o risco de pobreza aumentou entre 2019 e 2020, afectando quase 2 milhões de pessoas. São cerca de 20% dos portugueses, o que significa que em cada cinco um sobrevive na miséria. Uma enorme mancha de indignidade nacional agravada pelo credível Global Wealth Report 2023 que refere o número de milionários em Portugal ter aumentado 22%, passando de 136 mil, em 2020, para mais de 166 mil, no final de 2022. Mais recentemente, o semanário “Expresso”, citando dados do Observatório da Emigração, noticiou que Portugal tem a taxa de emigração mais elevada da Europa e uma das mais altas do mundo. Quem diria! O mesmo Observatório indica que há mais de 850 mil jovens, com idades com- preendidas entre os 15 e os 39 anos, a viverem no exterior, o que corresponde a 30% dos nascidos em Portugal. A este propósito o sociólogo Rui Pena Pires, que é o diretor científico do referido Observatório da Emigração, esclarece que “a diferença de salários e a perspetiva profissional” são o principal motor para a emigração portuguesa, sobretudo dos mais jovens. E acrescenta: “Nós pagamos salários muito baixos em comparação com os países mais desenvolvidos na União Europeia. Seria perfeitamente anormal que, havendo liberdade de circulação e este diferencial de salários, não houvesse emigração”. Por outras palavras: normal seria que os portugueses não fossem constrangidos a emigrar. Também PNS não diz quando e aonde o novo aeroporto de Lisboa irá ser construído, se a TAP irá ser, ou não, de novo, privatizada, e como e quando tenciona resolver os problemas da Habitação, do SNS, do Ensino ou da Emigração, se acaso vier a ser primeiro ministro. Problemas que, está mais que visto, nem ele próprio acredita que tenham solução no quadro da sua extremosa doutrina socialista. É que o socialismo, como se tem visto, não passa de uma farsa em que se disfarçam os mais cínicos governantes e capitalistas asso- ciados para melhor iludirem e explorarem o povo indefeso. Senão veja-se o que se passa com a Banca, com a GALP e mais ostensivamente, com a EDP, a conhecida empresa chinesa que se dá ao desfrute de não pagar os impostos devidos. EDP que, por acaso ou premeditação, é refúgio dourado de ex-ministros. Nada disto será de estranhar se tivermos em conta que o fazedor Pedro Nuno Santos vem na peugada de António Guterres, José Sócrates e António Costa, outros notáveis socialistas fautores da amarga frustração nacional.

Digam lá se isto não é traição à Pátria!

O governo de Angola tem pleno direito de erguer os museus e de celebrar os feitos históricos que entender. O governo português, porém, não pode, nem deve, em nenhum caso, colaborar com quem quer que seja, no aviltamento da História, da Pátria e dos concidadãos, vivos ou mortos, que bem ou mal representa. O governo a que António Costa continua a presidir e que, pelos vistos, só deixará de fazer disparates a 10 de Março, data em que cessa formalmente funções, acaba de publicar no Diário da República, no dia 22 de Dezembro de 2023 mais precisamente, a Resolução n.º 179/2023 do Conselho de Ministros que diz textual- mente: “Autorizar a disponibilização de um montante extraordinário de 34 000 000,00 EUR para apoio direto ao Orçamento Geral do Estado de Angola, a desembolsar até ao final do ano de 2023, destinado a contribuir para o restauro e apetrechamento da Fortaleza de São Francisco do Penedo, em Luanda, com vista à construção, naquele espaço, do Museu da Luta pela Libertação Nacional de Angola.” Resolução surpreendente, esta, que de pronto nos leva a perguntar: será que Angola ainda é uma colónia portuguesa? Será que a tal luta de libertação não foi travada contra Portugal? Será que os ministros do governo cessante têm vergonha de serem portugueses ou sentem remorsos por tudo que Portugal realizou por esse mundo de Cristo além, durante 500 anos? Importa, desde já, esclarecer, que esta pérfida decisão é justificada com um chorrilho de disparates e omissões que desvirtuam não só a História de Portugal, mas a de Angola, igualmente. Desde logo porque a independência de Angola não é o remate vitorioso das forças armadas de libertação que, à data, estavam totalmente neutralizadas, antes resultando do processo revolucionário de 25 de Abril. Tanto assim é que à tal luta pela libertação de Angola se seguiu uma guerra fratricida muito mais cruel e destruidora. Depois, porque Angola, quer queiram quer não queiram, é obra de Portugal que lhe traçou fronteiras, lhe garantiu unidade territorial e política e a dotou de uma língua internacional unificadora. Ainda que determinante tenha sido a Conferência de Berlim, realizada entre 1884 e 1885, na qual as principais potências europeias dividiram entre si as terras africanas, sacrificando as fronteiras culturais e étnicas ancestrais. Certo é que no território que actualmente constitui o Estado angolano coabitavam, nem sempre pacificamente, distintos povos, com idiomas e culturas diferentes, alguns dos quais, como é o caso dramático dos cabindas, ainda hoje se batem pela independência, aspiração justa e legítima que o governo nacionalista angolano rejeita e o progressista governo de António Costa, mancomunado, despreza. Mas a traição do governo presidido por António Costa vai mais fundo quando, conivente, esquece que a tal luta pela libertação de Angola se iniciou com a chacina de milhares de inocentes cidadãos portugueses, brancos e negros, operada pela UPA em Março de 1961. Foi, de resto, esse horrendo massacre que desencadeou a longa guerra que igualmente vitimou milhares de soldados europeus e africanos que heroicamente defendiam a ideia revolucionária de uma pátria livre, justa e em que todas as raças e credos poderiam viver fraternalmente. Importa ter sempre presente que muitos destes militares africanos acabaram por ser perseguidos e assassinados pelos novos poderes entretanto constituídos. Acresce que Angola, à data da independência, era o país mais próspero e socialmente mais justo de todo o continente africano e hoje se encontra mergulhado na miséria generalizada, o que muito deslustra a tal Luta pela Libertação Nacional de Angola que agora se pretende celebrar. Aspectos que, é o mais certo, não irão ser eviden- ciados no tal Museu da Luta pela Libertação Nacional de Angola. Nada disto obsta, importa realçar, a que haja uma alargado número de matérias em que Angola e Portugal podem e devem cooperar amigavelmente, dignificando a História comum. Mas nunca com o propósito de denegar e denegrir a História de Portugal, que agora o infeliz governo de António Costa está, intencionalmente ou não, cobardemente, a cofinanciar.

Mas que bem que ficariam vestidas de burca!

A Humanidade atravessa aquela que se prefigura como sendo a mais grave e complexa crise da sua já longa História. Crise universal porquanto se manifesta em todos domínios, principalmente no que à paz, à moral, ao social e ao clima diz respeito, para lá de que afecta todas as nações, ainda que de diferentes formas. Fenómeno que nos é dado observar em múltiplos cenários sinistros, particularmente chocantes em tempo de mais uma quadra natalícia, quando mais veementemente se exalta e promove a paz e a solidariedade entre os diferentes povos da Terra. Duas razões principais me levam a realçar a atribuição do prémio Nobel da Paz 2023, que conside- ro um dos acontecimentos mais relevantes do ano, ten- do em conta, sobretudo, os domínios da paz, da igual- dade e da solidariedade. A primeira razão é que este premio, inteiramente justo e oportuno, foi atribuído a uma verdadeira heroína e mártir, à semelhança do que aconteceu em 2014, com a profusamente noticiada ativista paquistanesa, Malala Yousafzai. Trata-se, agora, de Narges Mohammadi, uma iraniana de 51 anos que, cito Berit Reiss-Andersen, a presidente do comité Nobel, “luta pela liberdade de expressão e pelo direito à independência, num país que quer esconder as mulheres e quer cobrir os seus corpos”. Regime iraniano que, ainda segundo a atrás citada presidente do comité Nobel, “não só tem esse objetivo com o sexo feminino, como com toda a população”. E mais realça o Comité do Prémio Nobel no laudo de atribuição do referido galardão, que o regime do Irão já deteve Narges Mohammadi por 13 vezes, a condenou por cinco e a sentenciou a um total de 31 anos de prisão e, imagine- -se, a 154 chicotadas. Acresce que a premiada é casada com o jornalista Taghi Rahmani, igualmente iraniano, que já esteve na prisão um total de 16 anos. Numa entrevista ao jornal El País, em dezembro de 2022, Rahmani referiu que a mulher não via os filhos há sete anos e que, pelo menos durante sete meses, não teve sequer autoriza- ção para falar com eles ao telefone. Tenha-se em conta, para lá do mais, que o único crime de Narges Mohammadi e de outras mulheres e homens iranianos é o da resistência pacífica contra o regime dos mulás, que são uma espécie de clérigos islâmicos fanáticos. Regime que, convém lembrar, tem sido amplamente noticiado como sendo o principal apoiante, ainda que não único, dos terroristas do famigerado Hamas e de outros da mesma laia que, um pouco por todo mundo e com maior crueldade em África, se batem por impor e fazer valer os ditames religiosos, morais e sociais dos seus sinistros doutrinadores. Sem esquecer que o mesmo objectivo prosseguem, abertamente, na velha Europa em que prevalecem ancestrais usos e costumes cristãos em perfeita harmo- nia com modernos princí- pios democráticos. Também não é segredo para ninguém que sobre as democracias europeias e a sua unidade, impendem presentemente, para lá dos vícios domésticos, várias ameaças insidiosas, principalmente promovidas por regimes totalitários como o russo ou o chinês que sub- -repticiamente financiam, dinamizam e subvertem partidos e organizações de cariz supostamente cívico e democrático. A segunda razão que me leva a realçar este notável acontecimento que foi a atribuição do prémio Nobel da Paz 2023, é que, in- compreensivelmente, tão importante facto foi votado ao silencio no Portugal democrático, à esquerda e à direita é certo, mas prin- cipalmente por parte das ruidosas vanguardistas dos direitos das mulheres e de outras nobres causas, em que se têm destacado as jovens políticas do Bloco de Esquerda, o que é ainda mais estranho. Silêncio igual ao verificado no Irão e nos citados regimes totalitários, nestes casos imposto como é óbvio, enquanto que em Portugal tal atitude foi inteiramente livre e voluntária, pelo que é lícito supor algum tipo de anormal consonância e de espúrio comprometimento. O que me leva a citar o conhecido ditado popular: quem vê caras não vê corações. E a ironizar: mas que bem que essas nossas compatriotas de vanguarda, não estou a pensar apenas em moda, ficariam vestidas de burka! E quanto mais expressiva e identitária não seria a sua foto do Bilhete de Identida- de!

Uma democracia suspensa por um fio de uma teia sinistra

Marcelo de Sousa e António Costa constituem a dupla política mais divertida, cínica e desastrada de que há memória. Senão, vejamos. No dia 7 de Novembro, o primeiro ministro, num discurso com tanto de comovente como de teatral, proferido perante as câmaras de televisão como convém, anunciou que se demitia do cargo porque acabara de saber que era visado num processo conduzido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Quem diria que um mero parágrafo, escrito pela Procuradora-Geral da República que o próprio nomeara, seria suficiente para o derrubar! Convém lembrar que António Costa era primeiro ministro há 8 anos, marcados por inúmeros erros e escândalos clamorosos que afectavam directamente o Governo, o que tornava insustentável a sua governação. Para lá de que usufruía das vantagens de uma maioria absoluta que lhe permitia fazer o que lha dava na republicana gana, acolitado por compinchas fiéis, em que pontificavam Vítor Escária, Diogo Machado, Pedro Santos, Fernando Medina e João Galamba, protagonistas dos casos mais graves e indecorosos da legislatura. Tudo com o seráfico beneplácito do presidente Marcelo de Sousa, deve acrescentar-se. Razões mais que suficientes para que o presidente da República tenha anunciado, de pronto e informalmente, como é seu timbre, que aceitava a demissão do primeiro ministro, embora só a formalizasse no dia 7 de Dezembro, um mês depois, portanto. A dissolução da Assembleia da República ficaria ainda para mais tarde, para 15 de Janeiro. Entretanto, em 10 de Novembro, o mesmo presidente anunciou, com 5 meses de antecedência, a realização de eleições a 10 de Março de 2024, certamente com o propósito de dar o tempo necessário para a democracia se recompor das ofensas a que vinha sendo submetida. Concedendo, igualmente, a António Costa, tempo suficiente para continuar a fazer o que lhe apetecer, dado que continuará no cargo até 10 de Março. Tempo que irá utilizar não para governar, certamen- te, mas para salvar a face e branquear a imagem do seu partido socialista. Entretanto Marcelo de Sousa, que agora anda em palpos de aranha com a melodramática novela da gémeas brasileiras e de candeias às avessas com António Costa, perdeu a febre dos “selfies” e deixou de sorrir. Bem desembaraçar esta teia, obriga a que recuemos 2000 anos para recuperar o célebre comentário do general romano Sérvio Galba e que reza assim: “Há, na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho: não se governa nem se deixa governar”. Comentário este que tem sustentado uma enorme fraude histórica porquanto os portugueses de hoje, contrariamente aos lusitanos de Sérvio Galba, são um povo pacífico e civilizado, salvo melhor opinião, e que até se deixa governar em qualquer sistema, trate-se de uma ditadura ou de um regime mascarado de democracia como o actual. Mais grave ainda: os portugueses de hoje pouco se importam com quem os governa, mesmo se estes desgovernam o Estado para melhor se governarem a si próprios. É o que se tem visto, mais claramente, nestes anos em que pontificou a dupla Costa /Marcelo. Portugal vive agora uma situação dramática, portanto, em que a democracia está literalmente suspensa por um fio de uma sinistra teia de interesses em que o poder se enredou e que ameaça lançar a Nação no caos. Assim é que o poder executivo passou a fazer de conta, o legislativo irá, em breve, encerrar para obras, o judi- cial está minado, ainda que alguns seus representantes resistam heroicamente e o próprio Chefe de Estado e comandante supremo, tem a sua autoridade e credibilidade gravosamente fragilizadas. Enquanto no Estado pululam incompetentes, ladrões e farsantes, que os portugueses incompreensivelmente reverenciam e aplaudem, desde que a cenoura com que os poem a puxar à nora seja pintada da sua cor preferida. Ante este cenário trágico, o eleitorado, a quem meteram na cabeça que é ele quem decide, apenas vai dizer de sua justiça quando os machuchos políticos entenderam: lá para Março do ano que vem. Só não adiaram as eleições para depois da inauguração do novo aeroporto de Lisboa, por exemplo, porque ninguém sabe quando verda- deiramente tal irá acontecer. Oxalá que o povo decida bem, ainda assim, a seu favor, que corte com o passado recente repudiando o devorismo e o demagógico estado social, socialista e socializante que apenas tem gerado mais injustiça e miséria. O que vem a seguir ninguém sabe, porém, por mais que as sondagens procurem condicionar o que a minoria não abstencionista irá determinar em 10 de Março. Certo é que Portugal vai continuar um país adiado, atolado no novo pântano institucional e social que Marcelo de Sousa e António Costa alegremente cavaram. Digam lá se isto não é gozar com quem os tomou a sério? Que se desiludam, contudo, os que pensam que vai ser o Ministério Público a julgá-los. Tão pouco o povo. Só mesmo a História.

Comemorar o 25 de Novembro é glorificar o 25 de Abril

A história desapaixonada do período conturbado de entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, a seu tempo se fará com o rigor requerido. Entretanto, sobretudo enquanto viverem os seus protagonistas mais representativos, não deixarão de vir a público interpretações subjectivas e argumentos controversos, com os quais se pretenderá, por certo, ganhar simpatias e formatar opiniões de conveniência. Certo é, todavia, que uma parte significativa das Forças Armadas Portuguesas, em consonância com um alargado grupo de políticos democratas, ousou conduzir, com sucesso, uma movimentação político-militar que culminou na acção armada do dia 25 de Novembro de 1975, de que resultou o fim do denominado Processo Revolucionário em Curso (PREC), abrindo caminho à tão ansiada estabilização da democracia representativa, que foi, como se sabe, um objectivo central do golpe de estado militar de 25 de Abril de 1975. Acabar com guerra ultramarina e descolonizar, com dignidade, democratizar no conceito europeu e desenvolver o país no contexto ocidental, ainda que possam não ter sido as suas motivações originais, foram, sem dúvida, as aspirações profundas dos revoltosos de Abril, lamentavelmente traídas, de imediato, pelas foças marxistas-leninistas e anarquistas que animaram o PREC atrás citado. Assim sendo, cabe aqui perguntar: o que seria hoje de Portugal se as forças vitoriosas em 25 de Novembro tivessem sido as atrás mencionadas? Uma Cuba ou uma Venezuela europeias? Um estado satélite da fracassada URSS, agora na mira de Putin como tantos outros? Haveria depurações e fuzilamentos em massa à boa maneira estalinista, como chegou a ser sugerido e mesmo ensaiado? Felizmente nada disso se verificou, pelo que será de louvar, isso sim, a generosidade dos vencedores do 25 de Novembro. Tenha-se em consideração, contudo, que a bem-sucedida intervenção militar de 25 de Novembro de 1975 abriu definitivamente caminho à afirmação da democracia liberal e representativa em Portugal, pelo que deverá ser tida como a confirmação e glorificação do 25 de Abril de 1975, o que plenamente justifica a sua comemoração. Quanto mais não seja, para dissuadir eventuais novas tentações totalitárias. Ainda que o processo político posterior, lamentavelmente, tenha resultado num regime de duvidosa democraticidade, manchado de corrupção, nepotismo, clientelismo, injustiça social, assimetrias regionais e pela frustrante, em muitos aspectos, integração na União Europeia. Regime político cuja doutrina dominante persiste em ser o devorismo, a dissipação da fazenda pública em proveito próprio ou doutrem, postergando a resolução de problemas estruturais e o futuro da Nação. Regime cuja reforma continua em aberto, todavia, felizmente no quadro democrático, que o mesmo será dizer no respeito pelas liberdades fundamentais e ditames do estado de direito. Portugal é, de facto, pre- sentemente, uma casa onde os políticos falam, falam, mas poucos terão razão. Muito embora Portugal não seja a casa do ditado popular em que falta pão, dinheiro melhor dizendo, porque Bruxelas continua a dispensar fundos às carradas ao Estado português. Não é por falta de pão que ralham, portanto, mas por haver dinheiro e gula a mais. Atente-se na perturbação que vai no Serviço Nacional de Saúde, na Justiça e no Ministério Público em especial, na Habitação ou na Educação, nas muitas e desastrosas trapalhadas governamentais, para não falar na guerra institucional entre o Presidente da República e o Primeiro Ministro. Claro que no centro de toda esta confusão babélica têm estado o partido Socialista e o seu secretário geral António Costa, manda a verdade que se diga. Ainda que no Partido Socialista, justiça seja feita, haja uma digna maioria silenciosa, genuinamente republicana e democrática, que não tem tido suficiente engenho e coragem para se fazer valer, prostergando a reflexão e renovação que a crise José Sócrates continua a requerer. Claro que o problema se agravou desde há oito anos para cá, o que não é de admirar porquanto a entourage de António Costa é basicamente a mesma de José Sócrates, de quem herdou o poder. Ainda assim o acontecimento que melhor ilustra este cenário é a posição da actual direcção do partido socialista sobre a comemoração do 25 de Novembro de 1975, alinhada com os que pretenderam matar o 25 de Abril à nascença e só o não conseguiram porque Mário Soares e uns tantos militares moderados heroicamente lhes fizeram frente. Cenário deplorável, sem dúvida, autorizadamente verberado pelo fundador do PS, António Campos, que clas- sifica esta atitude da actual direcção socialista de traição à história do próprio partido. Oxalá não estejam a criar condições para um novo 25 de Novembro, ou que isso possa significar.