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A Batota

Ter, 20/09/2005 - 15:52


Este jornal está sempre a pregar-me partidas. Partidas a provocarem-me sincera e garrida alegria, podem os leitores acreditar. A calcorrear estradas ou avenidas de uma qualquer cidade lembro-me de um tema capaz de agregar uma boa crónica e, enquanto esboço sorrisos de afabilidade, vou-a construindo até chegar junto do computador.

Um tiro de dedos a digitalizar, ligação à Internet e, já está. Algumas vezes a pensada e percorrida crónica não chega ao destino por desacerto meu. Ao não a ver publicada logo penso no acto de ter praticado batota perante os leitores, para quem, entre passos e passadas, a fui compondo. Emendo a não preparada mão, escrevendo novo texto, apaziguando o sentido do dever. As partidas do “Nordeste” eclodem no momento em que uma peça toca ou tange quer no título ou no assunto de uma crónica da minha autoria. Assim aconteceu, mais uma vez, na edição do dia 13 de Setembro. Ataquei os burristeiros e o jornal publica oportuna e sustentada reportagem devido aos lamentos dos taberneiros por as autoridades terem impedido a tradicional prática do jogo da batota, por ocasião das festas da Nossa Senhora da Serra. Fiquei deliciado. Os burristeiros são gente detestável, perigosa e nefanda, os jogadores da batota ao pé deles não passam de anjinhos papudos com barbas e tudo. O leitor mais prevenido, já verificou que a partida deste jornal me proporcionou ensejo e mote para ter uma caminhada mais fácil enquanto teço e penteio esta crónica. É verdade. Nos idos de sessenta jogava-se forte e a sério durante os preparativos da festa. Nunca joguei a batota, primeiro porque estar uns dias acoitado na Serra de Nogueira não era aliciante a todos os títulos, segundo porque boa vitela também se podia comer no restaurante onde estava amesendado, o Machado-Cura, no qual a Amélinha velava por mim, terceiro porque as rugas femininas ambulantes a rondarem pelo descampado metiam pena e dó, nunca por nunca desejo, além de a namorada ao tempo ser desconfiada e, fundamentalmente, porque não pertencia ao grupo de tolos capazes de gastarem o deles e dos outros restalejando no prazer de cometerem erros e asneiras. No entanto, perguntei ao estimável António Barril quais eram as regras e o modo de jogar a batota. Ele não se fez rogado, explicou-me a batota da batota e, ao contrário de outros jogos de cartas, o jogador logo à partida assume a sua condição de batoteiro. A referida modalidade tinha muitos adeptos e segundo o “Nordeste” continua a ter, sabendo eles de antemão ser um jogo não dependente da velocidade da roleta, sim da capacidade “batotal” do jogador. Sendo assim e é, este jogo está impregnado de seriedade ao contrário de muitos jogos de salão, só jogando quem quer e, enquanto lhe aprouver. A maioria dos jogadores é gente honrada, divertida, não tendo culpa nenhuma dos cretinos pensarem em ganhar o suficiente para pagarem letras e dívidas contraídas pela legítima e pela teúda e manteúda. Assim acontecesse em todos os sítios conhecidos e desconhecidos onde se jogam fortunas, reputações e outras coisas mais que não enumero a fim de não ofender os leitores. Não se deduza do acima afirmado eu defender a batota e/ou outro qualquer jogo a colocar em risco a integridade da consciência, da carteira e da família. Joguei a lerpa na década de sessenta, sofri os efeitos do cambão de dois rapazes espertalhões, joguei póquer a valer enquanto permaneci no terreno da guerra colonial, depois disso perdi numa vacina de sintético uns quinze “contos”e, nunca mais joguei a nada a não ser umas moedas em Macau e nos casinos americanos da costa leste. As moedas lá ficaram, dos casinos trouxe esgares de mulheres raivosas, ritos de amargura de viciados, recordações de passagem e um casaco comprado a um índio. Trouxe também ideias para co-trabalhar num projecto destinado a um Museu do Jogo. A ganhar pelo que não perdi e, pelas imagens, não espero deixar nada no pano verde, mas nutro fascinação pela audácia de determinados jogadores, pela teimosia de outros e, pena pelos dependentes. Nunca o vi jogar, mas segundo sei o meu parente Laribau frequentava a sala de trabalhos da Senhora da Serra com proveito provocando a admiração dos circunstantes. Outros senhores não desdenhavam de lá praticarem a batota, sendo as façanhas ou os desastres comentados sem cerimónia nos “mentideros” da cidade. Tudo numa bonomia entremeada pelo chispante de episódios adjacentes, cujas protagonistas praticavam actos repletos de singularidades ridículas inspiradas pelos bufões gratuitos da comunidade. De resto, estes bufões empenhavam-se também na actividade de espiar casais de namorados. Admito sem reserva a acção da GNR, mas no caso em apreço tenho de deduzir em defesa dos batoteiros, não estarmos ante um jogo clandestino, é um acto tradicional, não de estirpe nos anais da jogatina e sem licença diga-se em abono da verdade, mas praticado às claras, sem pistolas sobre a mesa, desprovido de magnetos de aproximação, bebidas intoxicantes, perfumes a brotarem de profundos decotes denunciadores de um vale a separar seios perturbantes da atenção dos jogadores e, cujas cartas até podem ser ensebadas. Finis Batota!