“Não vim preocupada nem com medo porque sabia que, se estava disposta a ajudar, ia ser bem-vinda”

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Ter, 07/06/2022 - 12:02


A brigantina Sofia Gonçalves, sem grandes medos do que ia encontrar, deixou para trás a vida que tinha para ajudar os que mais precisam. A assistente social, de 31 anos, tem estado, desde Março, na Ucrânia, a prestar apoio aos refugiados da guerra. Há uma semana estava, em Shehyni, perto da fronteira, e lançou uma campanha on-line para angariar fundos para continuar a missão de voluntariado

Como surgiu a ideia de ir para a Ucrânia?

Estou aqui há dois meses e meio e a minha decisão e vontade de vir partiu do que fui vendo nas notícias. Além disso, conhecia pessoas que estavam na Ucrânia. Pensei que podia ser a minha família ou eu mesma a viver isto. Estas pessoas não pediram uma guerra. Foi algo que a mim me tocou bastante e senti necessidade de ser útil.

Na altura, em Março, ainda tentei entrar em contacto com algumas organizações, tanto polacas como portuguesas, mas, como não obtive resposta, decidi vir sozinha, para uma cidade polaca perto de uma das fronteiras, Przemyśl. Inicialmente fui para um conhecido Tesco, que era um antigo supermercado, que agora está a acolher refugiados, bem como para a estação de comboios.

Quando se parte em direcção a uma coisa destas, o que se leva na ideia?

Eu simplesmente queria ser útil, não me importava com a tarefa que ia desempenhar. Só queria ajudar ao máximo as pessoas que vinham da Ucrânia. Quando vim sentia alegria porque ia ajudar quem mais precisava de ajuda. Não vim preocupada nem com medo porque sabia que, se estava disposta a ajudar, ia ser bem-vinda.

Como tem sido a experiência, que pessoas tem ajudado e de que forma?

Eu nunca tinha estado na Polónia e não sabia falar nem polaco, nem ucraniano nem russo mas, neste momento, já sei um pouco.No começo fiquei mais na estação de comboios em Przemyśl, na Polónia, e, em Março, recebia dezenas e dezenas de refugiados todos os dias. Não sabia falar nada mas sempre me desenrasquei bem, sempre encontrei forma de falar com as pessoas, nem que fosse por gestos. Lembro-me de uma senhora que estava a chegar de Kiev, apenas com dois sacos de plástico, tinha uma ferida na cara e estava completamente transtornada. Tinha que ir para uma cidade polaca e eu, em conjunto com outros voluntários, andei a ver os horários dos comboios que ela podia apanhar. A senhora estava muito confusa e inicialmente até pensava que eu era polaca. Quando percebeu que eu era portuguesa veio agarrar-se a mim a dizer “Portugal! Portugal! Portugal!”... como quem diz “vieste de tão longe para nos ajudar”. Isso emocionou- -me muito. É impossível esquecer. As histórias que vivo e ouço fazem-me arrepiar mas fazem-me ter a certeza que tomei a decisão certa. Inicialmente as coisas não estavam assim tão bem organizadas porque, de uma hora para a outra, chegavam muitos refugiados. Ou seja, uma pessoa queria ajudar o mais que podia mas, no começo, também por eu não falar polaco ou ucraniano, era mais complicado. Entretanto também me ia tentando informar sobre o estatuto de refugiado, como o podiam conseguir, que documentos são necessários, bem como que transportes e opções tinham noutros países europeus. No começo o meu trabalho passou muito por aí, por informar as pessoas das opções que tinham e como poderiam chegar a outros países europeus e orientá-las com as necessidades mais básicas, como água, comida, fraldas, leite e papas para bebés, no caso de quem tinha crianças. Passado três semanas fui mesmo para a fronteira. Era imensa gente a chegar, de todas as idades. Eu sempre fui ajudando, nesse sentido de orientar.

Como é que vivenciar uma tragédia destas nos enriquece pessoalmente?

Não é a primeira vez que faço voluntariado noutro país. A minha primeira experiência foi na Nigéria, há dez anos. A nível pessoal acho que se cresce imenso. O coração fica apertado em vários momentos. Vemos muita bondade nestes cenários e aprendemos muito com estas pessoas. Os refugiados ucranianos só levam, por exemplo, aquilo que precisam. Muitas vezes eu digo “leva mais porque amanhã podes precisar”. Mas estas pessoas têm muita consciência do próximo, eles pensam muito nos refugiados que virão a seguir e também precisarão. Mesmo comigo preocupam- -se e, muitas vezes, me dizem “mas tu vieste de Portugal, de tão longe... e vieste sozinha”. Só o facto de eu poder tornar o dia de alguém melhor é fantástico. Não tem preço. A bondade gera bondade e depois gera sorrisos e afectos. São emoções muito positivas. Deste aspecto negativo, que é a guerra, nasce esta onda de carinho.

Foi ajudar por conta própria, largando até mesmo a profissão que tinha aqui, como tem sido essa parte?

Decidi ir, por tempo indeterminado, mesmo não tendo resposta das organizações que contactei. Na altura, mesmo a nível de hotéis e quartos, estava tudo cheio. Eu nem sabia onde ia ficar nem quais seriam os meus gastos. Para me ajudar a conseguir colmatar as despesas, porque preciso de me deslocar e sítio onde dormir, sendo que em algumas cidades tenho conseguido alojamento gratuito porque há famílias que já me acolheram, criei um Go Fund Me e tenho apelado à solidariedade de amigos, familiares e de quem me queira ajudar a manter-me aqui no terreno a ser útil.

Quando começou a campanha?

Já só a comecei em Abril, passado mais de um mês de estar cá, em conversa com voluntários, que vieram com organizações e têm os custos cobertos. Eles incentivaram- -me a criar a campanha. Custa-me muito estar a pedir dinheiro às pessoas, tanto é que no começo eu nem estava a enviar a muitas pessoas. Neste momento já consegui angariar perto de 300 euros. Quem quiser ajudar basta ir ao link do meu Go Fund Me – https://gofund.me/f05146e7. Nessa página há uma parte em que se pode doar e cada pessoa escolhe o montante. Qualquer quantia será muito bem-vinda.

Agora já está por aí há algum tempo, já pensou quando voltar?

Várias pessoas me perguntam quando irei voltar mas ainda não sei. Agora pretendo ajudar pessoas dentro da Ucrânia. O número de refugiados a passar a fronteira tem diminuído mas há muitas necessidades que é necessário colmatar dentro da própria Ucrânia. Não tenho horários nem rotinas. Todos os dias são diferentes. Neste momento estou a ajudar também outros refugiados que estavam já na Ucrânia, que são de outros países.

Esta é a grande experiência da sua vida?

Já tive outras experiências em África, que me enriqueceram muito. Esta também me tem feito sentir bastante útil, que me tem feito crescer como pessoa e profissional, que me tem feito criar afectos. Estas histórias, vivências e desafios vou sempre recordar.

Jornalista: 
Carina Alves