Tenacidade

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E se a esperança e a vontade fossem mãe e filha? Não é quando tudo está perdido que é preciso agarrar-se a esta bela virtude que os espíritos mais fortes julgam em desuso e “deslavada”?
Tomemos o período actual, rico de razões para desesperar e para não acreditar mais no homem, espécie animal degenerada, fiel à sua reputação de “lobo para o homem”. Quando tudo se desmorona à nossa volta, quando o céu nos aparece negro como tinta, quando a vida aparece sem perspetiva, como é possível não sentir a tentação de experimentar esta loucura que é a esperança?

A esperança apesar de tudo. Apesar dos outros e da sua vã maldade, apesar da sua estupidez com cabeça de touro. Apesar da sua sanguinária necessidade de massacrar, de eliminar o semelhante da face da terra. Apesar dos apetites dos poderosos, nunca saciados, esmagando com o seu desprezo os mais fracos, os sem galões, todos aqueles a quem o poder não tenta, nem a abundância faz deleitar-se.  

Apesar da infelicidade que se estende em cada página, colocar como ato supremo de fé que a esperança se encontra escondida na sombra gelada e húmida, como no fundo dum túnel sem alegria ou num túmulo vazio.
“Não fizeste tropa”, retorquirão alguns malandros, os niilistas convictos, troçando da nossa procura incessante de confiança no futuro. É preciso reivindicá-la como um direito humano, iminentemente precioso, esta esperança numa saída deste túnel sinistro que mais parece muitas vezes uma vida atapetada pela infelicidade, pelo sofrimento e pela ausência de perspectiva. 

O zumbido perpétuo da atualidade não é portador de esperança. Veicula constantemente uma exasperação espessa, como algo que cola à pele, à alma. Dificilmente se lhe foge, apesar de nos aproximarmos da idade do desapego às coisas.
Esta exaltação passa por todos os canais da « comunicação”, por todas as ondas que circulam à volta dos nossos cérebros enfraquecidos pelo progresso. Solicita, de manhã à noite, os nossos neurónios mais dispostos a ouvir a música de todas as esferas. Esta exaltação, é preciso arrebatá-la da alma, arrancá-la vigorosamente, com raiva e determinação. É um combate de cada acordar.   
A primavera torna este combate mais fácil de enfrentar. O regresso da luz leva a considerar com um pouco mais de alegria as perspectivas das germinações: vai acontecer alguma coisa. Não vamos ficar assim, neste inverno que fossilizou tudo no imobilismo e no cinzento. Vai surgir algo ou alguém que nos vai dar a mão e dizer-nos, em poucas palavras, que valeu a pena sofrer este inverno para chegar a esta fantástica perspetiva de libertação que oferece a primavera dos corações.

Esta dita esperança, pode apoiar-se na inteligência e na força de vontade. Podemos, em conjunto, construí-la, edificá-la como sendo uma barreira contra os nossos medos e como uma solução contra as lágrimas, contra o tédio e outros sofrimentos.

Nos piores instantes da história, e Deus sabe como esta está rica desses momentos, houve sempre homens capazes de se erguer contra o terror, a difamação e a impostura. Fizeram-no no anonimato do heroísmo ou na clandestinidade da minoria. Encontravam-se tantas vezes derrotados à partida, mas mesmo assim foram em frente.

Por Adriano Valadar