… Nice, Munique, muitos mortos, muitos feridos e muitas perguntas.

Então a carnificina recomeçou? Matam, mutilam, fazem-se explodir, fazem-se assassinar, e nós, pouco depois, convocados frente aos nossos televisores para apreciar a dimensão da desgraça, o balanço dos crimes. Seguidamente, a triste litania das testemunhas, as lágrimas, as imagens terríveis, temíveis e incompreensíveis.
Quantas sequências destas teremos ainda de partilhar antes de a paz regressar à terra, e a “segurança” à Europa. Estes indivíduos doentes que circulam com a morte a tiracolo, com os cintos de explosivos recheados de pregos e parafusos para dilacerar mais ainda, de donde é que saem? Parece que se desenvolvem na terra como a grama, que nada nem ninguém os pode parar, nem mesmo a morte.
O niilismo leva até ao fim a sua fúnebre lógica de morte. Já que aqui em baixo isto não tem interesse nenhum, na nossa sociedade putrificada, então o melhor é fazer o manguito ao sofrimento, aos nossos valores mesquinhos. Pelo menos eles têm um ideal, eles pelo menos têm um ideal do absoluto que lhes foi ensinado nesse oriente complicado, para os lados de Mossul, por ideólogos completamente derrubados pela nulidade intelectual ou cultural que em nada diminui a vitalidade do seu militantismo. Decidiram matar não os seus semelhantes mas sim as suas diferenças e todas as sociedades que os enfrentam.  
De cidade em cidade, semana após semana, variando o prazer sobre o modo das suas matanças- camiões minados, explosivos espalhados ou em stock, aqui metralhadoras, mais além punhais ou armas brancas, incêndios, tiros de snipers escondidos nos tetos, decidiram desesperar não somente o ocidente maldito, mas tudo o que se opõe à sua autossuficiência mental. Das praias tunisinas ao Egito antigo, passando pela Alemanha e França, da Costa do Marfim à Indonésia, a humanidade inteira coloca-se a mesma questão: onde é que se pode estar em segurança? Tornámo-nos todos o “elo fraco” da segurança colectiva, apesar do terror ainda não se ter insinuado perto de nós. O campo de batalha encontra-se efetivamente enraizado nas nossas mentes.
Seria preciso voltar algumas décadas atrás e perguntar-se qual terá sido o milagre para nos termos desembaraçado do terrorismo palestiniano dos anos 70 ou das loucuras do Exército Republicano Irlandês (IRA) ou da ETA em Espanha. Considerando o conjunto dos ciclos de violência gratuita que visam inocentes ou os supostos “traidores” à sua causa, pode-se arriscar uma previsão: esta loucura terá fim um dia. Esse dia, dia abençoado, marcará o fim do fanatismo, esta arma de destruição maciça das inteligências e dos corações. A sua fonte está claramente identificada. É uma certa necessidade de absoluto, um gosto desmedido pelo sagrado que leva para o “djihad” (guerra santa) os assassinos da bandeira negra.
Sim, os assassinos de Bruxelas, Paris, Nice ou Munique são fanáticos duma causa pela qual lhes parece ser legítimo morrer. Porque lhes é apresentada uma perspectiva de vida, do além, no meio de alamedas de flores brancas e de virgens submissas aos seus desejos de bestas. Aborrecem-se nesta terra e lá em cima encontrarão um prazer intenso, um poder multiplicado. Mas isso ganha-se com mérito, foi-lhes ensinado, com tantas mortes e sangue nas mãos, tantos anos de paraíso ganhos.
Que podemos nós responder a tudo isso ? Cair também no fanatismo? Já o tentámos, outrora, e não se pode dizer que tenha sido um grande triunfo. As cruzadas deixaram um sulco de péssima memória em todo o Oriente e as guerras de religião desonraram a Europa e as suas crenças. O imperialismo das potências ocidentais deixou fronteiras artificiais, duma geometria absurda, negando as comunidades locais. “Estamos em guerra”, repetem os dirigentes deste mundo. Não deixam de ter razão. Mas esta guerra dum novo género, guerra contra as sombras e fanáticos, como é que se pode conduzir eficazmente? Bombardear quem, onde? Para nós europeus, a identidade é uma interrogação permanente, para eles é uma religião. Cuidado.
É preciso contar talvez com as mulheres, com as mulheres muçulmanas, com as filhas. Elas tiveram um papel de relevo na primavera árabe. As mães e as irmãs mais velhas são as únicas a saber e poder encontrar o caminho da inteligência dos temíveis terroristas. É a elas que é preciso pedir ajuda e reforço, desde a escola primária. Para pôr um freio a esta virilidade desmedida que se afirma através destes crimes inaceitáveis, é preciso dar rapidamente a força e o lugar à legitimidade feminina como princípio social. Mais uma ingenuidade, dirão alguns. Sim, mas a doçura feminina, nunca foi experimentada. Dir-se-á que afinal há muitas raparigas nessas redes criminais, sim, mas é para fazerem como os homens, precisamente.

O RAPAZ QUE APANHAVA ENGUIAS COM A MÃO

Esverdeadas, colubriformes, masjestosas, nadavam, normalmente em águas pouco agitadas. Tempos houve em que as enguias apareciam entre as demais espécies piscícolas que habitavam os cursos de água nordestinos. Com a construção das barragens no Douro Nacional acabaram-se. Já não há enguias. Da sua pesca resta a lembrança.
Havia várias formas de as pescar.
Na mais frequente usava-se um garfo comprido, com dentes finos, redondos e espessos. Nem sempre resultava pois como era normal andarem em zonas com muito lodo, faltava terreno firme por baixo e com alguma frequência se escapavam, apenas com pequenos arranhões.
Mas também havia quem as apanhasse com a mão, como o Fernando, que para isso tinha a necessária  mestria e engenho.
Para além das águas serenas correntes, chegavam mesmo a aparecer em poços e noras para onde caíam e onde ficavam aprisionadas. Na minha aldeia diziam à boca cheia e com ar de entendidos que isso acontecia porque as enguias saiam à noite para pastar. Soube mais tarde que como eram muito resistentes e aguentavam muito tempo fora de água a humidade do orvalho era suficiente para lhes permitir viagens noturnas, que às vezes lhes eram fatais, pelo meio da verdura dos campos.
Quando se esvaziavam os poços de rega para limpeza era vulgar no meio do lodo aparecerem o apetecido petisco. Mas era na ribeira da Vilariça que o Fernando as pescava. Revejo-o, de calças arregaçadas até às virilhas, caminhando lentamente como um felino numa poça que a ribeira fizera por baixo de umas raízes de choupo, nas Olgas, a seguir à ponte velha. Era muita a sabedoria e experiência que na sua dúzia de anos de existência já tinha, na arte de bem apanhar os murenídeos que se atreviam a aparecer-lhe pela frente.
Não usava garfo. Uma folha de figueira, dizia, era mais eficaz. Desde que conseguisse apanhá-la a jeito. Para isso não podia ser sobre o lodo onde ela facilmente se enterrava e depois nunca mais lhe punha a vista em cima. Tinha de a empurrar para uma pequena cascalheira onde a água era mais limpa, onde a via melhor e onde, se fosse necessário, a podia apertar contra areia grossa do chão. Esse era o segredo e essa era a fina arte do Fernando. Encaminhá-la para a água corrente sem a espantar. Com paciência. Muita paciência. O olhar fixo nos seus movimentos serpenteantes e a mão pronta a cair-lhe em cima, quando chegasse o momento. A superfície áspera da folha da figueira servia para se agarrar à pele escorregadia do animal. Cravava-lhe todos os pequenos picos vegetais e já não a largava. Para isso tinha de a apanhar no meio do lombo e com um gesto único. Se lhe tocasse antes, em qualquer uma das partes, ela sentia a ameaça, fugia para um dos buracos por baixo das raízes ou enterrava-se no lodo e, pronto, não havia nada a fazer. Cada passo que dava servindo para a encaminhar para o local pretendido tinha de ser suficientemente calmo e suave para a não espantar.
Foram várias as vezes que o vi erguer o braço com o troféu a espernear na mão. Muitas se lhe escaparam, é certo, mas o saldo era-lhe largamente favorável.

Num jantar de velhos amigos e colegas de curso estava um jovem que entrara há pouco para a polícia judiciária. Descrevia, deslumbrado, fruto da novidade e do entusiasmo, sem concretizar, claro, a forma como alguma investigação tinha de ser conduzida, nomeadamente os avanços lentos, os recuos estratégicos e a paciência necessária para obter as provas absolutamente necessárias ao sucesso das operações. Ouvimo-lo interessados.
– Tenho de te apresentar o Fernando – disse-lhe eu. 
– Quem é o Fernando? –  perguntou-me ele.
– Um rapaz que apanhava enguias com a mão –  concluí, em jeito de despedida.

Empurrar com a barriga

A expressão título desta crónica estival ganhou espaço instalando-se nos miméticos vocabulários ditos chiques dos comentaristas bebedores de piadas servidas nas televisões estrangeiras. Sem qualquer sombra de recato, quanto mais de pecado, os nossos representantes nas Assembleias da República e Municipais enchem a boca de barrigas a empurrarem tudo e mais alguma coisa, a concederem razão ao antigo professor universitário Monarca Pinheiro, o qual escreveu um livro a glosar as barrigonas dos alentejanos.
O sociólogo é estrénuo contador de histórias tendo como pano (prato) fundo petiscos e vinhos das terras além Tejo, num enrolamento de demorados cantares e episódios burlescos em suspicaz mistura.
Ora, em Bragança também existiam barrigas rotundas, uma seria esférica, não por acaso o seu detentor carregava a alcunha de Bolinhas (Sr. Machado, funcionário do Governo Civil), mas não consta transformá-la em alavanca ou travessa empurradora, tal qual às usadas no metro de Tóquio no afã de empacotar as pessoas nas carruagens do Metro. Apesar de estarmos na estação maluca coíbo-me de descrever exercício de empurra nipónico porque podia ofender as pessoas sensíveis.
A expressão cimeira de grosso modo significará – varrer o lixo para debaixo do tapete – daí ao ouvir as bazófias de Maria de Luís Albuquerque, dado a presunçosa não exibir protuberante barriga, prefiro imaginá-la agarrada à vassoura a esconder o caso BANIF, a inaptidão na regulação da Caixa, sem esquecer o BES, entre o soalho e a carpete do seu outrora gabinete. O PSD vai perder uma carreta de votos em consequência das asneiras de Luís.
A rapaziada dos anos sessenta do século ido lembra-se, tal como os mais velhos, de um contínuo (chefe) do Liceu proprietário de imponente pança a qual ficou nos anais das extravagâncias comilonas porque numa clara demonstração de superioridade relativamente à do Senhor Augusto (também contínuo) alojou sem problemas uma carreta de batatas assadas no forno e apurada canhona.
No capítulo de barrigas quase rivais da de Gargântua, o meu prezado amigo Zé Monteiro (historiador José Monteiro) é testemunha e às vezes parceiro das proezas de Arquivista à força, dotado de invulgar apetite, certamente, inspirado no formidável Padre-Boi (Doutor José Antunes) são lendárias as suas mastigações de horas e horas. O Zé participou num exercício desses na casa de um sacerdote amigo, que os convidou a almoçarem com ele no dia de exaltação do orago. Foram, o padre ainda estava a presidir às cerimónias religiosas quando chegaram, mal franquearam a sala das refeições viram um leitão e um cabrito assados, luzidios, cheirosos, a fazer salivar bocas ressequidas.
Atiraram-se aos deleitosos assados, quando o amigo pároco voltou só viu ossos, exclamou, exclamou, referiu outros convidados, lastimou a gula dos manducantes. O amigo do Zé Monteiro, buliçoso, respondeu-lhe galhofeiro: olha que tivemos de empurrar a carniça com muito pãozinho…
As deputadas esquálidas aludirem a barrigas soa-me a blasfémia, ainda se fosso o deputado Carlos Abreu Amorim vá lá, o honorável revela volumosa volumetria ventresca, imita perfeitamente o deputado salazarista Pinto Barriga (exactamente) destro na palavra e no manejo de faca e garfo entre outros no já desaparecido Restaurante Paris onde podíamos apreciar esfusiante comida galega.
Ainda vi jogar o guarda-redes Barrigana, empurrava as bolas a soco, chamavam-lhe o mãos de ferro, às vezes as suas manápulas mereciam o epíteto de mãos de caca, o facto de a sazão ser doida uma palavra escatológica não borra a escrita, tal como aludir ao doutor Nalguinhas caso em vez da barriga fosse o sim-senhor a empurrar os desastres da governação de todos quantos nos vêm governando.
A elite política está a banhos (sem sabão-macaco) nas salsas ondas descansando das ingentes tarefas de memorização de graçolas e epítetos ingredientes considerados necessários aos despiques no Parlamento, rádios e televisões, seria grave intromissão eu sugerir-lhe leituras conducentes a elevar a qualidade dos ditos e contraditos. Eles não têm tempo, nem vontade para tal.
Já os leitores devem lardear o lazer lendo, muito, os múltiplos lucros grudam-se na mente sem a avolumarem qual Sancho Pança (o Dom Quixote vela releituras) depois de ter ingerido um pote de caldo manchego. As leituras concedem-nos a possibilidade de levarmos o nosso sentido crítico à eficiência dos bisturis no lancetar as disformidades pançudas de vitoriosos vendedores de ilusões porque gostamos de nos iludir ilustrando o mote: temos grandes desilusões devido a…isso mesmo.
Encher a barriga de leituras impede sermos empurrados. Percebem!

Desgostos de Agosto

Ter, 02/08/2016 - 09:55


Agosto ainda é celebrado como tempo das alegrias do retorno às origens de largos milhares de transmontanos. Há três, quatro décadas as aldeias, soturnas e já então cabisbaixas, enchiam-se de cor e som, as tascas iam passando a cafés manhosos e as festas foram sendo reprogramadas para o oitavo mês, originando uma fartura inaudita de todos os prazeres da mesa, dias a fio, quase até rebentar. Choviam francos e marcos.
 

Veículo capota na A4

Qua, 27/07/2016 - 15:57


Um veículo de matrícula suíça capotou na A4, junto a Podence, no sentido Bragança-Macedo de Cavaleiros, ao início da noite da passada sexta-feira. Segundo fonte dos Bombeiros de Macedo de Cavaleiros, tratou-se de um despiste de uma carrinha que estaria a rebocar o automóvel.