class="html not-front not-logged-in one-sidebar sidebar-second page-frontpage">

            

Os Algoritmos

Recentemente, no tampo da minha secretária, estava um pedido de autorização para a aquisição de um sofisticado software para o aumento de capacidade de processamento do equipamento instalado no Laboratório de “Machine Learning” da Fundação Champalimaud. O quarto lugar no ranking mundial das instituições sem fins lucrativos, na área da Inteligência Artificial exige um investimento contínuo e ao mais alto nível. Obviamente que a classificação atribuída pela prestigiadíssima revista científica Nature, enche de orgulho todos os portugueses, bem como todos os colaboradores da Champalimaud, especialmente toda a Unidade de Investigação. Os resultados obtidos por instituições de investigação independentes, nesta área, são também motivo de alguma tranquilidade numa área que, devido à sua expansão e existência consistente em variadas áreas da vida contemporânea, não deixa de originar algumas preocupações. Muito mais do que imaginamos é já analisado, classificado e até decidido, com base em algoritmos residentes em supercomputadores. Foi notícia, o papel destas ferramentas informáticas no processo de despedimentos da TAP e isso tem de ser motivo de preocupação e reflexão. Porque este uso não está ainda regulado e, o estado da arte, atual, sendo já muito evoluído, tanto que tem enormes capacidades de processamento e elaboração, não o é, suficientemente, para estar, garantidamente, imune a erros grosseiros e perigosos. Um algoritmo é, na prática, um conjunto de instruções predefinidas que permitem chegar a um determinado resultado. São usados desde os primórdios da computação pois são a base da operação dos sistemas informáticos. Os recentes desenvolvimentos de software e a abundância de enormes bases de dados vieram permitir que a própria máquina não se limitasse a seguir um guião totalmente definido, mas pudesse aprender, imitando o comportamento humano, analisando milhões de casos documentados nas gigantescas memórias digitais. Mas, a aprendizagem por comparação, sendo um salto enormíssimo neste processo não garante, ainda, uma confiabilidade elevada. Os exemplos multiplicam-se existindo até uma página de internet dedicada aos fracassos. Um dos casos relatados trata da identificação de maçãs, por um programa de computador. O algoritmo é alimentado com milhões de fotografias de belas e diversas maçãs vermelhas e também de vários milhares de imagens de outros frutos. A máquina aprende e identifica todas as maçãs vermelhas mas, quando lhe é apresentada uma maçã verde... classifica-a como pera, por causa da cor! Contudo, a Inteligência Artificial é já usada no dia a dia, sendo o exemplo mais corrente o reconhecimento facial de alguns “smart-phones”. Mas é também uma ferramenta de trabalho em Bancos, Companhias de Seguro e Empresas de Seleção e Recrutamento. Nada nem ninguém obriga essas instituições a assegurarem a fiabilidade de tais processos, nem sequer a informar os utentes do seu uso e qual o grau de envolvimento na decisão final. Esta utilização discricionária, por empresas privadas, cujo objetivo principal é o lucro, é assustadora pelas consequências sociais que pode acarretar. Mas se o objetivo, para além do sucesso comercial e financeiro for político, pode ser ainda pior. Para agravar os receios desta situação, notícias recentes garantem que a China lidera a investigação nesta área bem como o seu uso pelo estado ou companhias controladas pelo poder público, o que é, mais ou menos o mesmo. Ora se o aproveitamento destas tecnologias pelos agentes do mercado pode e deve causar preocupação, se estiverem ao serviço de poderes políticos opacos e com pouco escrutínio público, devem ser motivo de inquietante temor.

Negacionismo a Ferro e fogo

A definição mais justa de negacionismo encontrei- -a no Diccionario de la Lengua Española, da Real Academia Española, que reza assim: Actitud que consiste en la negación de determinadas realidades y hechos históricos o naturales relevantes, especialmente el Holocausto. Especialmente o Holocausto, vejam só! Não sei, nem me importa saber, como é ou deixa de ser o cidadão Eduardo Ferro Rodrigues na sua vida particular e muito menos privada. Enquanto figura pública e principalmente Presidente da Assembleia, a segunda figura do Estado logo a seguir ao Presidente da mesmíssima República, note-se bem, é comumente tido como arrogante, faccioso e mal-educado. Um manancial de animosidade, portanto, que em nada prestigia o cargo que exerce. A verdade é que foi eleito por um número suficiente de portugueses. Ou malteses, sabe-se lá, integrando uma emblemática lista do género “todos à molhada e fé no partido”, tão característica da democracia lusitana. A sua nomeação como presidente de tão douta assembleia política foi posteriormente acordada interpares. Ferro Rodrigues é uma figura de proa partidária, um machucho do emergente totalitarismo socialista que paulatinamente tem vindo a abocanhar a democracia portuguesa, sobretudo desde que António Costa, com a bênção de Marcelo de Sousa, seu amigo de circunstância, ousou controlar avassaladoramente a comunicação social mais determinante, instalar agentes na administração pública e política mais relevante, tutelar a denegação da justiça nos processos políticos mais escandalosos, explorar a confrangedora acefalia da oposição de direita e manipular a esquerda a seu bel-prazer. Não quero com isto dizer que Ferro Rodrigues, enquanto Presidente da Assembleia da República, não deva ser democraticamente respeitado, mesmo quando o próprio, no exercício do cargo, se não dá ao respeito. Bem pelo contrário! Entendo até que as ameaças e os insultos de que foi alvo quando almoçava tranquilamente, acompanhado pela esposa, num restaurante próximo do Palácio de São Bento, devem ser drasticamente verberados, publicamente e nos tribunais. Ofensas que os principais órgãos de comunicação social atribuíram a negacionistas, “tout court”, sem considerações relevantes sobre esta importante temática, o que evidencia algum tipo de engajamento. Importa esclarecer, por isso, que negacionismos e negacionistas há muitos e para todos os gostos. Desde logo há os que negam a existência de Deus, que a Terra seja redonda, a evolução darwiniana, o aquecimento global ou o próprio Holocausto, o que é, quanto a mim, o espanto maior. Não seria de admirar, portanto, se alguém viesse agora argumentar que o “homo politicus” Ferro Rodrigues não existe, de tão surpreendente que é. Só mesmo o seu correligionário Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, se lhe compara mas também ninguém apareceu, até hoje, a duvidar da sua existência. No caso que envolveu Ferro Rodrigues não restam dúvidas, porém, de que se está apenas e tão-somente, perante negacionistas da COVID-19 e da justeza da vacinação contra este flagelo que irreflectidamente associam ao desastrado Presidente da Assembleia da República, como se tivesse sido ele, mais os seus acólitos, a inventá-la, embora não necessariamente a produzi-la na chafarica de São Bento. É que, se assim fosse, tal não passaria de um “remake” da teoria da conspiração de que que os chinocas se conseguiram safar, até melhor ver. É claro que os negacionistas lusitanos da Covida-19 estão no exercício pleno de um consagrado direito democrático. Devem é apresentar argumentos relevantes, cientificamente validados para as suas reivindicações e fazê-lo de forma pacífica e dentro da Lei. O que não foi o caso. É o que acontece, por regra, com os diferentes tipos de negacionismo que irrompem nas democracias liberais, que poderão nada ter de espontâneo e antes serem provocados, promovidos e financiados por forças escondidas. Com realce para as que preconizam a tão badalada Nova Ordem Mundial que é, na verdade, uma hidra de sete cabeças, expressão moderna, em última análise, da velha tentação totalitária, não sendo necessária grande imaginação para encontrar tentáculos americanos, chineses ou mesmo islamitas, entre outros, a esbracejar subrepticiamente. Preocupante é, contudo, concluir que todos eles contemplam a extinção de grande parte da Humanidade por diversas vias, mesmo quando declaram o contrário, no quadro de uma governação mundial optimizada em função dos seus próprios desígnios totalitários. São forças que, sob capas progressistas, esquerdistas e revolucionárias, mesmo quando marcadamente de direita, privilegiam a mobilização de ingénuos e papalvos, porque assim se torna mais fácil e eficaz a desmoralização e destabilização de sociedades e da própria Humanidade.

O Príncipe Perfeito

Os Reis Portugueses têm todos um cognome. Acho que é assim, ou era, em todos os Países com Realeza. Cognome é a palavra síntese que caracteriza o homem ou a sua obra. Curioso não acontecer aos Presidentes das Repúblicas este escrutínio que desemboca num epíteto. Esse epíteto, esse cognome é muitas vezes revelador da estaleca de estadista que esse Rei revelou. Ter de cognome “o gordo” ou “o formoso” como aconteceu a D. Afonso II e a D. Fernando respectivamente quer dizer que como Reis não fizeram nadinha pois o que sobrou dos seus mandatos foi o seu aspeto físico, só. Não sei quem fez este baptismo, se foi o povo, os cronistas ou se foi posteriormente um painel de historiadores. De qualquer forma sei que não foi o povo que baptizou D. Sancho II de Capeto. A um Rei que deixa fugir a mulher para os braços de Portocarreiro, um nobre de Ourém, e que deixa fugir o trono para as mãos do irmão, D. Afonso III, o povo encontraria um epíteto algo menos lisonjeiro que Capeto. O mesmo com D. Afonso VI a quem chamaram “o vitorioso”. D. Afonso VI deixou que o irmão D. Pedro II lhe roubasse a mulher, D.ª Francisca de Saboia, o trono e o metesse na cadeia. O homem a quem acontecem estes três revezes não é necessariamente um vitorioso. Em contrapartida a pessoa que inflige estes infortúnios não é de forma alguma um “Pacífico”, cognome de D. Pedro II. Também o cognome de D. Sebastião, “o desejado” me parece deslocado. Então um Rei que arrasta um País para uma guerra sem medir as consequências é desejado porquê? Para voltar a fazer o mesmo? Já o cognome de D. Diniz, “Lavrador” ou “Trovador”, não está à altura do visado. Chamar-lhe “Lavrador” parece querer dizer que é um iletrado, um boçal. “Trovador” sugere um homem boémio. Ora D. Diniz compôs “cantigas de amor”, “cantigas de amigo”, musicou algumas delas, foi o primeiro Rei a assinar o nome completo e criou a Universidade de Coimbra. Além disso mandou plantar o pinhal de Leiria, o que lhe valeu o epiteto de Lavrador, quando pelos vistos não eram árvores que ele queria, mas sim madeira para as naus. Viu mais longe. Fernando Pessoa chamou-lhe “plantador de naus a haver”. Assim estaria melhor. Por último, vejamos D. João II, o “Príncipe Perfeito”. Este Rei transformou Portugal num estado moderno (à época) centralizado e hierarquizado acabando com aquele conjunto de Ducados que era o Portugal de então. Nessa postura de senhor do Reino celebrou com os Reis Católicos um Tratado (de Tordesilhas) sem a interferência Papal, coisa inédita até então (como se sabe o Tratado de Tordesilhas dividia o Mundo desconhecido para Portugal e Espanha o que levou o Rei Francês Francisco I a perguntar “qual é a clausula do testamento de Adão que me proíbe de entrar nessa divisão?). Investiu na Ciência e no Conhecimento no sentido de descobrir o caminho marítimo para a Índia. Mandou Pêro da Covilhã por terra, Bartolomeu Dias por mar, apoiado por cartógrafos capitaneados por Zacut e tendo por explorador avançado o enigmático lobo do mar Duarte Pacheco Pereira (o Aquiles Lusitano de Camões) Portugal pedia meças ao Mundo em conhecimento marítimo. A ponto de, na negociação do Tratado de Tordesilhas, os Espanhóis ficarem surpreendidos com o à vontade com que dominávamos esses dossiers. Repare-se que os dois grandes feitos marítimos Espanhóis, as descobertas dos caminhos marítimos para a América e da volta ao Mundo feitas por Cristóvão Colombo e Fernão de Magalhães respetivamente, foram realizados por homens da escola Portuguesa (não há dúvida que quando Portugal investe em Ciência explodimos em excelências). D. João II pôs, de facto, Portugal no centro do Mundo a ponto de quando da sua morte, Isabel, a Católica, ter desabafado: “morreu o Homem”. Mas D. João II também tem outra face. Para deter o poder absoluto perseguiu, assassinou ou executou dezenas de pessoas e outras exilaram-se em Castela. Ao Duque de Bragança prendeu-o, julgou-o e degolou-o. Ao Duque de Viseu, seu cunhado, meteu-lhe uma faca nas costelas em plena praça pública. Ao Bispo de Évora prendeu-o e envenenou-o na prisão. Bom, foi um autêntico estado de terror. Então sabendo-se isto, continuamos a chamar “Príncipe Perfeito” a D. João II? SIM! A análise dos acontecimentos históricos não pode ser feita nem com lamechice, nem do ponto de vista do bom senso, nem à luz de princípios éticos, mas sim na verificação das alterações que esses acontecimentos provocaram no percurso histórico desse país. Por exemplo: D. Afonso VI perdeu a mulher e o Reino para o seu irmão, mas a História considera isso perfeitamente irrelevante. Por outro lado, releva o facto de nenhum outro Rei ter ganho tantas batalhas a Castela e isso sim foi importante para o País. Daí lhe chamar o “Vitorioso”; D. João II matou o cunhado, envenenou o bispo, mas o País não teve qualquer sobressalto. Estes acontecimentos não passam de estórias da História, de epifenómenos de um fenómeno maior. Já a História releva a forma Perfeita como conduziu o País até ao topo da notoriedade. Estamos a falar de D. João II, mas podíamos estar a falar de Otelo Saraiva de Carvalho. Pese embora àqueles que trazem a democracia atravessada nas goelas e que portanto o elegem como o inimigo público nº 1, a História não vai perder muito tempo com os mandatos de captura em branco, com as fanfarronices, com as putativas ligações às FP 25, mas vai registar o nome do homem que foi o rosto do 25 de Abril porque este acontecimento alterou por completo o pulsar do País.

Entre a Vida e a Morte

Quantas vezes, por pura graça, fizemos ou respondemos à pergunta "o que farias agora se morresses amanhã?". Quase sempre a resposta foi extravagante - uma festa de arromba; uma refeição com comidas exóticas; uma orgia. Viagens para sítios paradisíacos está fora de questão, ou íamos morrer dentro de um avião, uma chatice. E passar as últimas horas no check-in. Porque nos parece mais extravagante morrer do que estar vivo. É como que estar vivo seja uma coisa de menor importância e morrer algo fora da caixa. A morte é tão pouco tangível. Viver parece tão adquirido, tão normal. Mais estranho é receber a notícia da morte de alguém. Não ligamos a ninguém para dizer "olha, fulano continua vivo hoje". Mas talvez devêssemos. Já diz o saber popular que a morte é o que temos mais certo. Ainda tenho alguma esperança, confesso, de que a Morte se esqueça de mim e me conserve, por engano, jovem e com saúde. Ainda que saiba que vai acontecer, falecer não está, de todo, nos meus planos próximos. Isso é que me dá liberdade para adiar tarefas, evitar resolver problemas prementes e ignorar o que me traz sofrimento. Isto porque, à partida, haverá uma Tânia do futuro, provavelmente amanhã, que irá lidar brilhantemente com tudo o que escolho agora deixar cair. E, se não fosse assim? Iria partir para o Além com assuntos mal resolvidos, deixar um rasto entre a Vida e a Morte como quando pisamos pastilhas elásticas derretidas na rua? Sim. Vocês não? Vivemos como se fôssemos eternos. Carregamos mágoas e coisas pendentes anos e anos. Escolhemos assim. É mesmo isso. Uma escolha. Não dizemos o que queremos dizer, andamos a cozinhar tudo em banho-maria. Ignoramos sentimentos, anseios. Deixamos tudo para "um dia", seja lá quando isso for. Porque nos fitamos nas estatísticas da esperança média de vida, o que, a correr bem, ainda dá uma folga para sermos politicamente correctos e agir sempre de acordo com a razão e o que é "melhor assim". Ou acham que, havendo algo do lado de lá do véu, nos podemos juntar, ocasionalmente, pelo menos, para tratar do que não tratamos em vida? Vão ficar no ver para crer, não é? A Humanidade tem reflectido muito pouco sobre esta questão, de que a distância entre a Vida e a Morte pode ser mais curta do que o que supúnhamos. Tempo extra para viver poucos terão. Investimos mais frases feitas: "Vive cada dia como se fosse o último". A sério? Foi o que pensaram ontem, enquanto viam séries que nem gostam na Netflix, só para passar (desperdiçar?) o tempo? Também por graça, já pensei bastante no que quero que diga o meu epitáfio. Desde as brincadeiras "Eu avisei que estava doente", "Não deixem flores, sou alérgica", "Morri, a sério?", "Finalmente, vou poder dormir mais de 8 horas", entre outras que, se escrevesse aqui, me iam proibir de continuar a escrever para o Jornal, a algo mais sério como "Aqui jaz Tânia Rei, uma pessoa feliz". Se pudesse pedir para escrever isso, sem mentir, sem ressentimentos e com todos os meus assuntos resolvidos, então a passagem por aqui teria valido a pena e estava, de facto, na hora de partir.

Depois das máscaras

Azuis, brancas, pretas. Aí estão elas no chão, jazendo no seu pequeno espaço urbano tendo caído no passeio. Negligenciadas ao serem tiradas duma carteira ou dum bolso demasiado cheio, lançadas dum automóvel colado ao passeio. As máscaras de todo o tipo de tecido e de forma. Bicudas ou lisas, para serem cravadas na parte inferior do rosto que aspira a respirar o ar puro das cidades e dos campos. As máscaras virão a cair muito em breve, o verão tendo passado por aí, tudo não passará duma má recordação. Péssima recordação tendo emoldurado por mais ou menos dois anos a memória dos portugueses. Recordação de polémicas maiores e indignadas no início, quando escasseavam, quando, tendo compreendido que os enormes stocks tinham impunemente desaparecido, demo- -nos conta que seria preciso adquirir mais máscaras, e não em pequena quantidade: dezenas de biliões à China promovida imperatriz do Centro dos nossos rostos. As nossas caras furiosas e vergonhosas então a amaldiçoar a “nulidade” das autoridades incapazes de no- -las fornecer em pequenos pedaços de tecido com uma utilidade discutida. Depois foram vertidas sobre todo o país, como sobre o Egito das pragas, nuvens de grilos peregrinos de todas as cores. Foi preciso trazê-las em todo o lado. Tornava-se a arma mágica essencial, obrigatória contra o maldito vírus. Uma arma substituída por fim na preocupação de uns e de outros pela imperiosa necessidade de vacinação. Os diatribes mudaram de objeto mas em nada de intensidade. Houve, depois da penúria das máscaras, penúria das doses, das doses boas, eficazes e seguras. O debate durou longas semanas. Toda a gente, tendo- -se posto a usar máscaras para cobrir a boca não percebíamos nada sobre o que diziam os peritos nas televisões. Não percebíamos nada tampouco das injunções contraditórias nem das afirmações opostas. Ao acreditar que alguns defendiam tal marca e outros defendiam a sua concorrente preferida. Foi assim que, saltando de pedra em pedra por cima dum riacho de montanha acabámos por nos encontrar perante este novo debate embaraçoso, neste último início de verão: até quando perdurarão este raio de máscaras nos nossos rostos doentios? O facto de se ver sem elas significaria o fim da pandemia. Deste modo foi lançada a última polémica opondo os avisados, os prudentes aos impacientes que não se viam bronzear somente a metade do rosto. Assistimos às últimas bufadas delirantes à volta destas máscaras cuja ausência insuportável e o desaparecimento desejado enquadram a vida do nosso país desde há muito tempo. Figuravam, retrospetivamente, estas máscaras cariátides como dois prensa livros numa cheminé, mantendo em pé livros de horas, das memórias de confinamento, de trabalho à distância, dos (re)confinamentos. O primeiro capítulo tinha como título o “ Negócio das máscaras”. O último poderia ter tido exatamente o mesmo título. De pedra em pedra e destas duas sequências iniciais finalmente só recordaremos as máscaras. Não somente máscaras, mas máscaras sem fim como se chovessem máscaras por todo o lado. Qualquer dia, sem máscaras por fim, sem a preocupação de colocar a máscara no rosto, por fim! Entretanto, dezenas de agonias invisíveis de humanos que nós teremos deixado morrer sozinhos cheios de tubos, sem máscaras auto-portáteis. Mortos que nos terão deixado completamente à beira do poço fatal onde as nossas ambições terminam sem recuperação. Só nos resta o murmúrio lancinante e as lamentações dos defuntos que terão partido antes de nós. Terão eles até ao fim, atrás do acrílico de proteção das suas câmaras fúnebres e brancas, ouvido o zunzum das nossas querelas, o bombardeamento mediático recorrente das nossas maldades, dos nossos insultos e golpes baixos?

Da Chave na Porta aos Assaltos por Esticão

S empre que vem a propósito, quando o tema é Segurança, costumo partilhar com os meus amigos a seguinte passagem: há pouco mais de 30 anos, frequentava eu a Faculdade de Letras da Universidade do Porto. No primeiro exame que tive, Literaturas Orais e Marginais, o prestigiado professor da cadeira, Arnaldo Saraiva, apercebendo-se da minha origem geográfica, pelo sotaque, comentou em voz alta: “Você é de Bragança, terra onde as pessoas deixam a chave na porta”. Infelizmente, não obstante a negação, uns por conveniência, outros porque lhes custa aceitar a mudança dos tempos, esse longínquo Paraíso Terreste, o Éden bragançano, é matéria para as agradáveis e salutares partilhas no “Memórias e Outras Coisas”, blogue de que sou fã incondicional. Há 3/4 anos, numa vaga de assaltos na cidade de Macedo de Cavaleiros – extensível a todo o distrito de Bragança-, um comerciante, a quem tinham assaltado a loja comercial várias vezes no mesmo mês, e de cujas intromissões dos donos do alheio resultaram avultados prejuízos, instado a pronunciar-se, perante a comunicação social, sobre o sucedido, e num estranho estado de resignação, observou: “ A sociedade pariu- -os, temos que os aguentar!”. Numa tarde do pretérito mês de Julho, estando eu na esplanada do café Goalkeeper, na Rua Almirante Reis, por volta das 18 horas, a beber o meu fininho, assisti, incrédulo, à parte final dum assalto, cuja vítima, um jovem africano, estudante de mestrado no IPB, lhe foi roubada a carteira na “Creparia” Raquel. O desespero do jovem, na ocasião, não era tanto o dinheiro roubado, mas os documentos, porque, no dia seguinte, tinha viagem marcada para o seu país. Pela descrição física dos meliantes - um rapaz e uma rapariga - (alguém, que por ali passava no momento, se apercebeu), o marido da Raquel, o Toninho Sardinha, ficou a saber quem eram os “artistas”. Adoptando uma atitude pedagógica, sem participar às autoridades policiais, foi a casa dos ditos e recuperou a carteira com os documentos. Há duas semanas, na nossa cidade, a comunicação social local e as redes sociais davam conta dum assalto por esticão, cuja vítima, uma jovem, além do roubo, ficou fisicamente muito mal - tratada. Acontece também, com alguma frequência, na nossa “pacata” Bragança, idosos serem assaltados, em plena luz do dia, quando vão levantar a mísera reforma ao banco. Isto tudo será coincidência?! Não. Estes episódios, que, desde sempre, nos habituámos a ouvir falar na rádio, na televisão e a ver nos jornais, e que tinham como palco as grandes cidades do país, está hoje, para mal dos nossos pecados, a tornar-se norma em Bragança. Há solução para isto? É evidente que sim. O problema está do “politicamente correcto”, que está a fazer Escola nesta sociedade de valores invertidos, que, nesta matéria, é sinónimo não de urbanidade ou inteligência social, mas da mais indisfarçável hipocrisia e rasteiro tacticismo político. Mas como não sou, nem de perto nem de perto nem de longe, adepto do fingimento, mas partidário da ideia de que se devem “chamar os bois pelos nomes” e, por outro lado, porque a segurança, enquanto cidadãos, é um dos bens mais preciosos que podemos almejar, lanço o seguinte desafio a quem a Democracia, através do voto, legitimou para nos representar. Todos sabemos (até a mais boçal criatura) que grande parte do produto dos furtos é para comprar droga. Assim sendo, via com bons olhos facilitar a vida a esta rapaziada, criando na nossa cidade um “centro de acolhimento”, qual “Quinta dos Segredos”, ou, no formato televisivo mais recente, um “Quem quer Casar com o Agricultor”, mas com o nome (parece-me feliz) de “Quem quer fumar com o toxicodependente”. Seria um local permanente abastecido do “produto”, quer pela autarquia, quer pelas IPSS (eu próprio me prontificava, a título de voluntariado, na ajuda das ditas entregas), para que nenhum “utente” fosse privado da respectiva dose diária. Porque prezo muito a minha segurança e a dos meus, não me importava nada (digo- -o sem qualquer ironia) que retirassem mensalmente do meu magro vencimento, quer através de imposto, quer de taxa municipal, uma percentagem para esta “causa”. Se continuarmos a fechar os olhos a esta triste realidade (permitam-me a metáfora: o lobo só desce ao povoado e ataca, se não tiver alimento no matagal), temo o que estará para vir!

António Pires