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Democracia: a luta continua

Escrevo esta crónica quando ainda não são conhecidos os resultados do acto eleitoral de 10 de Março. Quando as sondagens, que valem aquilo que paga quem as compra, deixam em aberto várias hipóteses: vitória da esquerda ou da direita, da AD ou do PS, com diferentes configurações para cada caso, podendo condicionar a governabilidade e a estabilidade política de diferentes formas. Ainda assim a vitória da AD sem maioria absoluta, tida como a mais provável, é a mais excitante de todas, porquanto aos partidos IL e Chega, sobretudo a este último, são atribuídos papéis determinantes neste contexto. Uma coisa eu afianço, porém: a luta democrática vai continuar seja qual for o cenário resultante do acto eleitoral em apreço já que as matérias em aberto são mais que muitas. É que não basta eleger um novo governo para tudo, de pronto, se converter num mar de rosas. Mas não se trata apenas da luta democrática quotidiana que tem a ver com as reivindicações das muitas classes profissionais que se têm manifestado ruidosamente, com destaque para os professores, os médicos, os agricultores, os polícias e os próprios militares e que ainda não viram os problemas resolvidos cabalmente, pelo governo que acaba de cessar funções. A irradicação da corrupção, do compadrio, do videirismo e do devorismo também devem ser um alvo permanente da luta democrática. Igualmente se trata, e esta será mesmo a mais importante, da luta pela salvação da própria democracia, das reformas estruturais que tardam e que continuam a entregar o Estado e a o próprio Regime à sua sorte. Porque a o Sistema de Justiça não pode continuar como está, um monstro de lentidão e de arbitrariedade, claramente vulnerável a pressões partidárias e não só. O SNS não pode continuar a falhar clamorosamente em áreas fundamentais como se tem visto. A Educação tem que ser urgentemente reparada das falhas e carências graves que são por demais conhecidas. As Forças Armadas não podem continuar a ser desprezadas. A Agricultura tem que ser olhada, de uma vez por todas, com o respeito e a dignidade que merece e o ermamento e a desertificação de grandes áreas do interior devem ser atacados com presteza. Já no plano eminentemente político importa destacar a lei eleitoral, a hegemonia partidária, a corrupção, a tentação totalitária sempre patente e que na família socialista tem expressão visível, a promiscuidade do poder financeiro com o político, as assimetrias regionais, a luta pelos direitos das mulheres e o repúdio da satânica ideologia de género. O que está verdadeiramente em causa é a própria Democracia, portanto, que corre o risco de colapsar e não só em Portugal. Democracia que é a maior conquista da Humanidade embora sempre tenha estado em luta desde que formalmente se conhece. O que não será grande novidade já que sempre assim foi desde a Grácia antiga, para não dizer das cavernas da pré-história: o povo, porque sempre foi maltratado pelo poder, sempre sonhou ser ele próprio poder. Trata-se de uma longa luta, porém, com altos e baixos, fluxos e refluxos. Ainda que, ao que se diz, a Democracia tenha ganho na Atenas de Péricles uma feição quase perfeita, longo foi o interregno até que a moderna democracia representativa começasse a ganhar corpo com a revolução francesa. Isto já no século XVIII. Tanto assim é que ficou célebre a frase proferida por de Churchill em 1947,”De facto, já houve quem dissesse que a Democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras que têm sido tentadas de quando em vez”, e que, por tudo e por nada, continua a ser invocada sempre que se pretende justificar e favorecer a s ditas democracias parlamentares. Actualmente é o que se sabe. Um relatório recente do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral, sediado em Estocolmo, Suécia, refere que apenas nove por cento da população mundial vive numa democracia plena, enquanto 70 por cento vivem em países não democráticos ou em retrocesso democrático. Não será difícil acreditar porquanto sabemos bem o que se passa actualmente na Rússia, na China, na Coreia do Norte, ou mesmo em Cuba e na Venezuela. Sem branquear as democracias reinantes em países onde ela aparentemente funciona melhor, como será os casos dos países da velha Europa. Melhor conhecemos, todavia, o nosso caso, o caso, português e é aqui que temos que nos concentrar. É preciso que a luta democrática pela democracia continue. Porque só a democracia é verdadeiramente revolucionária, mas é preciso que o seja

Será que vale tudo?

Muitos pensam que vale tudo para atingir os objetivos a que propõem, mas não. Não vale tudo. Penso mesmo que nunca valeu fazer de tudo para os atingir, ou pelo menos, não conseguiram atingir os objetivos quando tentaram fazer tudo e mais alguma coisa. E porquê? Pela simples razão de que o que está mal não se pode sobrepor ao bem. O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Os exemplos a que assistimos diariamente vindos das diferentes campanhas que percorrem as estradas na tentativa de convencer os indecisos, são muitos e alguns deles nada recomendáveis. Dizia-me uma amiga que já estava farta de assistir a tantas promessas e maldizeres que já não conseguia olhar muito tempo para a televisão e ver o que os líderes dos partidos diziam e prometiam. Tem razão. Já cansa ouvir sempre a mesma coisa e as mesmas promessas. Pior que isso é dizerem mal uns dos outros e criticarem sempre o que os outros fizeram ou deixaram de fazer. Quase todos têm telhados de vidro. A verdade é que uma análise cuidada e um recordar do que ficou para trás na governação deste país, leva-nos a concluir isso mesmo. Todos fizeram promessas e todos nunca cumpriram o que prometeram. Ficou muito por fazer e muito foi feito erradamente. No ano em que fazemos cinquenta anos de democracia e liberdade, é triste constatarmos que a democracia e a liberdade são conceitos que não são respeitados por todos, especialmente pelos que têm ambições governativas, sejam elas quais forem. De facto, a democracia não pode ser só uma palavra que atira pela boca foram quando dá jeito. E o mesmo se passa com a liberdade. Esta tem limites tal como a democracia na sua verdadeira acessão. Infelizmente, muitos esquecem-se disso. Nestas horas de campanha acérrima não pode valer tudo. Que haja uma luta salutar pela conquista das ideias democráticas que cada partido possa apresen- tar, é de louvar, mas quando a luta passa para ofensas pessoais e até físicas, já é de condenar, e muito. Estou a lembrar-me, por exemplo, da lata de tinta que foi despejada em cima de Montenegro. É uma vergonha e um crime intolerável. Pessoas de bem não têm atitudes destas e se o assunto era pôr em causa a Natureza e a defesa dela, então não é assim que se defende a causa, mas discutindo e chegando a conclusões. A violência nunca levou nada a bom termo. A agressão pura e simples, não é digna de quem quer resolver problemas. As soluções não nascem da violência, ela só cria mais problemas. As críticas verbais a que também assistimos nas várias campanhas, são igualmente deselegantes, na sua maior parte. Embora tentando ser minimamente educados, os líderes dos vários partidos, em alguns momentos, conseguem perder um pouco a sua postura e deixar vir ao de cima o seu nervosismo e até radicalismo. Os partidos mais nacionalistas, como o PS, o BE, o PCP e o Chega, especialmente, mostram bem em algumas afirmações este tom mais agressivo no discurso. Mas não vale tudo. Há modos de dizer as coisas e também de fazer promessas e até de criticar o que os outros disseram ou fizeram. A este respeito lembramo-nos bem o que aconteceu em Portugal quando o PS chamou a Troica para endireitar as contas e a dívida nacional. Estávamos falidos e na Bancarrota. Perderam as eleições e foi o governo que se seguiu que teve de pegar o touro pelos cornos e levar o barco por diante. Não foi fácil e muitas coisas foram feitas que não agradaram nada aos portugueses. Nem podiam agradar. Mas de quem foi a culpa? E já não é preciso recuar ao tempo de Mário Soares em que Portugal entrou igualmente em Bancarrota. Culpa de quem? Agora o PS não quer falar desse tempo e remete as culpas do tempo da troica para o governo de Passos Coelho. Um erro em que só eles acreditam e querem fazer crer. Mas há memória. Este arremessar de farpas sujas, não mancha ninguém a não ser quem as arremessa. Será que isto é democrático? Não, não é. É jogar sujo. Pois seria muito mais democrático que todos jogassem limpo, sem mentiras, sem agressões e em liberdade. Claro, sem colidir com a liberdade de cada um. Não sabemos quem vai ganhar, mas isso agora não interessa. O que deveras interessa é que ganhe quem ganhar, será sempre uma escolha dos portugueses e como tal, quem governar deve governar para bem dos portugueses e cumprir as promessas que fizeram para não descredibilizarem a democracia e os partidos. Se não pensam cumprir e é só falácias, que não prometam. Sejam íntegros. Sabemos que a luta é essencialmente entre o PS e a AD e também sabemos já que dificilmente haverá maioria absoluta para nenhum deles. Contudo, o que ganhar que não se arme em gabarolas e em querer ser o melhor de todos, porque o povo está cá para julgar. E como o CHEGA está à espreita e espera apanhar uma fatia do bolo, será melhor que não se engasgue se o comer. É que não vale mesmo tudo. Há limites.