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Fazer nevar no inferno em pleno Agosto

Dou por mim sentada numa esplanada, como a maioria das pessoas por estes dias. A transpirar por tudo que é poro. E pensar que só queria fugir do sol abrasador transmontano. Resultou em cheio. Seria anormal nevar em pleno Agosto, é certo. Uma notícia que correria o mundo. Mas o calor faz- -nos suar e ficar pegajosos, o que não é nada confortável, até para os mais treinados, como é o meu caso. Afinal, são muitos anos a conviver com o ditado “nove meses de inverno e três de inferno”, usado de forma muito assertiva para descrever o ano meteorológico de Trás-os-Montes. Falando em inferno, talvez a culpa de todo este calor não seja das alterações climáticas ou, simplesmente, o cumprir da normalidade. Já sabemos que o calor faz falta a muita coisa, e que faz parte. É o mesmo com o frio e o assim-assim. Mas isto já é maldade. Aliás, já nem me lembrava de um Agosto com clima de Agosto. Por norma, só damos pela falta dele quando precisamos, como em dias de festa em que não contávamos ter que carregar com um casaco. Logo este ano, em que estamos escassos em festas, vem o calor em força. E os casacos ficavam em casa. Enquanto destilava e tomava a minha água com gás, muito gelo e uma rodela de limão, dei por mim a fazer a pergunta que já deve ter cruzado a mente de mais de metade da população mundial: E se a Eva tivesse resistido à serpente e não tivesse comido a maçã? E se, pelo menos, não tivesse influenciado o Adão a pecar com ela? A culpa original pode ser mesmo dela. Será que o verão era agora menos quente e o inverno menos rigoroso? Será que tínhamos tido alguma benesse extra no que toca à nossa existência? As nuvens seriam, tal como parecem vistas daqui, feitas de algodão-doce, e que poderíamos mesmo comer, sem engordar ou ficar diabéticos? Iríamos mesmo viver para sempre, de preferência jovens e saudáveis? Quem sabe, o clima seria decidido em cada lugar de acordo com o merecimento de quem lá mora. Como uma prenda, ou uma punição. Mesmo que tenha sido assim, percebo a Eva. É muito difícil ser perfeito e nunca errar. Até porque às vezes, queremos mesmo errar. Não é que não saibamos a diferença entre o certo e o errado, ou que não tenhamos consciência que poderíamos ter tomado melhores acções. O que acontece é que é o que queremos, porque somos humanos. E os humanos guiam-se por leis que, tal como à Eva, nos levam por caminhos que não achávamos que nos estivessem destinados. A diferença entre o certo e o errado também é muito ténue. Há mesmo um lado bom e um lado mau? Uma decisão acertada ou um tiro ao lado? Talvez. Mas o que a Eva nos deu também, em última análise, foi o livre arbítrio para pensarmos somente com a nossa razão e a nossa emoção, sem concepções pré-definidas. Assim, vamos poder descobrir, sozinhos, onde nos levam os nossos desejos e as nossas escolhas. Vamos poder investir no que achamos que nos faz felizes, fugir do que suga as nossas energias. Vamos poder fazer tantas coisas quantas quisermos, para não morrermos estúpidos e na ignorância, ou com receio de que, sem querer, acabemos por arrefecer o verão ou aquecer o inverno. Mesmo se acabarmos por ouvir acusações sobre a súbita subida de temperatura no Céu ou se fizermos nevar no inferno em pleno mês de Agosto, vamos poder ter a firma certeza que, simplesmente, estamos a viver. O melhor que podemos e sabemos. Sem medos.

Já ardem catedrais!

Reza a história dos santos que Santa Sofia nasceu em Roma, por volta do ano 130, era Públio Élio Adriano imperador. No âmbito da célebre perseguição dos cristãos foi Sofia presa com suas três filhas que foram barbaramente decapitadas na presença da sua própria mãe. Sobreveio a santidade de Sofia que seria mais tarde proclamada padroeira de um majestoso edifício construído entre os anos 532 e 537, destinado a ser catedral da então Constantinopla, a moderna Istambul. Trata-se da universalmente conhecida Basílica de Santa Sofia. Para lá da posição marcante que assumiu na história da arquitectura, (foi modelo de inúmeras mesquitas otomanas), esta notável construção serviu como templo da Igreja Ortodoxa durante 844 anos, esteve sob domínio da Igreja Católica durante 57 anos apenas, e voltou ao domínio da Igreja Ortodoxa por um novo período de 192 anos. Em 1453, na sequência da conquista de Constantinopla pelo sultão Maomé II, primeiro soberano do Império Otomano, foi a basílica convertida em mesquita e como tal funcionou até 1931, por 478 anos, até que Kemal Atatürk, carismático fundador da moderna República da Turquia, a transformou em museu profano. Resumindo: A Basílica de Santa Sofia, contruída sob a égide cristã entre os anos 532 e 537, serviu o cristianismo durante 1093 anos, o islão por 478 anos e funcionou 89 anos, entre 1931 e 2020, como museu. A sua reclassificação em mesquita acaba de ser consumada numa cerimónia religiosa presidida pelo islamita Erdoğan e na qual um influente imã, de espada em punho, falou de conquista aos seus correligionários, numa clara exortação à “jihad”, a guerra santa muçulmana. Decisão marcante que atraiçoa a memória de Kemal Atatürk e indicia o progressivo engajamento de Erdoğan com as sinistras legiões fundamentalistas que pugnam pela destruição do estado laico, pela conquista da Europa e o aniquilamento da cristandade. Matéria em que Erdoğan está, por agora, em sintonia com o chinês Xí Jìnpíng enquanto o russo Vladimir Putin, ironia do destino, se perfila como o grande defensor do cristianismo. Todavia, outros perigos ameaçam as nações europeias, degradam a emblemática democracia, a segurança e o bem-estar das populações, perante a preocupante pusilanimidade da maioria dos líderes europeus. A pandemia, com a crise económica e social dela decorrente, é apenas uma parte, ainda que emergente, do problema. A corrupção de estado, a imigração maligna incentivada pelos inimigos da Europa, a denegação da sua História, Cultura e princípios humanistas têm vindo a desempenhar um crescente papel subversivo, perante o desleixo, conivência e mesmo traição dos políticos que facilitam a ocupação dos seus países pelos fundamentalistas islâmicos e outros não menos perigosos agentes. Esquecem tais políticos que na Europa não cabe toda a miséria do mundo e que o mundo sem a Europa e os princípios europeus será, mais do que já é, um mundo de miséria e opressão. A norte já a autoridade do estado, a liberdade civil e religiosa e a paz social estão seriamente comprometidas. A sul já ardem catedrais! Prenúncios de guerra civil generalizada, de pendor social, religioso e racista, para qual a Europa inexoravelmente caminha se é que não está já em curso. Os infiéis, cristãos e não só, que se cuidem

Arrogância (grave e pouco inteligente)

A história é simples e descreve-se em poucas palavras. Começou alguns dias antes da chegada da pandemia e terminou em plena fase de confinamento. Não tendo importância bastante para se impor a outros assuntos que, entretanto, foram surgindo, contém em si matéria suficientemente grave para impedir o seu esquecimento. Havia, desde há mais de uma dezena de anos, uma regra do conhecimento de todos e nunca quebrada e que determinava que todas as edições literárias produzidas por munícipes de determinado concelho, tinham direito a apoio municipal. Naturalmente, o editor abordou o Presidente da Câmara solicitando a normal contribuição municipal para a divulgação de várias obras que preenchiam os requisitos. O autarca concordou, de imediato, com todas as propostas com exceção do livro escrito por um determinado autor. Ao saber do sucedido, o visado dirigiu-se por e-mail ao autarca pedindo explicações. Este mandou um responsável da autarquia responder que os apoios culturais estavam cancelados por causa da pandemia, entretanto instalada. Há, pelo menos, três aspetos e relevar desta situação. 1 – Como a recusa foi feita com base no nome do autor e não em qualquer análise da sua obra (ainda não tinha sido lançada, nessa altura) o gesto configura manifesta censura baseada em suposto delito de opinião. Queria, provavelmente, “prejudicar” o escritor, mas a penalização afeta sobretudo o editor, pequeno empresário do mesmo concelho. Peca, sobretudo, por falta de inteligência. Qualquer pessoa com dois dedos de testa facilmente concluiria que esta era uma oportunidade única de colocar nos ombros uma capa de democrata, mesmo não o sendo (até porque a promessa poderia ser deferida para a altura que mais lhe conviesse). Desperdiçar essa possibilidade revela, sobretudo, pouca esperteza mas, infelizmente, há pessoas para quem, qualquer avaliação positiva, mesmo que modesta, arrisca-se sempre a ser exagerado. 2 – Decidindo furtar-se a dar, na primeira pessoa, uma justificação, qualquer que ela fosse, sobre uma decisão pessoal a discricionária, mostra, não só o incómodo que a situação lhe causou mas, mais do que isso, evidencia a cobardia de quem não é capaz de assumir os próprios atos, escondendo-se atrás de quem não se pode deixar de obedecer às “ordens superiores”. Episódios passados denunciam não ser este um episódio fortuito. É bom não esquecer que o que foi questionado por e-mail não foi a recusa da concessão de apoio mas quais as razões para a exclusão com base apenas no nome do escritor. 3 – Mas, o pior de todo este episódio reside na exibição, sem pudor, nem recato, da determinação, por parte de quem ocupa um lugar de eleição democrática, de usar, a seu bel prazer, os recursos públicos que jurou gerir responsavelmente e com equidade. Se mesmo sabendo que o episódio dificilmente deixaria de vir a público (admitir o contrário seria diminuir-lhe a capacidade intelectual a um nível inimaginável), não se coíbe de assumir, que usará ou deixará de usar os fundos municipais em função dos seus humores pessoais e das suas considerações subjetivas e distorcidas é de uma gravidade enorme. Em qualquer altura. Muito mais no dealbar do ano de eleições!

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos- Manuel Lopes, um judeu do tempo da inquisição

No último texto ficámos em Chacim onde assistimos ao casamento de João Ventura, irmão de Manuel Lopes. Ao lado da casa de João Ventura e Beatriz, morava o casal constituído por Simão Pereira e Francisca Dias,(1) ambos com 70 ou mais anos, ele natural de Chacim e ela de Vila Flor, onde tiveram morada até depois de 1670. E ter-se-ão mudado para Chacim depois que foram presos e saíram penitenciados pela inquisição de Coimbra. Deles, poucas mais referências nos dá Manuel Lopes, para além de dizer que eram seguidores da lei de Moisés. Podemos, no entanto, dizer que Simão e Francisca não deixaram descendência. E se Simão e Francisca fixaram morada em Chacim, já o António Pereira irmão daquele e Isabel Rodrigues,(2) irmã de Francisca, ficaram por Vila Flor. Ambos foram presos, em 1662, pela inquisição de Coimbra, saindo António condenado em penas espirituais e Isabel degredada por 5 anos para Angola. Depois disso, António Pereira internou- -se por Castela, assentando morada no Porto de Santa Maria, na costa do Mediterrânio. Por lá andou durante 9 anos, com passagem pelas celas da inquisição de Sevilha onde penou por 41meses. No entanto, parece que “o mandaram para sua casa, solto e livre, mandando entregar-lhe os seus bens sem ir a auto”. António Pereira regressou a Portugal, sendo novamente preso, em 1681, pela inquisição de Lisboa, acusado de falso testemunho. É que, entre as confissões que fizera na inquisição de Coimbra, denunciara como judeu, um ferrador de Roios, Vila Flor, que foi preso. Este conseguiu provar que não era judeu e nunca tinha judaizado…Deste processo António Pereira não saiu tão bem, pois foi desterrado por 3 anos para Castro Marim. Nesta altura, o casal já se tinha reencontrado e morava na Rua das Mudas, em Lisboa, onde, por 1678, Isabel Rodrigues catequizava os seus filhos (Francisco Rodrigues Pereira, Gabriel Pereira Mendes(3) e Francisca Mendes Pereira) na lei de Moisés. Ao tempo que Manuel Lopes viveu em Chacim, certamente ouviu falar dos irmãos e dos sobrinhos de Simão Pereira e Francisca Dias. Veja-se o que ele contou aos inquisidores: — Também está recordado de novo que ouviu dizer a seu tio João Dias Pereira e a Diogo Lopes Marques, seu cunhado, que Diogo Nunes Pereira, que era rendeiro do vinho, portos secos e alfândegas, morador em Lisboa, e tinha um irmão chamado Gabriel Pereira Mendes, casado em Santarém, com tenda de panos de seda…(4) Na verdade, Diogo Nunes Pereira não era irmão de Gabriel mas seu cunhado, por ser casado com a irmã deste, Francisca Mendes Pereira. Diogo era filho de outro António Pereira, de Torre de Moncorvo, que foi queimado pela inquisição e sua mulher, Maria Nunes Pereira.(5) Deixemos Santarém e a tenda e casa de Gabriel Pereira Mendes, sita na Rua Direita, avaliada em 7 ou 8 mil cruzados (cerca de 3 contos de réis!) e voltemos a Chacim onde era notória alguma diferenciação social dentro da ”nação hebreia”, a avaliar pelos depoimentos constantes de muitos processos. Inclusivamente ao nível da localização das moradias, com os mais abastados mercadores e fabricantes de seda vivendo na zona alta da vila, em redor da praça. Em baixo, nas margens da Ribeira, habitavam sobretudo os curtidores. Obviamente que estes, na medida em que crescia o seu poder económico, procuravam ofícios e profissões mais nobres para os filhos, de modo a ascender na escala social. Uma importante família de curtidores de Chacim era a dos Tinoco, originários de Torre de Moncorvo. Com efeito, 3 filhas de Luís Lopes Tinoco e Catarina Martins foram casar e morar em Chacim, com os maridos dedicando-se ao trato das peles: Brites Lopes Martins, casou com António Lopes, curtidor e, ficando viúva, casou 2.ª vez com Gabriel Rodrigues; Isabel Rodrigues, a Marquesa,(6) casada com Jorge Lopes, curtidor, e Maria Henriques. Sendo a dita Maria Henriques casada com seu primo André Lopes, curtidor, sobrinho materno de Jorge Lopes. Com toda esta gente se cruzou Manuel Lopes e disso deu conta aos inquisidores de Sevilha. Por seu turno, um irmão de André Lopes, chamado Manuel Lopes Pereira, o Galego, de alcunha, casou com Ana Cardosa, como atrás se viu. Em Chacim, a casa e horta do Galego seria um espaço muito procurado para ajuntamentos em oração, a crer nos depoimentos recolhidos dos processos de sua mulher e filhas. Vejamos um deles, prestado por Ana Cardosa: — Haverá 6/7 anos, em Chacim, chegou a sua casa Antónia Pereira, viúva e Catarina e Brites, solteiras, filhas de André Lopes, cunhado dela confitente e de Maria Henriques, e Filipa e Guiomar, cristãs-novas, filhas de António Lopes e Leonor Henriques, filha de Francisco Cardoso e Isabel Henriques, cristãos-novos, e Isabel Henriques ou do Vale, filha de Manuel Rodrigues e Branca Henriques e também estavam presentes Violante Maurícia e Ângela Maria, suas filhas; e estando todas, disse o dito António Pereira que vinha chegando o jejum do dia grande, que era necessário que todos o fizessem (…) e todos se juntaram em casa dela confitente (…) e passados 3 ou 4 dias, foram as sobreditas pessoas para casa dela (…) e fizeram o dito jejum do dia grande…(7) Talvez por ser assim notório o judaísmo de Manuel Galego e sua mulher, é que, logo que em Chacim começou uma nova onda de prisões por parte da inquisição, eles deixaram a terra e se foram para as partes de Coimbra, mais concretamente, para Vila Verde, junto a Buarcos. E dali se mudaram para Lisboa. Um dos primos de Manuel Lopes, filho de sua tia Isabel Cardosa, de Lebução, chamava-se Ventura António Nunes Ferro, o qual, sendo ainda solteiro, se foi para a região da Andaluzia, Castela, com os irmãos mais velhos. Pois, aconteceu que, quando Manuel e João viviam em Chacim, ali veio ter o primo, fazendo escala na viagem para a cidade do Porto onde tinha combinado casar-se com Branca Gomes, filha do advogado Francisco Marcos Ferro que atrás encontrámos em Torre de Moncorvo. Veja-se como Manuel Lopes contou o caso: — Quando o dito Ventura António Ferro foi ao Porto para casar, ficou de noite em Chacim em casa de João Ventura, seu irmão dele confitente, por ser lugar de carreira e transito para o Porto. E se recorda que deu um dobrão a ele confitente.(8) Em Livorno, os primos voltarão a encontrar-se, com Ventura Ferro usando o nome de Abraham Nunes. E encontrar-se-ão ainda antes em Lisboa, para onde os dois irmãos seguiram, depois de uma permanência de ano e meio em Chacim, acompanhados de Beatriz Pereira, mulher da mulher de João Ventura e de Maria Manuela, sua irmã. Dissemos atrás que os filhos de Isabel Cardosa e Lopo Nunes tinham todos os olhos azuis e o cabelo ruivo. Vejamos agora o retrato de João Ventura, feito pelo seu irmão: — Sinais de João Ventura Lopes, seu irmão dele confitente: baixo e redondo de corpo, cara larga, branca, olhos azuis, barba ruiva, pouco farta, sobrancelhas da mesma cor, cabelo curto e crespo, 25 anos, natur

Um tiro de bazuca contra o interior

Ter, 04/08/2020 - 00:45


Milhões, milhões e mais milhões. Desde a década de oitenta do século passado tem sido um festim, dinheiro a chover sobre este país à beira mar plantado, que se escoa para bolsos impados, moradias de luxo, carrões para mostrar ao povo e contas obscuras por tudo quanto é banca de feira em tenebrosos arquipélagos do Atlântico, do Índico ou do Pacífico, porque no Ártico e no Antártico a friagem não convida à cupidez ostensiva, babada, barriguda, ajaezada de ouro e pedrarias.