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Indignado? Claro que fico indignado!

É claro que me indigna. Às vezes chega mesmo a provocar-me revolta. O juiz Ivo Rosa manda retirar do processo Marquês as declarações de Ricardo Salgado feitas no âmbito de outros processos? Porquê? O juiz acha que as mesmas são falsas, desprovidas de fundamento, fantasiosas ou induzidas? Não. Nada disso. O juiz alega que declarações noutros processos não podem ser usadas neste caso. É isso que determina a Lei e ele tem de cumprir a Lei. Mesmo que esteja convicto que as mesmas são verdadeiras, mesmo que outro juiz, em audiência as tenha declarado como boas e úteis, aqui não podem ser usadas. E este não é, sequer, um caso único. Qualquer cidadão comum, como eu, toma conhecimento de casos parecidos em que as provas apresentadas pela acusação (normalmente do Ministério Público) são consideradas inválidas pelo magistrado titular do processo. Mesmo quando parece óbvio que, se levadas à barra do Tribunal, constituiriam um factor sério e consistente para poder sustentar uma, mais que provável condenação… e, sem elas, o réu sai em liberdade sem qualquer pena! Mesmo quando o juiz tem e, muitas vezes declara no acórdão, opinião convicta da sua culpa.

Em Portugal não existe a figura da delação premiada. Toda a gente sabe que, apesar de ser um cancro social e de efeitos devastadores na credibilidade do Regime Democrático, as condenações por corrupção são poucas por ser um crime de contornos difíceis de provar em tribunal onde, obviamente, a colaboração dos envolvidos facilitaria a tarefa dos acusadores e, ainda mais, dos julgadores.

Em abstracto, tão injusto é condenar um inocente, como absolver um culpado. Ambas as acções constituem uma falta de aplicação de justiça.

Contudo…

A absolvição de um culpado, sendo injusta e, muitas vezes penosa para o queixoso, é reversível. Se não no todo, pelo menos em parte. O contrário não!

É certo que ninguém como o envolvido num crime sabe os trâmites e rastos do mesmo. A sua confissão pode carrear aspectos, factos e circunstâncias que de outra forma nunca chegarão a quem deles deva ter conhecimento. Mas, porque razão se há-de premiar um criminoso, por denunciar outro? E se o outro reclamar inocência, porque se há-de acreditar naquele que corrobora a tese de quem investiga? Em última análise podia até acontecer que o delator “colaborasse” num crime com intenções de incriminar outrem, sabendo que a sua pena iria ser atenuada porque, avisadamente, a iria denunciar no tempo adequado.

É verdade que é difícil aceitar que provas com aspecto robusto e evidências claras possam ser descartadas só porque não foram obtidas seguindo a praxis legal, mas nem quero pensar no que poderia acontecer se pudessem ser aceites excepções a esse normativo! Os meios colocados à disposição dos investigadores são muitos, poderosos e sofisticados. E bem. Mas não podem ser usados sem qualquer regra. Por muitas condenações que pudessem acrescentar, a possibilidade de invasão indevida da justa privacidade de cada um, a diminuição inaceitável das garantias de quem é acusado (justa ou injustamente) constituiria um retrocesso civilizacional intolerável!

Quando sei de notícias que podem ajudar criminosos a furtarem-se à mão longa da justiça, fico indignado. Às vezes, revoltado. Mas, depois penso um pouco e conformo-me. Se não fosse assim, era bem pior!

 

A Assembleia da República dos Animais

Não é, sequer, o exemplo mais significativo: entre 1987, data das primeiras eleições europeias e 2019, ano das mais recentes, a abstenção saltou de 28% para 70%, o que indicia um claro e continuado fracasso do Regime político vigente. Por este andar apenas os militantes partidários e demais arregimentados, irão votar.

Trata-se de um sapo que os políticos continuam a engolir sem pestanejar, que lhes retira autoridade para representar quem quer que seja e governar seja lá o que for, mas não os demove da vidinha alegre e airada que a política lhes proporciona. A maioria sente-se como peixe na água pelo que, a coberto da mítica estabilidade política, se devota a garantir que tudo continue como está. Marcelo Rebelo de Sousa é um deles.

Enquanto Presidente da República incitou, sem êxito, os portugueses a ir às urnas, mas no rescaldo de mais este estrondoso desaire da democracia apenas se declarou preocupado com a hipotética crise da Direita. O que nos leva a pensar que para Marcelo de Sousa os abstencionistas são de Direita e que as demais desgraças do Regime, assim como o descalabro da generalidade dos serviços públicos, não merecem a atenção do Presidente da República. Ficamos sem saber se é o analista político que opina se o estadista que se demite.

Como se isto não bastasse Marcelo de Sousa reduz a Direita ao PSD, este sim claramente em queda, e ao CDS que está como sempre esteve, mas esquece que o PS, cuja vitória, nas próximas eleições legislativas inoportunamente augurou, também é de direita desde que Mário Soares meteu o socialismo na gaveta, pese embora António Costa, em desespero de causa, se ter concertado com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, que por sua vez atiraram os pruridos ideológicos às urtigas, para juntos pedalarem furiosamente pelas autoestradas do capitalismo, montados na Geringonça.

No decorrer desta patriótica refrega Rui Rio veio a terreiro discordar do analista Marcelo de Sousa argumentando que a crise é do Regime. Não deixa de ter razão ainda que as aflições do PSD nada tenham a ver com as maleitas da democracia.

Pena é que o inefável líder do PSD não tenha tido tino para apresentar publicamente, aos eleitores e aos competidores, um pacote completo de reformas contemplando, por exemplo, as candidaturas independentes à Assembleia da República, já que a constituição de novos partidos apenas parece servir aos trânsfugas dos partidos tradicionais. Lamentavelmente, ficou-se pela ideia peregrina, avulsa, de reservar cadeiras vazias no Parlamento. Caiu no ridículo pois então.

 Imagine-se uma Assembleia em que os deputados debatem com cadeiras desocupadas, poiso de fantasmas, que não são de esquerda ou de direita, nem votam a favor ou contra. Melhor avisado teria andado Rui Rio se nas cadeiras vazias sentasse animais, antes que o PAN se apodere da iniciativa.

Teríamos assim uma Assembleia da República surrealista, maioritariamente composta por animais políticos, digníssimos cães, gatos e jumentos, entre outros, devidamente amestrados para ornear delicadamente, levantar a patinha e votar.

Perante tanta tontaria só apetece mesmo sair à rua e gritar: candidaturas independes à Assembleia da República. Já!

 

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Esquerda, direita, um, dois

Lembro-me como se tivesse sido ontem daquela magnífica festa de há quarenta e cinco anos que, como um bom agoiro que se lê no livro da natureza, se fez anunciar numa bonita manhã de primavera e sol nos espaços exteriores do liceu. Quase toda a malta da minha geração a acolheu de braços abertos com o idealismo, a ingenuidade, a ignorância que todos os dezoito anos costumam autorizar. A nossa perceção das coisas da política era fraquinha, para não dizer nula, e nem liberdade nem democracia nos diziam grande coisa: uns meses antes um ministro do salazar tinha sido lá recebido com discursos bajuladores e as honras do costume.

Era o que se passava com o povo em geral. Mas as festas, todas elas, são pausas saborosas no fim de longos dias de rotinas extenuantes; momentos em que os quadris se aliviam do peso desta linha produção que é a vida; intervalos em que uma ordem instituída relaxa a sua lei, ou se afasta para uma outra ordem instituir uma outra lei. Por acréscimo, aquela prometia paz a um país em guerra, pão a uma terra de fome inveterada, saúde a um povo abandonado às suas dores e moléstias, educação a uma população que não sabia ler. Se juntarmos ainda o brinde da liberdade e da democracia, compreendem-se bem os espasmos em que tudo aquilo deu.

Devia ter sido interessante para um observador vindo de fora assistir ao corrupio de ideias que flutuavam no ar por essa altura e ao frenesi de gente acotovelando-se para as apanhar. Posto que o nosso forte nunca foi pensar, aderíamos às coisas por todo o tipo de razões egocêntricas e inconscientes, isto é, mais ou menos com a mesma racionalidade com que antes tínhamos decidido ser do sporting, da académica ou da sanjoanense. Nem preciso de ir muito longe: a minha colagem imediata às esquerdas não tinha por trás nenhum conhecimento amadurecido (nem por amadurecer) do ser humano e da vida em comunidade. Simplesmente, as promessas generosas da revolução eram música para os meus ouvidos de desfavorecido.

Éramos brutos, tal como hoje, e não era difícil convencerem-nos fosse do que fosse. Porque tudo nos era servido como num self-service doses de fast food prontas a comer, comíamos do que nos punham à frente. E depois, as ideias da moda tinham o aval de filósofos, intelectuais, políticos, tudo gente de gabarito que pensava por nós. Apenas um exemplo: passámos quase todos a ser ateus empedernidos, mas, curiosamente, engolíamos com avidez o catecismo de uma nova fé, à qual não faltavam profetas, escrituras, promessas de salvação, messias, apóstolos, mártires, papas, missas, romarias. O fervor da crença chegava mesmo a proporcionar visões, individuais e coletivas.

Se não, vejamos. Uma das primeiras coisas de que nos persuadiram foi que as ideias políticas se repartem por dois grandes campos que mutuamente se excluem e combatem, esquerda e direita. Acoplado a isso, era evidente para nós que arrastados nessa luta se digladiavam também povo e burguesia, operários e patrões, pobres e ricos, explorados e exploradores. Simplista como todos os esquemas, mas tão eficaz que se mantém a funcionar e ainda nos empolga. Curioso é que os segundos termos destes pares foram rapidamente diabolizados. Ser de direita não era ser alguém que pudesse ter ideias válidas e defender modelos de sociedade. Concentrada no adjetivo fáxísta, então em voga, a categoria não só desqualificava qualquer um como tinha mesmo caráter insultuoso. Em resumo, à pobreza do pensamento maniqueísta direita-esquerda acrescentava-se a indigência do pensamento único.

Com o tempo ficámos amarrados à ideia como barcos a um cais, e tomámo-la por tão real como um pau ou uma pedra. Também é verdade que ela vai funcionando dentro do jogo democrático, ao fazer dialogar pontos de vista antagónicos e complementares de cuja síntese se constrói a vida em sociedade. Mas fraturar a vida política (e portanto as nossas mentes) em duas partes é tão arbitrário como fraturá-las em quatro ou oito, não passa de uma convenção como qualquer outra.

Direita e esquerda existem dentro de nós como duas tendências que dialogam entre si e a natureza nunca se teria lembrado de apartar: razão e coração. Cada uma delas devia ser um miradouro para contemplar o panorama antes de avançar, não uma moradia de cuja janela se olha a mesmíssima paisagem durante a vida inteira.

Esquerda, direita, um, dois

Lembro-me como se tivesse sido ontem daquela magnífica festa de há quarenta e cinco anos que, como um bom agoiro que se lê no livro da natureza, se fez anunciar numa bonita manhã de primavera e sol nos espaços exteriores do liceu. Quase toda a malta da minha geração a acolheu de braços abertos com o idealismo, a ingenuidade, a ignorância que todos os dezoito anos costumam autorizar. A nossa perceção das coisas da política era fraquinha, para não dizer nula, e nem liberdade nem democracia nos diziam grande coisa: uns meses antes um ministro do salazar tinha sido lá recebido com discursos bajuladores e as honras do costume.

Era o que se passava com o povo em geral. Mas as festas, todas elas, são pausas saborosas no fim de longos dias de rotinas extenuantes; momentos em que os quadris se aliviam do peso desta linha produção que é a vida; intervalos em que uma ordem instituída relaxa a sua lei, ou se afasta para uma outra ordem instituir uma outra lei. Por acréscimo, aquela prometia paz a um país em guerra, pão a uma terra de fome inveterada, saúde a um povo abandonado às suas dores e moléstias, educação a uma população que não sabia ler. Se juntarmos ainda o brinde da liberdade e da democracia, compreendem-se bem os espasmos em que tudo aquilo deu.

Devia ter sido interessante para um observador vindo de fora assistir ao corrupio de ideias que flutuavam no ar por essa altura e ao frenesi de gente acotovelando-se para as apanhar. Posto que o nosso forte nunca foi pensar, aderíamos às coisas por todo o tipo de razões egocêntricas e inconscientes, isto é, mais ou menos com a mesma racionalidade com que antes tínhamos decidido ser do sporting, da académica ou da sanjoanense. Nem preciso de ir muito longe: a minha colagem imediata às esquerdas não tinha por trás nenhum conhecimento amadurecido (nem por amadurecer) do ser humano e da vida em comunidade. Simplesmente, as promessas generosas da revolução eram música para os meus ouvidos de desfavorecido.

Éramos brutos, tal como hoje, e não era difícil convencerem-nos fosse do que fosse. Porque tudo nos era servido como num self-service doses de fast food prontas a comer, comíamos do que nos punham à frente. E depois, as ideias da moda tinham o aval de filósofos, intelectuais, políticos, tudo gente de gabarito que pensava por nós. Apenas um exemplo: passámos quase todos a ser ateus empedernidos, mas, curiosamente, engolíamos com avidez o catecismo de uma nova fé, à qual não faltavam profetas, escrituras, promessas de salvação, messias, apóstolos, mártires, papas, missas, romarias. O fervor da crença chegava mesmo a proporcionar visões, individuais e coletivas.

Se não, vejamos. Uma das primeiras coisas de que nos persuadiram foi que as ideias políticas se repartem por dois grandes campos que mutuamente se excluem e combatem, esquerda e direita. Acoplado a isso, era evidente para nós que arrastados nessa luta se digladiavam também povo e burguesia, operários e patrões, pobres e ricos, explorados e exploradores. Simplista como todos os esquemas, mas tão eficaz que se mantém a funcionar e ainda nos empolga. Curioso é que os segundos termos destes pares foram rapidamente diabolizados. Ser de direita não era ser alguém que pudesse ter ideias válidas e defender modelos de sociedade. Concentrada no adjetivo fáxísta, então em voga, a categoria não só desqualificava qualquer um como tinha mesmo caráter insultuoso. Em resumo, à pobreza do pensamento maniqueísta direita-esquerda acrescentava-se a indigência do pensamento único.

Com o tempo ficámos amarrados à ideia como barcos a um cais, e tomámo-la por tão real como um pau ou uma pedra. Também é verdade que ela vai funcionando dentro do jogo democrático, ao fazer dialogar pontos de vista antagónicos e complementares de cuja síntese se constrói a vida em sociedade. Mas fraturar a vida política (e portanto as nossas mentes) em duas partes é tão arbitrário como fraturá-las em quatro ou oito, não passa de uma convenção como qualquer outra.

Direita e esquerda existem dentro de nós como duas tendências que dialogam entre si e a natureza nunca se teria lembrado de apartar: razão e coração. Cada uma delas devia ser um miradouro para contemplar o panorama antes de avançar, não uma moradia de cuja janela se olha a mesmíssima paisagem durante a vida inteira.