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Cantarinhas

A propósito de um qualquer despropósito ouvia-se Praça da Sé a intimação – vai fazê-lo a Pinela – ordem consubstanciada na existência de uma indústria artesanal/artesanal cuja matéria-prima era e é o barro, já no tocante à arte artesanal tenho sérias dúvidas. Vou tentar explicar a minha opinião colhida nos ensinamentos de especialistas de vários saberes e orientações, correndo o risco de me repetir.
Na Grécia antiga o technikos “era essencialmente o artista, não havendo então destrinça a arte desinteressada e a arte útil ou utilitária. Com o rodar dos séculos. Porém os artistas ou technikos vão-se estabelecendo em campos separados e, por vezes até, opostos.”
No primeiro grupo estão os artistas cujo motivo primacial é p prazer de produzirem coisas belas, o segundo não tanto por preocupações estéticas sim no intuito de honrarem os seus deuses, ou através desse meio lhe pedirem apoio e proteção e paz na vida eterna. Deles derivam as artes religiosas.
Por fim vem os que fabricam objectos úteis para conforto pessoal deles e dos outros homens, “que eles valorizam, pintando-os ou esculpindo-os, para os tornar agradáveis à vista. Não é outra a origem das chamadas artes decorativas.”
Ora, na Feira das Cantarinhas que eu conheci, flanei, namorei, percorria vezes sem conta, coexistiam peças desprovidas de decoração, julgo que primacialmente de Pinela, todas diferenciadas, umas das outras, no volume e na forma embora minimamente, mas diferentes, a provar quão certos estão os defensores da tese que o artesão nunca concebe duas peças milimetricamente iguais, e as cantarinhas, lisinhas, decoradas conforme a ideia e vontade do artesão que sendo-o já emprega instrumentos a auxiliarem-no na fabricação das peças.
A importância a cerâmica na vivência do Homem está representada em Museus e Centros Artísticos de todo o planeta, as sinuosidades da fabricação de cerâmicas decorativas ou não, transmontanas, não sei se figuram de forma escalonada e científica no Distrito, tenho alguns documentos a referirem-nas, da autoria da Senhora Dona Carolina e Alfredo Forjaz Sampaio, de modo transversal de Solange Parvaux, das edições do Instituto de Emprego e Formação Profissional, artigos de Belarmino Afonso e num inocente livro das edições Terra Livre, para além daquelas obras de espalhafato espumoso e pouca substância. Porque Bragança ganha respeito e consideração de teor cultural mesmo na área difícil da Cultura/Inculta (Alain Bloom) julgo séria e capaz de gerar retornos, estudar-se a possibilidade de ser criado uma Oficina/Centro/Ateliê/loja cujo elemento primacial seja o barro e barros do Nordeste.
Acerca da Feira o facto de não a viver há vários anos inibe-me de opinar, relatar impressões colhidas noutras não acrescenta muito porque a ânima é diferente, leio o programa, revejo refulgentes imagens dos idos de outros tempos, a ilusão traz-me de volta os perfumes primaveris vindos do extinto Mercado Municipal, a rua Direita envolta em picante alacridade, um formidável ambiente de festa. É melhor desvanecer a ilusão que para isso o cineasta Jean Renoir foi e é o grande Mestre, o dia das Cantarinhas sendo grande tornava-se pequeno pois passava pela ida a Cabeça Boa visitar o Senhor. Ia a pé, enrolado na namorada imitando os soldados que faziam guarda de honra ao túmulo de Dimitrov como vi mais tarde em Sofia, onde na cave da Catedral Alexandre Nevski contemplei precioso núcleo de ícones.
Agora duvido que se vejam as cabazes e cabazes merendeiros a verterem molhos e a desencadearem deliciosos odores a comida, o progresso também se encarregou de produzir transformações nesta matéria, felizmente, o apetite continua e os relvados prontos a receberem mantas merendeiras ainda não terão desaparecido.
As paisagens festivas estão muito valorizadas no nicho do turismo ambiental, os impressionistas deixaram deslumbrantes quadros a registarem festanças ao ar livre, Manet, Monet, Renoir por si só dão substância a inúmeras acções culturais de aglutinação de cromatismos, em Bragança também existem obras capazes de tal, no concelho os fundos patrimoniais noutros segmentos são excelentes, por assim ser entendo que a feira/festa das Cantarinhas, todas as festividades devem servir de forma e fundo à exaltação da nossa herança cultural. Os ingleses vendem os casamentos da realeza desde a caneca de cerâmica até à flauta de madeira aludindo aos enlaces, nós não somo ingleses, mas não podemos ser ingénuos, eles aproveitaram valentemente a nossa fraqueza, tal como as saudades que tenho da Feira dos anos sessenta por todos motivos, fiquemos com as recordações de modo a servirem de acicate a exaltarmos (e vendermos) as expressões que a terra dá, no caso concreto argila moldada, ou não ostentássemos a faixa do reino maravilhoso. E, por aludir ao «reino» áspero que nos empurrou para as sete partidas do Mundo, nos finais deste mês das cantigas do Maio e das Maias misteriosas, vai realizar-se em Lisboa um Congresso Transmontano, veremos se será outro Congresso Transmontano, ou mais um!

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Francisco Rodrigues da Silva (1554 – 1584 Relaxado)

 A mãe era originária de Barcelos e dava pelo nome de Benta Dias. O pai, Garcia Álvares, nascido em Bragança, formou-se em medicina. O casal residiu algum tempo em Bragança e ali terá nascido o filho Luís Álvares. Mudaram-se depois para Vila Flor, onde o Dr. Garcia exerceu as funções de médico do partido. (1) E em Vila Flor, pelo ano de 1554, nasceria o segundo filho do casal, batizado com o nome de Francisco Rodrigues da Silva.
Certamente que se tratava de uma família importante, pelo que, feitos os estudos preparatórios, os filhos rumaram à universidade de Salamanca. Luís formou-se em medicina, enquanto o Francisco se licenciou em advocacia.
Os dois irmãos casaram com duas irmãs, filhas de um advogado de Moncorvo, o Dr. André Nunes. E se Luís Álvares e a mulher, Branca Nunes foram morar para Vila Flor, Francisco Rodrigues da Silva e Ângela Nunes ficaram vivendo em Moncorvo, em casa de André Nunes.
Em Setembro de 1580 na vila de Moncorvo houve “alevantamentos” populares pelo Prior do Crato. A liderar o movimento estaria o Dr. André Nunes e, por isso, foi preso, por ordem do corregedor Diogo Dias Magro, que passou também ordem de prisão contra Francisco Rodrigues da Silva que, entretanto se ausentou para Vila Flor e viajou para Viana do Castelo onde seu irmão Luís e a cunhada tinham, entretanto, estabelecido morada.
Com o “juramento de bandeiras” pelo rei Filipe II de Espanha e a saída do corregedor Magro, em outubro seguinte, a tranquilidade voltaria a casa de André Nunes e Francisco Rodrigues regressaria também. E ele e o sogro retomariam a atividade profissional de advogados; este como proprietário do cargo de procurador da correição e aquele nomeado pelo sogro, coadjuvando-o ou substituindo-o. Adivinhava-se, pois, um futuro profissional muito brilhante para o jovem advogado Francisco Silva.
E como procurador, competia-lhe acompanhar o corregedor pela comarca, significando isso que ele se tornava conhecido nos auditórios dos vários concelhos da região. A título de exemplo, e porque foi acusado de guardar o Kipur de 1582, veja-se a seguinte declaração por ele proferida:
- Provará que no mês de setembro de 1582 o réu andou pela comarca da Torre com o corregedor dela, desde o princípio de setembro, e partiram a uma sexta-feira e chegaram um sábado à vila dos Cortiços e no domingo estiveram em uma boda do licenciado Gaspar Dias e na dita vila estiveram e residiram todo o mês de outubro e ele réu se achou ali sempre presente e não saiu dali, requerendo nas audiências e sendo este lugar 8 léguas da Torre. (2)
Situemo-nos agora em Moncorvo em março de 1583, quando ali esteve em visitação o inquisidor Jerónimo de Sousa (3) e no seguimento da qual se deu início a uma enorme vaga de prisões em Vila Flor e Moncorvo, nela se incluindo toda a família de André Nunes, (4) à exceção da filha Isabel da Mesquita e do genro e sobrinho, o Dr. Gaspar Nunes, médico, que se abalaram para a Galiza e dali chegaram ao Perú.
Acompanhemos agora Rodrigues da Silva, que foi conduzido pelo solicitador do fisco, Domingos Camelo, à cadeia da inquisição de Coimbra, onde foi entregue em 19.7.1583.
Impossível analisar aqui o seu processo que consideramos verdadeiramente exemplar. Na verdade as denúncias de judaísmo feitas contra ele são débeis, se as compararmos com as dos outros membros da família. Uma delas foi feita pelo irmão, Luís da Silva, dizendo que os dois “algumas vezes praticaram sobre a vinda do Messias e diziam que não era vindo”. Outras foram feitas por Diogo Nunes, tio de sua mulher, irmão de André Nunes, dizendo:
- O ano passado, na véspera de S. Miguel de Maio, foi ele denunciante em companhia de Francisco Rodrigues da Silva à feira de Vila Nova de Fozcôa e se tornaram para a Torre e vieram jantar à Veiga de Vila Nova (Pocinho) na Venda da Judia e a merenda que uma cristã-nova lhes deu foi toucinho para comerem e eles comeram. E depois de jantar, vindo pelo caminho, lhe veio dizendo o dito Francisco Rodrigues da Silva que comia toucinho por não poder deixar de o fazer para o não entenderem e que lhe sabia muito bem (…) E poucos dias antes que prendessem ao dito André Nunes, se achou em sua casa, à tarde, às horas da ceia. E o dito Francisco Rodrigues da Silva ceava um coelho e Ângela Nunes, sua mulher, não queria comer dele e posto que ele a importunava e agastava por ela não querer comer; e André Nunes disse que comesse e que fizesse o que lhe mandava seu marido; e então ela comeu (…) e André Nunes andava maldisposto de cólica e comia galinha cozida.
Resta dizer que todas as denúncias contra o jovem advogado foram feitas por familiares seus, igualmente presos. De contrário, ele não denunciou ninguém e sempre negou todas as acusações que lhe faziam, apresentando uma defesa verdadeiramente assombrosa. Dela, vejamos apenas um ponto, que põe em causa a própria justiça inquisitorial, contrária à justiça episcopal.
Com efeito, argumentou R. Silva que em cada 3 anos, a vila de Moncorvo era visitada pelo arcebispo de Braga e em cada ano era visitada pelo vigário-geral do arcebispo. Pois, continuava ele, nessas visitações todos os cristãos eram obrigados a denunciar todos os casos de práticas judaicas. Acontece que a última daquelas visitações terminou poucos dias antes da visita do inquisidor Jerónimo de Sousa. Como explicar que ele e os outros nunca, em nenhuma das visitações do “ordinário” fossem denunciados por ninguém e, de repente, aparecerem tantas denúncias? Das duas, uma: ou sempre andaram a mentir e a pecar à face de Deus e da Igreja, ou agora mentiram e as denúncias foram feitas por ódio e vingança e não por zelo e fervor cristão. (5)
De resto, a sua defesa constitui um verdadeiro libelo acusatório de algumas famílias da nobreza e da governança da terra e um vivo reportório das lutas políticas e dissensões sociais entre as elites cristã-nova e cristã-velha de Torre de Moncorvo e até dos vizinhos concelhos de Vila Flor e Freixo de Espada à Cinta, na medida em que as diversas famílias e comunidades se interligavam. 
Acresce que, logo depois das primeiras prisões, foi elaborado um documento enviado ao Inquisidor-geral, como defesa coletiva das pessoas que foram presas em Torre de Moncorvo, na sequência da visitação do inquisidor Jerónimo de Sousa. Tudo indica que o autor principal deste documento fosse o Dr. Francisco Rodrigues da Silva. (6)
E aqui, encontraremos talvez a explicação para o estranho facto de todos os outros presos terem sido libertados, com penas mais ou menos leves e apenas o Dr. Francisco Rodrigues da Silva fosse queimado, no auto da fé de 25 de novembro de 1584. Ousou enfrentar a máquina inquisitorial!
O inquisidor geral, D. Jorge de Almeida, ter-se-á sentido incomodado com aquela exposição. E por isso ordenou aos inquisidores de Coimbra especial empenho no despacho dos processos dos presos de Torre de Moncorvo. (7)

Notas:
1-Em Vila Flor, casada com Bernardo Lopes, morava também uma irmã do Dr. Garcia, chamada Maria Álvares, a qual foi presa pela inquisição em 1557 – ANTT, inq. Lisboa, pº 2893.
2-IDEM, inq. Coimbra, pº 8450, de Francisco Rodrigues da Silva.
3-IDEM, Livro 662 da inquisição de Coimbra, pg. 60v – 100v; ANDRADE e GUIMARÃES – Subsídios para a História da Inquisição em Torre de Moncorvo, ed. Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, 2007.
4-Não encontrámos nos ficheiros do ANTT o processo do Dr. Luís Álvares da Silva.
5-Provará que de 20 anos a esta parte, sempre o arcebispo de Braga visitou a vila da Tore de Moncorvo cada 3 anos, em pessoa; e os seus vigários visitaram todos os anos e o ano presente de 83, a visitou o vigário-geral da dita vila e acabou a visitação poucos dias antes que a ela fosse o senhor inquisidor (…) ele réu foi culpado em visitação, por onde se vê claramente que se algumas pessoas o culparam, não foi com zelo e cristandade, senão por ódio e inimizade sua e de seu sogro, porque o houveram de dizer nas ditas visitações ou a seus confessores, mas não o disseram, na verdade por não haver culpas; e o fizeram na visitação do santo ofício porque sabiam que não se saberia quem eram.
6-Este documento (Petição dos cristãos-novos de Torre de Moncorvo) encontra-se transcrito no processo nº 89 da inquisição de Coimbra, folhas 84-87, de Francisca da Silva. MEA, Elvira Cunha de Azevedo – O procedimento inquisitorial garante da depuração das visitas pastorais de Braga (Século XVI), in: Actas do Congresso Internacional do IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga, Volume II/2, pg. 67-95.
7-ARCHIVO HISTORICO PORTUGUEZ, Vol. IX, p.342: – Senhores. Os treze presos que trouxe Inofre de figueiredo se despacharão em conselho com a diligencia que puder ser, por que parece bem que o auto se não defira mays tempo e se escuse a despesa que se faz com os presos, e ey por bem que os reconciliados da torre de Moncorvo e doutras partes, que tem perdido suas fazendas, se provisão do fisco per tempo de hum mês, ou dous, que me escreveys poderão andar nessa çidade, e quanto aos filhos dos reconciliados folgarey de saber quantos são, e sua idade e o modo em que vos parece se pode prover sobre sua criação e doutrina… Lisboa, 9 de Agosto de 84. O Arcebispo Inquisidor geral.
 

Terras de Trás-os-Montes - Evolução da População e da economia 2000/2016 Parte I

O Nordeste Transmontano tem, no contexto do País e da Região Norte, um conjunto de especificidades identitárias, culturais, patrimoniais e de recursos económicos que exigem uma visão de desenvolvimento estratégico construída em forte cooperação entre atores do território, envolvimento dos cidadãos e suficiente conhecimento ligado às oportunidades e fragilidades territoriais. O conhecimento da evolução da população, das empresas e do emprego é importante nesse contexto, assim como na tomada de decisões políticas e administrativas. O presente trabalho visa um contributo nesse sentido.
O ritmo a que cresce a população mundial, e o impacto que representa sobre os recursos do planeta, é o principal desafio que a humanidade enfrenta. A ONU prevê que a população atual de 7,6 mil milhões de pessoas, no ano de 2050, chegue aos 9,8 mil milhões (mais de 220 vezes a população de Portugal). Essa não é a tendência na Europa, em perda em termos de peso relativo no contexto mundial, onde há regiões que registam um crescimento da população e outras se despovoam. Portugal, que representa 2% da população europeia, é um dos onze países que perde população.
Se no ano de 1900 a Europa representava 25% da população mundial, em 2016 representava apenas 7% (510,1 milhões), registando nesse ano, e pela primeira vez desde o ano de 1960, um saldo natural negativo, prevendo-se que no ano 2030 seja a região mais idosa do mundo, com a média etária de 45 anos, contra a média mundial de 33 anos e do continente africano de 21 anos.
Portugal deverá, nos próximos anos, sofrer uma redução significativa da sua população. Em cenário moderado, poderá perder nos próximos 30 anos, 1,5 milhões de habitantes, meio milhão no Interior, onde o impacto será muito mais negativo do que no Litoral. As regiões entrarão em competição entre si pela fixação de população para garantir mão-de-obra qualificada para o crescimento da economia. Neste contexto, a mobilidade da população regional e das migrações adquirem relevância, tanto na vertente pública como privada.
No Nordeste Transmontano a demografia é um problema crítico desde há anos, com saldo natural negativo, continuando muitos jovens a percorrer os caminhos da emigração, deixando para trás um território mais frágil em termos de desenvolvimento social e económico.
Na NUT III Terras de Trás-os-Montes a demografia está a evoluir negativamente, condicionando a captação de novos investimentos empresariais, que exigem disponibilidade de mão-de-obra ativa, jovem, em número suficiente, com qualificações ajustadas aos desafios de mudança e inovação da economia. Em década e meia, diminui em 17.560 pessoas, 13,83% do total. Só em cinco concelhos a população diminuiu mais de 20%, por ordem decrescente: Vinhais; Mogadouro; Alfândega da Fé; Vimioso e Vila Flor.
Bragança regista em 2016 os primeiros valores de perda populacional. A emigração de jovens qualificados tem fragilizado a região. Travar esse processo não é tarefa fácil, porque a mobilidade atual da força de trabalho entre regiões é intensa e tende a aumentar, seja pela crescente facilidade de deslocação entre países, pela diminuição de exigências nas fronteiras e redução de custos no transporte, pela atratividade de mercados de trabalho com melhores condições sociais e de remuneração. Esta tendência é contrária à fixação de jovens em territórios mais pobres e é agravada pela evolução demográfica negativa.
A região tem que fazer um esforço muito acrescido para contrariar o despovoamento, fixar jovens, em particular os empreendedores. Para tal conta com importantes ativos, como melhores acessibilidades, boas infraestruturas, população mais qualificada, elevados padrões de qualidade de vida. O seu principal desafio está do lado do crescimento da economia e da criação de postos de trabalho, que exige condições de maior atratividade e competitividade do lado das atividades económicas, ou seja, boas empresas, bem geridas, com produtividade elevada e capacidade competitiva, mão-de-obra mais qualificada, com melhores remuneração, maior incorporação de tecnologia nas atividades económicas.
Inverter o ciclo de despovoamento e de abandono dos campos, é uma prioridade política para a coesão nacional, exige medidas de política nacional de rotura com o que tem sido feito. Ao nível das políticas locais exige orientação, agora mais voltada para o apoio ao empreendedorismo local, à criação de novas empresas, à captação de talentos, de investidores nacionais e estrangeiros, para a qualificação da força laboral, atenta à mudança nas atuais profissões e à criação de novas profissões, em resultado da inovação e evolução tecnológica. 
Com o território a perder população, importa perceber o que se passa com as empresas e o pessoal ao serviço, em particular no período de crise económica e financeira. Da leitura dos dados do quadro relativo ao número de empresas, verificamos que no período entre 2008 e 2012 se regista uma redução de 10,2% do número de empresas, logo seguido de um grande aumento, no período entre 2012 e 2015, e uma quebra ligeira no ano de 2016. Estamos perante uma situação que importa esclarecer.
A transposição de diretiva da EU relativa à tributação em IVA do setor Agrícola levou a que, a partir de 1 de abril de 2012, os agricultores tivessem iniciado o registo da sua atividade nas Finanças, processo que teve expressão nos anos de 2013 a 2015, razão do elevado crescimento do número de empresas, sem correspondência direta num aumento equivalente na economia.
Esta situação pode ser lida como se o crescimento do número de empresas em cerca de 40% correspondesse a uma dinâmica empresarial muito positiva, tal não é verdade. O registo de atividade agrícola, feita de um modo geral por agricultores de idade avançada introduziu uma variação estatística positiva no número de empresas que necessita ser desgregada para se perceber a tendência nos anos recentes e nos próximos.
A situação descrita pode ser lida no mapa seguinte, com o registo das empresas na CAE agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca.
Analisado o número de empresas, constatamos que no período de 2008 a 2012 se regista um crescimento médio anual de 1,6%, e que de 2013 para 2015, por razões de registo obrigatório dos agricultores para efeitos de tributação em IVA, se verifica um incremento no número de empresas de 558,6%, finalmente, no ano de 2016 se regista uma quebra de 2%, tendência que irá manter-se.
Feita a leitura cruzada dos dois mapas, se ao primeiro deduzirmos as empresas na CAE Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca, obtemos a informação do número de empresas nos setores da indústria, comércio e serviços (excluído o emprego da administração pública e setor financeiro) constatamos: de 2008 a 2012, uma perda de 12% (diminuição de 1341 empresas no conjunto dos municípios, sendo 466 do concelho de Bragança); já no período de 2012 a 2016, a perda foi de 10,7% (de 1053 empresas no conjunto dos municípios, sendo 288 do concelho de Bragança). Conclui-se que, desde o início da crise, em cerca de uma década, o território da CIM TTM perdeu 8,1% das suas empresas nos setores da indústria, comércio e serviços, número muito significativo com reflexos negativos no emprego e na economia.
Interessa-nos analisar o que ocorreu com o pessoal ao serviço do conjunto das empresas, e separadamente na indústria, comércio e serviços (excluído o emprego da administração pública e setor financeiro), para se perceber a evolução no período em análise, cruzando informação com os dados do INE relativos à taxa de população empregada. 
Analisado o quadro com o pessoal ao serviço das empresas, constatamos que, entre os anos de 2012 e 2015, ocorreu um elevado crescimento, cerca de 8500 empregos e que, no mesmo período, na CAE agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca se verificou um crescimento de cerca de 9500 pessoas ao serviço, pela razão já acima descrita, ou seja, a evolução do emprego ao serviço das empresas nos setores da indústria, serviços e comércio foi de diminuição. É certo que o desemprego baixou, que novos empregos têm sido criados, que a formação de população ativa desempregada contribui para a diminuição da taxa de desemprego e que a emigração de jovens tem efeito idêntico. A realidade está aquém do desejável.
Analisarmos os dados dos quadros acima, comparando-os com a evolução da população na NUT III Terras de Trás-os-Montes e com a informação relativa à percentagem de população empregada, percebe-se bem a tendência de diminuição.
O ano com maior percentagem de emprego (indivíduos nos setores de atividade primário, secundário e serviços) foi o ano de 2007, com o valor de 57,20%. Entre 2000 e 2016, a população empregada (aplicação da taxa de emprego ao número total da população) baixou de 68 690 para 58 205, o equivalente a uma perda de cerca de 10 550 empregos, correspondendo a 15,3% do total. Em década e meia, a população global na NUT Terras de Trás-os-Montes diminui de 17 560 pessoas, correspondendo a 13,83% do total, situação preocupante no presente e em termos futuros. A criação de novos empregos, associados a investimentos mais significativos como o caso da empresa Faurécia, está muito aquém do que é necessário para inverter esta situação.
Analisada a evolução do emprego pelos setores de atividade económica, conforme CAE correspondente, verifica-se que de um modo geral todos os setores perdem emprego, com exceção da indústria transformadora devido ao efeito de instalação da Faurécia, e do setor da saúde que mantém o emprego. Os setores com maiores quebras são o da construção com 45%; atividade imobiliária com 33%; outras atividades e serviços com 49%; os setores do comércio por grosso e retalho e o de alojamento, restauração e similares com perda de 7%, cada. 
Analisada a produtividade – rácio entre o PIB e o emprego, a da NUT Terras de Trás-os-Montes era, no ano de 2016, de 74,4% da média nacional, ocupando a 19.ª posição no conjunto das 23 NUT III, acima da Beira e Serra da Estrela, Oeste, Tâmega e Sousa e Douro. Nos últimos anos baixou, enquanto a média da Região subiu. Passou, na última década e meia, de 89,6% para 84,4% da média da Região Norte. Considerando que a produtividade em Portugal no contexto da EU é baixa, de 68,9 pontos, pouco mais de metade da registada na França ou Alemanha, cerca de 1/3 da registada na Irlanda, significa que é grande o esforço de mudança exigível aos concelhos desta NUT, sendo obrigatório fazer esse caminho.
Analisado o crescimento económico, pela taxa de variação do PIB, no contexto regional, tendo por base dados do boletim Norte Estrutura, edição de Inverno 2017/2018, constata-se que na Região Norte, no período entre 2003 e 2008, o PIB cresceu à taxa média anual de cerca de 1,5%, ligeiramente superior à média nacional (cerca de 1,4%) e inferior à da UE28 (cerca de 2,3%); já no período de 2008 a 2013, coincidente com a recessão económica e ajustamento financeiro, o PIB da Região Norte diminuiu a uma taxa média anual de -1,2%, enquanto a diminuição na EU28 foi de -0,2%; finalmente, no período de 2013 a 2016, o PIB da Região Norte cresceu à taxa média de 2,0%, igualando o ritmo de crescimento da UE28.
Na NUT III Terras de Trás-os-Montes verifica-se que, no período de 2003 a 2008, a taxa média de crescimento económico foi de 2,59%, valor superior à média regional, e o segundo melhor valor da Região Norte. Já no período de 2008 a 2013, Trás-os-Montes a par da Área Metropolitana do Porto registou a maior quebra, -1,8%, valor muito influenciado pela quebra de -10% no ano de 2012 (valor em parte explicável pela quebra de produção de cerca de 70 milhões de euros por parte da Faurécia), e que no período de 2013 a 2016 teve um crescimento médio anual positivo, de 1,94%, ligeiramente inferior à média da Região Norte.
No período entre 2003 e 2016, o crescimento médio anual do PIB na NUT III Terras de Trás-os-Montes foi de 0,75%, valor acima da média da Região Norte (cerca de 0,60%) e inferior ao das NUT III Cávado (com 1,18%); Ave (1,09%); Douro (0,96%); Tâmega e Sousa (0,93%) e Alto Minho (0,80%).
Trás-os-Montes foi, no ano de 2016, responsável por 1573 milhões de euros de riqueza criada na Região Norte, ou seja 2,90% de 54462 milhões, valor a preços correntes ligeiramente acima do atingido no ano de 2010 (1562 milhões). Em termos de PIB per capita relativo à média nacional, estava no ano de 2000 a 63,6 %, atingindo no ano de 2011 o valor de 79%, ou seja, no período de onze convergiu 15,4 pontos, à média anual de 1,4 pontos. Já no ano de 2016, o valor atingido foi de 79,7%, ou seja, nos cinco anos seguintes, a convergência foi de 0,7 pontos percentuais, o equivalente a uma média anual de 0,18 pontos.
No período de 2000 a 2011 teve um crescimento continuado que lhe permitiu convergir de forma significativa, ficando no ano de 2011 a 2,3 pontos percentuais abaixo da média regional, a segunda melhor posição na Região, abaixo da Área Metropolitana do Porto. Nos cinco anos seguintes, de 2011 a 2106, o crescimento foi muito baixo, o que lhe fez perder posição relativa na região, passando no ano de 2016 para a quarta posição, 6 pontos percentuais abaixo da média regional, tendo sido ultrapassada pelas NUT III do Ave e do Cávado. 
Numa leitura breve, dos dados do PIB per capita das regiões NUT III do país, constatamos que o PIB per capita da Região Norte entre o ano de 2004, (ano de alargamento da EU de 15 para 25 Estados-membros) evoluiu de 63,1 pontos da média da UE, para 65,3 da UE28 no ano de 2016, mantendo-se como a região mais pobre de Portugal a 84,5% da média nacional. Por outro lado, constata-se que no ranking nacional do conjunto das 25 NUT III, sete das oito NUT III da Região Norte incluem-se no grupo das dez de mais baixo rendimento per capita do país.
A Região Norte está 55,3 pontos percentuais abaixo da Área Metropolitana de Lisboa, diferença inaceitável. A Área Metropolitana do Porto foi até 2013 a única acima da média da Região Norte, e no ano de 2016 estava 33,7 pontos percentuais acima da NUT III Tâmega e Sousa.
Entre 2003 e 2016, regista-se uma ligeira convergência intrarregional, resultado de três fatores: o crescimento mais acentuado de riqueza nos territórios menos desenvolvidos, a redução acentuada de população em algumas das NUT III, sendo exceção o Cávado que registou crescimento populacional, e o menor crescimento da economia na Área Metropolitana do Porto. Parte do crescimento das regiões mais pobres é feito pelo efeito de perda de população, sendo o caso da NUT III Terras de Trás-os-Montes, em que no ano de 2015 esse contributo foi 53% e o da riqueza criada de 47%, enquanto na CIM Alto Tâmega a convergência é explicada exclusivamente pela redução de população.
É positivo e muito relevante o crescimento das exportações nos concelhos da NUT III Terras de Trás-os-Montes, o que nos interessa analisar, no sentido de perceber se as empresas estão a acompanhar o crescimento significativo que se regista no país, em resposta à crise económica e financeira, sendo o Norte responsável por 49% das exportações nacionais.
Analisada a evolução das exportações dos concelhos desta NUT, sem Bragança, no período entre 2005 e 2016 verifica-se um crescimento de 12,5 milhões de euros para 34,3 milhões, crescimento em termos percentuais superior à média da Região Norte, sinal positivo de reação de empresários locais empreendedores que acompanharam os desafios da Região e do País, evolução que é distinta entre concelhos. Crescem significativamente os concelhos de Alfandega da Fé, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela e Vila Flor; reduzem os concelhos de Mogadouro, Vimioso e Vinhais.
Bragança, hoje um dos principais concelhos exportadores da Região Norte, exige uma análise própria, no sentido de ponderar o efeito Faurécia, empresa que se instalou em Bragança no ano de 2001 e que hoje é a segunda maior empresa exportadora do Norte. No ano de 2005, as empresas do concelho, deduzido o valor exportado pela Faurécia, exportaram 19,4 milhões de euros, enquanto no ano de 2016 exportaram 28,6 milhões, o que representa um crescimento de cerca de metade da média da Região Norte e significativamente inferior à média do conjunto dos concelhos de Terras de Trás-os-Montes (sem efeito Faurécia), o que exige particular atenção a algumas áreas de atividade económica que necessitam melhores condições de apoio institucional assim como diversificação.
No ano de 2016 as exportações dos nove concelhos, deduzido o valor exportado pela Faurécia, foram de cerca de 63 milhões de euros o que representa cerca de 10% do total das exportações (634 milhões de euros).
Na análise à última década e meia concluiu-se:
No conjunto dos municípios de Terras de Trás-os-Montes, a população diminuiu em 17 560 pessoas, valor superior ao conjunto da população dos concelhos de Alfândega da Fé, Vimioso e Vila Flor, e que Bragança regista no ano de 2016 a primeira redução de população;
A evolução do número de empresas no conjunto dos concelhos é de diminuição em 2394 empresas, correspondendo a 8,1% do total;
Que o emprego ao serviço das empresas, considerando todos os setores de atividade, diminuiu 10 550 empregos, sendo os setores de atividade económica mais atingidos: a construção em 45%; atividade imobiliária com 33%; outras atividades e serviços com 49%; os setores do comércio por grosso e retalho e o de alojamento, restauração e similares com perda de 7%, cada. Com exceção da indústria transformadora que cresceu, e do setor da saúde que mantém o emprego;
Ao nível da produtividade, Terras de Trás-os-Montes regista uma tendência de divergência face à média regional, que está a crescer, ocupando a 19.ª posição no conjunto das 23 NUT III do País. Por outro lado, sabendo-se que a média nacional é de cerca de metade de países como França e Alemanha, significa que temos muito para mudar se pretendemos ter uma economia competitiva no contexto regional europeu;
Em termos de PIB per capita, no período de 2000 a 2011, Terras de Trás-os-Montes convergiu 15,4 pontos percentuais com a Região Norte, o que lhe permitiu atingir, no ano de 2011, a segunda melhor posição atrás da Área Metropolitana do Porto, 2,3 pontos percentuais abaixo da média regional. Nos cinco anos seguintes o crescimento foi residual, e em termos comparativos passou a ocupar a quarta posição, 6 pontos percentuais abaixo da média regional, tendo sido ultrapassada pelas NUT III do Cávado e do Ave que passou a estar acima da média regional juntando-se à Área Metropolitana do Porto. Em regiões do Interior, em forte declínio demográfico, como é o caso de Terras de Trás-os-Montes, o crescimento do PIB per capita é feito maioritariamente à custa da redução da população, o que agrava a tendência recente;
Ao nível das exportações, o conjunto dos municípios de Terras de Trás-os-Montes (deduzido o efeito Faurécia, a segunda maior empresa exportadora da Região Norte), reagiram globalmente de forma muito positiva, resultado de atitude mais empreendedora e inovadora de alguns empresários. Apesar desse registo, nem todos evoluem da mesma forma, ocorrem mesmo algumas quebras significativas. Bragança, após a instalação da Faurécia no ano de 2001, considerada hoje a segunda empresa exportadora da Região, representando 90% das exportações do conjunto dos municípios de Terras de Trás-os-Montes, surge como um dos concelhos mais exportadores na Região Norte.
O conjunto dos municípios da NUT III Terras de Trás-os-Montes representava no ano de 2016, no contexto da Região Norte, 20,54% do território; 3,05% da população; 2,9% da riqueza criada e 3,3% do emprego. 
Os cidadãos dispõem de condições para uma elevada qualidade de vida, de boas acessibilidades, de maior proximidade aos principais mercados das exportações portuguesas, com destaque para Espanha, de instituições de conhecimento e de inovação mais qualificadas, maior formação dos jovens. A NUT III Terras de Trás-os-Montes deve construir uma agenda estratégica de desenvolvimento robusta, que lhe permita ganhar peso relativo em termos regionais, ao nível da criação de riqueza e de emprego, a sua principal prioridade, em todos os setores de atividade, não descurando a agricultura e florestas, e com essa agenda retomar a rota de convergência com a Região Norte, colocando como objetivo superar a média regional da qual já esteve muito próximo. 

Abril de 2018

[colaboração Dr. Vasco Leite, CCDR-N]

De regresso ao pântano

Ter, 08/05/2018 - 10:11


Começara o século quando um António, quase tão santo quanto o proclamado padroeiro da capital, também com dotes oratórios afamados, mas igualmente destinado a sermonar aos peixes, comunicou ao país, entre pesaroso e desiludido, que já não suportava o fedor do pântano em que se tornara a política