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Júlio Meirinhos, grão mestre da maçonaria regular: “Há um quarto de século que estou na maçonaria activamente, todos os dias”

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Qua, 22/11/2017 - 11:08


A Maçonaria continua a ser alvo de especulação na sociedade que vive fora dela. O secretismo ou discrição são muitas vezes questionados e associados a poderes ocultos. Com a intenção de desmistificar aos jovens o papel desta sociedade, Júlio Meirinhos, transmontano e Grão-Mestre da  Grande Loja Legal Portuguesa esteve no Liceu de Bragança para falar sobre esta instituição que integra há 25 anos. 

Falando de... A Holanda

São muitas as razões que nos levam a falar da Holanda e dos Holandeses. País pequeno, encantou a nossa juventude através de leituras relatando a epopeia das suas gentes no combate contra o mar, tentando conquistar espaço. A simpatia, a admiração e a amizade aproximaram-nos deste povo.
Mais tarde, lendo na História a perda da independência de Portugal em favor dos espanhóis, soubemos que territórios do Brasil foram capturados pelos Holandeses. Aí, ao país usurpador, subtraímos o nosso apreço.
Hoje, as declarações produzidas pelo Ministro das Finanças Holandês, presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, que não abonaram em nada o nome de Portugal, fizeram-nos recuar na apreciação desta terra que abrigou muitos dos judeus expulsos de Portugal no reinado de D. Manuel. Anos depois, a pedido de D. João IV, lá irá o Padre António Vieira solicitar a pecúnia necessária ao restabelecimento das finanças do país, tão depauperado por uma gestão filipina que não teve em conta os interesses portugueses. Na Holanda teve oportunidade de assistir ao serviço religioso do rabino Manassés ben Israel com quem terá dialogado. O país não o entusiasmou por causa do clima e do povo, embora tenha apreciado a organização social e económica. Segundo António Sérgio que dedicou muitas das suas páginas ao diplomata/missionário, afirma que Vieira, na Holanda, terá despido as suas vestes talares, substituindo-as pelo trajo de grã, o espadim à cintura, o bigode crescido, e a bela pluma às abas no chapéu.
Não há muito, era notícia na Comunicação Social, que a Jerónimo Martins, transferira para a Holanda a sua sede financeira, o que originou um coro de protestos nas mentes mais avisadas na economia do país.
País pequeno, com cerca de dezassete milhões de habitantes, e uma superfície duas vezes e meia menor que Portugal, para além dos judeus portugueses que acolheu a partir do século XVI, modernamente recebeu a docência de portugueses que bem divulgaram a cultura portuguesa: António José Saraiva, Fernando Venâncio e Rentes de Carvalho merecem a nossa atenção.
A publicação de Com os Holandeses, de J. Rentes de Carvalho, numa edição da Quetzal, abriu-nos caminho para outras leituras de autores que na Holanda viveram o tempo suficiente para escrever obras que fazem parte do nosso acervo literário, um tanto esquecido, mas que em tempos constituíram leitura obrigatória àqueles que aos livros são dados.
Ramalho Ortigão, chegado à Holanda em Agosto de 1883, num domingo, pela uma da tarde, conta através de cerca de quinhentas páginas, impressões de viagem, histórias do país, das pessoas, dos artistas, da educação e das Universidades. Num estilo simples, numa linguagem onde o encómio não lhe escapa, lembra que repetir que a Holanda é uma nação muito mais sabiamente dirigida do que Portugal, parece-lhe inútil. Sem esquecer a capacidade dos holandeses, cita o adágio “Deus fez o mundo, e os Holandeses a Holanda”. A falta de montanhas e a falte de pedras desviaram os artistas da arquitectura e da escultura, tendo-se distinguido na pintura.
Povo singular e único no mundo. Não o há mais aguerrido nem mais belicoso. Não há também menos militar. É um povo de guerra, que não poderá ser jamais um povo de parada. Pelas condições do solo que ocupa e que disputa ao mar, num combate permanente pela sua educação de luta perante o perigo de cada instante, ele é, por natureza, enérgico, destemido e valoroso.
Sobre a lapidação de diamantes, de que fornece uma informação pormenorizada, afirma que a indústria é quase exclusivamente exercida por judeus de origem portuguesa. Não podia deixar de falar das tulipas tão famosas na Holanda, afirmando que aí foram introduzidas a partir do século XVI, pelo sábio botânico Lécluse, tornado célebre pelo seu nome alatinado de Clusius, que deu a conhecer na Europa, a obra de Garcia de Orta. A flor de Clusius atingiu, pelos artifícios da cultura, uma variedade infinita de formas e cores, sendo algumas modificações pagas por preços fabulosos. Acrescenta Ramalho Ortigão que Portugal, pela natureza da sua flora, pelas condições do seu solo e pela sua situação geográfica, um dos países mais propícios para a exploração da indústria das flores.
Se Utreque, Leida, Rotterdam, Haia e Arnhem, entre outas cidades, não escapam à observação do viajante, Amsterdam, onde residiu dois meses, acaba por ser a cidade privilegiada pela sua escrita, informando, o que lhe causa grande espanto:
Os meninos desde os dez anos fumam na rua como os homens, chupando grandes charutos com a gravidade mais cómica, considerando o gaiato de Amsterdam o mais terrível de todo o mundo.
Quanto às meninas, notou que andam sós, tendo observado alguns inconvenientes adstritos a este costume.
Falando dos hábitos dos holandeses, no que diz respeito aos seus gastos, afirma que ninguém despende um soldo mal gasto, ninguém dissipa, dando como exemplo a mulher de Rembrant que usando jóias em demasia, foi advertida pelas autoridades competentes para que cessasse de escandalizar pelo luxo, a gente honrada de Amsterdam. O próprio Rembrant que reunia a peso de oiro uma das mais belas colecções de arte, vivia tão sobriamente, que nunca almoçava mais que um arenque salgado, um pouco de queijo e um pedaço de pão. Voltaire dizia de Amsterdam, que entre quinhentos mil homens que a habitam não há um ocioso, um pobre, nem um peralvilho nem um insolente, pelo que o dinheiro abunda, a tal ponto que em 1642, a rainha de Inglaterra vai pessoalmente à Holanda empenhar as jóias da coroa. Descartes em 1618 alista-se como voluntário nas tropas de Nassau, tendo adoptado a Holanda como segunda pátria, escreve a Jean Louis de Balzac: “Nesta grande cidade não há ninguém, com excepção de mim, que não se ocupe do trabalho mercantil”.
Manuel Teixeira Gomes, sétimo presidente da República, entre 1923-25, que antes de exercer cargos públicos, correu parte da Europa e o norte de África, escreveu no seu exílio do Bougie, em 1934, um livro em que conta muito das suas viagens, onde a lubricidade, a luxúria e o epicurismo têm um papel importante. De Novelas Eróticas, com 1.ª Edição em 1935, extraímos a novela Deus ex machina. Lembra o autor que passou o Inverno de 1890, quase todo na Holanda, com temperaturas de 25 a 30 graus centígrados de frio (sic). Os canais gelavam, não sendo difícil encontrar quem não levasse consigo um par de patins, o mesmo sucedendo ao autor que se tornou um exímio patinador. Amsterdam era a cidade de Manuel Teixeira Gomes. Aí residiu e aí encontrou a encantadora Camila, uma jovem judia, de dezassete anos, de educação literária relativamente esmerada, mas de carácter indisciplinado, génio impulsivo, caprichosa e fantástica.
Com a perspectiva de um casamento e a paixão dominando a racionalidade de um homem que chega à mais alta magistratura do país na condição de pai solteiro, Manuel Teixeira Gomes envolve-se com Camila, contrariando conselhos de amigos e enfrentando a oposição tenaz dos pais da jovem. Furtando-se à alçada dos progenitores, Camila e Teixeira Gomes ensaiam compromissos amorosos em hotel de Dordrecht, onde não faltam promessas de amor eterno. Uma história contada em cerca de oitenta páginas, sem final feliz, não faltando o arrependimento da candidata a noiva, a intervenção da polícia e a expulsão do noivo, da Holanda. Uma novela a roçar os cânones policiais. Com algo de leviandade que caracteriza o autor, termina a novela de forma positiva, como se fosse mais uma etapa da sua carreira de D. Juan
Ainda pensei em segui-la, mas para quê? Além de tudo o mais eu andava então absorvido por outros amores…
Com os Holandeses de J. Rentes de Carvalho volvemo-nos à Holanda actual, demonstrativa de um país onde o lucro domina a actividade de um povo pequeno que não recua perante a adversidade e que enfrentando um clima de algum modo inóspito, lidera um mercado onde pontificam empresas como a Shell, Philips, Unilever e a rainha Juliana era até há pouco a mais rica do mundo.
Para quem faz da escrita um modo privilegiado da sua existência e tendo vivido na Holanda desde 1956, onde se licenciou e foi docente de Literatura Portuguesa entre 1964 e 1985, muitas seriam as razões para lembrar tempos passados, impressões de vida, comentários, descrições de costumes, agora que a idade o liberta de possíveis constrangimentos passados em terra de adopção.
Cerca de 160 páginas, começando por alertar o leitor para uma frase que traduzida para português significa “à maneira do comércio”. Com efeito, das páginas lidas, ressalta o pragmatismo das gentes holandesas, onde exemplos citados e passados com o autor pouco abonam em favor da sua generosidade, conquanto escreva que não há erro em afirmar que na Holanda a religião e o auxílio aos países subdesenvolvidos se encontram intimamente ligados. Na sua opinião, cada holandês alberga “profundamente ancorado um sentimento missionário, o que por vezes torna o seu trato menos agradável. O holandês deseja melhorar a sorte do seu semelhante, e que não é por acaso que as suas associações religiosas, extremamente eficazes, modelos de organização, se encontram na vanguarda desse auxílio”.
Com muitos dados reportados a 1971, afirma o autor que na Holanda não há pobres, sendo um país desproporcionadamente rico, contente de o ser, não quer ser potência, nem dominar. O holandês, em geral, é grande, construído para os trabalhos de peso e fôlego, transpirando força física, no entanto, no início do livro, e no princípio da sua chegada à Holanda, os colegas afirmavam que as holandesas se dividiam em duas categorias:
– as com quem se tinha ido para a cama
– as que estavam para ir
– os holandeses pertenciam a uma única categoria – a dos bananas
– o país, uma maçada. A comida, um nojo
Na família a força dominante parece ser o egoísmo. Falta de carinho e ternura, como se fossem sentimentos vergonhosos. São ingénuos e gananciosos, sabidos nas manhas de negociar, por vezes uma agudeza que assusta, quando se trata de recolher um benefício material. Pouco colaborador com a escola. Não quer ver, nem quer saber. Já chegam as aflições do trabalho, a vida que leva, os problemas da existência e das maneiras de adorar a Deus, a política, a televisão, o jornal, sendo as crianças de uma agressividade, falta de educação, de normas e valores que surpreendem.
Acerca de Amsterdam, não querendo falar da sua beleza, vai descrevendo alguns aspectos que mais o impressionam, confessando sentir uma dívida de gratidão para com a cidade, ao mesmo tempo que se considera como filho. Nunca se sentiu repelido como em Paris, Lisboa, São Paulo e tantas outras cidades. Pela curiosidade que nos despertou, lembra que os seus moradores têm o hábito de deixar as cortinas abertas, oferecendo os interiores domésticos aos olhos devassadores de quem passa. Quanto às raparigas, a sua beleza não lhe passa despercebida. Muito haveria que contar, salientando que nas ruas pobres, a beleza desabrocha com mais facilidade. A imprensa, a religião, a revolução sexual, a televisão que raramente transmite a inauguração de uma obra pública, a literatura e o sistema escolar são temas abordados pelo autor, dando conta de práticas e costumes muito diferentes dos nossos.
O holandês e a bicicleta. As maravilhas de equilíbrio e as acrobacias não escapam à utilização ao bebé ou do quase centenário, à matrona pesada ou à mocinha grácil, ao estudante cabeludo, ao burguês encorpado, enfim, segundo o autor/observador “nenhuma descrição poderá dar ideia da sua virtuosidade nem da fenomenal ligeireza com que elas se movimentam”. Quanto ao automóvel, o contraste. “Outra loiça!!!”. Os afagos e as precauções nos carros, contrastam com o desmazelo com as bicicletas.
Um livro escrito com alguma acrimónia e distanciamento do país que o acolheu e que escolheu para viver. Passaram 60 anos, ainda dominado pela saudade da terra e dos seus, afirma sem receio: “eu gosto da Holanda. Não sou insensível ao arrumo, à eficiência, aos direitos, à correcção, às certezas, confortos e seguranças que ela ma oferece”
Ou ainda, “eu vivo aqui, agasalhado, confortável, com salário e seguros, razão número um para não me afligir nem agitar tanto”
E nós, que lemos o livro, e um dia nos deslocámos ao país das tulipas, convidamo-lo a ler uma obra bem escrita, e bem estruturada que, embora reportada a 1971, é produto de quem viu, ouviu, sabe e viveu.

Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico