Deus nos livre…

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Ter, 21/01/2020 - 00:24


O pior que pode acontecer à democracia é prestar-se ao ridículo, justificando as diatribes dos seus inimigos, que infestam a história política dos milénios que já levamos à face da terra.
Todos reconhecemos as virtudes do modelo democrático, mas também sabemos que, se não houver elevação, carácter e coragem, se correm sérios riscos de abrir as portas da baixeza, da indignidade, da malevolência concertada ou do simples império de todos os caprichos que, no fim de contas, instala um caos agoniante, dispondo as comunidades para a celebração do murro na mesa de um qualquer tiranete mais afoito.
A experiência tem-nos demonstrado que na nossa vida quotidiana, especialmente nas últimas décadas, quando um entendimento distorcido dos direitos infantis se tornou num viveiro de imperadorzecos impertinentes, estamos a adubar um problema social sem solução no horizonte das próximas gerações.
Este é o resultado nefasto da sobrevalorização do individualismo radical a coberto de grandes desígnios que levariam a humanidade a novos paraísos, mas que se ficam por tragédias recorrentes, tendencialmente mais graves a cada nova fuga em frente, como se verifica nos vanguardismos pedagógicos, nas abordagens da psicologia papel de embrulho melado ou da sociologia vesga, porque indiscernível da teimosia ideológica.
Para não nos deixarmos iludir pelas aparências, vale a pena assestar, com frieza racional, a lente que permite perscrutar as propensões dos fenómenos que nos rodeiam, sem desprezar a sabedoria secular de reflexões filosóficas, de intuições geniais, mas também do pragmatismo puro e duro.
Há meio século era vulgar ouvir comunistas empedernidos chasquear com a dita extrema esquerda, que constituiria doença infantil, antes de chegar o tempo da solidez na procura de verdadeiras soluções para o mundo. Tinham alguma razão, porque, geralmente, os movimentos radicais não iam muito além de pátios de ilusões, jardins de delícias à medida de cada subjectividade.
Na verdade, assistimos durante décadas à fragmentação e pulverização, que fazia de cada um uma alternativa messiânica, condenada a reduzir-se ao narcisismo petulante, a pairar sobre vapores etílicos e fumos inebriantes. Também se observavam fenómenos brutais de refúgio num arrependimento feroz, que recuperava o que de mais tradicionalista, arcaizante e reaccionário se podia imaginar, aparentemente com a mesma veemência que se lhes conhecera antes, quando se arvoraram em profetas, escolhidos para a definitiva revelação.
Só num contexto como este poderemos explicar o caldo rançoso que se armou à volta do caso Joacine, uma mulher com uma história de dor e ilusão, que terá acreditado na partilha de afectos e na união para a defesa de valores respeitáveis, sem pressentir que não passaria de arma de arremesso.
Os meninos mimados que fizeram a festa quando foi eleita rapidamente se tornaram mestres escola impiedosos, em nome de uma ortodoxia construída à pressa, quando perceberam que a sua vaidadezinha se poderia vir a ficar pelas ruas da amargura, revelando-se, afinal, capazes do verdadeiro racismo, que dizem condenar.