Ter, 30/08/2005 - 15:42
O amnésico pianista, nem sofria de amnésia, nem sabe tocar piano, mas dado o seu olhar desvairado a modos de louco, o facto de quando foi encontrado não soltar palavra, vestir um elegante fato e trazer debaixo do braço pautas de música encantou os perscrutadores do íntimo de cada um e, deu azo a todo o tipo de especulações, gerando uma enorme comoção no Mundo civilizado. Agora, descoberto o embuste, os defraudados pelo “borristeiro” andam verdes de raiva, enquanto os hospitais pensam processar o pianista de uma nota só, filho de um agricultor da Baviera. O desfecho não me provocou surpresa, como também não dediquei grande importância ao início da história. Porque sou mais esperto ou inteligente do que os outros? Não. Nada disso, caro leitor. Porque falsos pintores, doutores, engenheiros, financeiros, médicos e tutti-quanti fazem parte do nosso quotidiano, sem esquecer o facto de possuir memória e, por isso mesmo não esquecer uns quantos espertalhões surgidos em Bragança apregoando qualidades, capacidades e outras maravilhas conseguindo ludibriar gente acima de toda e qualquer suspeita de ser enganada. Os leitores já estão a imaginar um desfiar de nomes, de modo a satisfazer a sua (e minha) proverbial atracção por uma boa “estória” onde entram tansos e estafadores de carteiras e carreiras. Vou desiludi-los. Não o farei. Muitos dos levados à certa ainda estão vivos e, ando num período de rapaz bem comportado, não vá o fisco salgar, ainda mais, os impostos que tenho a pagar. No entanto, dado abalançar-me a tratar o tema, sempre recordo um rapaz do Barreiro que irrompeu em Bragança, dizendo-se dono de teres e haveres, mais cargo profissional compatível ao seu notável currículo. Depressa conquistou as boas graças de uma menina e respectiva família, passando num ápice a mastigar salpicões, alheiras e presunto por conta do futuro. Num fim de invernal tarde a polícia deu-se ao trabalho de o capturar enquanto aquecia as mãos nas mãos da moça. Um escãndalo de medianas proporções. Um outro apresentou-se em grande pose, dizia-se licenciado, empastelado e engravatado a preceito conseguiu a atenção de uma exigente menina. Casou. O canudo foi esquecido. A cidade nos idos de sessenta era aquilo que já escrevi noutras ocasiões. Bafienta, beata, bacoca, besta e bestiais todos quantos fossem de fora. Imaginem a sensação que fez um rapazão na noite bragançana ao declarar-se recém-vindo de um país escandinavo e, ser um declarado opositor da ditadura salazarista. Ouvi-o diversas vezes, pedia dinheiro para as despesas alimentares e liquídas. Desapareceu como chegou. Não lhe emprestei dinheiro porque tive a sorte de no dia do pedido, estar sem grande base financeira. Lá me safei de entrar na lista dos intrujados. Dadas estas achegas todos quantos me lêm ficam capazes de se lembrarem de outros artistas do engano onde não faltam especialistas em desfalques e traficâncias contabilísticas com graves prejuízos para famílias inteiras, falsas virgens e mulheres sem virtude. Mas nestas coisas de falsidades uma das melhores cenas a que assisti teve lugar na Póvoa de Varzim. Por razões sentimentais no mês de Agosto, frequentava a praia poveira. Lá fiz conhecidos. No decurso de uma noite de estúrdia um minhoto praticou desmandos a obrigarem à intervenção do então existente polícia de giro. O estúpido foi firmemente agarrado pela mão forte do cívico. Ao ver-se naquele aperto desatou a gritar que era filho do delegado. Aí, o guarda afrouxou a pressão, principiou a olhá-lo mais respeitosamente e indagou: “ O menino é filho do Sr. Dr. Delegado?”. Não, sou filho do delegado escolar, ripostou o parvo. Uma sonora bofetada ecoou na sua face, enquanto o polícia resmungava: “ Do delegado escolar! Do delegado escolar. De que concelho?”. Ninguém se atreveu a dizer mais nada, enquanto o menino esfregava a cara. E se o falso pianista tem encontrado um agente de autoridade assim? Falava logo, está claro!