“Aquele modelo clássico, um campanário, uma igreja, uma casa paroquial e um pároco, já há muitos anos que desapareceu”

PUB.

Ter, 26/03/2024 - 10:30


D. Nuno Almeida é o 45º bispo da Diocese Bragança-Miranda. Nuno Manuel dos Santos Almeida nasceu a 1 de Agosto de 1962, no Sátão, Viseu. Durante a sua preparação para o sacerdócio frequentou o Seminário Menor de S. José, em Fornos de Algodres, e o Seminário Maior de Viseu, onde terminou o curso de Teologia, em 1984. Foi ordenado sacerdote em Outubro de 1986. Em Maio do ano passado foi nomeado bispo desta diocese. Quando aqui chegou disse, aos jornalistas, que vinha sem programa, mas com muitos sonhos… ao longo desta entrevista vamos tentar perceber que planos tem traçados e que trabalho foi feito, uma vez que aqui está há nove meses

É desde 25 de Junho, bispo da Diocese de Bragança-Miranda. Como tem sido acolhido?

Gostaria de dar a todos uma saudação pascal, desejar uma Semana Santa muito feliz e uma Páscoa de muita alegria, na presença do ressuscitado que, depois, nos liga uns aos outros, na amizade e na festa. Têm sido nove meses muito intensos. Temos cumprido aquilo que, desde o início, tínhamos intenção, sendo um ano de diálogo, de escuta, de dar as mãos e de caminharmos juntamente com as famílias, comunidades, instituições e forças vivas da diocese. Isso tem acontecido. Tem sido, de facto, uma experiência de muitos encontros, de visitas, de aceitar os convites que, muitas vezes, são feitos ao bispo, para participar em actividades de âmbito social e cultural. Tem sido uma experiência muito enriquecedora e já tem sido possível ir traçando linhas de actuação.

Como encontrou esta diocese? Quais são os principais desafios e o que identifica para o futuro? Quando aqui chegou disse que vinha sem programa, mas com muitos sonhos… volvidos alguns meses, já podemos falar de projectos?

Encontrei uma diocese muito viva. A densidade populacional não é muita, nota-se logo assim que chegamos, mas há uma densidade cultural, religiosa e histórica nítida, que nos desafia também a caminhar. Em termos pastorais, de maneira nenhuma podemos esquecer o rumo e tudo aquilo que o Papa Francisco nos está a propor, uma Igreja feita de proximidade e o oferecermos, o mais possível, a todos aquilo que a Igreja tem e pode oferecer, a alegria e a esperança do Evangelho. Este é o lema do nosso projecto pastoral, para este triénio, que foi sendo delineado em conjunto com sacerdotes, leigos, movimentos e paróquias. É um projecto pastoral que estamos já a implementar e que surgiu precisamente a partir da comunhão e diálogo entre todos. Isso faz-se de maneira simples, mas perseverante, levando, depois, aos ambientes onde é possível levar essa mesma esperança e alegria do Evangelho. - Estamos em plena Semana Santa, em tempo de Páscoa, faz sentido continuar a falar de evangelização, sendo que a esmagadora maioria das pessoas se diz católica, mas é cada vez menos praticante? O que lhe parece? Hoje faz sentido continuar a falar e, sobretudo, a colocar em prática a evangelização. A própria palavra, evangelizar, diz que é uma boa notícia. A palavra evangelho significa anunciar uma notícia bela, boa, que leva, depois, a uma vida com sentido e em plenitude. Claro que, nós precisamos de voltar sempre às origens e olhar, em primeiro lugar para Jesus Cristo e perceber como lança essas boas notícias e o Evangelho, no fundo, que é a sua própria palavra, que é feita sempre de gestos libertadores, de amizade, de uma palavra libertadora e positiva. A evangelização, nos tempos que correm, implica sempre uma atenção e um diálogo a quem está connosco e à nossa volta, mas, depois, também a coragem de oferecer um anúncio de uma vida mais profunda, mais humana, na consciência de sermos filhos amados e, depois, na consciência de que somos irmãos e irmãs, que é o mais importante e que é a realidade que nos liga uns aos outros.

Então, no Mundo em que vivemos, faz ainda mais sentido do que alguma vez fez…

Faz mais sentido e é ainda mais necessária uma Igreja missionária. E é esse também o programa do Papa Francisco, na alegria do evangelho, uma Igreja que vive unida, que é sinodal, mas, ao mesmo tempo, que se torna samaritana. E esta expressão, samaritana, tem a ver com a parábola do bom samaritano, que se faz próximo para cuidar de alguém que está caído à beira do caminho. Esta imagem de Igreja que o Papa Francisco insiste que é a Igreja do século XXI é uma Igreja que procura criar e viver em comunhão, unida, de famílias, mas sempre em função de se tornar Igreja samaritana, que vai ao encontro das pessoas, das famílias, das instituições, numa atitude parceira e, ao mesmo tempo, também numa atitude de contribuir para resolver as grandes questões que estão aí na sociedade.

Acha que o mundo moderno, cada vez mais instantâneo, é incompatível com os preceitos da Igreja?

De facto, hoje, para sermos fiéis ao Evangelho, nas grandes questões, precisamos de não ter medo de ser diferentes, de marcar um bocadinho a diferença e, por vezes, em relação a alguns aspectos, irmos contra a corrente. Refiro-me em concreto, por exemplo, em relação à defesa da vida humana, desde o primeiro ao último instante, a Igreja está, digamos, de alguma forma, minoritária em fazer esta defesa da vida e da inviolabilidade da sacralidade da vida humana. Em relação ao conceito de família, temos perfeita noção de que há uma diversidade muito grande de proposta de atitudes que hoje estão aí. Não podemos, de maneira nenhuma, esquecer esta realidade tão diversificada. É uma exigência e um desafio ainda maior não termos receio de, publicamente, oferecermos uma proposta de vida, respeitosamente, deixando sempre liberdade de ser aceite ou não ser aceite. Os tempos em que havia uma espécie de cruzada em que se impunham as verdades da fé, felizmente, passaram porque não eram, de maneira nenhuma, as atitudes e a forma de Jesus Cristo estar diante dos homens.

D. Nuno Almeida, é na Páscoa que as pessoas costumam pagar ao padre. As pessoas ainda pagam como pagavam?

Também neste aspecto houve uma mudança muito grande. Aquilo que se chamava côngrua, o contributo de cada família para o sustento digno do seu pároco, felizmente, também aqui há um caminho feito. Em cada paroquia há ou devia existir, um conselho económico, um pequeno grupo de pessoas que procura depois recolher as ofertas dos paroquianos e, a partir dessas recolhas, gerir e fazer com que esses bens possam ser usados para o bem da comunidade. Um dos aspectos é também o pároco ter um sustento e uma vida digna, não ter grandes preocupações com o aspecto material, para poder dedicar-se, inteiramente, ao serviço das pessoas. As famílias são convidadas a essa partilha anual, mas ninguém é obrigado a dar o seu contributo, é sempre uma oferta livre e voluntária, mas nós apercebemo-nos que as paróquias precisam, vitalmente, para poder ser sustentáveis, para poder zelar pelo património que têm e para poderem manter a actividade social, a partir, precisamente, do contributo e da partilha generosa das famílias.

A questão financeira é um problema para a Igreja, em geral, e para a diocese, em particular?

A nossa diocese, e não temos nada a esconder, não tem dívidas, não tem encargos. Neste momento, portanto, estamos numa situação equilibrada. Temos sim uma obra a meio, a Casa Diocesana, a parte central do Seminário de São José, em Bragança. Uma ala está restaurada, onde vivem jovens e sacerdotes. Depois temos a ala central, voltada para a avenida. Num projecto já aprovado, temos uma obra a decorrer a menos de metade. Por agora, tem só as placas, praticamente, construídas. Vai ali construir-se uma casa de encontros, para formação, haverá também uma biblioteca, um auditório e parte residencial para os sacerdotes que precisem, sobretudo aqueles que deixem de paroquiar. Tem também uma parte que pode acolher pessoas que passem pela cidade. É sobretudo uma casa voltada para a formação, ligada depois, também, às instituições, onde possam fazer encontros e reuniões. Esta casa está a fazer muita falta para termos uma vida diocesana com alguma qualidade. Os recursos que tínhamos foram gastos lá. Enquanto não conseguirmos gerar alguma receita, na venda de alguns bens que a diocese tem, não podemos recomeçar a obra.

Portanto, esta obra não tem qualquer financiamento?

Temos estando atentos aos fundos que possa haver, até do Plano de Recuperação e Resiliência. Fizemos também alguns contactos, procurando ver se é possível candidatar a parte da obra que resta fazer, mas, em princípio, terá de ser a diocese a encontrar os recursos. Temos o seminário de Vinhais e a quinta que não são necessários para a diocese. Se houver possibilidade alienar esses bens… todos os recursos que tivermos serão investidos nesta casa. Estamos à procura de encontrar solução.

E quanto custará o que falta?

Não sou a pessoa indicada para responder porque já encontrei a obra a meio, mas calculamos que seja necessário, pelo menos, um milhão de euros. Claro que, depois, fica ainda a faltar o equipamento e mobiliário, que é ainda uma fatia significativa.

Acha que faz sentido uma reorganização das paróquias, já que há poucos padres para tantas paróquias, num território tão disperso como o desta diocese? Se sim, qual é a sua ideia? Como é que esta reorganização podia acontecer?

Aquele modelo clássico, um campanário, uma igreja, uma casa paroquial e um pároco, já há muitos anos que desapareceu. Temos, neste momento, 43 párocos para toda a diocese. Compreendemos que cada um tem à sua responsabilidade não um campanário, mas vários e, depois, muitas comunidades. Estou agora em visita à zona de fronteira e apercebo-me da multiplicidade de pequenas comunidades. A própria evolução demográfica e social obrigou a uma reorganização, em acção desde 2012, e foi uma decisão corajosa e pioneira, do anterior bispo, juntamente com os organismos da diocese, de uma mudança muito profunda, que se explica em palavras breves: a célula base da organização pastoral da diocese deixa de ser a paróquia e passa a ser a unidade pastoral constituída por várias paroquias que confinam no mesmo território. Neste momento, temos a diocese organizada em quatro arciprestados e dentro deles 18 unidades pastorais, que congregam as paróquias pequeninas e as comunidades. Esta organização está feita no mapa e no papel e começou em 2012, mas precisamos ainda de aprofundar muito este caminho, sobretudo, tornando estas unidades pastorais mais operativas. Em cada uma terá de haver um conselho da unidade pastoral que, no fundo, congrega e estabelece o ritmo pastoral, muito mais cooperação entre os diferentes agentes pastorais, precisamos de ter até equipas itinerantes para que todas as comunidades possam manter vitalidade, sobretudo ao sábado e domingo, para que haja oferta pastoral.

Daquilo que vai percebendo, quantos párocos faziam falta? Ainda há muitos jovens a abraçar a vocação?

Nós precisamos muito de mais vocações, de mais padres, de mais presbíteros, de diáconos permanentes. Temos um bom grupo de diáconos permanentes e apercebemo-nos que há possibilidade de constituir um novo grupo, que viria enriquecer a vida pastoral da nossa diocese, mas precisamos muito de presbíteros, de jovens que aceitem o convite, que vem de Jesus Cristo, através de muitas maneiras. Aproveito a ocasião para lançar o convite porque o ser padre, nos tempos que correm, é uma forma de ser feliz de uma maneira humana, com lágrimas também, de nos realizarmos como pessoas. A vida presbiteral exige esta capacidade de entrega e de serviço e doação, mas vale a pena. Estou a dizer isto e todos os padres da nossa diocese podem dizer o mesmo. Precisaríamos de ter no seminário, pelo menos, sempre um grupo de cinco ou seis jovens. Neste momento temos só dois. Um em Braga e outro em Bragança, a terminar e a preparar a ordenação para o próximo mês de Junho.

Que mensagem deixa aos nossos leitores esta Páscoa…

Gostaria de desejar uma Páscoa de muita alegria, em que cada pessoa possa sentir que a seu lado está Jesus Cristo vivo. Esta é a grande mensagem da Páscoa, Jesus Cristo é nosso contemporâneo, conterrâneo e companheiro. Nós continuamos a celebrar a Páscoa e isso significa que, com o coração e a fé, interiormente, sentimos que o Senhor continua a caminhar connosco e são esses os votos que faço, que cada pessoa sinta esta presença amorosa de Jesus Cristo ressuscitado, que não tenha receio de lhe abrir o coração, sobretudo quando acontece alguma tempestade. Abrirmos o coração a este Jesus Cristo que é para nós o bom pastor. Procuramos imitar, mas o único e bom pastor é Jesus Cristo que está, que caminha e que nos envia o seu espírito de amor.

Jornalista: 
Carina Alves