Autarquias assumem competências na educação mas não concordam com verbas transferidas

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Qua, 18/05/2022 - 12:17


Os municípios foram obrigados a aceitar a transferência de competências na educação no final de Abril, mas fazem já contas ao aumento de despesas que esperam que a comissão de acompanhamento passe a compensar

“Eu concordo com a transferência de competências desde que sejam assegurados os respectivos pacotes financeiros”. A afirmação é do presidente da Câmara Municipal de Vinhais, mas podia ser de outro autarca da região, já que a opinião parece ser unanime no que toca às transferências de competências. No final de Abril os municípios foram obrigados a aceitar as competências da educação. Quer isto dizer que as escolas e tudo que isso implica estão agora a cargo das autarquias. O problema está na verba que é transferida para as câmaras. O município receberá 20 mil euros, por ano, por cada escola, fora os ordenados dos funcionários. No entanto, “não é suficiente”, entende o autarca de Vinhais, do Partido Socialista, Luís Fernandes, que refere que a verba não chega para a manutenção das escolas, o transporte escolar ou outro tipo de transportes para alunos com deficiência. “Vamos ter um défice, por ano, de 250 a 300 mil euros”, afirmou. O presidente da câmara considera que o processo de transferência de competências “não pode ser transversal a todo o país, porque há situações completamente diferentes”. “Teriam que ser feitas em função da realidade de cada concelho. Há municípios que, por exemplo, em transportes escolares não gastam praticamente nada, porque são feitos através dos transportes públicos e nos nossos municípios isso não acontece”, frisou. Os municípios falam mesmo em “estrangulamento financeiro”, visto que vão ter que usar parte do orçamento municipal na área da educação. Segundo o presidente da Câmara Municipal de Bragança, do Partido Social Democrata, Hernâni Dias, o que está a acontecer é “pura e simplesmente uma exploração dos municípios”. “As verbas que, neste momento, estão a ser transferidas são baseadas em anos bastantes anteriores, creio que em 2019, e não é possível acompanhar o ano de 2022”, afirmou. Por isso, diz ser “urgente” rever os critérios para atribuição das verbas aos municípios. O autarca dá mesmo dois exemplos, a criação de um seguro para os funcionários das escolas, uma despesa que não está incluída na verba do Governo alocada aos ordenados, e a falta de funcionários nas escolas, o que obrigou a autarquia a resolver um problema de servir cerca de 300 refeições, “da noite para o dia”, visto que uma escola ficou sem trabalhadores para a cantina. Por outro lado, há municípios que já tinham aceitado a competência da educação. É o caso de Freixo de Espada à Cinta que, em 2019, com o executivo liderado por Maria do Céu Quintas, do PSD, aceitou ser responsável por todas as escolas do concelho. No entanto, o actual presidente da câmara, Nuno Ferreira, do Partido Socialista, fala de um défice anual de 60 mil euros e, por isso, avançou que o município vai reunir com o Ministério da Educação para fazer ajustes. “Este défice é também porque quem me antecedeu assumiu três funcionários que não estavam previstos neste acordo e que veio acrescentar mais despesa”, explicou. No município de Vimioso, as competências a nível dos equipamentos e pessoal não docente da educação também já tinham sido aceites em 2019, recebendo agora as restantes, no entanto, através de um contrato interadministrativo algumas vão ser delegadas na direcção do agrupamento, tal como a lei permite. O autarca Jorge Fidalgo está igualmente preocupado com o valor previsto. “Achamos que as verbas que são da exclusiva responsabilidade do Governo, terá de as transferir na totalidade, em função do que a comissão de acompanhamento vier a definir”, afirma, apesar de entender que “quanto mais próximo estiver o exercício de competências dos problemas, mais rapidamente estes são resolvidos”. “Sou professor de formação e não tenho dúvidas de que traz vantagens”, admite contudo, já que entende que “a comunidade educativa, em particular os alunos, vão sair beneficiados desta proximidade do exercício das competências”. “Mas para serem bem exercidas e haver resultado positivos implicam um conjunto de recursos financeiros”, reforça.

Pais acreditam em melhorias

Apesar de também estarem preocupados com a verba que vai ser transferida do Governo, as associações de pais estão esperançadas que a transferência de competências para as autarquias possa significar uma maior atenção em relação aos problemas das escolas. Vasco Lopes, presidente da Associação de Pais do Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, em Bragança, queixa- -se da falta de informação e opacidade do processo. “Nunca nos foi transmitido o que estava em cima da mesa nos últimos 3 anos”, começa por referir. O encarregado de educação afirma que a falta de assistentes operacionais no agrupamento é uma preocupação há vários anos, o que está relacionado com fórmulas de cálculo do ministério. “Estamos muito preocupados com esta situação e com o que nos parece ser a desresponsabilização em matéria financeira”, critica, acreditando, no entanto, que o município terá mais sensibilidade para resolver este tipo de assuntos. “A questão não é se o dinheiro é muito ou pouco, é a capacidade de ele ser gerido”, entende a associação de pais, que acompanha a reivindicação de mais verbas por parte do autarca, mas Vasco Lopes acredita que “o município tem sempre a possibilidade de contratar os funcionários que estão em falta, mas vai ter de suportar isso a expensas próprias. É uma questão de escolhas” apesar de sustentar que, “a verba deveria vir directamente do ministério”. Entre as competências transferidas estão as refeições escolares, matéria em que Vasco Lopes identifica queixas localizadas, em relação a uma das três cantinas que é externa e serve o Centro Escolar da Sé. “Há problemas como falta de comida ou da qualidade da comida, ou por falta de funcionários para servir os alunos. Já fizemos relatórios, enviámos para o município que está a par e o agrupamento também”, garante. O responsável da associação de pais acredita que agora o município pode mais “facilmente” encontrar soluções. “Como gere os funcionários pode decidir, em vez de continuar a sub-contratar uma empresa, reforçar uma das caninas e confecionar lá as refeições para o centro escolar, o dinheiro que gasta anualmente com isso é suficiente”, sugere. Sobre este assunto o autarca de Bragança explica que não tem tido conhecimento de qualquer problema em qualquer escola. “Não temos ainda definido aquilo que faremos no futuro, mas estamos a estudar por forma a encontrarmos uma solução que seja compatível com as exigências e com a necessária qualidade das refeições que têm que ser servidos aos novos alunos”, afirmou. Miguel Lobão, presidente da associação de pais do Agrupamento Miguel Torga, considera que o processo de transferência de competências “tem tudo para ser benéfico, porque parte dos recursos humanos e da escola passam a ser geridos por alguém que está no terreno e conhece a realidade local”, afirmou, “desde que isso não acarrete maiores dificuldades para os municípios”. O representante dos encarregados de educação reconhece que há falta de funcionários no agrupamento, já que nem todos os que se reformaram nos últimos anos foram substituídos, mas também acredita que com a transferência de competências para as autarquias a contratação de auxiliares “será mais fácil”. Mesmo perante as reservas quanto ao envelope financeiro, Miguel Lobão está “confiante que o município dará a melhor resposta”.

Falta de docentes

Para o Sindicato dos Professores da Zona Norte (SPZN) a transferência competências é uma questão polémica, que suscita “preocupações e até rejeição por parte de muitos professores e trabalhadores não docentes”. O SPZN considera, por isso, que é premente “interromper e redefinir este processo”. “Somos da opinião de que deve ser avaliado este ano, com a criação de uma comissão independente em que participem, entre outros agentes, as organizações sindicais e em que o Estado não pode ser maioritário”, afirma Manuel Pereira, do SPZN. Com ou sem transferência de competências a falta de professores é uma questão cada vez mais presente nas escolas do distrito e não apenas no que diz respeito aos horários incompletos. “Já chegou à região, é um problema que se vem sentindo e vai seguramente aumentar e provocar mais problemas nas nossas escolas, alunos e famílias”, reconhece. Por isso, a estrutura sindical defende que o governo deve implementar “medidas urgentes” que combatam o abandono e a desvalorização da carreira e critica o facto de o Orçamento do Estado de 2022, não prever “nenhuma medida que valorize os profissionais da educação e que contribua para aumentar a atractividade do sector, nem para erradicar a precariedade ou promover a atractividade das carreiras”, como por exemplo através de apoios à mobilidade dos profissionais ou melhoria de condições de aposentação. “Enquanto nada disto for feito, o problema da falta de professores vai seguramente aumentar tendo em conta que milhares de professores se vão aposentar nos próximos anos”, sublinha. Segundo Manuel Pereira, na região, já este ano houve dificuldades em recrutar professores em algumas disciplinas e alguns que ficaram colocados não aceitaram, nomeadamente em disciplinas como TIC, francês, geografia, físico-química ou geologia. “Numa das escolas de Bragança, foi lançado recentemente um horário que foi aceite, mas de seguida o professor recusou, porque seguramente as condições não lhe agradaram”, relata, referindo-se a um dos vários casos que se foram repetindo, quando há professores com baixa prolongada, por exemplo. Também Carlos Silvestre, dirigente distrital do Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados pelas Escolas Superiores de Educação e Universidades (SEPLEU) considera que a falta professores “é uma questão que se vem arrastando há muito tempo e que já se previa há vários anos”. Um dos entraves tem sido “a formação de professores que não tem sido bem planificada”. “Passamos do 80 para o 8”, afirma. O que também contribui para que haja mais professores a abandonar a profissão e que esta seja cada vez menos escolhida é, na opinião de Carlos Silvestre, “a imagem que se tem criado e o ataque à função do professor”. “Isso tem afastado muitos colegas. Neste momento há uma carência enorme de professores e isso tem-se reflectido nas escolas, tanto que o ministério reconhece o problema”, afirmou. A maior dificuldade é em casos de horários incompletos. “Se as pessoas não são daqui acabam por não aceitar, porque o que vêm ganhar não dá para a sua deslocação”, explica. A situação vai ser cada vez mais difícil, admite o docente, “porque dentro de 4 ou 5 anos vai haver muitos professores a reformar-se e há poucas pessoas a ingressar na carreira” e para tornar a profissão atractiva pedem estabilidade, como por exemplo um subsídio de fixação. No caso do pré-escolar, o dirigente sindical refere que são substituídos pelos educadores de apoio ou os que estão em actividades de apoio à família. Também a partir do primeiro ciclo os professores de apoio fazem a substituição, nomeadamente os professores em mobilidade por doença, mas Silvestre considera que “essa não pode ser a solução”. Com a falta de professores, o sindicato também critica a burocracia que ocupa muito do tempo dos docentes.

Jornalista: 
Olga Telo Cordeiro/Ângela Pais