Luís Ferreira lança livro “Melânia”: uma aventura que aborda o tema do tráfico de droga

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Ter, 26/10/2021 - 13:07


O 12.º livro e quarto romance do autor, que se radicou em Bragança há 46 anos, tem os jovens como personagens com grande relevo e que chama também a atenção para o despovoamento da região. O professor de história nas últimas décadas, que agora se reformou, conta que a história teve origem num projecto que desenvolveu com os alunos

Lançou este livro intitulado “Melânia”, de que nos fala esta história?

De várias coisas, fala- -nos de dois adolescentes, estudantes do secundário que querem entrar numa aventura, como a das férias de Natal, que se viviam antigamente, quando nós líamos aqueles livros da Enid Blyton, uma “Aventura dos Cinco”. Imbuídos talvez numa aventura dessas eles são protagonistas paralelos e, no fundo, também centrais desse romance, porque essa aventura acaba por descambar em qualquer coisa que eles não estavam a pensar encontrar e envolvem-se indirectamente numa coisa muito perigosa. Outro tema central é o tráfico de droga, que passava por uma aldeia aqui do Nordeste, porque a história passa- -se obviamente aqui no Nordeste. No meio, a interligar tudo isso, há uma rede imensa que começa a espalhar-se para fora da região e vai até à Colômbia, a Bogotá, e vai espalhar-se por França, Madrid, sul de Espanha e Porto. E um outro elo que está a ligar isto é o romance, há efectivamente um romance entre dois personagens, que se mantêm ligados durante muito tempo, que são apaixonados e vão viver paralelamente toda esta trama, sendo que estão separados por imensos quilómetros e vão ficando juntos e separados ao longo do livro. Digamos que é um romance com pequenos romances. E uma coisa para que chamo a atenção no livro, apesar de não ser evidente, mas está plasmado ao longo das páginas, é para a desertificação que se vive nas aldeias do interior de Trás-os-Montes, onde se luta, no fundo, por uma manutenção de pessoas e uma união. Digamos que é o estrebuchar de uma aldeia, onde o fogo da lareira se mantém sempre aceso em busca da tal união. Isto não é só metáfora, é paradigma, porque isto passa-se em Dezembro, em Janeiro, e nessa altura o frio aperta e as lareiras estão sempre acesas.

A região foi inspiração também para o livro?

Sim. Tem o título “Melânia”, mas já teve dois títulos anteriores. Comecei este livro com os meus alunos, era para eles desenvolverem a ideia. Eu era parte integrante da biblioteca da escola de Vinhais e tínhamos de programar actividades. Propus aos alunos de 11.º e 12.º anos que escrevêssemos um livro, e eles iam escrevendo uma página, eu ia rectificando e acrescentando. Eles acharam piada a isso, mas o certo é que ao final de algumas páginas aquilo acabou. Ainda tentei no ano seguinte continuar a ideia do livro, que se chamava inicialmente “Tio Valentim”, sobre um emigrante que regressaria de França para a aldeia que trazia coisas na mala, recordações, que poderiam motivar essa aventura, mas não surtiu efeito. Eles desistiram e eu desisti, acabaram por parar o livro e eu escrevi outro, que editei há dois anos. Depois disso passar, resolvi voltar a pegar no livro e com outro título: “A casa da floresta”, porque a casa está abandonada no meio de uma floresta perto da aldeia e da vila e há ali um mistério, a aventura partia daí. Mas havia um problema, é que não tenho propriamente 25 anos, e quem estava como narrador da história era uma das garotas que participava e tinha 16 anos. Chegou a uma altura em que desisti porque não tenho cabeça para pensar como uma garota dessa idade, pensei isto não está a resultar e parei com isso. O livro estava muito direcionado para a juventude e para os jovens e tinha de deixar de ser. E aí vai ter de sair do Nordeste, da aldeia e de arranjar complicações. Imagino novamente uma história diferente, a rapariga deixa de ser narradora e é só personagem e o narrador sou eu, que sou exterior. Tenho de refazer todo o livro e como a história é diferente chamei-lhe “Melânia” porque é uma rapariga sofrida, que vai ser quase obrigada a viver aquilo que não quer desde a juventude, vai meter- -se onde não deveria e é uma rapariga enigmática, dissimulada, que praticamente só aparece no fim do livro, mas que é no fundo a centro de toda a acção.

Nesse processo, aproveitou alguma ideia do livro inicial que estava a ser escrito com os seus alunos?

Aproveitei, porque no livro inicial o tio Valentim é um emigrante que vem de França, é tio de uma das raparigas, da tal adolescente e essa ideia mantém-se, mas eles não sabem quem é o tio Valentim. Alguém que esteve quase 30 anos em França a trabalhar, vem para casa da irmã, também viúva, com a ideia de que viria para se reformar e viver a vida pacata da aldeia, mas no fundo não vem para isso, vem com outro objectivo, inserido num outro trabalho completamente diferente e a ligação que tem com a sobrinha é de algum distanciamento, que tem pelo meio também algumas partes enigmáticas que para a garota não são entendíveis e ele também não quer que ninguém entenda o que está a fazer, a não ser dar a ideia de que está de férias, a passar o resto da reforma em Portugal. O Valentim vai manter-se até ao fim do livro.

O público-alvo são os jovens?

Não. Inicialmente eram. Mas há que diversificar e não estava com cabeça para imaginar uma história tão infantil e óbvia como aquela que inicialmente estava a imaginar e mudei todos os paradigmas da história. Aquilo que acabei por criar foi efectivamente algo muito mais complexo.

Mas acredita que de qualquer maneira os jovens terão algum interesse em ler este tipo de história?

Sim, porque os jovens são parte integrante da história, vão viver, são personagens. Este rapaz e rapariga que são colegas do secundário, bons alunos e cheios de perspectivas, sonhos e vivências novas que procuram, são um paradigma paralelo daquilo que é a juventude hoje. Todos têm uma data de tecnologia em casa, são invadidos por milhentas imagens, que deturpam até a própria inteligência dos jovens, basta olhar para estes jogos terríveis e horrorosos que os jovens passam a vida a jogar, onde só há tiros e mortes. Eles vivenciam, hoje, uma aventura, se quisermos, diferente daquilo que era vivenciada nos anos 60 e 70. Eles hoje lêem muito pouco. Mandar um jovem ler um livro é amordaçá-lo, porque não está habituado a ler. Felizmente tive alunos que devoravam livros, mas numa turma de 30 eram dois. Os outros eram capazes de estar 3, 4 ou 5 horas a olhar para o telemóvel. Este livro chama a atenção para a necessidade de a juventude se distrair com outras coisas e não só com estes telemóveis. Mas o livro tem as duas vertentes, a juventude é a parte central e podem rever-se da atitude que têm e podem ver que não podem acreditar em tudo o que se lhe faz e que se lhe diz, porque pode ser altamente perigoso, podem descobrir, às vezes tarde de mais, que há realidades que são bem perigosas e o livro mostra também isso.

Acha que ainda é possível mudar essa dinâmica dos jovens com os livros?

Seria muito desejável, tentei ao longo da minha vida de professor, e foram 40 anos, que os jovens lessem e muito, mandava-os ler, nós em história tínhamos que ler textos, documentos, interpretá- -los. Hoje acho que todos os professores e encarregados de educação devem fazer um esforço tremendo para que os jovens voltem à leitura, mas com sentido de responsabilidade. Os jovens têm de ler e que saber ler, porque senão também não sabem escrever.

Jornalista: 
Olga Telo Cordeiro