O desespero de quem é obrigado a fechar portas novamente

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Ter, 19/01/2021 - 11:17


Foram anunciadas quarta-feira, dia 13, as medidas para o novo confinamento, que começou às 00:00 da última sexta.

Mais espaços abertos que no primeiro confinamento

Após a reunião do Conselho de Ministros, António Costa falou ao país e fez saber que, ao contrário do que aconteceu no ano passado, todos os estabelecimentos de ensino iriam continuar em funcionamento, incluindo as universidades e as creches. Além das funerárias, mercearias, super e hipermercados, padarias e pastelarias, vários espaços ficaram de portas abertas, apesar de o primeiro-ministro ter sublinhado que o confinamento iria ser praticamente igual ao de Março. Em funcionamento, o Governo decidiu que ficassem as igrejas, proibindo celebrações de maior dimensão, como casamentos, consultórios, dentistas, farmácias, papelarias e tabacarias, drogarias, lojas de ferragens e estabelecimentos de venda de material de bricolage, lavandarias, centros de atendimento médico- -veterinário, espaços de venda de animais de companhia, estabelecimentos de venda de flores, plantas, sementes e fertilizantes, notários, cantinas e refeitórios, serviços de manutenção e reparações ao domicílio, entre outros. O Governo determinou ainda permitir o funcionamento de feiras e mercados, apenas para venda de produtos alimentares. Abertos, ao contrário do que já se verificou, também ficaram os tribunais, assim como os serviços públicos, mediante marcação prévia. Já os cafés, bares e restaurantes tiveram, novamente, que fechar portas, podendo apenas trabalhar em regime de take-away ou entrega ao domicílio. O Governo também determinou que entre os espaços a encerrar estariam os ginásios e recintos desportivos, mas deixou aberta a possibilidade de fazer exercício ao ar livre. Ainda no que toca ao desporto, no caso do futebol português continuam a poder competir, sem público, a selecção nacional e os clubes da I e II ligas. O mesmo acontece nas provas de topo da Federação Portuguesa de Futebol, continuando a disputar- -se a I Liga de futebol feminino, o Campeonato de Portugal e a I Divisão (masculina e feminina) de futsal. Os cabeleireiros, barbeiros, salões de estética, museus, teatros e espaços culturais também estão entre os espaços que já fecharam ao público, como forma de travar a pandemia. Entretanto, o primeiro-ministro anunciou, ontem, novas medidas, após a reavaliação das que estavam até agora em vigor. Passa a ser proibida a venda ou entrega ao postigo em qualquer estabelecimento do ramo alimentar e de qualquer tipo de bebidas, mesmo café nos estabelecimentos alimentares autorizados a fazer take-away. São encerrados todos os espaços de restauração nos estabelecimentos comerciais e proibidas campanhas de saldos, promoções ou liquidações que promovam a deslocação de pessoas. A permanência em jardins passa também a ser proibida. Volta a haver proibição de circulação entre concelhos ao fim de semana e todos os estabelecimentos "de qualquer natureza" encerram às 20 horas nos dias úteis e às 13 aos fins-de-semana.

Teletrabalho obrigatório

Entre as medidas anunciadas, o teletrabalho volta a ser obrigatório, sempre que possível e sem necessidade de acordo do empregador ou do trabalhador. Contudo, as coimas por incumprimento agravaram-se, sendo que a violação passa a ser considerada uma infracção muito grave, com as multas a ultrapassarem 61 mil euros.

Dever de recolhimento

Dando seguimento à renovação do Estado de Emergência, que está em vigor desde o dia 15, o decreto que regulamenta as medidas estabelece ainda o dever geral de recolhimento domiciliário, excepto para um conjunto de deslocações autorizadas, entre elas a aquisição de bens e serviços essenciais, desempenho de actividades profissionais, quando não haja lugar a teletrabalho, participação no âmbito da campanha eleitoral ou da eleição do Presidente da República e frequência de estabelecimentos escolares.

Apoios

Face ao confinamento nacional, o Governo prometeu, na apresentação dos apoios às empresas, mais dinheiro e pagamentos mais céleres. As empresas obrigadas a encerrar vão poder aceder ao Lay-off simplificado, que vigora durante este período de confinamento. Uma das novidades é a reabertura da linha de crédito Covid-19. A dotação, neste arranque, é de 400 milhões de euros. São elegíveis empresas com quebras de 25% em 2020, ficando obrigadas a manter os postos de trabalho existentes e proibidas de distribuir lucros enquanto durar o apoio.

Economia local com a corda ao pescoço

Face ao que se vive, o panorama volta a afigurar-se negro para os comerciantes e empresários do distrito que fecham as portas dos estabelecimentos. O presidente da Associação Comercial e Industrial de Macedo de Cavaleiros considera que os maiores prejudicados continuam a ser os mesmos. “A economia fez um grande esforço para que as pessoas voltassem a entrar nos estabelecimentos sem medo e agora voltamos atrás e acabamos por prejudicar, com grande gravidade, o comércio”, assinalou Paulo Moreira, para quem “este critério de fecho devia contemplar que os espaços não pagassem rendas”. A presidente da Associação Industrial e Comercial de Alfândega da Fé também teme pelo futuro da economia local. Olívia Bebiano acredita que “isto vai ser extremamente prejudicial”. Pegando no exemplo da restauração, sendo que há possibilidade se trabalhar noutros regimes, afirma que “o que se está a fazer é tapar o sol com a peneira”. “Está a dizer-se ao comerciante que pode trabalhar mas na verdade não lhe dão os instrumentos todos para laborar como o fazia habitualmente”, esclareceu. Maria João Rodrigues, presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Bragança, também lamenta o sucedido. “Na altura as empresas ainda tinham uma certa liquidez. Agora a preocupação é redobrada porque, ao longo destes meses, não conseguiram repor os valores que tinham”, explicou, pedindo aos empresários que tenham “esperança”. “As empresas que estejam em dificuldades que procurem os seus contabilistas, que são as pessoas mais indicadas para os ajudar, porque fechar de vez não é a melhor solução", vincou a presidente da estrutura.

Empresários estão revoltados mas não querem desistir

O sector da restauração e cafés, comércio local e os salões de estética e cabeleireiros são os mais prejudicados com as novas restrições impostas. Carina Gomes é proprietária de um cabeleireiro em Bragança. Não esperava que fossem implementadas estas novas medidas. Apesar de aproveitar o fecho para remodelar o salão, admitiu que os prejuízos vão ser muitos. “Vamos ter bastante prejuízo, mas nós comerciantes deveremos ser unidos e tentarmos não fechar portas”, referiu, salientando que, para já, não está em cima da mesa encerrar definitivamente. A empresária disse ainda que, com a pandemia, o movimento diminui consideravelmente. “Tivemos uma quebra bastante grande, algumas pessoas tinham bastante receio”, contou, acrescentando que, ainda assim, quando foi anunciado este segundo confinamento, algumas clientes recorreram logo ao salão para se “precaverem”, uma vez que não se sabe até quando durará esta fase. Já Cristela Martins tem um salão de estética e, contrariamente ao restante comércio, disse estar a ter um Janeiro com muitas marcações. “Vejo isto com grande tristeza, com revolta, não consigo compreender o facto de terem fechado certos estabelecimentos que dizem ser não essenciais, e outros, como tabacarias e papelarias, manterem-se abertas. Nós temos tudo conforme nos é pedido e imposto”, afirmou. Também no dia antes do encerramento do estabelecimento teve uma adesão anormal. “Trabalhei até muito tarde para conseguir chegar a todas e não consegui”, disse. Cristela Martins tem esperança que depois deste confinamento as coisas vão melhorar e, tal como Carina Gomes, não prevê fechar definitivamente o salão. “Não quero, não vou desistir, não aceito e vou lutar até ao fim”. O comércio local e as lojas de roupa também não foram poupados. Um segundo murro no estômago: é assim que Tica Mesquita considera este novo confinamento. A proprietária de um loja de roupa em Bragança espera que isto não passe de uma “fase” e que, em breve, tudo volte à normalidade. “Alguns clientes vêm, mas há muita gente que tem medo, que não circula na rua, e depois há outros que fazem questão de vir porque sabem que dependemos das compras deles”, contou. O negócio conta já 20 anos de existência e, por isso, fechar não é hipótese. No caso dos restaurantes, o take-away e as entregas ao domicílio é o que os faz manter em actividade. Em Macedo de Cavaleiros, Paula Carvalho defende que este confinamento será pior que o de Março. “O primeiro confinamento já foi difícil de passar, este será muito pior. Os negócios têm gente a trabalhar que dependem de nós. Vamos tentar servir para fora, como é nosso costume, e veremos como funcionará”, disse a proprietária de um restaurante. Por Bragança, António Alves também tem um restaurante e já conta com algumas dezenas de anos de actividade. Apesar de estar perto do fim da carreira, tinha ainda a intenção de continuar mais uns anos e depois até passar o negócio a quem estivesse interessado. Com a pandemia as coisas tornam-se difíceis e possivelmente fechará portas mais cedo do que previa. “Tínhamos outra sala no primeiro andar, resolvemos fechá-la, transformámos num escritório que, neste momento, está alugado e aqui só temos 40 lugares, agora só estamos a funcionar com 20 e sobram”, contou. Esta segunda-feira, os proprietários de salões de estética e cabeleireiros de Bragança fizeram um protesto e abriram portas, mas sem receber clientes. Uma forma de mostrarem que estão contra as restrições do novo confinamento.

 

Jornalista: 
Carina Alves/Ângela Pais