50 anos de memórias

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Todos os povos têm memória e é esse atributo que lhes dá a consistência da sua própria existência como povo, como Nação e como Estado. No dia 25 o povo recordou e festejou abril. Festejou a revolução dos cravos. Tinham desembarcado na Praça do Comércio, a liberdade, a democracia e a igualdade. Três passageiros de um barco enviado pelos quatro cantos do mundo e que se associaram a batalhões cujos interesses eram idênticos. A ânsia de liberdade era enorme e a necessidade de viver em democracia era demasiado apelativa para quem nunca a tinha conhecido. Na realidade foi em África que se iniciou a revolução. Foi em África que se lutou pela liberdade e pela democracia e foi de lá que partiu o barco que trouxe esses passageiros especiais e os espalharam por cá com a ajuda dos capitães de abril. No dia 25 eles efetivaram todas as ânsias contidas, tanto de lá como de cá. E com a serenidade e o perfume de cravos vermelhos de Tavira, impediram as armas de disparar e espalharam sorrisos e esperança no meio do povo. Este agradeceu profundamente a liberdade que lhe deram. Alguns não a souberam usar, pois não estavam habituados. Desculpável. Hoje recorda-se e a memória subsiste. De todos os cantos do mundo, Portugal recebeu neste dia os parabéns pelos cinquenta anos da Revolução dos Cravos. Meritoriamente. Valores como a democracia, a liberdade e a dignidade foram exaltados por todos os países e desejaram que nunca mais se percam. Portugal recebeu o recado e agradeceu. De África à América e a uma Europa unida, os ecos chegaram e repercutiram. Certamente esses valores que tanto custaram a obter, não se vão perder, porque o povo português não vai querer perder o que tanto custou a ganhar. Ainda há memória! Foi na casa da democracia que no dia 25 se recordaram estes cinquenta anos que medeiam entre a revolução e a atualidade. Muitos viveram as memórias que subjazem ainda, outros não as têm porque nasceram depois, já em mares muito mais calmos e recordaram apenas os anos que a democracia lhes ofereceu. Todos os partidos se referiram a abril e aos valores que ele trouxe. Há cinquenta anos que assim é. Desfilam-se memórias e referências históricas porque é preciso não esquecer, mas pouco se ambiciona para o futuro e do que se promete pouco se concretiza. E como se pode concretizar se até mesmo a própria democracia não está consolidada? Como se pode concretizar a liberdade se ainda não há dignidade e igualdade para todos? Mas falou-se de liberdade tanto do lado dos mais velhos como dos mais novos. Uns que pouco a conheceram e outros que nasceram no seu seio. Mas falaram dela. Desde o líder do Livre que recordou os tempos em que a mãe era empregada de um brigadeiro do Antigo Regime que lhe perdoava as referências ao sistema, até à jovem deputada do PSD que não tendo vivido a Revolução, mas que nasceu no seio da democracia e apelou a um futuro melhor e a um Portugal mais forte, todos exaltaram abril. Não se esperava outra coisa. Entenda-se, no entanto, que só compreende a revolução quem verdadeiramente viveu no antigo regime. Os mais novos conhecem o valor da liberdade e da democracia porque sempre viveram nela, mas não aquilatam o seu valor. Não conseguiriam viver hoje sem liberdade. Não basta falar da ditadura e da necessidade de a derrubar. É preciso sentir essa necessidade. Saber que é necessária. Todos se referiram aos capitães de abril e ao que conseguiram conquistar. De uns, presentes, recordaram o que viveram, de outros, hoje resta simplesmente a memória do que fizeram e a importância que tiveram. Mas também se referiram aos ganhos que abril trouxe nestes cinquenta anos. Mal seria se nada houvesse para comemorar nos tempos que correm. Mudou muito. Ações concretas e palpáveis, umas mais aceitáveis que outras. Mas avanços, sim. Já Marcelo deu uma aula sobre a História do antes e do depois da Revolução. Dividiu o tempo em ciclos e neles referiu os avanços e os atrasos que Portugal atravessou. Nada se conquista facilmente, nem a democracia, nem a liberdade. Portugal abriu tanto as portas que teve de as fechar rapidamente, antes que fosse demasiado tarde. No final, o Parlamento dividiu-se quando ecoou Grândola, vila morena. A es- querda levantou-se e cantou, enquanto o centro direita e a direita radical saíram. Afinal abril ainda consegue dividir! É pena. Na rua, a comemoração do 25 de abril tinha lugar marcado em todo o lado. A Avenida da Liberdade viveu talvez o maior desfile destes cinquenta anos de liberdade. Mas quem se mobilizou mais para sair à rua e aparecer no desfile, foi a esquerda, talvez porque se sente ameaçada pelos resultados que obteve nas últimas eleições. Mas é o povo quem mais ordena. Do Quartel de Santarém até ao Rossio e daí até à Pontinha, passando pelo Quartel do Carmo, sobressai o nome de Salgueiro Maia. Dele resta a memória. Não caiu em combate, mas a morte levou-o talvez antes da hora. Ele fará sempre parte integrante desta História que nos pertence e da qual nunca sairá. Da- qui a cem anos, talvez ainda permaneça a memória deste herói de abril a par da data de uma Revolução que trans- formou Portugal com cravos vermelhos.

Luís Ferreira