Defesa de Graça

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Na altura em que escrevo esta crónica espera-se que se complete o ciclo vacinal, no que à primeira dose diz respeito, com a vacinação de mais de cem mil jovens, a maioria deles entre os 12 e os 18 anos. Esta faixa etária esteve fora dos planos de vacinação até há bem pouco tempo. E bem. Apesar de parecer a toda a gente que seria um passo lógico, necessário e indispensável para a tão ambicionada imunidade de grupo, apesar de, provavelmente, a cidadã Graça Freitas pensar como a maioria dos cidadãos, a Diretora Geral de Saúde esperou, como devia esperar, pela evidência científica necessária para validar a decisão que, podendo ter acontecido mais cedo, veio no tempo certo e adequado. Mas, nem mesmo assim se livrou de ser, mais uma vez, o bombo da festa da imprensa, dos “especialistas” e dos opinadores, a começar pelo próprio Presidente da República. Veio Sua Excelência lembrar que já tinha advogado a vantagem no uso de máscara facial, meses antes de ser tomada tal decisão. Esqueceu-se, convenientemente, de outras situações em que as suas capacidades preditivas, com base na sua inegável inteligência analítica e dedutiva, foram menos certeiras (quem não se lembra da “necessidade/conveniência” em salvar o Natal de 2020?), mas, mesmo que, até nessas alturas, tivesse acertado no alvo, continuava a faltar-lhe razão para reclamar qualquer clarividência nesta matéria. O tempo em que o rei alinhava a realidade com a sua visão, a lei com a sua palavra e a justiça com o seu julgamento, já ficou há muito, perdido na escuridão civilizacional da Idade Média. E, desse tempo, há vários relatos fidedignos e documentados de acertos providenciais no diagnóstico de doenças e de episódios em que mezinhas caseiras e de circunstância salvaram a vida a alguns dos seus autores por delas resultarem curas miraculosas de gente importante da sua época. Mas não há, porque seria impossível descrevê- -las a todas, relato das incontáveis vítimas dos pareceres “sábios” dos curandeiros da época e que, em muitos casos, “viam”, antes dos outros o que, estando à vista de todos, afinal era algo bem diferente e que só a ciência veio, mais tarde, revelar. O que ao comentador Marcelo Rebelo de Sousa poderia ser criticável, mesmo que aceitável, não é facilmente admissível no Presidente da República. Para além de que a intuição do seu ocupante, podendo ser útil em questões meramente políticas, é perigosa se extravasar as reais competências da instituição Presidência. Além de que não lhe fica nada bem ajudar ao foguetório mediático de bombardear a institucionalista (e bem) Diretora Geral de Saúde. Que tem estado bem, mesmo quando as suas ações não foram as mais adequadas, quando vistas à posteriori, mas que eram as necessárias na altura. E que por isso mesmo nos dão a confiança de acerto generalizado, de acordo com o que eram as certezas de então, ao contrário de quem anda ao sabor da opinião geral e generalizada tendo frequentemente de ziguezaguear para corrigir porque as decisões políticas foram, muitas vezes erradas ao passo que as técnicas, podendo ser, eventualmente, tardias, foram sempre na direção correta. O mal esteve quando a política se impôs à evidência. Recentemente ultrapassámos um milhão de infetados pelo Covid19. De todos os que vieram zurzir na Diretora Geral de Saúde quando foi anunciada esta possibilidade, obrigando-a a mascarar o seu parecer, devidamente fundado, como ficou demonstrado, nenhum, absolutamente nenhum veio a público retratar-se e muito menos pedir desculpa à cidadã Graça Freitas pelo que então dela disseram e pela afronta que lhe causaram. Marcelo condecorou, e bem, o vice-almirante Gouveia e Melo. Este no seu agradecimento não se esqueceu de referir que o seu trabalho se pautou sempre pela fidelidade ao determinado pelas autoridades de saúde. Ficava bem, ao Presidente da República, elogiar igualmente a DGS, na pessoa da sua competente e dedicada Diretora.

José Mário Leite