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A dignidade perdida, ou não

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Há ocasiões em que perdemos toda a dignidade ou onde ela deixa de ser importante. São, de facto, momentos em que deixamos de ser tão importantes como julgávamos ser e passamos a ser mais um elemento de uma imensa cadeia igual a tantos outros. Mas também há o outro lado, aquele em que a dignidade pessoal não conta e deixa de ser especial e aquela que é realçada devido a exemplos de vivências que marcam um tempo e uma época. Assim, temos como exemplo a Rainha Isabel II de Inglaterra que morrendo, perdeu a sua dignidade pessoal, mas não perdeu a dignidade que marcou toda a sua vida e pela qual foi altamente elogiada e louvada. Ao morrer perde-se tudo, mas não perdemos tudo. A pessoa em si, perde a dignidade porque não se pode comportar seja de que modo for, pois está morta, mas mesmo sendo-lhe destinada uma morada subterrânea e com sete palmos de terra a cobri-la, mantém, de alguma forma, para quem a recorda, a dignidade com que sempre foi considerada. A pompa e circunstância com que o funeral da rainha decorreu, foi digno de uma Chefe de Estado, como não poderia deixar de ser, mas a dignidade da rainha foi com ela. É a lei da vida. Contudo, muitos foram os que a quiseram acompanhar nestes momentos. Uma fila de sete ou oito quilómetros, pelas ruas de Londres, de gente desconhecida, só para se despedirem da sua Rainha, é quase surreal. Nove horas de espera numa fila só para ver a urna da Rainha e entrar de alguma forma no cerimonial fúnebre real, é de admirar. Foram setenta anos de reinado e eles não querem esquecer quem reinou todo esse tempo. Não vão esquecer certamente. Comparemos agora essa pompa e circunstância do funeral real com o enterramento sem identificação e com as valas comuns na Ucrânia, agora descobertas na Região de Karkiv, em Izium. Pessoas desconhecidas, sem nome, sem funeral, sem acompanhamento e abandonadas simplesmente no meio da floresta, para que o tempo se encarregasse de todos eles. Além de terem perdido toda a dignidade, perderam a própria identificação. Uma coisa é comum aos dois casos: Putin não foi ao funeral nem da Rainha nem destes soldados e civis ucranianos. Não por que não tentasse, mas porque não o deixaram. Aliás nem sei se tentou, mas certamente que não já que tem medo que algum tresloucado quisesse acabar com a vida dele, acabando com a sua dignidade e importância que pensa que tem e talvez tenha. O mesmo aconteceu à delegação chinesa que não foi autorizada a entrar na abadia para prestar homenagem à Rainha. Aqui foi uma vingançazita dos ingleses pelo facto de a China ter expulso diplomatas ingleses devido ao facto de eles terem condenado publicamente atuações da política chinesa relativamente ao incumprimento de direitos humanos. Coisa rara! Deste modo, a Inglaterra, subtilmente, vingou-se de Putin e da China, jogando uma cartada Real absolutamente vencedora. A morte da Rainha Isabel II deu finalmente ao filho Carlos a oportunidade que aguardava há muitos anos. Ser Rei é agora a tarefa para que sempre se preparou e que a mãe lhe ensinou. Carlos III tem pela frente muitas dificuldades e terá de saber usar toda a sua sabedoria e subtileza para as ultrapassar. Não começou da melhor forma ao dispensar cerca de um terço do seu pessoal e mandá-lo para o desemprego. Foi já criticado severamente por isso. A opinião pública em Inglaterra funciona muito bem e ele perante o que já foi dito e escrito, só poderá reverter a situação se não quer mais conflitos dentro dos muros da dignidade da realeza. Não se saiu nada bem. A continuar assim, terá de abdicar e dar o lugar a William, seu filho, dentro de pouco tempo. Com menos dignidade, a Rainha Consorte, sempre teve alguma sorte. Preterida por Carlos quando casou com Diana, acabou por ter a sua oportunidade depois do divórcio em 1976 e depois da sua morte acidentada. Liberto pelo infortúnio, Carlos logo correu para os braços de Camilla Parker Bowles com quem casou em 2005. Vivendo na sombra de toda a realeza e odiada por metade do povo britânico, viu agora surgir a sua oportunidade como rainha consorte. Sem qualquer poder real, tem pelo menos a dignidade que o casamento lhe confere para acompanhar o marido para onde ele for. Não reina, não governa, mas é rainha. Deste modo, os que um dia foram dignos acabaram por perder a sua dignidade como é o caso de Putin após invadir um país soberano. Outros foram tratados indignamente sem se saber o grau de dignidade que um dia tiveram e possivelmente foi muito alto, como foi o caso dos mortos encontrados em valas comuns na Ucrânia, completamente desconhecidos do mundo. E ainda aqueles que têm a dignidade de falar sobre acontecimentos deste tipo e acusar os que perderam toda a dignidade que possivelmente um dia tiveram. Não a voltarão a ter.

Luís Ferreira