Jogos de guerra

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Com o avanço das novas tecnologias, as crianças e mesmo os adultos, divertem-se em frente à televisão e não só, com jogos que exemplificam a verdadeira natureza agressiva do homem e cujos objetivos são sempre os mesmos, vencer. Como qualquer jogo de guerra, um dos lados do conflito utiliza todos os meios para conseguir os seus objetivos e subjugar o adversário ao seu poder e domínio. Decalcados de uma realidade de aprendizagens de séculos, só nos penaliza que essa aprendizagem se limite a vencer e não a divertir no verdadeiro sentido dessa mesma realidade. Vivemos hoje um exemplo terrível e que será certamente transposto para um jogo de computador dentro de meses, com a intenção de divertir crianças que se entusiasmarão com essa nova realidade em que dois países se enfrentam ferozmente, sem se importarem com quem morre ou com o que se destrói, mas simplesmente com quem será o vencedor. Neste momento não sabemos. A Rússia e a Ucrânia contabilizam cinco meses de guerra e milhares de mortos e feridos. A destruição é quase total, mas parece não importar, pelo menos para a Rússia de Putin. É um jogo onde cada lado luta com as armas ao seu dispor. Como em todas as guerras há avanços e recuos. Mas o problema vai muito para além da Rússia e da Ucrânia. As consequências que hoje se alastram a todo o mundo são já enormes e terríveis. Os preços dos produtos subiu enormemente tornando incomportável a compra de determinados produtos nos países mais pobres onde a escassez de cereais, por exemplo, é assustadora. Perante a crítica internacional e a pressão das Nações Unidas com intermediação da Turquia, conseguiu-se a assinatura de um acordo entre a Rússia e a Ucrânia para desbloquear os portos da Ucrânia e os barcos que esperam por mais de 25 milhões de toneladas de cereais com destino aos países africanos mais carenciados como a Nigéria. A Nigéria estava já a comprar cereais à América do Sul a preços proibitivos, comprometendo a sua economia já por si demasiado débil. Mas este é um jogo diferente que também não interessava muito à Rússia continuar a jogar. Na realidade, se a Ucrânia é um dos maiores exportadores de cereais do mundo e a Rússia é talvez o maior, a verdade é que à Rússia, por um lado, não interessava reter os seus próprios cereais, mas também não interessa ficar com os produtos fertilizantes e fito fármacos destinados aos tratamentos agrícolas de que são grandes exportadores. E perante um decréscimo enorme da sua economia resultado das sanções internacionais, continuar a não ver o óbvio seria um enorme erro de estratégia económica e social. Isso foi ultrapassado, para já, com o acordo assinado entre as duas potências. Mas, como em todos os jogos, há sempre um trunfo que se tem de ter para ultrapassar as barreiras que o próprio jogo apresenta. E neste caso o trunfo, que os dois tiveram de usar, foi a Turquia. Este país desempenha um papel crucial neste conflito. Controla o estreito do Bósforo e sem a sua autorização, não há barco que por lá passe sem sua permissão. Aberto o Bósforo, os barcos ucranianos retidos nos portos ucranianos, já podem zarpar rumo aos países que aguardam os desejados cereais. A fome, um jogo difícil de jogar, vai poder parar um pouco e atenuar a ansiedade dos povos. Com a culpa toda em cima dos ombros, Putin não teve outro remédio senão aceitar a assinatura de um acordo que também lhe interessava enormemente ou não. O bombardeamento do porto de Odessa é disso um exemplo ao mesmo tempo que não se importa nada com o poder interventivo da ONU nas negociações para o acordo. Mas a questão é muito mais vasta. As críticas a que estava sujeita a Rússia e Putin eram de tal forma pesadas que só um acordo deste tipo o salvaria por mais algum tempo, embora ele ligue pouco a acordos. Todos os países do mundo, perante a horrível consequência da fome, especialmente em África, condenavam Putin e não auguravam um fim satisfatório para o ditador. Poucas eram as exceções a esta condenação ou porque lhe devem favores, ou esperam dele algo em troca ou mesmo porque simplesmente são pára-quedistas e oportunistas como o líder da Bielorrússia. Estes jogam um jogo de conformidade e paralelo que só complicam e em nada ajudam o jogo real. Papel importante coube também a Guterres como representante da ONU que acabou por liderar também o processo acordado, manchado pela atitude de Putin ao bombardear Odessa poucas horas depois. De qualquer forma, marcou pontos positivos para organização internacional e para Portugal. Assinado o periclitante acordo resta agora saber como se vai desenrolar a guerra na Europa. Para Putin e seus bajuladores, ela está para continuar e para além do Donbass. Para Zelensky, travar os russos é uma prioridade em que acredita, mas que depende de mais armas. O jogo de guerra continua e como em todos os jogos, quando se esgotam as armas, há que recuperar mais utilizando outras formas de as conquistar. Para Zelensky é mais difícil, mas para Putin as armas também se esgotam. Afinal quando é que este jogo de guerra vai acabar? Não será para já.

Luís Ferreira