Luxos

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A quadra natalícia impele mesmos os carentes de tudo a gastarem o que podem vir a ter, pois a época leva a gestos de inusitada generosidade, a sacríficos dolorosos, até a tragédias como o ilustra Mestre Aquilino Ribeiro em o conto O Cavaquinho. Um lenço de assoar, um par de meias, um boneco enrolado em pano, constituíam luxo luxurioso para quem tinha a ventura de receber essas prendas. Mas esta crónica desencaixada é uma reflexão relativa a luxos ofensivos na posse da nababos capazes das maiores excentricidades no intuito de serem aceites no restrito, logo exclusivo número de míticos sibaritas a ficarem na história como ficou Assurbanípal, rei da Assíria, o qual ofereceu um ágape para mais de 70.000 convidados onde nos sete dias de duração foram consumidos 1000 bois, 10.000 cordeiros de pasto e de curral, outras iguarias em quantidades gigantescas. Na minha cidade natal, Bragança, nunca existiram plutocratas desse calibre, mesmo em Portugal contam- -se pelos dedos os argentários que ao longo dos séculos ficaram nos anais dada a sua inclinação para o luxo/luxo. No burgo do Braganção teceram-se vestimentas luxuriantes provindas da indústria da seda, só os membros do clero nos dias Santo e de guarda e da nobreza chupista usufruíam da macieza túrgida dos veludos, dos tafetás e gorgorões. Na minha meninice veio a lume nos lavadouros citadinos que fulano tal possuía mil contos (não de encantar) provocando tal soma enorme admiração, o negociante de batatas e castanhas era milionário! Ora, há dias o publicista António Araújo glosou no DN uma restrita e requintada festa destinada a 12 convivas, abrilhantada por 120 modelos femininos sem defeito, na qual foram servidas comidas e bebidas dignas do refulgente Petrónio, envolvendo centenas de funcionários e segurança obrigados por escrito a rigoroso sigilo. Só que, o resort de tantas estrelas quantas as do firmamento (passe o exagero) possuía câmaras de filmar, uma fuga de informação obrigou a precipitada debandada dos participantes. Custo da festança: 50 milhões de dólares. O Rei D. João V, que morreu dado ter ingerido lagosta em demasia, escorado no ouro e diamantes do Brasil não acharia caro o dispêndio se o ágape tivesse sido levado a efeito no seu tempo, seria um sinal de luxo lusitano, o acima descrito é um eco de luxo arábico. Várias obras na área da história e das ciências sociais dedicadas ao luxo explicam o vaivém do luxo, dos muitos milhares de postos de trabalho em consequência da indústria adstrita a tão importante nicho de mercado, só que outras milhares de pessoas sobrevivem esgaravatando no lixo do luxo, ante o estrídulo esbanjar de milhões por poucos. Sem qualquer pretensão moralista, muito menos detentor de virtudes exemplares, a obscena quantia das libações na Arábia excedem os registos neste género de bunga-bunga do multimilionário Berlusconi, mesmo do padrão do marcante luxo asiático. Neste Mundo cão (lembram-se do filme?) a opressão da dissipação gera raivas alterosas (pensemos na Revolução Francesa) conducentes a explosões sociais que nunca sabemos até onde chegam, sabemos, isso sim: as sangrentas consequências. Caro leitor: faça o favor de desculpar a crónica acidulada em vésperas de Natal, mas se não a escrevesse ficava azucrinado comigo mesmo. A todos quantos têm o hábito de ler os textos da minha lavra e aos elementos do Nordeste Informativo os meus votos de Boas Festas. Um voto de saudade em memória de Teófilo Vaz.

Armando Fernandes