Melancolia das rotundas

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Gostava - e gosto ainda - de passear de carro sozinho, pequenas felicidades surgiam através das nossas terras, dos campos e florestas. E uma conversa com um cantoneiro? Emergiam os passeios secretos e aventurosos da minha infância. Cada um tem as aventuras que pode, mas recordo-me duma espécie de êxtase que me invadia quando, à saída duma aldeia, vila ou cidade, investia numa dessas estradas sinuosas ou direitas com as bermas cheias de flores, giestas, estevas e árvores bem perfumadas e vivas que me conduziam a um mundo novo, desconhecido e desejado, como uma espécie de linha de fuga, uma bela escapada e misteriosa. Há já alguns anos, e tudo mudou. Não há um concelho que não tenha a sua zona artesanal ou industrial como tantos tentáculos dum polvo monstruoso que o fecharia na sua fealdade. Não há um que não tenha as suas rotundas. Ah, as rotundas! No conselho de Bragança, conheço poucas aglomerações, até à mais pequena aldeia, que tenham conseguido fugir a uma pequena rotunda. Quantas rotundas existem em Portugal? Centenas, milhares? Ninguém sabe bem ao certo e não encontrei nenhuma referência ao tema! Mais do que um princípio, é uma mania, uma moda sombria, uma obsessão. Uma espécie de delirium tremens de alcoólico mal arrependido. Somos o país das rotundas. E pagámos certamente o preço, milhares de euros pelas mais modestas e milhões pelas mais imponentes e majestosas. Que importa que estejamos sobre- endividados. Dir-me-ão, isso faz funcionar os serviços das administrações territoriais, sem falar das empresas de trabalhos públicos. Os presidentes da câmara e outros presidentes de tudo (concelhos, regiões, comissões de urbanismo, enfim todas os vereadores locais), que no entanto passam a vida a dar lições de economia ao Estado, amam- -nas apaixonadamente como amariam o filho dos seus amores ilegítimos. É que a rotunda deu-lhes a ocasião única e inesperada de exprimir o seu génio artístico, toda esta criatividade reprimida que o mundo inteiro deveria invejar-lhes. Se, pelo menos, ficássemos pelas rotundas bucólicas plantadas com ervas, flores e árvores, contudo a maior parte transportam literalmente os fantasmas artísticos – ou a sua vacuidade como queiramos – dos seus vereadores. Há de tudo nas rotundas, há as literárias com bustos de grandes nomes ou mais imponentes no seu cavalo, há as futuristas, como a dos anzóis em Torres Vedras ou a das minhocas em Albufeira, ou tantas outras em ferro oxidado por esse Portugal fora, há sobretudo muitas etnográficas e são as mais engraçadas. Já não é preciso o guia Michelin. No caso de não saber qual é a atividade da terra onde se entra, é-nos anunciada a cor pelas esculturas das rotundas: sacos de batatas ou cantarias de Vila Pouca, cantarinhas de Bragança, barcas em Almada que anunciam o mar próximo, alegorias do mundo dos bombeiros, vacas como a lembrar que aí há leite e queijo, e passo pelas melhores. Estamos de alguma forma em Alice no país das maravilhas, ou na feira popular. Tudo isso respira a melancolia do vazio e da futilidade. Além do mais, as rotundas são no man’s land constrangedores onde só passamos. Abreviando, as rotundas por si sós, tema tão recorrente nas conversas, não passam dum sintoma da nossa esquizofrenia. Ficam muito caras, descaraterizam a paisagem e o país, podemos ver nelas a metáfora dum país que anda completam à roda.

Adriano Valadar