NÃO GOSTO DO BLOCO

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Ponderei seriamente dar outro título a este texto: “Até gosto do Bloco” poderia muito bem encabeça-lo e tal não feriria a minha sensibilidade nem beliscava as minhas convicções democráticas, que convivem muito bem com a diversidade desde que os outros sejam capazes de respeitar os meus valores. O B.E. enquadra-se perfeitamente nesta lógica, até porque o ar desempoeirado dos seus membros e a imagem desajustada nos Passos Perdidos fazem-me recordar tempos de juventude nos quais, o sonho maior era pastorear ovelhas recitando poemas de Caieiro, ou, mais tarde, ir para Cabo Verde em busca do paraíso perdido.

No entanto, o meu “gosto” ficar-se-á por aqui pois na procura de uma identidade ideológica do Bloco não consegui aceder a uma matriz que demostrasse efetivamente as orientações que segue, nem tão pouco se, dizendo-se de esquerda, é uma esquerda mais para a esquerda ou uma esquerda mais para a direita. Por inferência, sou levado a pensar que dá jeito a alguns dizer que é mais da esquerda-esquerda (os políticos dizem radical) porque assim a esquerda existente preserva o espaço que já ocupava, e a direita-direita dirá o mesmo pois nem de longe nem de perto quer ser maculada por ideais revolucionários ou jovens inconformados.

Perante a forma como o Bloco tem atuado, desde que se tornou suporte do governo socialista, ancoro o meu pensamento nos eruditos de outros tempos que, da experiência, extraíram máximas: “Se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder.” – Abraham Lincoln ou, séculos antes, “Dê o poder ao homem, e descobrirá quem realmente é.” – Maquiavel. Neste caso substituir-se-ia a palavra “homem” por “partido” e o resultado será idêntico.

 Quando se voltou a falar da aplicação dos decretos saídos em 2006 e 2009 que obrigavam à limpeza dos terrenos por causa dos fogos, considerei, como tantos outros, que era uma medida excelente face aos acontecimentos do ano passado. Porém, dada a psicose vivida e ampliada pelos órgãos de comunicação, fui-me apercebendo de que autarquias e particulares foram muito além do estipulado por lei, e se antes vários hectares de terreno estavam abandonados mas com vida, agora estão definitivamente mortos. Tudo isto porque neste afã de limpezas, não só se destruíram habitats da avifauna, como se cometeram verdadeiros atentados contra a flora e exemplares protegidos ou em vias de extinção. Lá que a direita continuasse vesga até se tolera, que o partido socialista não veja, já é habitual, agora que o B.E. não ouça nem fale vai muito além do que é expectável de um partido dito de esquerda. A mesma posição foi assumida quando a questão dos aumentos aos assessores políticos veio para a praça pública, não tendo também havido qualquer tomada de posição sobre relatórios e auditorias não divulgadas, digam elas respeito a assuntos nacionais como o caso dos grandes incêndios ou a resultados das auditorias à Santa Casa da Misericórdia sejam eles favoráveis ou não ao anterior provedor.

Já em termos de políticas de educação, o pacto de silêncio mantém-se no que respeita aos programas de disciplinas nucleares seja em que nível de ensino for, os exames nacionais são unanimemente aceites e mais grave do que isso é que, se em círculos restritos já se fala que o governo se prepara para entregar de vez os cursos de dupla certificação a escolas privadas – e orçamento para o próximo ano aponta para isso – o certo é que o B.E. mantém a mesma posição silenciosa.

Por tudo isto e muito mais, sou levado a pensar que o B.E. não será verdadeiramente um partido mas sim uma agregação de vontades, com pessoas intelectualmente capazes mas em busca de uma identidade enquanto partido que não definiu, a priori, o seu espectro ideológico nem qual a missão, a visão e os valores pelos quais se pretende afirmar.

Para ser partido não basta a contestação sem ideologia, nem agarrar causas que de ideológicas pouco ou nada têm. É para isso necessário conhecer a realidade, não se deslumbrar com a proximidade do poder e, sobretudo, estar próximo dos contextos nacionais. Caso contrário, os membros do B.E. quedar-se-ão na contemplação onírica de uns instantes fugazes, sem se aperceberem que o tempo passa, e, quando caírem na realidade já terão cabelos brancos, rugas na testa e terão perdido todo o encanto porque deixaram a poeira cair-lhe nos ombros e não souberam sacudi-la a tempo.

Já agora, as questões ambientais não deverão ser ideologia e a preservação das espécies terá de ser um desígnio de todos para o nosso bem, dos que vierem e da humanidade, com a certeza de que, se cada um fizer o que lhe compete e pode no seu mundo, em breve haverá um Mundo diferente.        

Raúl Gomes