“O grande Gatsby” (algumas afinidades avulsas)

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Scott Fritzgerald foi um dos maiores escritores americanos do sec. XX. Começa a carreira literária nos anos vinte do século passado. São os anos de ouro do desenvolvimento tecnológico, do primado da técnica, da ciência e da máquina. (Até F. Pessoa disse que o Binómio de Newton era mais bonito que a Vénus de Milo). Assistiu-se, então, a desenvolvimentos económicos, sociais e culturais até aí nunca experimentados. Assim, Fritzgerald escreve ao ritmo do Jazz de New Orleans, dos filmes de Hollywood e dos carros de Detroit. Eram “os loucos anos 20”. Ainda para cúmulo, o pós guerra trás sempre consigo muita, muita vontade de viver e de viver depressa. Mas Fritzgerald é um homem controverso. Oscila entre uma postura humanista (de esquerda) e um deslumbramento com a vida daqueles novos ricos, com a sumptuosidade das suas festas, com aquele correr de dinheiro vindo de todo lado até das ilegais destilarias de whiskey. (Também Visconti consegue conciliar uma maneira de ser de esquerda com uma maneira de estar aristocrática. Talvez os seus amigos de Paris, Jean Renoir e Coco Chanel, tivessem contribuído para isso. Se ele dizia que “a aristocracia não são os latifúndios, não são as rendas mas sim uma forma de estar”, Coco Chanel dizia coisa parecida: “luxo não é dinheiro mas sim a ausência de vulgaridade”. É neste caldo de cultura que Visconti faz o filme “La Terra Trema” todo neo-realista, todo comunista mas também faz o “Leopardo” que, com os seus palácios, os seus salões, o seu roupeiro, é um hino à aristocracia no entanto já decadente. Visconti via com nostalgia e mágoa o desaparecimento da Aristocracia ao mesmo tempo que subescrevia as teses do Partido Comunista Italiano.) Este envolvimento leva-o a escrever muito sobre moda. E fá-lo tão bem que os críticos dizem que ele fez da moda um personagem dos seus contos e romances. (Também Fellini, outro “La Fontaine modernista”, no seu filme “La Dolce Vita” fez da Fonte de Trevi o 3.º personagem, o personagem tutelar daquela cena em que Marcello Mastroianni e Anita Ekberg se banham ao luar. Foi uma cena fascinante e tão marcante que ficou indelevelmente gravada no imaginário dos cinéfilos a ponto de, quando Mastroianni morreu quase 40 anos depois, dezenas de anónimos se dirigiram à Fonte de Trevi para lhe fazer a vigília. No entanto, sociólogos mais rebuscados dizem que não, que eles não foram fazer nenhuma vigília, foram sim ver a vigília que a Fonte de Trevi faria ao seu “compagnon de route”.) De qualquer forma Fritzgerald escreve “O Grande Gatsby” um romance que, como todos, é autobiográfico. (Madame Bovary!? c`est moi-disse Flaubert .) E assim Nick, o vizinho, amigo e confidente de Gatsby, é nem mais nem menos que Fritzgerald. A história conta-se em duas penadas: Gatsby, embora de origens humildes, é um homem riquíssimo com uma mansão quase permanentemente em festa. Festas onde há tudo em doses exageradas: carros, álcool, mulheres, droga, luz, moda etc. Nick, talvez o único amigo de Gatsby, acompanha este para todo o lado em permanente crítica mas sempre encantado com todo aquele aparato (”…vinho, riso, poesia e uma mão ladina sobre a carne morna.”) Subitamente Gatsby vê-se envolvido num triângulo amoroso (daqueles triângulos que na maior parte das vezes tem mais que três vértices) e um marido inconsolável desfechou-lhe dois tiros de pistola. Nick contacta os frequentadores da casa de Gatsby para lhes comunicar a morte e convidar para a vigília. Para seu grande espanto todos manifestam a sua indisponibilidade e muitos deles começaram a questionar as origens de Gatsby, o seu tipo de vida, o seu dinheiro, a origem deste, etc. E, assim, ao enterro só foram Nick, o pai de Gatsby e um terceiro que não se sabe bem o que está lá a fazer.

Também Armando Vara tem uma trajectória de vida com alguma afinidade à de Gatsby. Ambos de origens humildes, chegaram ao topo. Armando Vara foi Secretário de Estado, Ministro e Banqueiro. Mais não havia para ser e no entanto, hoje, Vara está a braços com uma pena de prisão pesadíssima por tráfico de influências. Imagine-se!!! Tráfico de influências no País da cunha! Aliás, para nossa informação e porventura defesa, deveriam os Doutos Juízes e Magistrados fazer uma aclaração sobre a dimensão paramétrica da “cunha” e do “tráfico de influências” para sabermos onde estão as “linhas vermelhas”. Sem essa definição ficamos sempre sujeitos às leituras maximalistas ou tolerantes dos Juízes. É que o “tráfico de influências” não sendo fenómeno novo e sendo condenado eticamente pela nossa Sociedade não me parece que esta esteja preparada para o considerar um ilícito criminal, embora os Juízes estejam. Não é por acaso que Vara é o único preso por tráfico de influências. Dá que pensar, não? A criminalização deste ilícito é relativamente recente e aconteceu em Portugal um pouco por pressão Europeia depois dos escândalos “Giscarat” em França e da “Gente Guapa” de Gonzalez em Espanha. Tanto assim é que o Código Penal de 1982 não lhe fazia qualquer referência. A criminalização surgiu no Código Penal de 1995 sem no entanto contemplar a Influência Suposta ou a Influência para obtenção de decisões legais bem como não compreendia os bens não patrimoniais. Depois no Código Penal de 1998 passa a ser criminalizada também a Influência Suposta, a possibilidade de obtenção de vantagens não patrimoniais e o Tráfico de Influência para obtenção de decisão lícita. Esta Lei é controversa e há quem a ache inconstitucional porque não se sabe bem o que é Influência Suposta nem qual é o ”Bem Jurídico” que defende. Como pode uma Influência que não é real desencadear actos da Administração? De qualquer forma, a Lei em vigor aplicada de forma maximalista não deixa muitos de fora. Uma “cunha” a um professor, um pedido a membro de um júri que selecciona trabalhadores podem ser alvo da atenção de um Juiz mais “draconiano” como foi o caso, vergonhoso, da investigação, com buscas, a um Ministro por causa de um bilhete de futebol. E no entanto nessa matéria todos temos qualquer coisa a dizer. Não pretendendo armar-me em S. João Evangelista mas apetece-me, no entanto, perguntar: “quem atira a primeira pedra”?

Ao Vara, disponibilizando o apoio possível, desejo que estes dias lhe sejam muito, muito breves.

 

Manuel Vaz Pires